Tecnologia

Alunos precisam de 20 minutos para se reconectar ao estudo depois de usar smartphones para outras coisas - Foto: RDNE/Creative Commons

Pais e educadores devem “fazer as pazes com o não” para combater excesso de telas

By | Educação | No Comments

Ganha força a tese de que crianças e adolescentes fazem um uso excessivo de telas na escola e em casa, e que isso provoca grandes prejuízos ao seu desenvolvimento. No dia 26 de julho, um relatório da Unesco (a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) destacou pela primeira vez o problema e como um quarto dos países já faz alguma restrição de celulares em sala de aula. Mas ainda se fala pouco sobre como professores sem autoridade e até coibidos por pais de alunos podem ser levados a contribuir com essa situação.

Isso aparece no recém-lançado estudo “Educando na era digital”, da consultoria educacional OPEE. Ele indica que 97% dos educadores brasileiros concordam que há “uso excessivo de telas sem acompanhamento”, mas paradoxalmente apenas 9,7% deles acham que elas devem ser proibidas na sala de aula.

O exagero digital dos jovens vai além da escola. Outra pesquisa, a TIC Kids Online Brasil, divulgada no dia 25 de outubro pelo Cetic.br (órgão de pesquisa ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil), indica que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos estão online, e que isso acontece cada vez mais cedo: no ano passado, 24% tiveram seu primeiro acesso até os seis anos de idade; em 2015, eram 11% nessa faixa etária.

Todos esses fatos estão interligados e se retroalimentam. Enquanto pais e educadores não resgatarem a consciência de sua autoridade para impor limites aos mais jovens, esse quadro tende a se agravar. É impensável negar o acesso à tecnologia digital no nosso mundo hiperconectado, mas é preciso ensinar crianças e adolescentes a usarem-na de maneira construtiva e responsável.


Veja esse artigo em vídeo:


“Muitos educadores nem podem dizer ‘não’, porque a escola está muito refém da ‘carteirada’, no caso da escola particular, e até da agressão ou da humilhação, na escola pública”, afirma Leo Fraiman, mestre em psicologia educacional e autor da metodologia OPEE. “O professor hoje é tido, por muitas famílias, como um funcionário, um empregado seu, e não mais como uma autoridade.”

Segundo o psicoterapeuta, existe uma esquizofrenia entre famílias e escolas. As primeiras exigem das segundas o ensino de limites, de valores, de humanidade. Mas quando surge algum limite, até em uma simples nota baixa, os pais reagem negativamente.

“Viemos de um modelo mais rígido, de onde muitos adultos saíram ressentidos, até machucados emocionalmente”, explica o pesquisador. “E hoje, como pais, é como se quisessem se vingar das suas próprias feridas, superprotegendo os filhos.”

As telas de crianças e adolescentes são subprodutos dessa cultura. Muitos pais argumentam que elas desenvolvem, nos mais jovens, necessárias habilidades digitais, o que não deixa de ser verdade, desde que feito com orientação. Entretanto, o que se observa é que principalmente o celular se tornou um “companheiro” que ocupa o tempo dos pequenos, uma “babá eletrônica” (posto que foi ocupado pela TV há 30 anos) que falsamente desobriga os pais de dar mais atenção aos filhos.

Isso se reflete na escola, com pais exigindo a possibilidade de falar com seus filhos a qualquer momento, mesmo nas horas em que estiverem em aula. Com o smartphone, os alunos acabam impactados pelas incontáveis notificações, além da sedução das redes sociais, destacadas pela Unesco como fortes fatores de distração. E os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo depois de usarem o smartphone para atividades não-educacionais.

É importante que fique claro que ninguém está dizendo que os jovens não devem usar a tecnologia, e sim que façam isso de forma comedida e sob orientação de adultos. A Unesco aponta que o excesso e a falta de critérios podem levar ao surgimento de problemas de alimentação, sono, saúde mental e saúde ocular.

 

Cyberbullying e outras agressões digitais

Outro estudo do Cetic.br, o TIC Educação, divulgado em 25 de setembro, indica que um terço dos professores brasileiros disseram que seus alunos pediram ajuda após terem sofrido assédio ou agressões pelo meio digital, ou terem suas fotos publicadas sem consentimento. Em um ano, os casos de vazamento de fotos saltaram de 12% para 26% e os de cyberbullying passaram de 22% para 34% dos estudantes. Esses números estão em linha com as observações dos educadores ouvidos pela pesquisa da OPEE: 80,9% deles acreditam que o acesso às telas favorece o cyberbullying.

É muito bom observar que os alunos recorrem a seus professores para lidar com problemas gravíssimos criados ou agravados pelo meio digital. Isso demonstra uma relação de confiança diante de algumas das maiores agressões que eles podem sofrer. Entretanto os professores precisam ter autonomia para atuar como necessário, até mesmo limitando o uso das telas e das redes sociais. A escola ganha também um novo papel, que é o de educar os pais no convívio digital, uma habilidade que possivelmente eles mesmos não dominem.

Fraiman alerta que estamos “contraindo uma dívida enorme para as próximas gerações” ao não as educar para um uso construtivo do meio digital, abrindo brechas para o surgimento de todos esses problemas educacionais e emocionais. E provoca: “diante de um mundo que vai ser cada vez mais competitivo, exigente, caro, acelerado, complexo, qual é a chance de uma criança, de um adolescente realmente se tornar ativo e inserido na sociedade e no mercado de trabalho, se ele for uma pessoa rasa, individualista, narcisista, acomodada e amedrontada?”

Isso vem de quebras de paradigmas sociais que a tecnologia continuamente nos impõe. As potencialidades oferecidas são fabulosas e surgem em escala exponencial, assim como problemas da nossa inadequação a tantas novidades. Começou com o surgimento da Internet comercial, foi seguida pela explosão das redes sociais e posteriormente dos smartphones. Agora a inteligência artificial é a bola da vez. É muito difícil absorver adequadamente tanta mudança!

A Unesco defende o uso de telas nas escolas, desde que claramente destinadas ao apoio ao ensino, e não como distração dos alunos. Além disso, nunca podem substituir o papel dos professores. Esses, por sua vez, precisam ter sua autonomia e autoridade resgatadas por boas políticas educacionais e pelas próprias instituições de ensino. Quanto às famílias, cabe a elas trabalharem em parceria com as escolas para a criação de limites a seus filhos, respeitando e valorizando os educadores.

A escola é um espaço de aquisição de conhecimento, mas também de respeito a diferenças e de fortalecimento de uma cidadania inclusiva, com um uso inteligente de todos os recursos disponíveis. Isso só acontecerá com a colaboração de todos os envolvidos, e nossos jovens precisam desesperadamente disso.

 

Metrô de São Paulo lotado após fracasso de “big techs” que revolucionariam a mobilidade urbana - Foto: Wilfredor / Creative Commons

Como as big techs querem substituir instituições da sociedade por tecnologia

By | Tecnologia | No Comments

Todos nós usamos produtos do Google, da Meta, da Apple e de outras “big techs”. De fato, eles facilitam enormemente a nossa vida e ainda são rotulados como “grátis”.

Sabemos que não há nada de graça nisso. A explicação tradicional é que pagamos por eles com nossos dados, que permitem que essas empresas ganhem dinheiro, por exemplo, nos entregando anúncios hiperpersonalizados. É o chamado “capitalismo de vigilância”.

Mas a ascensão da inteligência artificial e a guerra aberta que as “big techs” travam contra qualquer forma de limitação de suas atividades, como estamos vendo no Brasil no embate contra o “PL das Fake News”, revela que esse controle que elas têm sobre nós é muito mais complexo, a ponto de que muita gente as defende nesses casos. E a tentativa de regulação da inteligência artificial fará nosso fracasso em impor limites razoáveis às redes sociais parecer algo pífio.

O que essas empresas realmente desejam é uma liberdade não-regulada para, entre outras coisas, substituir instituições da sociedade em áreas como saúde, educação, transporte ou segurança por soluções tecnológicas que, segundo elas, superariam a “ineficiência” do que temos hoje. Ao ocupar um espaço tradicionalmente sob cuidados do Estado, alcançariam um poder inimaginável, muito maior que o atual.

Eles só não dizem que tudo nessa vida tem um custo. Esse não será pago com publicidade em nossos celulares. Então “como essa conta fecha”?


Veja esse artigo em vídeo:


O avanço da inteligência artificial é inevitável e muito bem-vindo: ela tem o potencial de oferecer à sociedade benefícios até então inimagináveis. Mas isso significará que entregaremos muitas de nossas escolhas às máquinas, que decidirão o que elas acreditam ser o melhor para cada um de nós.

Em uma sociedade já encharcada de algoritmos, eles passam a controlar muito de nossa vida, de maneiras que nem percebemos. Nós não temos a menor ideia de quais são suas regras que decidem cada vez mais por nós. Diante de tanto poder, a falta de transparência das “big techs” e de explicabilidade de seus produtos se torna inaceitável e perigoso para nossas vidas e para a democracia. É justamente isso que essas empresas lutam para manter, pois, se soubermos detalhadamente o funcionamento de seus algoritmos, elas perdem o poder que têm sobre os cidadãos.

Tudo isso vale para os algoritmos atuais, bem conhecidos e controlados pelas “big techs”. A inteligência artificial torna esse debate ainda mais importante, pois nem seus criadores entendem completamente as novas estratégias criadas pelas máquinas para solucionar problemas.

Se essas companhias lograrem criar a chamada “inteligência artificial geral”, aquela que não se limita mais a tarefas específicas e passa a se comportar de maneira semelhante à mente humana, tomando decisões sobre qualquer assunto, a situação pode ficar realmente dramática.

Imagine um sistema como esse que tenha assumido, com nosso consentimento, decisões críticas sobre a saúde pública. Em nome de deixar todo o sistema mais “eficiente”, ele pode passar a privilegiar cirurgias com mais chance de sucesso ou lucrativas, em detrimento das mais difíceis ou com menos ganhos. Mas todos merecem a chance de serem tratados, mesmo quem tem baixa possibilidade de sucesso. Essa é a visão humana de um médico, que uma máquina que acha que o fim justifica os meios pode ignorar.

Agora multiplique esses riscos acrescentando, na equação, segurança pública, educação e até economia de um país.

 

Nem sempre dá certo

O discurso do Vale do Silício enaltece o inegável poder transformador da tecnologia. É praticamente impossível viver hoje sem smartphones, buscadores ou redes sociais. Mas seus gurus adoram perpetuar as histórias de sucesso, enquanto ignoram os fracassos. E eles muitas vezes acontecem quando se tenta substituir uma instituição social por uma tecnologia.

Podemos pensar, como exemplo, no caso da Uber. Conceitualmente acho sua proposta muito interessante, mas ela parece “estar fazendo água”, particularmente no Brasil. Vocês devem se lembrar como a empresa chegou prometendo revolucionar a mobilidade urbana, como um substituto vantajoso ao transporte público, com suas corridas baratas e a possibilidade de se ganhar dinheiro dirigindo.

Foi um sucesso instantâneo: muita gente chegou a vender seu carro! Mas, para aquilo ser possível, a empresa queimava milhões de dólares em subsídios. Quando os investidores se cansaram de perder dinheiro e exigiram lucros, o modelo ruiu, com a consequente queda enorme na qualidade do serviço, que agora sentimos.

Porém o mais educativo desse exemplo é mostrar que nunca se propôs resolver o verdadeiro problema social, no caso as deficiências no transporte público. Substituía-se uma “gestão governamental ineficiente” por uma “solução tecnológica mágica”, cujo verdadeiro objetivo era sedimentar a dominância da empresa em seu setor. Quando a realidade bateu à porta, ficamos sem nada!

O grande desafio da nossa geração é tomar consciência de que somos cada vez mais dependentes da tecnologia e das empresas que as criam. Elas têm suas próprias agendas e narrativas de como estão melhorando e até “salvando” o mundo com seus produtos. Mas às vezes a sua necessidade de lucrar chega antes de salvarem qualquer coisa.

Não nos enganemos: como qualquer outra empresa, seu objetivo real é aumentar seus lucros, e, a princípio, não há nada de errado nisso. Mas esse objetivo não pode ser atingido às custas do desmantelamento das instituições da sociedade e dos mecanismos de proteção dos interesses da população.

Não estou propondo a interrupção do avanço tecnológico: ele é essencial para melhorarmos nossas vidas. Mas precisamos parar de acreditar candidamente que a tecnologia resolverá todos nossos problemas e melhorará magicamente a sociedade. Temos que ter consciência de como isso será feito e qual será o verdadeiro o custo social que pagaremos.

Tudo isso deve acontecer preservando os legítimos interesses das pessoas, o que muitas vezes conflitam com os dessas empresas. É por essas e outras que elas precisam ser reguladas. Elas não podem ser mais poderosas que os governos eleitos no mundo todo, nem mesmo substituir suas instituições.

 

Imagem: composição por Paulo Silvestre

Chamamos de “magia” muitas coisas que simplesmente não entendemos

By | Tecnologia | No Comments

Em 1985, eu e três amigos começamos a nos interessar por computadores, em uma época em que pouquíssimas pessoas sabiam o que eles eram ou para que serviam. Fomos a uma pioneira “escola de computação” no bairro para saber se poderíamos aprender mais sobre aquilo. A recepcionista nos levou a um TK-85 (um pequeno computador como o da imagem) e digitou o seguinte programa:

 

10 PRINT "Qual é o seu nome?"
20 INPUT nome$
30 PRINT "Olá, " + nome$ + "."
40 END

 

Quando ela rodou aquele código “espantoso”, a tela da TV preto-e-branco exibiu “Qual o seu nome?” Cada um de nós digitou o seu, ao que a máquina respondeu (para mim) “Olá, Paulo.”

Assombro geral com a “inteligência” do computador! Suficiente para aqueles pré-adolescentes se matricularem no cursinho de BASIC.

Não é preciso ser um programador para perceber que aquilo era algo extremamente simples. Mas para quem nunca tinha tocado em um computador (1985, lembra?), foi o suficiente para abrir as portas que me permitiram, a partir dali, olhar para o digital como forma de ampliar meus horizontes, procurando entender o que acontece no mundo dos bits.

O ser humano tem medo do desconhecido, porque não o pode controlar. Mesmo que algo aconteça incontestavelmente diante de seus olhos, se não compreender o fenômeno com o que sabe, recai sobre obra do divino ou –pior– vira “bruxaria”. Por conta disso, muitas mulheres e homens geniais foram, ao longo da história, calados, presos ou mortos por suas ideias, mesmo as mais benéficas à humanidade.

Por outro lado, quando adquirimos conhecimento, qualquer coisa, mesmo aquelas até então tidas como mágicas, deixa o campo do desconhecido e passa a ser uma ferramenta sob nosso domínio. E de tempos em tempos, uma nova tecnologia disruptiva surge para “testar a nossa fé”.

A bola da vez é a inteligência artificial, que já está revolucionando muitos negócios, mas igualmente desperta medo, pois o cidadão médio não consegue entender como ela funciona. Para ficar ainda mais confuso, temos pesquisadores e executivos da própria área revelando publicamente restrições a ela.

Talvez exista exagero nesses temores; talvez não. A dúvida se dá porque essa, que é uma das mais poderosas tecnologias já criadas, ainda seja majoritariamente incompreendida pela massa, que a vê, portanto, como “mágica”.

Precisamos desmistificar a IA, assim como qualquer outra tecnologia. Essa é a melhor maneira de tirarmos bom proveito do que ela pode nos oferecer, enquanto escapamos de eventuais armadilhas. Não quer dizer que teremos que ser todos programadores ou cientistas de dados: entendermos o que é, como funciona e para que serve já ajudará muito!

 

PS: tenho até hoje o meu TK-85 (foto a seguir), testemunha daquele momento histórico do nascimento da microinformática no país, nos anos 1980.

Foto: Paulo Silvestre

Foto: Paulo Silvestre

 


Vídeo relacionado:

Joan, protagonista do primeiro episódio da sexta temporada de “Black Mirror”, surta por causa de um mau uso da IA - Foto: divulgação

“Black Mirror” explica ludicamente os riscos da inteligência artificial

By | Tecnologia | No Comments

Em uma sociedade polarizada pelo poder descontrolado dos algoritmos das redes sociais, cresce o debate se a inteligência artificial vai exterminar ou salvar a humanidade. Como costuma acontecer com esses extremismos, a verdade provavelmente fica em algum lugar no meio do caminho. Agora a sexta temporada da série “Black Mirror”, que estreou na Netflix na última quinta (15), surge com uma explicação lúdica de como essa tecnologia pode ser incrível ou devastadora, dependendo apenas de como será usada.

A icônica série, criada em 2011 pelo britânico Charlie Brooker, é conhecida pelas suas perturbadoras críticas ao mau uso de tecnologias. Sem correr risco de “dar spoiler”, o primeiro episódio da nova temporada (“A Joan É Péssima”) concentra-se na inteligência artificial generativa, mas guarda espaço para apontar outros abusos do mundo digital pela sociedade. Sobra até para a própria Netflix, a vilã do episódio!

Como fica claro na história, o poder da inteligência artificial cresce de maneira que chega a ser assustador, alimentando as teorias pessimistas ao redor dela. Se até especialistas se pegam questionando como essas plataformas estão “aprendendo”, para uma pessoa comum isso é praticamente incompreensível, algo ainda no campo da ficção científica.

Mas é real e está a nossa volta, começando pelos nossos smartphones.


Veja esse artigo em vídeo:


Como acontece em tantos episódios de “Black Mirror”, algo dá muito errado. E a culpa não é do digital, mas de como ele é usado por seres humanos movidos por sentimentos ou interesses condenáveis. A lição é que, quanto mais poderosa for a tecnologia, mais incríveis serão os benefícios que ele pode trazer, mas também maiores os riscos associados à sua desvirtuação.

É nesse ponto que estamos com a inteligência artificial. Mas ela não estraga a vida da protagonista do episódio sozinha: tem a “ajuda” de celulares (que estão captando continuamente o que dizemos e fazemos), dos algoritmos das plataformas de streaming (que nos dizem o que assistir), da “ditadura das curtidas”, do sucesso de discursos de ódio e até de instalarmos aplicativos sem lermos seus termos de uso.

A indústria de tecnologia costumava ser regida pela “Lei de Moore”, uma referência a Gordon Moore, um dos fundadores da Intel. Em um artigo em 1965, ele previu que a quantidade de circuitos em chips dobraria a cada 18 meses, pelo mesmo custo. Em 1975, reviu sua previsão para 12 meses. Hoje, o poder da inteligência artificial –que é software, mas depende de um processamento gigantesco– dobra a cada três meses.

O “problema” é que nossa capacidade humana não cresce no mesmo ritmo. E quando não conseguimos acompanhar uma evolução, ela pode nos atropelar. Essa é a gênese de muitos desses problemas, pois tanto poder à disposição pode fazer com que as pessoas deixem cuidados de lado e até passem por cima de limites morais.

É como diz o ditado: “quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza!”

 

Faça a coisa certa

Na quarta, participei do AI Forum 2023, promovido pela IBM e pela MIT Sloan Review Brasil. As palestras demonstraram o caminho desse avanço da inteligência artificial e de como ela está se tornando uma ferramenta essencial para empresas de qualquer setor.

De fato, com tantos recursos incríveis que novas plataformas movidas pela IA oferecem aos negócios, fica cada vez mais difícil para uma empresa se manter relevante no mercado sem usar essa tecnologia. É como procurar emprego hoje sem saber usar a Internet ou um smartphone. Por mais experiente e qualificado em outras áreas que se seja, não haveria chance de ser contratado, porque esses pontos fortes seriam facilmente suplantados por outros candidatos que dominassem esses recursos.

Um estudo recém-divulgado pela IBM mostra que, se em 2016 58% dos executivos das empresas estavam familiarizados com a IA tradicional, agora em 2023 83% deles conhecem a IA generativa. Além disso, cerca de dois terços se sentem pressionados a acelerar os investimentos na área, que devem quadruplicar em até três anos.

A mesma pesquisa aponta que o principal fator que atravanca essas decisões é a falta de confiança na tecnologia, especialmente em aspectos de cibersegurança, privacidade e precisão. Outros problemas levantados foram a dificuldade de as decisões tomadas pela IA generativa serem facilmente explicadas, a falta de garantia de segurança e ética, a possibilidade de a tecnologia propagar preconceitos existentes e a falta de confiança nas respostas fornecidas pela IA generativa.

Conversei no evento com Marcela Vairo, diretora de Automação, Dados e IA da IBM (a íntegra da entrevista pode ser vista no vídeo abaixo). Para ela, três premissas devem ser consideradas para que a inteligência artificial nos ajude efetivamente, resolvendo essas preocupações.

A primeira delas é que as aplicações movidas por IA devem ser construídas para tornar as pessoas mais inteligentes e produtivas, e não para substituí-las. Deve existir também um grande cuidado e respeito com os dados dos clientes, que pertencem apenas a eles e não podem ser compartilhados em outra plataforma ou com outros clientes. E por fim, as aplicações devem ser transparentes, para que as pessoas entendam por que elas estão tomando uma determinada decisão e de onde ela veio, o que também ajuda a combater os possíveis vieses que a IA desenvolva.

O que precisamos entender é que essa corrida tecnológica está acontecendo! Não sejamos inocentes em achar que ela será interrompida pelo medo do desconhecido. Os responsáveis por esse desenvolvimento devem incluir travas para que seus sistemas não saiam do controle, garantindo essas premissas.

O que nos leva de volta a “Black Mirror”: tampouco podemos ser inocentes em achar que todos os executivos da indústria serão éticos e preocupados em fazer a coisa certa. É por isso que a inteligência artificial precisa ser regulamentada urgentemente, para pelo menos termos a tranquilidade de continuar usufruindo de seus benefícios incríveis sem o risco de sermos dominados pela máquina.

E no final, sempre temos que ter uma tomada para puxar e desligar a coisa toda se ela sair completamente dos trilhos.


Íntegra de entrevista com Marcela Vairo (IBM):

Matt Hicks, CEO da Red Hat, durante a abertura do Red Hat Summit 2023: “esse é o momento da IA” - Foto: Paulo Silvestre

Inteligência artificial produz coisas incríveis, mas não podemos perder nosso protagonismo

By | Tecnologia | No Comments

Estive na semana passada em Boston (EUA), participando do Red Hat Summit, maior evento de software open source do mundo. Apesar desse modelo de desenvolvimento de programas aparecer a todo momento, a estrela da festa foi a inteligência artificial. E algo que me chamou a atenção foi a preocupação da Red Hat e de seus executivos em demonstrar como essa tecnologia, por mais poderosa que seja, não deve fazer nada sozinha, precisando ser “treinada” com bons dados, com o ser humano ocupando o centro do processo.

O próprio CEO, Matt Hicks, abriu a conferência dizendo que esse é o “momento da IA”. Muitos dos principais anúncios do evento, como o Ansible Lightspeed e o OpenShift AI, embutiam um incrível poder da inteligência artificial na automação de tarefas, como geração de código a partir de pedidos simples em português, liberando o tempo das equipes para funções mais nobres.

Isso não quer dizer, entretanto, que os profissionais possam simplesmente “terceirizar” o raciocínio e a sua criatividade para as máquinas. Pelo contrário, por mais fabulosas que sejam essas ferramentas, elas pouco ajudam se o usuário não conhecer pelo menos o essencial do que os sistemas produzem.

Tanto é verdade que assistimos a casos de pessoas e de empresas que enfrentam grandes contratempos por usar plataformas generalistas de inteligência artificial (como o ChatGPT) de maneira descuidada. Precisamos ter em mente que, por mais que ela chegue a parecer mágica, não é infalível!


Veja esse artigo em vídeo:


Foi o que aconteceu recentemente com o advogado americano Steven Schwartz, da firma Levidow, Levidow & Oberman, com mais de 30 anos de experiência: ele enfrentará agora medidas disciplinares por usar o ChatpGPT para pesquisas para o caso de um cliente que processava a Avianca. Tudo porque apresentou à corte um documento com supostos casos semelhantes envolvendo outras empresas aéreas.

O problema é que nenhum desses casos existia: todos foram inventados pelo ChatGPT. Schwartz ainda chegou a perguntar à plataforma se os casos eram reais, o que ela candidamente confirmou. É o que os especialistas chamam de “alucinação da inteligência artificial”: ela apresenta algo completamente errado como um fato, cheia de “convicção”, a ponto de conseguir argumentar sobre aquilo.

“Nessa nova fase, temos que conhecer a pergunta para qual queremos a resposta”, explicou-me Hicks, em uma conversa com jornalistas durante o Summit. “Se você for um novato, poderá criar melhor, mais rápido; se for um especialista, poderá melhorar muito o que faz e usar seu domínio para refinar a entrega”, concluiu.

Para Paulo Bonucci, vice-presidente e gerente-geral da Red Hat para a América Latina, “não adianta você chegar com inteligência artificial assustando a todos, dizendo que vai faltar emprego”. Para o executivo, a transformação que a inteligência artificial promoverá nas empresas passa por uma transformação cultural nos profissionais. “A atenção principal enquanto se desenvolvem os códigos e as tecnologias de inteligência artificial são as pessoas, são os talentos”, acrescenta.

Chega a ser reconfortante ver lideranças de uma empresa desse porte –a Red Hat é a maior empresa de soluções empresariais open source do mundo– demonstrando essa consciência. Pois não se enganem: a inteligência artificial representa uma mudança de patamar tecnológico com um impacto semelhante ao visto com a introdução dos smartphones ou da própria Internet comercial.

A diferença é que, no mundo exponencial em que vivemos, as transformações são maiores e os tempos são menores. E nem sempre as empresas e ainda mais as pessoas têm sido capazes de absorver esse impacto.

 

Corrida do ouro

Infelizmente o que se vê é uma corrida tecnológica, que pode estar atropelando muita gente por descuido e até falta de ética de alguns fabricantes. “Existem empresas grandes que fazem anúncios quando sua tecnologia não está madura”, afirma Victoria Martínez, gerente de negócios e data science da Red Hat para a América’ Latina. “Essa corrida tornou-se muito agressiva”.

É interessante pensarmos que as pesquisas em inteligência artificial existem há décadas, mas o assunto se tornou um tema corriqueiro até entre não-especialistas apenas após o ChatGPT ser lançado, em novembro. Não é à toa que se tornou a ferramenta (de qualquer tipo) de adoção mais rápida da história: todos querem usar o robô para passar para ele suas tarefas. E, graças a essa corrida, isso tem sido feito de maneira descuidada, pois alguns fabricantes parecem não se preocupar tanto com perigos que isso pode representar.

“Isso é uma coisa que a gente deveria estar discutindo mais”, sugere Eduardo Shimizu, diretor de ecossistemas da Red Hat Brasil. “Entendo que nós, não só como especialistas em segurança ou em tecnologia, mas como seres humanos, precisamos discutir esses temas éticos da forma de usar a tecnologia”, acrescenta.

Martínez lembra das preocupações que educadores vêm apresentando sobre o uso de plataformas de IA generativas, como o próprio ChatGPT por crianças. “Não podemos esquecer de aprender o processo”, alerta. Em uma situação limite, seria como entregar uma calculadora a uma criança que não sabe sequer conceitualmente as quatro operações básicas. Ela se desenvolveria como um adulto com seríssimos problemas cognitivos e de adaptação à realidade.

Por isso, a qualquer um que não saiba fazer uma divisão deveria ser proibido usar uma calculadora. Por outro lado, para quem domina suficientemente a matemática, a calculadora e mais ainda uma planilha eletrônica são ferramentas inestimáveis.

É assim que devemos encarar essa mudança de patamar tecnológico. Como escreveu Hicks em um artigo recente, “não sabemos o que o futuro reserva –nem mesmo o ChatGPT é precognitivo ainda. Isso não significa que não podemos antecipar quais desafios enfrentaremos nos próximos meses e anos.”

Quaisquer que sejam, quem deve estar no comando somos nós. Os robôs, por sua vez, serão ajudantes valiosíssimos nesse processo.


Você pode assistir à íntegra em vídeo das minhas entrevistas com os quatro executivos da Red Hat. Basta clicar no seu nome: Matt Hicks, Paulo Bonucci, Victoria Martínez e Eduardo Shimizu.

 

“Montanha russa virtual” da Rilix: equipamento possui vibração e até gerador de vento para aumentar a imersão - Foto: divulgação

Evento mostra como a tecnologia pode levar setor de festas a um novo patamar

By | Tecnologia | No Comments

Esqueça as decorações caseiras improvisadas! O setor de festas já usa há anos a alta tecnologia, não apenas para a produção de itens para celebrações de todo tipo e porte, como também no que é oferecido aos clientes finais. A ideia é transformar esses encontros, sejam pessoais ou corporativos, em momentos memoráveis.

Na semana que vem, o maior evento do setor promete mostrar tudo isso em São Paulo. A Celebra Show acontecerá entre 31 de maio e 3 de junho no Expo Center Norte. Contará com a participação de 180 fabricantes, importadores, exportadores e distribuidores de um setor que representa 4,32% do PIB Nacional, segundo a ABCasa (Associação Brasileira de Artigos para Casa, Decoração, Presente, Utilidades Domésticas, Festas e Flores), organizadora da feira.

A associação calcula que o setor deve movimentar algo como R$ 40 bilhões nesse ano. Isso é 62% a mais que em 2019, o último ano antes da pandemia de Covid-19.

“O nosso objetivo é reunir todos os segmentos que compõem o setor de celebrações em um único evento e que este seja uma referência no mercado nacional e Internacional e onde os visitantes possam verificar tendências, fazer contatos importantes e conhecer novos fornecedores”, explica Eduardo Cincinato, presidente da ABCasa.

Resultado da união das antigas ABCasa Natal e Festas e Expo Festas e Parques, a Celebra Show receberá expositores dos segmentos de Natal, festas, Halloween, eventos sociais, confeitaria, balões, parques e outros. Além de itens mais tradicionais e já conhecidos do público nesses setores, os visitantes poderão ver produtos inovadores, como partes mecânicas e diferentes sensores, que criam verdadeiros efeitos especiais nas celebrações.

A tecnologia também gera oportunidades de negócios novas no setor. É o caso de usos criativos da realidade virtual. Um dos expositores do evento, a Rilix, oferece equipamentos de “montanhas russas virtuais”, que podem ser instaladas em festas ou em espaços públicos (como shoppings) para clientes que queiram pagar para “fazer um passeio”.

O sistema possui uma estrutura em que até duas pessoas podem se sentar. Graças aos óculos de realidade virtual, elas podem olhar para qualquer lado durante a simulação. Para aumentar o envolvimento, o equipamento ainda possui vibração e gerador de vento.

Para a Celebra Show, a empresa prepara um novo recurso que é a captura da posição das mãos dos clientes. “Antes, a pessoa colocava os óculos e fazia um passeio em algum dos 12 cenários”, explica Rafaela Sedlacek, gestora comercial da Rilix. “Agora teremos interação com as mãos, com alvos para atirar durante o passeio, gerando uma pontuação no final.”

A ABCasa tem incentivado seus associados na adoção de tecnologia para incrementar os setores de produção, comercialização e distribuição. Para o evento, a inteligência artificial está sendo usada na logística, garantindo o suprimento e o abastecimento de tudo o que for necessário. Também foram criados microsserviços na nuvem, que oferecem informações em tempo real, podendo ser acessados por computadores, tablets e smartphones.

 

Colaboração entre decoradores

O evento oferecerá, logo na sua entrada, um espaço “instagramável” construído de maneira colaborativa por grandes decoradores e influenciadores brasileiros e da América Latina: o Collab Celebra.

O espaço ocupará mais de 2.500 metros quadrados. O investimento em sua execução se aproximou de R$ 2 milhões. Serão representados os segmentos de confeitaria, festas, Natal, eventos sociais, Halloween e balões.

A feira oferecerá ainda diversos tipos de conteúdos sobre os mercados que representa, incluindo palestras, estudos de caso, workshops e até um seminário para profissionais e apaixonados por balões, o Baloon Meeting Brazil. O credenciamento para participar da Celebra Show é gratuito.

 

Mercado brasileiro terá até 2025 um déficit de 530 mil profissionais na área de TI - Foto: Creative Commons

Edtech combate déficit de profissionais de TI com capacitação gratuita

By | Educação | No Comments

Há anos, o Brasil enfrenta um déficit de trabalhadores na área de TI. Apesar de o mercado demandar cada vez mais pessoas em diferentes funções no setor, as faculdades não dão conta de prepará-las. Atenta a essa demanda, e edtech BePRO Institute pretende capacitar 800 pessoas por ano, sem custo para os estudantes.

Em dezembro de 2021, a Brasscom, associação das empresas de TI e comunicação, calculou que o mercado brasileiro demandaria 797 mil profissionais de TI entre 2021 e 2025, mas apenas 53 mil pessoas se formavam no setor por ano. Ou seja, se o país dependesse apenas dessas graduações, faltariam mais de meio milhão de profissionais até 2025. Outro estudo, feito pela consultoria McKinsey em 2019, indicou que 68% dos recrutadores do Brasil têm dificuldade de preencher vagas de nível básico em TI.

“Um dos grandes entraves que se tem hoje na educação é o dinheiro para fazer o curso”, explica Leandro Torres, fundador da BePRO. “Então um curso rápido dá oportunidade de a pessoa se empregar”, acrescenta.

A edtech oferece uma formação a distância de 140 horas, divididas em quatro semanas. Os estudantes são capacitados na plataforma “low-code” da Outsystems. Esse tipo de sistema permite que aplicativos sejam desenvolvidos com pouca ou nenhuma programação, graças a um ambiente que permite visualmente organizar recursos disponíveis em sua biblioteca de funções.

Torres afirma que isso é suficiente para que o estudante ingresse rapidamente no mercado de TI como um desenvolvedor júnior, com salários em torno de R$ 3.000. Com isso, a pessoa pode até mesmo viabilizar uma graduação na área e ampliar mais seus conhecimentos.

O público-alvo da BePRO são profissionais em transição de carreira ou que buscam um primeiro emprego na área de TI. Na primeira turma, realizada em abril com 26 participantes, a média de idade era de 32 anos, sendo que oito eram mulheres.

Para participar do processo seletivo, o candidato deve ter feito um curso técnico ou estar nos primeiros semestres de uma faculdade na área de TI. Além disso, é preciso ter um inglês pelo menos básico, pois, apesar de as aulas gravadas e da mentoria serem em português, o material oficial do fabricante é nesse idioma.

As primeiras três semanas do curso são de teoria e prática. Na quarta, cada aluno realiza um projeto final. O acompanhamento da evolução de cada um é diário. A instituição também oferece conteúdo comportamental e acompanhamento psicológico.

Torres investiu do próprio bolso quase R$ 500 mil para criar a edtech. Agora busca diferentes parcerias para seguir com o projeto. Ele já fechou acordos de divulgação com diferentes faculdades, para que seus alunos aprendam a plataforma “low-code” da Outsystems, de maneira complementar a seus estudos.

A próxima turma acontecerá em junho. As inscrições podem ser feitas pelo site da edtech: https://www.beproinstitute.com . A expectativa de Torres é realizar mais seis turmas até o fim do ano.

Para isso, o empreendedor espera agora conseguir parcerias com empresas, em um movimento em que todos ganhariam. Para fabricantes de software, por exemplo, isso aumentará a quantidade de profissionais capacitados a trabalhar com suas plataformas.

Mas Torres busca também apoio financeiro de grandes companhias para continuar capacitando gratuitamente pessoas, que poderão suprir demandas por profissionais das próprias organizações. “Uma das formas que eu vejo que vai resolver esses pontos é a entrada do empresariado ajudando cada vez mais a financiar esses estudos, seja ele uma formação acelerada, como a gente está propondo, seja numa formação mais tradicional, como uma graduação superior”, conclui.

 

Profissional captura imagens de obras para a plataforma da Construct IN, usando capacete com câmera 360º - Foto: divulgação

“Tour virtual” reduz custos e melhora documentação de obras

By | Tecnologia | No Comments

Um dos grandes desafios de uma obra é garantir que o projeto esteja sendo cumprido adequadamente, identificando qualquer erro o quanto antes. Isso evita retrabalho e aditivos, que podem elevar consideravelmente o tempo e os custos totais do empreendimento. Agora a tecnologia digital pode facilitar e baratear essa verificação.

Tradicionalmente ela é feita com um engenheiro no próprio local. As despesas com essa ação crescem exponencialmente com a distância da obra, que pode estar até em outro Estado. Pensando nisso, a startup gaúcha Construct IN criou um sistema que oferece fazer isso remotamente, a partir de um “tour virtual” no canteiro, potencializado com ferramentas de gestão, documentação e inteligência artificial.

Ele lembra muito o serviço Google Street View, que permite que se “navegue” por ruas e o interior de estabelecimentos a partir de fotos capturadas em todas as direções previamente. No caso da Construct IN, as imagens da obra são coletadas por uma pessoa que caminha por todo o canteiro usando um capacete com uma câmera 360º na parte superior. As fotos tiradas automaticamente são enviadas ao seu celular, que as carrega para o servidor da empresa, onde são “unidas” para criar a sensação de se estar andando pela obra, com a possibilidade de se olhar para qualquer lado.

Essa junção é feita por inteligência artificial, que também se encarrega de borrar os rostos de quem for eventualmente fotografado, para preservar sua privacidade. O sistema também identifica falhas de segurança, como alguém não estar usando o capacete, emitindo um alerta automaticamente.

Uma diferença em relação ao Street View é que a Construct IN permite comparar diferenças nas imagens captadas em diferentes momentos, algo desnecessário no primeiro, mas muito relevante no segundo caso. “Com a tecnologia, é possível acessar o histórico de todos os ambientes da obra, e observar o andamento do dia a dia, comparando o avanço diariamente ou semanalmente”, explica Tales Silva, CEO da start up. “Isso traz maior segurança, agilidade e transparência em todo o processo de gestão das obras”. Não há limites de capturas, podendo ser feitas até mais de uma vez por dia.

 

Plataforma permite comparar imagens das obras com projetos na BIM (Modelagem de Informação da Construção) – Imagem: reprodução

Plataforma permite comparar imagens das obras com projetos na BIM (Modelagem de Informação da Construção) – Imagem: reprodução

 

A navegação acontece por qualquer navegador na Web, dispensando a instalação de programas. Além de permitir “caminhar pela obra”, que pode estar em qualquer lugar do mundo, a plataforma oferece diversos serviços adicionais, como, por exemplo, fazer medidas com precisão, como se estivesse no local. Também é possível adicionar notas para outros usuários sobre as imagens. O sistema ainda “conversa” com plataformas de BIM (Modelagem de Informação da Construção), permitindo comparar, lado a lado, imagens imersivas da obra com a navegação tridimensional dessas ferramentas de projeto.

Para o fim do ano, a empresa promete uma nova camada de inteligência artificial. A partir de reconhecimento de imagens, ela indicará automaticamente quais os avanços foram feitos em diversos aspectos da obra, como alvenaria, forro, piso e contrapiso, entregando indicadores gerais do andamento de cada pavimento. Isso tornará o gerenciamento da obra ainda mais eficiente e rápido.

A maioria dos clientes da Construct IN é formada por redes de varejistas, que costumam ter equipes reduzidas de engenharia. Por isso, a habilidade de acompanhar as obras remotamente fica muito importante para essas empresas.

É o caso da cadeia de pet shops Petz, cuja sede fica em São Paulo, mas que possui obras de lojas em diversos Estados brasileiros. Elas são realizadas por construtoras e empreiteiros locais e acompanhadas remotamente. Com isso, as visitas presenciais da equipe aos canteiros podem ser feitas a cada 20 dias apenas.

Por se tratar de obras rápidas, com até 90 dias de duração, uma demora de uma semana para identificar alguma falha pode ter impacto considerável no resultado. “Os registros remotos permitem comparar, quase em tempo real, a execução com o projeto, verificar se a obra está no cronograma e fazer checklists à distância”, explica André Ortega, gerente de obras da Petz.

A Construct IN possui hoje 130 clientes, com mais de 700 obras em andamento na plataforma. No ano passado, isso representou 1,5 milhão de imagens capturadas. A estimativa da empresa é que, em 2023, esse número chegue a 3 milhões.

 

Cena de “Tempos Modernos” (1936), em que Charles Chaplin já criticava a automação do trabalho – Foto: reprodução

Que empregos a inteligência artificial deixará para nós?

By | Tecnologia | No Comments

As grandes empresas de tecnologia continuam “passando o facão” em suas equipes no mundo todo. Em 2022, foram cerca de 150 mil demitidos; nesse ano, já são quase 100 mil. A maior parte dos cortes está associada a uma adequação dos times depois de grandes contratações na pandemia e pela crise nos EUA, mas especialistas indicam que podemos estar observando mudanças profissionais patrocinadas pela inteligência artificial em ascensão.

Não se trata de ficção científica distópica. Desde que o ChatGPT, o sistema produtor de textos da OpenAI, foi lançado no dia 30 de novembro, a quantidade de aplicações para a chamada “inteligência artificial generativa” não para de crescer.

Se antes o risco de substituição de trabalhadores humanos por máquinas era restrito a funções menos especializadas e criativas, essa tecnologia agora impacta trabalhadores que se sentiam “protegidos dos robôs” pela sua formação. E como o avanço das capacidades digitais acontece exponencialmente, alguns começam a se perguntar que empregos restarão em breve para humanos diante de máquinas cada vez mais eficientes.


Veja esse artigo em vídeo:


Na semana passada, a Amazon anunciou o corte de 9.000 funcionários no mundo, totalizando 27.000 vagas a menos desde novembro. Uma semana antes, a Meta (dona do Facebook) disse que demitirá outros 10.000 profissionais e congelará 5.000 contratações, somados aos 11 mil funcionários demitidos globalmente há três meses.

Um estudo divulgado no final de janeiro e feito sobre os cortes de 2022 indicou que supreendentemente a maior parte dos demitidos foi de funções ligadas a recursos humanos –27,8%– e não a tecnologia –que vieram na sequência, com 22,1%. Segundo a consultoria 365 Data Science, responsável pela pesquisa, isso se explica em parte por essas empresas estarem necessitando menos de analistas de RH, mas também porque grande parte do processo de recrutamento (e até de demissões) passou a ser automatizado pela inteligência artificial.

Coincidência ou não, algumas das que mais demitiram estão realizando investimentos massivos no tema. A Microsoft, que cortou 10 mil funcionários no fim de 2022, anunciou ao mesmo tempo um investimento estimado em US$ 10 bilhões na OpenAI. A Alphabet (controladora do Google), que mandou para casa 12 mil pessoas, lançou na semana passada o Bard, seu sistema concorrente do ChatGPT.

Outro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia (EUA) e da OpenAI, concluiu que 80% dos trabalhadores americanos podem ter pelo menos 10% de suas tarefas afetadas por essa tecnologia, com 19% deles tendo que encarar metade do que fazem sendo tomado pela máquina. A influência abrange todos os níveis salariais, com empregos de renda mais alta sendo mais afetados.

“O importante é não entrar em estado de negação quanto ao avanço da tecnologia e estar aberto ao aprendizado contínuo através da empresa ou autodesenvolvimento”, explica a consultora de carreira Ticyana Arnaud. Isso está em linha com os pesquisadores da 365 Data Science, que afirmam ser essencial possuir a capacidade de se adaptar e se manter atualizado com as mais recentes inovações tecnológicas.

 

Aprender a aprender

“O indivíduo deve ser verdadeiramente protagonista de sua própria aprendizagem”, explica Karen Kanaan, sócia da École 42 no Brasil, uma escola francesa de tecnologia que forma profissionais a partir de projetos em que necessariamente precisam colaborar uns com os outros. “Deve ser uma formação que estimule que ele busque aprender a aprender, a colaborar, a ter empatia, a pensar de forma crítica, a ter criatividade e raciocínio lógico”, completa.

Como acontece com toda nova tecnologia, ela acaba extinguindo profissões inteiras, enquanto cria oportunidades. Isso acontece desde o início da Revolução Industrial, no século XVIII. A diferença é que, em mundos digitais, o tempo para que as pessoas se adaptem é muito menor, o que se agrava porque os novos ofícios exigem habilidades básicas que a maioria da população não tem.

Como disse no sábado ao Estadão o economista José Pastore, “a destruição (de empregos) é rápida e visível; a criação é lenta e é invisível”. Para o professor da FEA-USP, “isso traz impactos sociais imediatos, e apavora todo mundo.”

O mesmo Estadão trouxe uma reportagem sobre novas profissões ligadas a inteligência artificial, cujos salários chegam a R$ 20 mil. Apesar de a maioria estar, de alguma maneira, associada à área de TI, é importante observar que a adoção de inteligência artificial necessita de equipes multidisciplinares, para “treinar” as plataformas em tarefas dos mais diversos setores da economia. Além disso, algum domínio da tecnologia vem se tornando essencial em todas as carreiras.

Isso aparece na origem dos estudantes da École 42, cujo curso equivale a uma formação em engenharia de software. A maioria não vem da área de tecnologia e trazem, na sua bagagem, carreiras tão distintas quanto publicitários, cozinheiros, médicos e cabelereiros. E todos podem adquirir as novas habilidades de TI.

“É preciso conhecer seus limites, valores, o que gosta, o que sabe, o que quer fazer para levar uma vida que seja relevante, antes de tudo, pra si”, explica Kanaan. E isso é algo que a inteligência artificial não consegue fazer. Para ela, “um indivíduo criativo, capaz de imaginar, raciocinar consegue se adaptar a qualquer movimento.”

Em outras palavras, ninguém está “seguro”, mas também não precisa se desesperar. “A inteligência artificial fomenta a importância de uma vida voltada ao aprendizado”, afirma Arnaud. Temos que estar sempre atentos às tendências com implicações em nosso trabalho, aprendendo o que há de novo.

Muitas pessoas podem dizer que “falar é fácil”, e não as julgaria por isso. Talvez fosse mesmo mais confortável o mundo de 30 anos atrás, quando o que se aprendia na faculdade era suficiente para chegar até a aposentadoria.

Isso ficou literalmente no passado. Agora somos obrigados a estar em constante movimento. Mas isso pode ser uma incrível oportunidade, não apenas para continuarmos profissionalmente relevantes, mas para nos tornarmos pessoas melhores. Esse é o melhor caminho para os robôs não nos alcançarem.

 

“Medo do ChatGPT” não pode impedir o avanço tecnológico

By | Tecnologia | No Comments

Tecnologias muito inovadoras costumam gerar igualmente expectativa e temor, diante de suas possibilidades. Por ainda não dominarmos totalmente seus recursos, não temos real dimensão do que podem provocar em nossas vidas. Diante disso, há sempre o grupo dos “deslumbrados” –que abraçam o novo como se não houvesse amanhã– e o dos “resistentes” –que evitam seu uso tanto quanto possível.

Não dá para segurar o futuro, mas ele precisa ser bem compreendido!

A “bola da vez” nesse cenário é o ChatGPT. Desde que foi lançado, no dia 30 de novembro, a plataforma de inteligência artificial ocupa o centro do debate tecnológico. Sua incrível capacidade de produzir textos complexos a partir de comandos simples impressiona e vem provocando questionamentos até sobre o futuro de profissões que antes se sentiam “seguras” contra uma eventual substituição por máquinas.

O que o torna tão único é que sua automação avança sobre o campo cognitivo, capaz de criar conceitos e de responder de maneira convincente praticamente qualquer pergunta. Com isso, muitos temem que ele abra portas para um “emburrecimento” da humanidade, com pessoas preguiçosas demais para pensar, ficando ainda mais dependentes das máquinas.

Para muita gente, isso jamais acontecerá! Mas esse medo propõe um debate válido.


Veja esse artigo em vídeo:


Nessa hora, não dá para não lembrar da animação “Wall-E” (2008). Na história, a Terra se tornou inabitável no futuro pela quantidade de lixo que a humanidade produziu. As pessoas então abandonam o planeta, passando a viver em gigantescas espaçonaves, onde até suas mínimas necessidades eram atendidas por robôs. Nem andar precisavam, pois passavam o tempo todo sobre cadeiras móveis.

Tanta comodidade teve efeitos nefastos, porque várias gerações viveram nesses gigantescos “cruzeiros espaciais”. Sem perceberem, passaram aos poucos a serem dominadas pela inteligência artificial. Até andar ficava difícil, pois nunca abandonavam suas cadeiras, ganhando muito peso e ficando com músculos atrofiados.

Não é o que está acontecendo agora, naturalmente. Mas se passarmos a ter máquinas que façam tudo por nós (até “pensar”), isso pode, sim, levar a consequências indesejadas. Afinal, máquinas são ferramentas que devem nos ajudar a realizar nossas tarefas, e não que façam tudo por nós.

Por outro lado, essa hipótese indesejável não pode servir de motivo para “impedirmos o futuro”. Como cantava Elis Regina, “o novo sempre vem”. O que temos que fazer é entendermos tudo que chega com ele, para aproveitarmos o que traz de bom e contornarmos o que for indesejável.

“O ChatGPT ainda é um assunto muito novo, mas o medo das mudanças tecnológicas já é bem tratado”, explica Rodrigo Guerra, doutorando do Departamento de Políticas Científicas e Tecnológicas da Unicamp. “Ele deixou mais concreta a visão de que a inteligência artificial pode substituir o homem agora no trabalho cognitivo”, acrescenta.

Existe um fator ético associado a esse medo. Em muitas ocasiões, empresas como a OpenAI, criadora do ChatGPT, lançam produtos sem um debate com a sociedade e sem avaliar adequadamente possíveis consequências disso. Fazendo outro paralelo com “Wall-E”, o que tornou a Terra inabitável foi um consumismo desenfreado das pessoas, promovido pela megacorporação Buy-n-Large. Ironicamente, as naves que “salvaram” a humanidade (mas provocaram todos aqueles “efeitos colaterais”) também eram da empresa, indicando que o problema se perpetuava.

“Aí entra a importância do pensamento crítico e da capacidade do ser humano de gerar narrativas próprias para pensar eticamente essas tecnologias”, sugere Marina Martinelli, doutoranda em 5G pela Unicamp. Para ela, “temos que pensar nessas ferramentas disruptivas para que funcionem de forma que a sociedade evolua e caminhe para frente”.

 

A dor da mudança

Costumamos olhar para o lado bom de tecnologias estabelecidas, mas raramente pensamos nos problemas que muitas delas provocaram quando surgiram. O exemplo mais emblemático disso foi a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII.

Ninguém sequer cogita um mundo sem indústrias. Mas quando as primeiras fábricas surgiram, elas levaram a dolorosas mudanças sociais, com artesãos ficando sem trabalho, enquanto multidões operavam as máquinas nas fábricas, com jornadas de trabalho extenuantes e sem qualquer cuidado.

Eventualmente a sociedade encontrou um equilíbrio para que aqueles problemas fossem controlados, restando benefícios cada vez mais para todos. “Depois que a transição acaba e entra na fase mais estável, todo mundo aproveita”, explica Guerra.

É natural que busquemos máquinas que tornem nossas vidas mais fáceis. Um carro permite que percorramos grandes distâncias rapidamente e com conforto, muito mais que a cavalo ou andando a pé. Mas não por isso deixamos totalmente de andar! Pelo contrário, hoje a sociedade combate conscientemente os riscos do sedentarismo.

Nesse sentido, o medo de tecnologias como o ChatGPT levarem pessoas a pensar menos não é de todo infundado. E, sendo claro, muitas pessoas farão isso tanto quanto puderem, assim como deixam de fazer contas quando têm acesso a uma calculadora.

Nosso papel é evitar que isso aconteça de maneira descontrolada, levando a esse temido “embrutecimento mental”. Essa e outras tecnologias continuarão chegando, cada vez mais fantásticas e cada vez mais acessíveis. Mas elas não podem deixar de ser vistas como ferramentas!

Ironicamente, a melhor maneira para isso é ampliar o uso dessas plataformas, ao invés de proibi-las, como algumas pessoas propõem. E isso deve ser feito com o apoio e, se possível, a supervisão de professores, que expliquem como usar tanto poder para expandir nossas possibilidades mentais, ao invés de comprometê-las.

Como seria a vida de alguém hoje, que não soubesse usar, ainda que minimamente, um computador ou um smartphone? Essa pessoa provavelmente teria até dificuldade para conseguir um emprego, mesmo básico!

Em muito pouco tempo, a inteligência artificial será tão popular em nosso cotidiano quanto esses equipamentos. Estamos naquele momento doloroso de mais uma transição tecnológica, mas para Martinelli, todo esse barulho em torno do ChatGPT “é muita fumaça e pouco fogo”.

Essa é a hora em que temos justamente que abraçar a novidade sem medo, mas também sem deslumbramento. Como na maioria das coisas da vida, o melhor caminho é aquele que se afasta de qualquer extremo. Não abrace nem os “deslumbrados” e nem os “resistentes”.

 

A futurista casa dos Jetsons, animação que foi ao ar em 1962 e 1963, foi ultrapassada pela tecnologia das atuais “casas inteligentes”

“Casa inteligente” ganha novos “poderes”, mas ainda é um luxo para pouquíssimos

By | Tecnologia | No Comments

Esqueça os simples comandos de voz para tocar músicas ou acender luzes. A CES (Consumer Electronics Show), maior evento global de eletroeletrônicos, mostrou no começo do mês inovações para as “casas inteligentes” que vão de consumo otimizado de energia a cuidados com pets. Apesar de muitos parecerem ter saído da ficção científica, já estão disponíveis para compra. Ainda assim, continuam restritos a bem pouca gente.

É uma pena, pois as “smart homes” vão muito além de simples “brinquedos” digitais. Quando plenamente implantadas, terão o poder de revolucionar o conceito de moradia em uma escala que rivalizará com a do surgimento dos primeiros eletrodomésticos, há mais de cem anos. Esses estão tão integrados a nossas vidas, que mal percebemos sua existência. Mas experimente ficar uma semana sem sua geladeira!

A grande inovação da “casa inteligente” (ou “conectada”) não se resume ao aspecto divertido da coisa, e sim ao fato de que ela nos permitirá fazer tarefas que hoje não podemos ou que são muito demoradas. Exatamente o que fizeram os eletrodomésticos do começo do século XX.

Mas, para tal, precisamos ter acesso a tudo isso.


Veja esse artigo em vídeo:


A maioria das pessoas associa as “casas inteligentes” a assistentes virtuais, como a Alexa (da Amazon), o Google Assistente ou a Siri (da Apple). Eles funcionam em alto-falantes inteligentes, celulares, smart TVs e computadores. Conseguem realizar algumas tarefas por comandos de voz e controlam uma variedade limitada de aparelhos, como lâmpadas e alguns eletrodomésticos. Um pouco menos conhecidas, existem automações para sistemas de segurança (como fechaduras, câmeras e detectores de fumaça), de plataformas de entretenimento e de rotinas domésticas.

Mas o que foi visto na CES, que aconteceu em Las Vegas (EUA) de 5 a 8 de janeiro, foram dispositivos tomando decisões sozinhos, com inteligência artificial. Esses equipamentos também começam a compartilhar informações entre si, de maneira colaborativa, deixando de ser domínios isolados de cada fabricante. E são essas inovações que realmente podem transformar a maneira como vivemos.

“Não temos apenas a missão de aprimorar a conectividade dos produtos, mas também de viabilizar novas experiências, proporcionando uma vida mais saudável, melhores opções de entretenimento e fomentando estilos de vida mais sustentáveis”, explica Ricardo Tavares, gerente-sênior de Home Appliances da Samsung Brasil. A gigante coreana foi uma das marcas que mais investiram em “smart home” na CES.

Esse mercado é puxado pelos EUA e pela Europa. A empresa Statista estima que ele terminou 2022 com uma receita global de US$ 117,6 bilhões, podendo chegar a US$ 222,9 bilhões em cinco anos. Hoje cerca de 14,2% das residências seriam inteligentes, devendo chegar a 28,8% até 2027. A maior parte dessa receita vem dos EUA, respondendo sozinhos por US$ 31,5 bilhões, em 54 milhões de lares. O Brasil está bem atrás, com apenas US$ 1,3 bilhão em cerca de 5 milhões de domicílios.

Os números indicam que, além de termos menos “casas inteligentes”, elas são menos conectadas. Isso acontece pela população desconhecer suas possibilidades, pelo alto custo e porque muitos desses equipamentos simplesmente não chegam ao Brasil.

 

Tudo precisa “conversar”

Em novembro, tive a oportunidade de visitar um local com esses e outros recursos funcionando. Criada temporariamente em uma casa em São Paulo pela empresa de software alemã SAP, ela demonstrava a clientes como a tecnologia já pode facilitar muito a vida doméstica.

Entre outros recursos, a casa verificava se algum produto estava faltando na geladeira sempre que era aberta, fazendo uma cotação e comprando o que tivesse acabado do varejo da região. Além disso, todos os dispositivos elétricos eram conectados para garantir seu funcionamento e otimizar o consumo de energia, considerando variáveis como a presença de pessoas nos cômodos e condições climáticas. O home office era integrado com as empresas dos moradores, para melhorar seu trabalho. E até o espelho no closet simulava maquiagens e acessórios nas pessoas, permitindo a compra online, se desejado.

Para uma casa assim existir, é preciso que todos os equipamentos troquem dados entre si, algo que nem sempre acontece. Cada fabricante adota um padrão, criando uma espécie de “reserva de mercado”. Felizmente isso está mudando com a criação de protocolos abertos, como o Matter. A própria Samsung o adota em sua plataforma SmartThings. “Ele foi projetado para a interoperabilidade, mas, para que isso continue sendo uma realidade, as maiores empresas de tecnologia precisam estar comprometidas”, afirma Tavares.

Um risco que muitos especialistas apontam nas “casas inteligentes” é a coleta incessante e gigantesca de dados sobre a própria casa e seus moradores. Muitas dessas informações trafegam de maneira aberta pela Internet, podendo até ser processada remotamente. Isso abre sérios riscos de segurança, não apenas dos dados, mas da residência em si: e se bandidos conseguissem abrir trancas e desativar alarmes pela Internet? Há também o temor que esses dados sejam usados pelos próprios fabricantes para finalidades desconhecidas dos moradores.

Tudo isso precisa ser endereçado por essas empresas, do ponto de vista comercial, tecnológico e ético. E nesse pacote entra também a inteligência artificial, cada vez mais presente em equipamentos de diversas categorias. Ela permite que eles aprendam o comportamento dos moradores, ajustando suas configurações para que sejam cada vez mais eficientes para cada pessoa, de maneira autônoma.

Mesmo com essas ressalvas, minha visão para as “casas inteligentes” é otimista. Como toda nova tecnologia, precisa ainda aparar muitas arestas, para que pareça menos um protótipo e mais algo que possa estar realmente integrado ao nosso cotidiano, como nossas geladeiras.

Por fim, os fabricantes devem encontrar maneiras para baratear os custos envolvidos. Somos um país com um enorme abismo digital. Se alguém tinha alguma dúvida de como isso prejudica profundamente o desenvolvimento das pessoas, basta ver o que aconteceu no auge da pandemia, quando pessoas de baixa renda tiveram grande dificuldade de trabalhar e de estudar em casa, pelo acesso restrito a equipamentos e a conexões de qualidade.

Se esse aspecto não for resolvido, as diferenças digitais em breve ampliarão outro abismo de nosso país: o da moradia.

 

“Matemática ruim” e baixa identificação de jovens com TI fazem Brasil importar tecnologia

By | Educação | No Comments

Na semana passada, publiquei nesse espaço uma reportagem que indicava como o setor de TI no país “rouba” profissionais de outras áreas para suprir um déficit de formação universitária que pode passar de meio milhão de trabalhadores até 2025. Mas, se a procura é tão grande e essa área paga tão bem, é natural perguntar por que então não temos mais pessoas procurando por essas graduações.

Apesar de a pergunta ser simples, a resposta é complexa. A procura existe, os cursos estão cheios, entretanto poderia ser mais. Isso começa por um interesse relativamente baixo pelo aprendizado de Matemática, passa por questões culturais e familiares, choca-se com barreiras para grupos sociais nessas profissões e desemboca em um Ensino Médio Técnico que poderia suprir muitas dessas necessidades do mercado.

É uma combinação que demonstra como o problema é sistêmico, prejudicando profissionais, empresas e a própria sociedade. Os primeiros perdem oportunidades, as segundas pagam caro por trabalhadores e a última enfrenta o fato de que importa tecnologia ao invés de produzi-la nacionalmente, aproveitando a criatividade brasileira.

Da mesma forma que todos sofrem com o problema, a responsabilidade para sua solução precisa envolver a sociedade como um todo.


Veja esse artigo em vídeo:


“A escolha da profissão tem a ver, entre outras coisas, com o status social”, explica Ana Paula Gaspar, especialista em tecnologia e educação. “Falta uma dimensão subjetiva e humana na análise desses fenômenos sociais, porque as pessoas não escolhem apenas por conta de quanto vão ganhar.”

Segundo ela, não se pode esperar que jovens se decidam por uma graduação de Engenharia se eles não tiverem acesso a produtos com boa engenharia. “Então é muito natural que uma criança deseje mais ser youtuber que astronauta, porque tem a ver com o que ela consome”, explica. “E há esses dados escabrosos que mostram que muitos ainda têm dificuldade de estar no mercado de trabalho por conta de preconceito de classe ou de raça”, acrescenta.

“É um pressuposto equivocado da cultura brasileira de que o profissional, para trabalhar, precisa sair do ensino universitário”, afirma Marcelo Krokosc, diretor do Colégio FECAP, em São Paulo. Segundo ele, países da América do Norte e da Europa têm um Ensino Técnico muito valorizado, que supre parte da demanda por profissionais. “O aluno que faz o Ensino Técnico sai preparado para o mercado de trabalho com 17 anos, porque já veio aprendendo aquilo que tem interesse”.

Alunos de cursos técnicos de TI levam vantagem se prosseguem na área no Ensino Superior. David de Oliveira Lemes, diretor da Faculdade de Estudos Interdisciplinares da PUC-SP, explica que muitos deles chegam com uma maturidade em Matemática e aspectos técnicos que os demais estudantes não costumam ter. “Já passaram por alguns percalços, já ‘sofreram’ com programação, com Matemática, com Lógica”.

O aprendizado deficiente em Matemática acaba atrapalhando na escolha e no desenvolvimento nessas carreiras. “A educação matemática no Brasil é muito pobre: entre alunos que saem do Ensino Médio, apenas 5% têm a proficiência necessária para essa etapa”, explica Gaspar.

“Nos anos iniciais, a escola deve manter o interesse pela Matemática da mesma forma como mantém pela alfabetização”, afirma Krokosc. Ele conclui que “as famílias devem vibrar quando o filho lê uma palavra, mas também quando faz uma conta”.

Gaspar explica que essa baixa qualidade matemática no país se deve a como ela chegou por aqui, por uma influência francesa de uma “matemática pura”, sem ser aplicada e com a “matemática do dia a dia” desvalorizada. “Se a matemática que chega na escola está muito distante da realidade dos alunos, é um problema”, conclui.

 

Novos caminhos

Lemes acredita que a nova BNCC –a Base Nacional Comum Curricular, o conjunto de regras que determina como escolas devem organizar seus currículos e propostas pedagógicas– pode melhorar o ensino da disciplina. Ele explica que, “com ela, os professores precisam aplicar a Matemática em situações dentro e fora da escola, não só naquele contexto da Matemática pura”.

Isso não pode ser encarado apenas como um problema escolar. Esses desafios afetam a sociedade em geral e todos precisam se unir para sua solução.

“A responsabilidade do governo é a formulação de políticas públicas, e a das instituições de ensino é a oferta, quantidade e qualidade de vagas”, explica Gaspar. Ela afirma que “o mercado ‘lava as mãos’ para a formação, porque acha que seu papel é dar emprego, fazer negócios e gerar renda”.

Mas essa é uma visão míope e ultrapassada, especialmente em uma área tão dinâmica quanto TI, em que o conhecimento envelhece muito rapidamente. Por isso, as empresas devem cuidar da formação contínua de seus profissionais.

Gaspar sugere que um profissional só poderia ser considerado sênior e fosse capaz de formar outras pessoas, mas isso hoje não é feito. “Daí fica todo mundo roubando sênior de todo mundo, ao invés de formar júnior”. E conclui: “se as pessoas não forem parte do resultado das empresas, a gente nunca vai sair desse buraco.”

Não há outro caminho viável: qualquer que seja a sua profissão, se você quiser continuar relevante no mercado, precisará continuar estudando até o último dia. Por outro lado, precisamos ajudar crianças e jovens a desenvolver as competências necessárias, tanto em linguagem, quanto em Matemática. Além disso, precisamos dar a eles exemplos e modelos para que façam escolhas profissionais conscientes.

Se apresentada do jeito certo, a Matemática pode ficar até mais divertida. “É muito interessante ver um aluno com o cubo mágico na mão ao invés do celular”, sugere Krokosc. Precisamos dela para uma leitura crítica do mundo e uma vida melhor.

“Fala-se que vai faltar muito programador, mas para qualquer profissão hoje, para ser cidadão no mundo, é preciso ter fluência em competências digitais”, afirma Gaspar. E não adianta que apenas um pequeno grupo social atinja isso, ou a sociedade não se desenvolverá plenamente, nem diminuiremos nossa dependência tecnológica de fora. Como diz Lemes, “a gente tem que ser o produtor de conhecimento!”

 

Mercado de TI sofre com baixa diversidade nas equipes, dominadas por homens brancos

Setor de TI “rouba” trabalhadores de outras áreas para compensar déficit profissional

By | Tecnologia | No Comments

A oferta de empregos de tecnologia vem crescendo de maneira mais acelerada que a de outras áreas no Brasil. Até agosto desse ano, o segmento cresceu 5,1% comparado ao fechamento de 2021, frente a 3,7% de todos os setores. Isso acirra a disputa por talentos em um mercado onde literalmente sobram vagas e para o qual as universidades não conseguem suprir suas demandas.

Com isso, empresas do setor investem na formação dos profissionais que necessitam e até os “roubam” de outras áreas, oferecendo capacitação e condições atraentes para quem tope fazer uma transição de carreira. ONGs e as próprias universidades também investem em capacitações pontuais para diminuir esse déficit e evitar que o setor entre em crise.

Até o momento, isso tem sido suficiente, mas a demanda cresce de forma exponencial. Por isso, não há garantia de que esses movimentos continuem “tapando o buraco” de um segmento cada vez mais crítico para a sociedade. Além disso, eles não resolvem uma dor histórica da área, que é a baixíssima diversidade entre os profissionais, o que leva a entregas menos alinhadas com o que o mercado precisa.

Uma pergunta que surge naturalmente é: se há uma demanda explosiva por esses profissionais, por que o Brasil não consegue formá-los?


Veja esse artigo em vídeo:


Esses dados fazem parte de um levantamento recente feito pela Brasscom, a associação das empresas de TI e comunicação. Em dezembro, outro estudo da entidade apontou que o mercado brasileiro demandará 797 mil profissionais de TI entre 2021 e 2025, mas nossas universidades formam apenas 53 mil pessoas no setor por ano. Ou seja, se o país depender apenas dessas graduações, faltará mais de meio milhão de profissionais até 2025.

“Já era para a gente ter colapsado, mas não é o que está acontecendo”, afirma Sergio Paulo Gallindo, presidente da Brasscom. Para esse ano, o estudo previa uma demanda de 132.765 profissionais de TI, o que está se concretizando. E a demanda vem sendo atendida. “São profissionais de outras áreas, profissionais que já estão em cursos superiores e fazem uma capacitação em programação, passam por um processo seletivo e pegam um estágio ou um trabalho”, explica Gallindo.

Essa demanda, entretanto, cresce exponencialmente. Para 2025, o cálculo é de que sejam necessários 206.940 profissionais de TI. Para o executivo, a solução paliativa que está funcionando hoje pode não dar conta daqui a pouco: “a gente tem um dever de casa gigantesco para esse negócio não colapsar”.

Não adianta ficar apenas tentando alargar a saída do funil se, na sua boca, ele capta poucas pessoas para o setor. “No Ensino Básico, a gente incentiva pouco essa curiosidade pela ciência, pela engenharia, pela matemática, deixando de criar a vontade no adolescente de buscar uma faculdade nisso”, sugere Gustavo Bodra, CTO da StartSe. “E, se não há demanda, as universidades não criam mais cursos”, conclui.

Se a digitalização de negócios e de nossas vidas já crescia de maneira rápida antes da pandemia, ela fez com que isso explodisse. É como se todas as empresas, de repente, passassem a ser também uma empresa de TI. Para Bodra, “quem ainda pensa que não é, seu concorrente vai passar na frente”.

“Houve esse boom e o mercado de tecnologia como um todo não conseguiu formar pessoas na mesma velocidade”, explica Fernanda Saraiva, diretora de RH da SAP Brasil. Ela acrescenta ainda outro fator para a oferta insuficiente: muitos jovens entram nas faculdades, mas não as concluem porque não conseguem pagar. “Daí fica todo mundo pescando no mesmo aquário para conseguir profissionais”.

“O interesse dos jovens por carreiras de tecnologia é um dos mais baixos”, afirma Gallindo. Quanto à evasão, o estudo da Brasscom aponta que, para graduações presenciais na área tecnologia, chega a 32%. “E ela afeta muito as camadas menos favorecidas, onde você encontra negros e negras”, explica.

 

Baixa diversidade

De fato, o setor de tecnologia no Brasil é fortemente dominado por homens brancos, longe de refletir a diversidade da população. Segundo o Censo do Ensino Superior de 2019, realizado pelo INEP, ligado ao Ministério da Educação, as mulheres são maioria no ensino superior no Brasil, respondendo por 56,1%. Mas se considerarmos apenas as carreiras de tecnologia, essa porcentagem desaba para apenas 14,8%. Além disso, para cada estudante negro, há seis estudantes brancos.

“A diversidade nesse mercado vai fazer com que ele tenha uma visão mais holística para soluções de tecnologia que permitam atender a sociedade tão diversa na qual nós vivemos”, explica Cecília Marshall, fundadora do projeto Ser Mulher em Tech, que incentiva meninas a escolher carreiras no setor. “A liderança feminina traz um olhar diferenciado, como se pôde ver na gestão da pandemia, em que países liderados por mulheres tiveram resultados mais positivos”, acrescenta.

De fato, para um setor que respira inovação, ter equipes em que todos são iguais tende a piorar o negócio. “Não tem forma melhor de inovar que trabalhar com diferentes pontos de vista”, afirma Saraiva.

Gallindo acrescenta que as habilidades para tecnologia são equivalentes em todos os gêneros e raças. O predomínio de homens brancos no setor deriva, portanto, de aspectos culturais e econômicos.

Todos eles afirmam que políticas públicas de ensino devem incentivar o gosto pela área entre os jovens e patrocinar a diversidade, mas as empresas têm um papel decisivo nesse processo. Elas devem não apenas apoiar as escolas e os professores, como também os estudantes. E isso pode ser feito com capacitações, bolsas de estudo e iniciativas que mostrem aos jovens que matemática e ciências podem ser divertidas, e têm o poder de mudar o mundo, mas em linguagens que eles entendam. Dentro de casa, as companhias precisam criar métricas de diversidade e promover modelos de liderança com mulheres e negros: eles servem para inspirar jovens desses grupos que pensam em abraçar essas carreiras.

É um dilema enorme e complexo, mas que precisa ser discutido, em busca de uma solução. O mercado exige profissionais mais completos em todos os setores. Se, de um lado, profissionais de TI não podem mais “fugir”, por exemplo, de habilidades de comunicação, os de Humanidades precisam aprender aspectos técnicos para se destacar.

Essa é uma incrível oportunidade, pois a combinação desses recursos cria uma sociedade melhor, o que tem muito valor para quem deseja crescer no mercado. Todos devem, portanto, se envolver no incentivo dos jovens e no fomento à diversidade.

 

Falta “inteligência natural” para termos uma melhor inteligência artificial

By | Tecnologia | No Comments

Tudo que puder ser automatizado será! Costumo responder assim quando me perguntam se determinado setor será impactado pela IA (inteligência artificial). Mais cedo ou mais tarde, em maior ou menor escala, todo negócio será transformado por ela. A ironia é que isso só não acontece mais rapidamente por falta de “inteligência natural”, de profissionais capacitados para criar esses sistemas.

Apesar do avanço galopante da IA, chegando a um ponto em que as plataformas começam a se “autoprogramar”, ela ainda depende essencialmente de seres humanos para seu desenvolvimento. E com seu uso sendo disseminado para as mais diversas áreas, está faltando gente. No Brasil, essa situação chega a ser dramática!

O estudo “O impacto e o futuro da inteligência artificial no Brasil”, divulgado na semana passada pelo Google for Startups em parceria com a Associação Brasileira de Startups e a agência Box1824, indica que 57% dos gestores dessas empresas que trabalham com inteligência artificial acreditam que a falta de mão de obra qualificada é o que mais prejudica o seu crescimento no país.

Isso acontece porque as escolas formam poucos profissionais, e formam mal. Além disso, apesar de ser uma tecnologia que impacta a vida de todos, esse é um setor com pouquíssima diversidade, o que resulta em plataformas com vieses que comprometem a qualidade de suas entregas. E isso exige muita atenção de todos nós.


Veja esse artigo em vídeo:


Para o estudo, foram entrevistados profissionais de 702 startups no Brasil. Desse total, 71% afirmam que as escolas apresentam pouquíssimos exemplos de profissionais bem-sucedidos em tecnologia, e 41% dizem que educar e conscientizar o mercado sobre IA é o mais importante para o futuro dessa tecnologia no país. Além disso, para 39% dos entrevistados, a vulgarização do termo, com empresas que entregam soluções ruins no que dizem ser IA, prejudica uma adoção mais ampla pelo mercado.

Sobre a baixa diversidade nessas empresas, 49% delas não têm mulheres em cargos de liderança, assim como 61% no caso de pessoas negras, 71% de pessoas LGBTQIA+ e 90% de pessoas com alguma deficiência. Além disso, essas empresas estão fortemente concentradas nas regiões Sudeste e Sul, que englobam 92,7% do total. O Estado de São Paulo sozinho detém 51,9% delas.

Quando se fala de inteligência artificial, essa baixa diversidade não resulta apenas em um problema social. Esses sistemas precisam ser desenvolvidos e “calibrados”, o processo em que literalmente aprendem os parâmetros para oferecer respostas mais assertivas depois. E equipes homogêneas treinam mal as plataformas.

Por exemplo, se um sistema na área de RH começa a aprender que, de todos os candidatos que ele sugere, a maioria dos que acabam contratados é branca e com menos de 35 anos, ele tende a fazer mais sugestões que reflitam essas escolhas dos recrutadores, eliminando pessoas com mais de 40 ou negras. Ou seja, ele reproduz um viés da equipe. E isso acontece mais quando as equipes são pouco diversas.

Esse é o tipo de problema que não podemos ter, tamanha a crescente influência da inteligência artificial nas tomadas de decisões de pessoas e empresas, e os negócios que isso gera. Segundo estudo global da consultoria McKinsey, divulgado em outubro de 2018, ela deve gerar US$ 13 trilhões no mundo até 2030. Na América Latina, deve responder por um aumento de 5% no Produto Interno Bruto (PIB).

 

Mudança social

Mas há desafios que a sociedade precisa enfrentar para chegar a isso. Segundo a McKinsey, eles podem ser agrupados em três tópicos.

O primeiro é uma implementação consciente. Isso envolve o governo, pois empresas precisam ser incentivadas a desenvolver e adotar a inteligência artificial. Além disso, a sociedade precisa se beneficiar dela de forma ampla.

Outro ponto destacado é o impacto disso no mundo do trabalho. As escolas precisam formar mais profissionais qualificados nessa área. De acordo com levantamento da Brasscom, a associação das empresas do setor digital, o Brasil terá uma demanda de 797 mil profissionais de tecnologia até 2025, mas forma apenas 53 mil deles por ano. Não se pode esquecer como a inteligência artificial impacta diversos setores, impondo mudanças profundas em como as pessoas trabalham, e até extinguindo funções.

Por fim, há o desafio de uma IA responsável. A população não pode perder a confiança na tecnologia por problemas de vieses (como explicado anteriormente), falhas na privacidade de suas informações ou usos mal-intencionados por empresas ou governos. A inteligência artificial só prosperará se trouxer benefícios a todos.

Empresas, escolas, a mídia e até o governo precisam trabalhar para que as pessoas entendam a inteligência artificial como ela é, desmistificando os conceitos da ficção científica, de máquinas inteligentes capazes de fazer tudo, que eventualmente se voltam contra o ser humano. Na sexta, por exemplo, o Estadão publicou uma série de reportagens sobre inteligência artificial, que explica alguns dos mais poderosos sistemas hoje disponíveis.

Não dá para fugir do tema. Na quarta passada, participei de uma mesa-redonda promovida pela lawtech Doc9 durante a Fenalaw, o maior evento da área jurídica da América Latina. No cardápio da transformação digital do Direito, a inteligência artificial apareceu com força. Já existem diversos sistemas que agilizam enormemente tarefas repetitivas dos escritórios, com alto índice de acerto. Essa digitalização só não está mais avançada pelas resistências culturais dos gestores e pela falta de profissionais que consigam combinar as características dos mundos jurídico e digital.

A inteligência artificial não é uma panaceia, nem tampouco uma ameaça a empregos ou à própria vida (na visão apocalíptica da ficção). Ela é uma tecnologia com um potencial de provocar mudanças profundas na sociedade, oferecendo serviços inimagináveis até bem pouco tempo atrás. Mas, para que isso seja conseguido, precisamos fazer os movimentos aqui descritos.

Merecendo atenção destacada, a inteligência artificial elevará a produtividade e o crescimento econômico do mundo, mas milhões de pessoas terão que mudar de ocupação ou aprimorar suas habilidades. Isso exige atualizações na maneira de se fazer negócios e principalmente em políticas educacionais. E infelizmente nós estamos nos mexendo muito pouco, principalmente no último.

Se não fizermos os movimentos necessários, podemos enfrentar, em pouco tempo, um crescimento expressivo do desemprego e o surgimento de uma massa de “inempregáveis”, ou seja, pessoas sem capacitação para qualquer trabalho. Não podemos deixar que uma tecnologia com incrível potencial crie esses problemas.

Se isso acontecer, a culpa não será das máquinas: será de nós mesmos.

 

Entramos no ano mais digital de nossas vidas

By | Tecnologia | No Comments

Este promete ser o ano mais digital de nossas vidas. Por isso, entender o que aconteceu nesse setor em 2021 pode nos ajudar a aproveitar melhor o que a tecnologia tem de bom a nos oferecer e a fugir de enormes arapucas que já armaram para todos nós. E a maioria das pessoas não tem esse conhecimento.

Por exemplo, no final de novembro, o dicionário Collins escolheu NFT como a “palavra do ano”. Como toda seleção assim, ela é controversa, mas essa representa bem os efeitos da digitalização galopante de nossas vidas, dando o tom do ano que começa. Essa sigla indica um conceito que poucos conhecem e que, mesmo entre os que já ouviram falar dele, muitos não entendem. E há ainda uma multidão completamente de fora, por não ser tão digital assim.

A pandemia acelerou incrivelmente esse processo, abrindo oportunidades para empresas e indivíduos, mas aumentando o risco de se criar “cidadãos de segunda categoria” entre os “menos digitalizados”. Governos, instituições e companhias precisam ajudar para que isso não ocorra, e cada um de nós deve abraçar o digital com consciência, evitando, de um lado, o deslumbramento e, do outro, o medo.


Veja esse artigo em vídeo:


Para quem nunca ouviu falar, NFT é a sigla em inglês para “tokens não-fungíveis”, uma comercialização de arte digital que combina tecnologia e mudança cultural. Com ela, ao comprar uma obra, a pessoa passa a ser sua legítima dona, mas isso não lhe garante nenhum controle ou remuneração por qualquer reprodução do material. Além disso, os direitos autorais continuam sendo do autor da obra.

É como o Museu do Louvre ser dono da Mona Lisa, mas ele não tem como impedir que as pessoas fotografem o quadro, e usem isso como quiserem. Mas, se algum dia quiser vender o original, o Louvre receberá uma fortuna.

O que dificulta o entendimento do NFT é que o original pode ser algo simplório como um meme famoso, facilmente reprodutível com um clique do mouse. Ainda assim, em maio, o meme “Disaster Girl” foi vendido por incríveis R$ 2,5 milhões.

NFT venceu, entre os pesquisadores do Collins, a palavra metaverso, outro conceito digital que certamente impactará muito mais nossas vidas em breve. Se bem usado, esse mundo virtual abrirá uma infinidade de oportunidades de trabalho, aprendizagem e diversão. Trata-se de um ambiente digital em que as pessoas entrarão com seus avatares para interagir mesmo com quem estiver do outro lado do mundo e com ferramentas que só existem ali.

Apesar de não ser algo novo, o metaverso ganhou holofotes em 2021 pela disposição do Facebook de investir pesadamente nessa tecnologia. Mas o que a torna tão incrível também inspira muitos cuidados. Por ser um ambiente completamente imersivo, há um enorme risco de manipulação dos usuários, muito maior que o já visto nas redes sociais. Além disso, por exigir equipamentos poderosos para ser usado, ele pode ampliar o abismo digital entre os mais ricos e os mais pobres.

Mas a virtualização de nossas vidas já acontece com força de outras formas. Desde que a Internet comercial foi lançada, em 1994, realizamos cada vez mais atividades de nosso cotidiano pelo meio online. A popularização dos smartphones, há uma década, acelerou muito esse processo.

Mas foi a pandemia que definiu um novo patamar aí.

 

Tudo de casa

Possivelmente a mudança mais profunda e permanente que o vírus nos apresentou foi o home office. Antes do lockdown (aliás, a palavra de 2020 para o mesmo dicionário Collins), trabalhar de casa era algo inimaginável ou pelo menos visto com enorme desconfiança por gestores de empresas de todo tipo. Mas hoje isso se tornou tão aceito, que muitas empresas adotaram, mesmo com a retomada das atividades nos escritórios, o trabalho híbrido, em que os profissionais desempenham suas tarefas de casa em alguns dias da semana. Há casos em que o trabalho remoto se tornou definitivo. Dessa forma, os escritórios ficaram menores ou simplesmente desapareceram.

Primo dessa mudança é o crescimento explosivo do ensino a distância. O tempo em casa permitiu que as pessoas experimentassem e gostassem desse jeito de aprender, vencendo muitos preconceitos contra o EAD. Agora, muita gente faz cursos que antes eram inacessíveis pela distância ou por horários inflexíveis.

Mas tanto o home office quanto o EAD reforçam as diferenças entre a população digitalizada e a “nem tanto assim”. Afinal, para participar dessas atividades é preciso ter uma boa conexão com a Internet e um computador, pois a experiência pelo celular acaba sendo de pior qualidade. E nem todos têm isso.

O e-commerce também se enquadra nessa mudança de comportamento. Apesar de crescer consistentemente na casa dos dois dígitos percentuais desde que surgiu, as vendas online praticamente dobraram seu faturamento nos primeiros 12 meses da pandemia. Com a reabertura das lojas físicas, esse crescimento perdeu um pouco de fôlego, mas o e-commerce permaneceu em um patamar muito superior ao que tinha antes da Covid-19. Graças a isso, muitas entregas, que antes levariam dias para serem feitas, passaram a acontecer em algumas horas.

O e-commerce pelo menos é um pouco mais democrático: funciona bem em praticamente qualquer smartphone.

 

Virtualização de valores

O Pix, sistema de transferências e pagamentos instantâneos do Banco Central, também poderia concorrer à palavra do ano, se não fosse restrito ao Brasil. Ele já é usado por 71% dos brasileiros, com aprovação de 85% deles, segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Já há mais Pix que TED, DOC e cheque juntos! Entre os jovens de 18 a 24 anos, a aprovação chega a 99%, semelhante aos 96% da faixa seguinte (de 25 a 44 anos). A maior resistência fica entre as pessoas de baixa renda e os de menor escolaridade, mas ainda com adesão superior a 50%.

Muita gente tem medo do Pix devido aos incontáveis golpes que usam essa tecnologia. Essa, aliás, é outra coisa que explodiu nesses dois anos e que infelizmente deve se ampliar em 2022. Vale lembrar que o ano passado começou com o maior vazamento de dados da história do Brasil e terminou com um suspeito “ataque hacker” aos sistemas do Ministério da Saúde que gerenciam os dados relativos à Covid-19 e à vacinação, que demoraram semanas para serem restabelecidos.

As pessoas precisam de orientação para escapar desses problemas, que acabam atingindo mais os de renda inferior ou os menos informados. O que nos leva a um último flagelo digital que vem crescendo com força nos últimos anos e deve chegar às raias da loucura em 2022: a desinformação. O que me faz lembrar que, em 2016, outro importante dicionário, o de Oxford, elegeu pós-verdade como a palavra daquele ano.

Ela explica que importam menos os fatos e mais as versões construídas a partir deles (ou da ausência deles). Assim, quem elaborar as versões mais “palatáveis” para o público convencerá as pessoas com suas ideias, por mais bizarras que sejam.

Isso fica particularmente mais grave em anos de eleições, como esse que estamos começando. Políticos sempre mentiram, mas a combinação da pós-verdade com as redes sociais criou as fake news, que se tornaram a ferramenta suprema de manipulação da sociedade. E políticos que mais dominam esse recurso vêm se elegendo.

Por isso, se puder desejar algo a todos nesse ano que se inicia, minha escolha é conhecimento e informação, para que possamos usar o mundo digital que tivermos a nossa disposição –seja muito, seja pouco– da melhor maneira possível. Ele deve ser usado para melhorarmos (e muito) nossa vida, e não para sermos controlados por quem quer que seja.