social

Desigualdade digital escancara uma perversa exclusão no Brasil

By | Tecnologia | No Comments

Se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre a importância maiúscula da Internet em nossas vidas, a pandemia de Covid-19 acabou com ela. Especialmente no período de mais distanciamento social, trabalhar, estudar, comprar e até se divertir dependiam dela. Mesmo agora, com tudo reaberto, muitas práticas online que desenvolvemos naquele momento permanecem, pois descobrimos enormes ganhos. Mas isso também jogou luz sobre a profunda desigualdade digital na população brasileira.

A pesquisa “O abismo digital no Brasil”, publicada recentemente pela consultoria PwC e pelo Instituto Locomotiva, coloca isso em números. De um lado, temos 29% dos brasileiros “plenamente conectados”; do outro, 20% sem conexão alguma. Isso traz enormes prejuízos às pessoas e ao país, criando “cidadãos de segunda categoria”.


Veja esse artigo em vídeo:


O acesso à Internet se transformou em um item essencial de infraestrutura, assim como energia elétrica, água, saneamento básico e telefonia. Pessoas com acesso a esses serviços com boa qualidade desenvolvem uma enorme vantagem. Além disso, quanto mais cidadãos assim, mas um país se torna competitivo internacionalmente.

Mas não se trata apenas disso. A guerra na Ucrânia, cuja infraestrutura vem sendo arrasada pela Rússia, mostrou ao mundo como o acesso à Internet pode desenterrar verdades inconvenientes e incomodar poderosos, de maneira que a vida de pessoas pode chegar a depender disso. Tanto que o bilionário Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX, liberou na Ucrânia o acesso à Internet a partir de sua rede de satélites Starlink.

O estudo identifica, entre os 29% “plenamente conectados”, mais moradores das regiões Sul e Sudeste, com celular pós-pago, acesso por notebook, bem escolarizados, integrantes das classes A e B e brancos. Do outro lado, os 20% “desconectados” são compostos principalmente por homens, idosos, não-alfabetizados, das classes C, D e E. Entre eles, estão os 26% “parcialmente conectados”, que são majoritariamente do Sudeste, negros, menos escolarizados e das classes C, D e E, e os 25% “subconectados”, principalmente do Norte e do Nordeste, com celular pré-pago, negros, menos escolarizados e das classes D e E.

Isso desenha um panorama sombrio para o Brasil nos próximos anos. O estudo demonstra que profissões tradicionais, que respondiam por 15,4% da força de trabalho em 2020, encolherão para 9% até 2025. Já as ligadas à tecnologia passarão de 7,8% a 13,5%. E isso é algo que já sentimos em nosso país. O setor de tecnologia demandará 800 mil profissionais de 2021 a 2025, mas o déficit deve ficar em 530 mil vagas não preenchidas. Isso em um cenário de desemprego explosivo!

Outro estudo, feito pela escola de negócios francesa Insead, coloca o Brasil como 75º no ranking de competitividade global de talentos, entre 134 países. Ele se baseia na capacidade de os países desenvolverem pessoas para o mercado e de atrair e reter os melhores profissionais. Na América Latina, estamos na 9ª posição.

O Brasil precisa dar recursos para que os jovens adquiram as habilidades exigidas, e isso passa necessariamente por um bom acesso ao meio digital. Hoje, 81% da população com 10 anos ou mais usam a internet, mas só 20% têm acesso de qualidade.

 

Reflexos na educação e no trabalho

Durante a fase mais aguda do distanciamento pela pandemia, vimos diversos casos de profissionais que foram enviados para trabalhar de casa, mas não conseguiram exercer adequadamente suas tarefas: sua Internet era ruim, sendo que a empresa não lhes ofereceu um plano de dados decente e às vezes nem computador, ficando restritos ao smartphone.

Mais grave ainda foi o observado entre os estudantes. Com acesso precário ou nulo e restritos muitas vezes a um único celular na casa, muitas crianças ficaram sem estudar por quase dois anos. O estudo informa que 21% dos alunos das redes municipais e estaduais estão em escolas sem acesso à banda larga. Isso se reflete em uma pesquisa da organização Todos pela Educação divulgada em fevereiro, que mostrou que o número de crianças entre 6 e 7 anos que não sabia ler ou escrever no Brasil saltou de 25,1% em 2019 para 40,8% em 2021.

Não é de se estranhar, portanto, que o Brasil tenha um dos dez piores desempenhos do mundo em matemática e um fraco resultado em leitura no Pisa, a avaliação feita pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre a educação em 79 países. Com isso, 67% dos nossos estudantes de 15 anos não conseguem diferenciar fatos de opiniões na leitura de textos, algo particularmente problemático em um país em que as pessoas adoram se “informar” por redes sociais.

Segundo a PwC, os principais causadores desse abismo digital são deficiências da infraestrutura de conexão (e aqui entram a qualidade do sinal e custos), limitações de acesso a equipamentos e deficiências do sistema educacional. São problemas profundamente enraizados em nosso país, mas que precisam ser resolvidos, sob risco de termos cada vez mais informalidade do mercado de trabalho, redução da já baixa produtividade do país, atraso no desenvolvimento das pessoas e redução do acesso a serviços públicos.

Para reverter essa situação dramática, a PwC e o Fórum Econômico Mundial sugerem a atuação coordenada de governos, educadores e empresas, com papéis e responsabilidades bem definidos para fortalecer as competências digitais da população.

O governo tem um papel fundamental no processo, com a criação de políticas para impulsionar as iniciativas nacionais de qualificação digital, trabalhando junto com a sociedade civil. As empresas, por sua parte, precisam adotar a capacitação digital da força de trabalho como princípios fundamentais do seu negócio, enquanto as instituições de ensino devem repensar as iniciativas de qualificação profissional, com o conceito de aprendizagem ao longo da vida.

A desigualdade de acesso à Internet vem da desigualdade socioeconômica, e a reforça! Em um mundo hiperconectado, uma nação não pode se dar ao luxo de ter cidadãos desprovidos dos meios necessários para seu desenvolvimento digital, pois dele derivam os demais.

O problema é estrutural e não será resolvido com medidas paliativas, pontuais ou desestruturadas. Trata-se de um gravíssimo problema social, que já impacta pesadamente nossa população. E, se tudo continuar como está, o problema se tornará cada vez maior, empurrando o Brasil para o fosso das nações irrelevantes.

 

A ignorância é o único caminho para sermos felizes nas redes sociais?

By | Tecnologia | No Comments
Faça como Neo, do filme Matrix: escolha a pílula vermelha e abrace a realidade ao invés de prazeres ilusórios - Foto: divulgação

Faça como Neo, do filme Matrix: escolha a pílula vermelha e abrace a realidade ao invés de prazeres ilusórios

“Fake news” em todo lugar. Usuários parando de usar plataformas. Grandes anunciantes ameaçando abandonar o barco. Empresas descontentes com os resultados de suas páginas. As redes sociais, aquelas em que passamos horas e horas todos os dias e que mudaram as nossas vidas, estão sob fogo cruzado. Até ontem, usávamos esses produtos alegremente. Agora parece que tudo ficou sombrio. Mas será que a coisa é mesmo tão ruim ou que essa aparente ruptura foi assim de repente? Faço uma provocação: nas redes sociais, só podemos ser felizes se não levarmos as coisas muito a sério?

Esse questionamento surgiu nessa semana no meu mestrado na PUC, enquanto discutíamos o filme Matrix (1999). Quem assistiu a esse clássico da ficção científica deve se lembrar que o protagonista Neo (Keanu Reeves), em determinado momento, precisa decidir se toma uma pílula azul e continua a sua vidinha, ou uma vermelha e descobre como a realidade de fato era: humanos escravizados por uma gigantesca máquina, sendo que a vida que pensavam viver não passada de uma ilusão implantada diretamente em seus cérebros. Essa monstruosidade tecnológica, a Matrix, mantinha os humanos felizes nessa mentira, enquanto, na realidade, sugava a energia produzida pelos seus corpos inertes, cultivados como se fossem plantas.

Neo escolhe a pílula vermelha, e troca os prazeres da vida ilusória por uma realidade dura, porém libertadora.


Vídeo relacionado:


Guardadas as devidas proporções e certamente com um tom muito menos apocalíptico, poderíamos dizer que nossa relação com as redes sociais, mais notoriamente com o Facebook, segue a mesma lógica. Os algoritmos de relevância nos dizem o que devemos ver, seguindo a ideia de sempre nos apresentar coisas de que supostamente gostamos, de modo que usemos cada vez mais seus produtos e lhe entreguemos nossos dados. Eles são a “energia” que alimenta o poderoso sistema publicitário, fonte de renda da empresa. São conteúdos que nos fazem “felizes”, mas que não são necessariamente bons ou aqueles que precisaríamos ver para nosso bom desenvolvimento.

Mas não foi sempre assim? O que mudou agora?

 

A mentira tem perna curta

Esse debate ganhou força ao longo do ano passado, quando as infames “fake news”, as notícias falsas, caíram na boca do povo. De repente, as pessoas começaram a se sentir enganadas pelas redes sociais (apesar de muitas continuarem compartilhando todo tipo de porcaria sem se preocupar se aquilo era verdade). O Facebook chegou a ser acusado de ter ajudado Donald Trump a se eleger à Casa Branca! Isso forçou a empresa a abandonar sua tradicional postura contemplativa diante do problema, para se engajar publicamente na sua solução.

Para engrossar o caldo da polêmica, ex-funcionários dessas empresas lançaram recentemente campanhas contra as redes sociais, e até mesmo afirmaram categoricamente que elas estão destruindo a sociedade. Segundo eles, os algoritmos prejudicariam nossa capacidade de escolha, senso crítico e até mesmo provocariam depressão em crianças.

No dia 25 de janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), o megainvestidor George Soros taxou o Facebook e o Google de “ameaças à democracia” pelo seu “comportamento monopolístico”. Segundo o bilionário húngaro, a abrangência e os algoritmos dessas empresas provocariam dependência nos usuários e comprometeriam sua capacidade de escolha, representando até mesmo obstáculos à inovação.

Tudo isso pode ter componentes de verdade. Mas ficaram de fora dessas análises um item crucial: o usuário.

 

A decisão é sua

Assim como na Matrix, esses sistemas são feitos para serem sedutores. Afinal, se não nos entregarem algo que achemos divertido, agradável ou útil, usaremos menos o produto, o que seria péssimo para os negócios. Ou seja, em última instância, o poder de decisão continua sendo de cada um de nós.

É aí que a porca torce o rabo.

Na história criada pelas irmãs Wachowski, o personagem Cypher (Joe Pantoliano), um dos “humanos libertados” da Matrix, decide trair seus companheiros de luta enquanto saboreia um bife que ele sabe ser uma ilusão. Ou seja, o personagem decidiu que o engano da Matrix era muito melhor que a realidade e conscientemente abriu mão dessa última.

Não estou dizendo que usar redes sociais nos tiram da realidade. Mas a essência das “fake news” recai sobre a ação do usuário de compartilhar algo que ele acredite ser verdadeiro (ou pior, que deseje ser verdade). Os criadores desses conteúdos sabem disso. Por isso, eles são produzidos para falar diretamente ao coração das pessoas, que passam a espalhar as mentiras a seus contatos. A partir daí, os algoritmos de relevância fazem o trabalho sujo.

É como diz o ditado: me engana que eu gosto!

O grande dilema em que todos nós fomos enfiados é que o algoritmo dessas plataformas ficou tão eficiente em identificar o que nos dá prazer, que se tornaram a ferramenta perfeita para quem quiser espalhar a sua versão de qualquer fato, para atingir seus objetivos, muitas vezes criminosos ou nefastos. O cidadão, por sua vez, vivendo uma vida cada vez mais acelerada e com uma crescente busca pelo prazer (em grande parte, influenciada pelas próprias redes), “baixa as suas defesas” e cai como um pato nesse jogo de poder.

E não pense que isso aí só se aplica a questões políticas, apesar de esse ser o terreno que em que essa combinação de “fake news” e algoritmos azeitados tem feito mais barulho.

 

Não seja ignorante!

Quer ver outro lugar onde isso acontece de montão? Esses malfadados testes do tipo “com qual celebridade eu me pareço”, que tem encharcado o Facebook recentemente. O pessoal adora aquilo! Se eu jogasse, certamente diriam que eu me pareço com o Tom Cruise.

Claro… Claro… Como poderia ser diferente? Nunca notaram a semelhança gritante?

Mas eu não jogo! Primeiro porque sei que não me pareço com ele. Depois porque esses infames testes não passam de sistemas para sequestrar nossos dados, que graciosamente entregamos de bandeja quando autorizamos o Facebook a compartilhá-los com o fabricante da picaretagem. Em alguns casos mais graves, autorizamos que eles façam publicações em nosso nome. Em outras palavras, entregamos a eles o poder de usar nossa conta do Facebook para espalhar a nossos amigos desde notícias falsas a vírus.

Sempre digo às pessoas que resistam a esse prazer instantâneo e fugaz oferecido por esses sisteminhas. Já me chamaram de chato de galochas por isso. Tudo bem, cada um é dono da sua vida. Mas não podemos ser tão inocentes assim em achar que vivemos em um mundo de pessoas boas, que só querem nosso bem, acima de tudo.

Não vivemos!

E não podemos achar que o Facebook fará uma mudança mágica em seus algoritmos ou políticas que nos livrará do mal, amém. Pois isso também não vai acontecer! Seu algoritmo continuará tentando nos seduzir, como o Don Juan perfeito, pois isso é a essência do seu negócio. Ele não cria os “fake news” ou os sequestradores de dados, mas a combinação de seus algoritmos com a nossa busca inconsequente pelo prazer é o vetor perfeito para sua disseminação.

Não proponho, de forma alguma, que deixemos de usar redes sociais, buscadores e toda a gama de recursos digitais que transformaram nossa vida em algo muito melhor, mais poderoso e mais divertido. Isso é impensável! Apenas precisamos ser mais conscientes do que estamos fazendo, para não sermos feitos de trouxas. Em outras palavras, seremos muito mais felizes se não ficarmos na ignorância, se não nos enganarmos pelos prazeres baratos e ilusórios.

Sejamos mais Neo e menos Cypher. Escolha a pílula vermelha! Sempre.


Artigos relacionados: