Os problemas de forçar um conteúdo nacional

By 10 de abril de 2015 Tecnologia No Comments
Frank Underwood (Kevin Spacey), o anti-herói da série House of Cards, um dos símbolos do Netflix

Frank Underwood (Kevin Spacey), o anti-herói da série House of Cards, um dos símbolos do Netflix

A Ancine (Agência Nacional do Cinema) está tramando a exigência de uma cota mínima de filmes e séries brasileiras em serviços de vídeo sob demanda, como o Netflix e o HBO Go. Com o argumento de fomentar as produções nacionais, esse tipo de intervenção pode matar a vaca para acabar com o carrapato.

Essa regra já funciona para os canais de TV paga, que são obrigados a dedicar pelo menos 30% de sua grade a programas brasileiros. De fato, temos hoje produção nacional de ótima qualidade, mesmo em canais internacionais, como a série O Negócio, na HBO. Mas esse alto nível está longe de ser padrão, com alguns conteúdos de interesse e qualidade limitados, sem falar na enxurrada de programas de culinária que criam variações sobre o mesmo tema nem sempre tão criativas.

O grande problema desse tipo de regra é tirar do consumidor o seu direito de escolher o que assistir. Quem paga por um serviço de TV por assinatura quer justamente fugir da qualidade rasteira da programação dos canais abertos. Ao forçar que um terço da grade de um canal pago seja preenchido com qualquer conteúdo local, apenas por ser brasileiro, esse direito de escolha é prejudicado.

Os serviços de vídeo sob demanda representam a maximização da escolha do consumidor, que agora não precisa sequer se ater às grades de programação: assiste o quiser, quando e onde quiser, uma liberdade inédita que está redefinindo o próprio jeito de se ver televisão.

No Brasil, o Netflix oferece cerca de 4.000 filmes e séries em seu acervo. Desse total, cerca de 5% é composto por produções brasileiras. Se a Ancine emplacar a mesma exigência feita aos canais de TV por assinatura, o Netflix precisaria ampliar o seu acervo -o que pode encarecer o produto- ou reduzir o volume de conteúdo internacional oferecido. Nas duas situações, quem perde é o consumidor.

Até a minha adolescência, o cinema brasileiro era desprezível, dominado pelas pornochanchadas e pelos filmes dos Trapalhões. Até que Carlota Joaquina, Princesa do Brazil estreou em 1995, seguido no mesmo ano por O Quatrilho e outras grandes produções, que inauguraram uma nova fase do cinema nacional, de alta qualidade. Disso surgiram obras-primas, como Central do Brasil, e Tropa de Elite. Entretanto, de uns anos para cá, as salas têm sido invadidas por uma enorme quantidade de comédias, muitas delas de gosto bastante duvidoso e pouco originais, mas todas com o logo da Ancine na abertura.

Por isso, sou favorável à constante ampliação da oferta de produções nacionais de qualidade. Mas isso não pode ser feito por decreto, principalmente quando contraria os interesses e fere os direitos do cidadão, que é, afinal, o cliente de tudo isso, pagando pelo cinema, pela TV por assinatura e pelo Netflix. Não abro mão do meu direito de assistir a House of Cards, Game of Thrones e afins em favor de programas de culinária fofinhos ou de comédias caça-niqueis.

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