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A inteligência artificial só roubará o seu emprego se você deixar

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“Harry Potter”: fãs traduziram livro em apenas 45 horas há 13 anos; hoje isso poderia ser feito instantaneamente por um software - Foto: divulgação

“Harry Potter”: fãs traduziram livro em apenas 45 horas há 13 anos; hoje isso poderia ser feito instantaneamente por um software

Em julho de 2005, milhares de fãs usaram a Internet para traduzir para o alemão as mais de 600 páginas do livro “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” em apenas 45 horas e 22 minutos após o lançamento do original em inglês. Isso enfureceu a Carlsen, detentora dos direitos dos livros do bruxinho na Alemanha, que precisou de três meses para fazer a mesma coisa para a edição oficial. Hoje, 13 anos depois, a mesma tradução talvez fosse feita quase instantaneamente e sem cansar nenhum fã: um sistema com recursos de “machine learning” se encarregaria da tarefa.

Quer dizer que o trabalho dos tradutores está com os dias contados? E o seu trabalho –qualquer que seja– também está ameaçado pela inteligência artificial?

Calma: não precisa entrar em pânico! Mas não dá para ficar deitado em berço esplêndido.


Vídeo relacionado:


O fato é que, em uma janela de três anos, diversas tecnologias emergentes ganharam o mercado em velocidade galopante. Estão incrivelmente poderosas (especialmente quando combinadas) e muito acessíveis. “Machine learning”, “Internet das Coisas”, “big data”, “análises preditivas” saíram dos laboratórios e dos roteiros de ficção científica, graças a enormes avanços nos equipamentos e no software.

Há ainda outro fator absolutamente determinante nessa mudança que vivemos: o público. Graças ao crescente poder de escolha e ao acesso ubíquo à informação, viabilizado pelos smartphones e pelas redes sociais, todos nós estamos nos tornando mais exigentes e, de certa forma, mais ansiosos. Assim queremos que produtos e serviços sejam, cada vez mais, personalizados para nossas necessidades particulares, oferecidos do nosso jeito e no nosso tempo.

Como lidar com esse nível de demanda inédito? Valendo-se justamente das tecnologias acima. Isso nos leva à questão que dá títulos esse artigo: como se manter relevante no mercado profissional, se a tecnologia se faz cada vez mais necessária para as empresas atenderem as novas demandas do público?

Durma com um barulho desse!

 

Substituindo o que uma pessoa pode fazer

Uma verdade é inevitável: o que puder ser automatizado será.

É por isso que algumas profissões correm mais risco que outras: quanto mais mecanizadas e repetitivas as tarefas do profissional, mais delicada é a sua situação em um futuro próximo. É o caso, por exemplo, dos motoristas.

Carros autônomos já vêm sendo desenvolvidos e testados há anos por gigantes como Google e Uber, além da própria indústria automobilística. A tecnologia já está madura e a expectativa é que eles se tornem um produto comercial em apenas cinco anos. O fato é que a tarefa de dirigir, por si só, é bastante automatizável. Com o avanço da capacidade de processamento, do software e dos sensores embarcados nesses veículos, eles acabam ficando mais seguros que um carro dirigido por uma pessoa.

Isso não quer dizer que eles sejam a prova de acidentes. Em março desse ano, um carro autônomo do Uber em testes matou uma mulher nos EUA. Assistindo às imagens do acidente, nota-se que a vítima atravessou em um local escuro e que provavelmente também teria sido atropelada por um motorista. Mas também é verdade que o carro aparentemente não tentou frear nos dois segundos anteriores ao choque, quando a vítima ficou finalmente visível.

A culpa é do carro? Mais que isso: dá para imputar culpa a um carro?

Apesar dessa fatalidade e de uns pouco acidentes, todas as estatísticas demonstram que os carros autônomos são incrivelmente mais seguros que os dirigidos por pessoas. Além disso, a possibilidade de o carro nos levar aonde quisermos, enquanto nos dedicamos a outras tarefas no trajeto, é tentador, especialmente em cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, em que as pessoas perdem muitas horas todas as semanas dirigindo no trajeto de casa ao trabalho.

A inteligência artificial também brilha em atividades mais analíticas, como na avaliação de riscos. É o caso de documentos jurídicos, que já estão sendo automatizados, inclusive no Brasil. Por exemplo, a Urbano Vitalino Advogados, de Recife, contratou o IBM Watson para tarefas repetitivas do escritório a fim de concluir processos com mais eficiência e com maior índice de vitória. Já o banco JPMorgan está usando o sistema COIN (Contract Intelligence) para analisar acordos de empréstimos, que antes sobrecarregavam batalhões de seus advogados.

 

Vamos conversar?

As tecnologias emergentes também estão popularizando outro recurso que, até havia bem pouco tempo, era ficção científica: a linguagem natural, ou seja, a possibilidade de dar comandos e receber respostas como se estivéssemos conversando com uma pessoa.

No ano passado, um homem foi preso no Novo México (EUA) por bater em sua namorada e ameaçar matá-la. O crime só foi descoberto porque o Alexa, um equipamento da Amazon que fica sobre a mesa aguardando comando para tarefas simples, ligou para a polícia durante a agressão. Os policiais ouviram o que estava acontecendo e foram até o local, prendendo o homem.

Acha que estou exagerando? Faça um teste agora mesmo. Fale ao assistente do Google em seu celular o seguinte: “quando é o próximo jogo do Timão”. O sistema entenderá que “jogo” se refere a uma partida de futebol e “Timão” se refere ao Corinthians. E lhe dará a resposta correta, também por voz.

Ah, você é palmeirense? Tudo bem: pergunte ao Google “quando é o próximo jogo do Campeão do Século” e se surpreenda.

Mas a tecnologia de linguagem natural já pode fazer muito mais! Veja o exemplo no vídeo abaixo, do Google Duplex, apresentado em maio na conferência Google I/O, em que o sistema liga para estabelecimentos comerciais e conversa com atendentes humanos para realizar agendamentos. E o outro lado não percebe que está falando com um sistema impulsionado por “machine learning”:


Vídeo relacionado:


Ironicamente (e espantosamente), na segunda conversa, o sistema demonstrou mais habilidade na fala que a pessoa com quem estava interagindo!

 

Entregando o que uma pessoa não pode fazer

No começo de junho, estive no Sapphire Now, o maior evento mundial da gigante de software SAP, nos EUA. E lá vi soluções baseadas em inteligência artificial surpreendentes e que estão à disposição de empresas, mesmo pequenas.

Um deles estava em um estande que simulava uma loja de produtos esportivos. Se qualquer pessoa pegasse um tênis ou uma mochila das prateleiras, a loja identificava o produto e mostrava informações sobre ele em uma tela ao lado. Vale dizer que não havia qualquer sensor na mercadoria: a loja estava efetivamente “vendo” o produto na mão do cliente.

Mas a mágica realmente acontecia se a loja também fosse capaz de identificar o cliente, por reconhecimento facial. Nesse caso, a partir de informações de compras anteriores ou até mesmo coletadas do “big data”, a loja poderia inferir se aquele produto era o ideal para aquela pessoa, e, caso contrário, sugerir outro item da loja.

Na conferência, também vi Michael Voegele, CIO da Adidas, demonstrando como a empresa está tomando decisões sobre suas novas coleções a partir de tendências identificadas por “machine learning” em milhares de fotografias de diferentes partes do mundo. O sistema deduz quais as cores, que tipo de roupas, entre outras informações, as pessoas estão preferindo em cada cidade que lhes interessa. Ou seja, a máquina faz a leitura e a análise massiva das informações de maneira totalmente automatizada, em velocidade e volume que pessoas jamais conseguiriam. E com resultados mais eficientes.

Na área da saúde, uma solução da SAP com a gigante farmacêutica Roche monitora continuamente informações médicas, como o nível de glicose, de pessoas diabéticas ou com risco de desenvolver a doença. Esses indicadores são coletados por um “wearable” e transmitidos ao sistema central pelo smartphone do paciente. Isso oferece às equipes médicas análises qualitativas sobre a doença e sobre as populações atendidas, permitindo a criação de programas de saúde mais assertivos. Mas talvez o ganho mais incrível seja o sistema identificar alterações nos indicadores de cada indivíduo para que seus médicos sejam avisados a tempo de agir contra uma eventual crise. O controle da doença fica muito mais eficiente em cada indivíduo e pode até mesmo evitar seu surgimento em quem ainda não a desenvolveu.

 

Quando todos ganham

Tradutores, motoristas, advogados, secretários, vendedores, pesquisadores de mercado, médicos… Todos eles e todos nós, não importa qual seja nossa profissão, já estamos sendo impactados pela tecnologia digital e a inteligência artificial em maior ou menor escala. E a coisa só tende a aumentar! Mas longe de isso ser algo que vai nos tirar o emprego, pode ser uma tremenda oportunidade. Mas temos que sair da nossa zona de conforto.

É… A mudança dói, mas traz evolução.

A tecnologia impacta decisivamente o mundo do trabalho pelo menos desde a Revolução Industrial. Todos nós estudamos como ela provocou, em um primeiro momento, graves problemas sociais, com categorias profissionais inteiras sendo extintas e exploração abusiva de mão de obra. Mas, apesar disso, alguém ousaria dizer que a Revolução Industrial não trouxe avanços inestimáveis para a humanidade?

Voltando à nossa realidade cada vez mais inundada de inteligência artificial, esses sistemas, muito mais que ameaças, são incríveis ferramentas para melhorar o trabalho. Até mesmo em funções que devem ser inteiramente automatizadas, como a dos motoristas, isso pode provocar o surgimento de outras atividades, como a de uma espécie de “comissário de bordo” para melhorar ainda mais a experiência do cliente em um táxi autônomo.

Além disso, a automação de tarefas repetitivas ou a possibilidade de oferecer subsídios inimagináveis de outra forma, para que profissionais realizem bem seus trabalhos, abre possibilidades para que se dediquem a atividades mais nobres e interessantes.

Para profissionais e empresas que estiverem dispostos a usar criativamente tudo isso que a tecnologia já nos oferece, vejo um belo caminho adiante, em que poderão entregar produtos mais adequados às necessidades individuais de cada consumidor superexigente, com um custo de produção menor e resultados mais satisfatórios para todos.

Aqueles que insistirem em fazer as coisas do jeito antigo, receio que –esses sim– serão substituídos pelas máquinas. Como luditas do século 21, perderão seu espaço, não para a tecnologia, mas para sua própria falta de visão.

Em qual grupo você ficará?


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Se até o Municipal está fazendo “lives”, qual a desculpa para ainda não ter resultados com o digital?

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A Orquestra Sinfônica Heliópolis no Theatro Municipal de São Paulo: celulares na plateia e hashtags sobre o palco - Foto: Paulo Silvestre

A Orquestra Sinfônica Heliópolis no Theatro Municipal de São Paulo: celulares na plateia e hashtags sobre o palco

Na semana passada, tive um “click” enquanto assistia à Orquestra Sinfônica Heliópolis, no Theatro Municipal de São Paulo. Observe a foto acima, que tirei ao final da apresentação: celulares nas mãos do público e hashtags projetadas sobre o palco. Mais que “modinhas”, isso representa uma estratégia para se aproximar do público. Achei incrível! Não porque seja algo revolucionário, mas constatei (uma vez mais) que mesmo instituições consideradas “conservadoras” podem tirar grande proveito dos recursos digitais. Enquanto isso, muitas empresas e profissionais “progressistas” patinam nesse quesito, sendo aos poucos colocados fora do mercado.

Como podem ainda perder boas oportunidades, 24 anos após a liberação da Internet comercial no Brasil e uma década após a revolução do iPhone colocar um smartphone na mão de todos?


Vídeo relacionado:


O interessante do caso no Municipal é que demonstra como é possível introduzir os recursos digitais de maneira criativa, sem necessariamente provocar mudanças profundas no próprio negócio e respeitando os movimentos de seus clientes. Assim que as luzes se apagaram, ouvimos aquela tradicional gravação, dizendo que celulares deveriam ser desligados, e que era proibido filmar e fotografar o espetáculo.

Mas, antes de começar, o maestro Edilson Ventureli falou à plateia que aquele concerto estaria sendo transmitido ao vivo pelo Facebook e que o “bis” seria escolhido ao longo da apresentação em uma votação online. Mais que isso: nessa hora, todos estavam convidados a sacar seus celulares e fotografar e filmar a obra. O regente sugeriu até que as pessoas fizessem “lives” no Facebook. Alguns músicos estavam, eles próprios, fazendo suas transmissões ao vivo, como pode ser visto na foto a seguir (observe o celular gravando ao lado da partitura).

Você pode argumentar: isso acontece há anos em shows de rock! Pode ser, mas aquilo não era um show de rock: era uma apresentação no Municipal, uma instituição inaugurada em 1911 para atender aos anseios culturais da elite paulista, e que mudou muito pouco nesses 107 anos. Por isso, iniciativas como essa de usar o digital para ampliar seu público merecem aplausos de pé!


Assista à íntegra do concerto (1h20’):

Orquestra Digital

Orquestra Digital transmite Orquestra Sinfônica de Heliópolis, parceria Escola Concept e apoio Vivo.É assim que a Catraca Livre facilta seu acesso à cultura.

Posted by Catraca Livre on Sunday, August 5, 2018


Eu, que saí todo feliz dali, tive que amargar, no dia seguinte, uma notícia ruim vinda de alguém que usa mal os meios digitais.

 

Uma árvore já quase sem folhas

A Editora Abril já foi a maior editora de revistas do país e sonho de gerações de jornalistas, que almejavam trabalhar em algum de suas centenas de títulos.  Mas a companhia nunca se adaptou às mudanças de seu público, que há pelo menos uma década rejeita o modelo de negócios baseado em assinatura e publicidade, as suas duas formas básicas de receita editorial. Como resultado, a empresa vem em queda livre, encerrando títulos e demitindo profissionais em ondas. A mais recente aconteceu na segunda passada, quando encerrou dez títulos e demitiu cerca de 500 pessoas.

Como uma empresa como a Abril, com o poder político, cultural e econômico que já teve, pôde chegar assim, ao fundo do poço? Será que as pessoas não consomem mais jornalismo? Será que elas não pagam por conteúdo? Será que elas não leem mais?

É exatamente o contrário de tudo isso!

Nunca lemos e consumimos tanto conteúdo (inclusive pago). E o jornalismo continua valendo muito! Mas a Abril se descolou do seu público. Insistem com um modelo que funcionou brilhantemente até a virada do século, mas que não encontra mais espaço na mente e no coração de ninguém.

Portanto, quem está matando a Abril e tantos outras empresas de comunicação não é a tecnologia: é seu público, que não vê mais valor no que fazem, ou pelo menos na maneira como fazem! E aí correm para consumir esse produto de outras empresas, mais modernas, que entendem o poder que o digital dá às pessoas, e assim ganham mercado.

Não adianta ficar espezinhando contra o novo!

 

A mudança sempre chega

A nossa própria percepção da realidade depende inerentemente de nos comunicarmos, e consequentemente da linguagem. Só que os meios digitais estão alterando profundamente a maneira como nos comunicamos, e a própria linguagem. Basta observar crianças e adolescentes, que desenvolvem ricas formas de comunicação verbal e não-verbal, às vezes impenetráveis para as gerações anteriores. E eles estão certos!

A tecnologia altera, portanto, como interagimos com o mundo. Como uma empresa ou um profissional pode, então, esperar ter sucesso sem se adaptar a esses inevitáveis e muito bem-vindos movimentos? Agarrar-se a fórmulas consagradas é o primeiro passo para enterrar um negócio bem-sucedido. As mudanças (tecnológicas ou não), não devem ser vistas como ameaças, e sim como oportunidades.

Talvez alguns, nesse ponto, estejam torcendo o nariz e dizendo que “tudo isso é lindo, mas não serve para mim”.

Bem, já que acabei de falar de “enterrar”, gostaria então de mencionar o caso do Jardim da Ressureição, um cemitério localizado em Teresina, no Piauí, que praticamente redefiniu como um o segmento deve ser comunicado. Com 160 mil seguidores em sua fan page no Facebook (a maioria de outras cidades), a empresa conseguiu destacar sua marca nas redes sociais e buscadores usando bem os recursos das plataformas e tratando a morte com bom humor. Resultado prático: aumento de 40% em suas vendas.

É um cemitério! Quem vai dizer agora que os mios digitais não servem para seu negócio?

 

Tecnologia e humanidade

As tecnologias digitais criam, sem dúvida, inúmeras portas para quem tiver a mente aberta. Por mais que sejam feitos grandes investimentos em redes sociais, publicidade online, machine learning, sistemas automatizado e tantas outras novidades, no final sempre chegamos ao ser humano.

O uso da tecnologia por si só, automações inconsequentes, adoção de modismos tecnológicos podem encher os olhos do pessoal de TI, mas isso tudo só funcionará se servir para aproximar as pessoas que estão dentro das empresas (seus funcionários) das pessoas que estão fora delas (seu público). Qualquer coisa diferente disso, é como dar um carro a alguém que não sabe dirigir.

Portanto, profissionais e companhias precisam abraçar o meio digital, claro. Entretanto, mais importante que isso, precisam aprender a ler as mudanças vividas pela humanidade e a tirar proveito delas de uma maneira criativa e ética, em que todos ganhem. É aí que reside a verdadeira inovação.

Sejamos, então, mais como o Theatro Municipal de São Paulo e menos como a Editora Abril.

 

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Você está pronto para compartilhar suas informações bancárias por aí?

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Foto: reprodução

Quando você pensa em banco, o que lhe vem à cabeça? Provavelmente dinheiro e segurança de bens e informações. Na verdade, essa é praticamente a essência do serviço bancário: pagamos aos bancos para realizarmos, com confiabilidade, todo tipo de transação. Então o que você pensaria se o seu banco lhe dissesse que gostaria de compartilhar a sua informação bancária com outras empresas e pessoas?

Isso pode parecer assustador e absurdo, não é mesmo? Pois saiba que pode acontecer muito em breve, portanto é melhor entender do que se trata.


Vídeo relacionado:


Recentemente conversei sobre isso com Tyler Jewell, CEO da WSO2, e Edgar Silva, gerente geral da América Latina da mesma empresa. O papo girou em torno do “open banking”, um conceito que promete revolucionar a maneira como nós nos relacionamos com serviços financeiros e como os próprios bancos funcionam.

O conceito surgiu com força no Reino Unido em 2016, e se espalhou pelo mundo. Resumidamente, ele prevê que instituições bancárias criem mecanismos para compartilhar dados financeiros de seus clientes com outras empresas e desenvolvedores de uma maneira organizada, para que eles possam criar serviços interessantes para seu público. Ou seja, a clientela continua sendo do banco, mas pelo menos algumas de suas informações são distribuídas a terceiros autorizados, para que criem novos serviços.

Essa transferência se dá por sistemas de troca de informações entre serviços online, chamados APIs (sigla em inglês para Interface de programação de aplicações ,exatamente o negócio da WSO2). A teoria por trás do “open banking” é que, por mais que a pessoa esteja vinculada a um banco, ela é a dona das suas informações financeiras, e não a instituição. Portanto, deve ter o controle sobre elas para compartilhá-las com quem bem entender, de modo que possa escolher empresas que, a partir desses dados, lhe ofereçam serviços financeiros melhores.

Confuso? Talvez. Mas isso é porque se trata de um conceito que pode ser realmente revolucionário.

 

Pegadas financeiras na nuvem

Já nos acostumamos com a ideia de que Facebook, Google, Apple e tantos outros nos conhecem incrivelmente bem, pelas nossas pegadas digitais, cada vez mais numerosas e profundas. Mas antes, muito antes disso tudo, os bancos já sabiam bastante sobre nós, pela maneira como gastamos nosso dinheiro.

Afinal, imagine o que poderíamos inferir se soubéssemos tudo o que uma pessoa compra, de quem, quando, de que forma, e pudéssemos cruzar essa informação com suas fontes de renda, dados familiares e mais um monte de outros bancos de informação. Acrescente a isso uma capacidade brutal de processamento e os melhores algoritmos do mercado.

Pois é: os bancos sabem muito sobre nós!

Só que, até agora, elas guardam essas informações só para eles, tirando todo o proveito possível para ganhar ainda mais dinheiro com cada um de nós. O atual estágio é o resultado de um modelo de negócios que vem sendo melhorado há mais de 600 anos (o primeiro banco do mundo, o genovês Banco di San Giorgio, data de 1407). Não é de estranhar, portanto, que mesmo em tempos de crise severa, como a que vivemos, os bancos continuem batendo recordes contínuos de lucratividade.

Agora imagine se pudéssemos compartilhar toda essa riquíssima informação com várias outras empresas, para que nós -e não apenas os bancos- também lucrássemos com isso. Em um exemplo bastante simples, imagine se uma empresa tivesse acesso a nossas compras com o cartão de crédito. Com isso, poderia gerar ofertas de produtos que realmente consumimos de varejistas que os estiverem promovendo quando precisarmos deles. Ou, a partir de nossos extratos, poderiam oferecer opções de crédito ou investimento muito mais vantajosas que as do nosso próprio banco.

Com muito menos –as compras realizadas pelos clientes em suas lojas– o Pão de Açúcar transformou seu programa de relacionamento “Pão de Açúcar Mais” em um aplicativo que oferece grandes vantagens aos próprios clientes, aos seus fornecedores e a ele próprio. Não é “open banking”, mas é um ótimo exemplo como o uso inteligente de dados de consumo podem trazer incríveis resultados.

O uso de dados de clientes fornecidos pelos bancos para sistemas que geram algum tipo de serviço agregado não surgiu com o “open banking”. Ainda nos anos 1990, usuários de antigas versões dos sistemas de gestão financeira Money (Microsoft) e Quicken (Intuit) já conseguiam importar alguma coisa para dentro dessas plataformas. Mas era um processo tão complicado e limitado, que desanimava.

Agora, com o novo conceito e novas tecnologias, os clientes tendem a ganhar muito. As empresas que oferecerem essas soluções também. Já os bancos…

Bem, os bancos precisam se reinventar.

 

Se não é pelo amor, é pela dor

É verdade que os bancos são azeitadíssimas “máquinas de fazer dinheiro” (se me permitem o trocadilho infame). Mas o que vem funcionando há seis séculos precisa ser revisto diante de coisas como o “open banking” e as “fintechs”, empresas que entregam serviços financeiros pelo uso inovador de tecnologia. Portanto, apesar de seu enorme poder, os bancos precisam lidar com as mudanças impostas por essa nova realidade.

O interessante é que os próprios bancos tradicionais podem se beneficiar disso tudo. Muitos deles, inclusive no Brasil, já possuem áreas de inovação que atuam como “fintechs” e já oferecem espontaneamente APIs de “open banking”. Se, por um lado, eles se veem obrigados a fazer isso para não ficarem para trás em um grande movimento tecnológico, por outro podem usar isso para se posicionar no mercado como empresas inovadoras e digitais, bandeiras, aliás, erguidas por muitas dessas instituições.

Dessa forma, além de poderem se tornar mais simpáticos aos correntistas, podem efetivamente descobrir novas e lucrativas formas de negócios. Além disso, podem evitar que outras empresas acabem fazendo seu trabalho e levando embora parte do lucro que teriam com os próprios clientes.

A questão essencial do “open banking” de os dados pertencerem ao cliente e não à instituição envolve outro tema atualíssimo: a proteção aos dados pessoais. O Congresso Brasileiro aprovou há algumas semanas, em plenário, o projeto da Lei Geral de Proteção de Dados Brasileira (LGPD), que traz ao país alguns importantes pontos já em vigor na Europa, seguindo legislação semelhante local, a chamada GDPR. Ele aguarda agora sanção do presidente Temer.

Conversei sobre isso com Marcelo Crespo, sócio do escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados; “Os bancos, como outras empresas, serão favorecidos com o surgimento de uma Lei Geral de Proteção de Dados, embora isso possa gerar, em algum momento, a necessidade de adequação aos padrões legais, pois as empresas precisarão se preocupar com a fonte dos seus bancos de dados, já que os dados pessoais, para serem tratados, precisarão de autorização específica dos titulares”, explica Crespo.

A LGPD e o próprio “open banking” dificultam a implementação do chamado “cadastro positivo”, um projeto que prevê a criação de uma lista de “bons pagadores”, e incluiria todos os moradores no país, sem que eles dessem autorização para tal. Essa informação seria usada pelos bancos para determinar, entre outras coisas, quem tem ou não direito a crédito.

 

Isso é seguro?

Pouca coisa exige mais segurança que informações bancárias. Não por acaso, os bancos desenvolveram alguns dos sistemas mais impenetráveis do mundo: a sobrevivência do seu negócio depende disso.

Então como pensar em transitar nossas informações bancárias por aí, com terceiros?

Tecnicamente, o “open banking” é bem construído. Mas há um elo muito frágil nessa corrente: o próprio usuário. Para tirar proveito verdadeiro da novidade, o cliente precisa ter um conhecimento mínimo tanto dos próprios conceitos de transações bancárias, quanto da tecnologia.

Basta ver como as próprias redes sociais são usadas para ludibriar o consumidor, que autoriza aplicativos a coletar e usar seus dados indevidamente, em troca de algum pequeno benefício, como testes do tipo “com que celebridade eu me pareço”.

Portanto, os grandes entraves para a adoção do “open banking” não são técnicos, mas sim de conscientização dos correntistas. A proposta é boa, pode realmente trazer grandes benefícios, mas exige um trabalho junto ao cidadão. E, nesse cenário, a Lei Geral de Proteção de Dados pode ser, afinal, uma interessante aliada.


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