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Graças à IA em novos celulares, qualquer um poderá alterar profundamente suas fotos - Foto: Akshay Gupta/Creative Commons

Celulares podem se tornar máquinas de distorcer a realidade

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Quando a fotografia foi inventada, no século XIX, ela revolucionou o mundo por conseguir reproduzir facilmente a realidade. De lá para cá, ela só melhorou, culminando na fotografia digital, que transformou um hobby caro em uma diversão extremamente popular, consolidada com as câmeras cada vez mais poderosas nos celulares. Mas agora esses equipamentos podem ironicamente subverter a característica essencial da fotografia de retratar a realidade com precisão.

A culpa disso recai sobre a inteligência artificial. Ela já está presente há algum tempo nos softwares de captura e edição de imagens dos melhores celulares. Mas, até então, prestava-se a “melhorar” (note as aspas) as fotografias, usando técnicas para aumentar a sua fidelidade e refinar elementos como cores, brilho e contraste.

Isso começa a mudar agora, com o lançamento nos EUA, no dia 11, do Pixel 8 (sem previsão de chegada ao Brasil). O smartphone de US$ 700 do Google consegue efetivamente alterar a realidade fotografada. Isso quer dizer que, com ele, é possível, por exemplo, eliminar pessoas e objetos das fotos, alterar elementos das imagens ou modificar suas posições e até “melhorar” (de novo, com aspas) o rosto de pessoas combinando com a maneira que elas apareceram em outras fotos.

Como em todas as atuais plataformas baseadas na inteligência artificial generativa, alguns resultados dessas edições são decepcionantes e até grotescos. Outros, porém, ficam incrivelmente convincentes!

Já dizia São Tomé: “preciso ver para crer”. Parábolas à parte, é um fato que somos seres visuais: nosso cérebro tende a assumir como real o que está diante de nossos olhos. Por isso, vale perguntar até que ponto é positivo e até saudável dar a possibilidade de se distorcer a realidade de maneira tão simples.


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É curioso que a fotografia foi combatida por muitos quando surgiu, justamente pela sua capacidade de reproduzir, de maneira fácil, rápida e precisa, o mundo. Pintores diziam que o invento era algo grosseiro, que eliminava a subjetividade e a técnica dos artistas quando retratavam pessoas e paisagens. Grupos religiosos também a combatiam, por serem contrários à captura de imagens de “coisas feitas por Deus”.

Em 1826, o francês Joseph Nicéphore Niépce registrou seu quintal em uma placa de estanho revestida de betume, usando uma câmera escura por oito horas. Essa é considerada a primeira fotografia permanente. Três anos depois, ele fez um acordo com outro francês, Louis Jacques Mandé Daguerre, que aperfeiçoou o processo com o daguerreótipo, que precisava de “apenas” 30 segundos para fazer uma fotografia.

A patente do daguerreótipo foi vendida ao Estado francês em 1839, que a colocou em domínio público. Isso permitiu que a fotografia experimentasse grandes avanços ao redor do mundo. Provavelmente a empresa mais inovadora do setor foi criada pelo americano George Eastman em 1888: a Kodak. Entre suas contribuições, estão o rolo de filme (1889), a primeira câmera de bolso (1912) e o filme colorido moderno (1935).

O último grande invento da Kodak foi a fotografia digital, em 1975. Mas como os lucros da empresa dependiam da venda de filmes, seus executivos não deram importância a ela. Foi um erro fatal, pois a tecnologia se tornou incrivelmente popular e, quando a empresa decidiu olhar para ela, as japonesas já dominavam o mercado.

Em 1999, foi lançado o Kyocera VP-210, o primeiro celular com câmera capaz de tirar fotos, que tinham resolução de 0,11 megapixel (o iPhone 15 tira fotos de 48 megapixels). E isso nos traz de volta ao dilema atual.

 

Realidade alternativa

As fotografias nos celulares se tornaram tão realistas e detalhadas que o próprio negócio de câmeras fotográficas entrou em colapso. Elas continuam existindo, mas hoje praticamente só profissionais as utilizam, pois sabem como aproveitar todos os recursos daqueles equipamentos para fotografias realmente diferenciadas.

Os recursos de IA do Pixel 8 fazem parte de uma nova versão do Google Fotos, o aplicativo de edição e publicação de fotos da empresa, que é nativo nos smartphones Android, mas também pode ser baixado para iPhones. Isso significa que, em tese, outros aparelhos poderão ganhar esses recursos em breve, desde que, claro, tenham capacidade de processamento para isso.

A alteração de fotografias sempre existiu, mesmo antes dos softwares de edição de imagem. Entretanto fazer isso era difícil, exigindo equipamentos e programas caros e muita habilidade técnica. Além disso, as fotos editadas eram apresentadas como tal, sem a pretensão de levar quem as visse a acreditar que fossem reais (salvo exceções, claro)..

O que se propõe agora é que isso seja feito de maneira muito fácil, por qualquer pessoa, sem nenhum custo adicional e em equipamentos vendidos aos milhões. Isso levanta algumas questões éticas.

A primeira delas é que as pessoas podem passar a se tornar intolerantes com a própria realidade. O mundo deixaria de ser o que é, para ser o que gostariam. Isso é perigosíssimo como ferramenta para enganarem outros indivíduos e até a si mesmas.

A sociedade já experimenta, há anos, um crescimento de problemas de saúde mental, especialmente entre adolescentes, devido a fotos de colegas com corpos “perfeitos” (pela terceira vez, as aspas). Isso acontece graças a filtros com inteligência artificial em redes sociais, especialmente Instagram e TikTok, que fazem coisas como afinar o nariz, engrossar os lábios, diminuir os quadris e alterar a cor da pele. O que se observa mais recentemente são adolescentes insatisfeitos com seus corpos não pelo que veem em amigos, mas pelo que veem em suas próprias versões digitais.

Há um outro aspecto que precisa ser considerado nesses recursos de alteração de imagens, que são os processos de desinformação. Muito provavelmente veremos grupos que já se beneficiam das fake news usando intensamente essa facilidade para convencer seu público com mentiras cada vez mais críveis.

Hoje esses recursos ainda estão toscos demais para um convencimento completo. Mas é uma questão de pouco tempo até que eles se aproximem da perfeição.

Não tenham dúvidas: quando estiver disponível, as pessoas usarão intensamente essa tecnologia, estando imbuídas de boas intensões ou de outras não tão nobres assim. Quem será responsabilizado quando começarem a surgir problemas disso?

Assim como acontece com as redes sociais, as desenvolvedoras se furtam disso, dizendo que apenas oferecem um bom recurso, e as pessoas que fazem maus usos deles. Em tese, isso é verdade. Mas alegar inocência dessa forma chega a ser indecente! É como entregar uma arma carregada na mão de uma criança e torcer para que nada de ruim aconteça.

Chegamos ao mundo em que a ilusão se sobrepõe à realidade, mas não estamos prontos para lidar com isso.

 

Mark Zuckerberg, CEO da Meta: redes sociais entraram na briga contra o “PL das Fake News” - Foto: Anthony Quintano / Creative Commons

O poder das redes antissociais

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No começo, as redes sociais eram espaços divertidos, para encontrarmos antigos amigos e conhecer gente nova. Eram os bons tempos do Orkut, do MySpace e do Friendster. O próprio Facebook surgiu em 2004 como um simples diretório de alunos da Universidade de Harvard. Mas isso mudou na última década, e essas redes têm ficado cada vez menos sociais.

No lugar dos conteúdos inocentes de amigos e de familiares, as páginas dessas plataformas foram tomadas de publicidade, publicações de influenciadores e conteúdo de interesse das próprias empresas. Os feeds, que prendem nossa atenção, se transformaram em ferramentas de convencimento fabulosas, que nos induzem desde comprar todo tipo de quinquilharia até em quem votar. O espaço social deu lugar à máquina publicitária mais eficiente já criada.

A redução no aspecto social teve um custo para usuários e para as próprias redes.

Há semanas, o Brasil vem debatendo o Projeto de Lei 2.630/20, apelidado de “PL das Fake News”, que busca regulamentar essas plataformas. E agora elas entraram de sola na briga, combatendo explicitamente a proposta em suas páginas.

Não é de se espantar: são elas as mais impactadas pelo projeto, e não os usuários, os negócios, as igrejas ou mesmo os políticos. As redes, cada vez mais poderosas e menos sociais, não podem mais se eximir de suas responsabilidades, e precisarão fazer muito mais que atualmente para a manutenção saudável da sociedade.


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Nada disso chega a ser novo, mas a magnitude do espaço que ocupa em nossas vidas tornou-se alarmante. Como disse o professor da Universidade de Yale Edward Tufte, no documentário “O Dilema das Redes” (Netflix, 2020), “existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”.

Algumas pessoas questionam o aumento desse poder em detrimento dos aspectos sociais. Isso vem provocando sangrias de usuários desencantados. Por isso, essas empresas também são prejudicadas, pois os usuários acabam migrando para plataformas menores e nichadas, onde o aspecto social ainda é relevante. Com isso, o sonho megalomaníaco de moguls como Mark Zuckerberg e Elon Musk de ter uma plataforma onde todos fariam de tudo, fica cada vez mais distante.

“Não é do interesse das redes sociais mudarem o formato de como operam e muito menos abrirem as caixas pretas com algoritmos”, explica Magaly Prado, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. “É notório verificar o espalhamento desenfreado de assuntos polêmicos e, principalmente, quando sacodem emoções.”

Isso explica atitudes como as vistas nos últimos dias, como quando o Google colocou um link para defender sua posição contrária à regulamentação na sua página de entrada, ou quando o Telegram enviou uma mensagem para todos seus usuários no Brasil, com o mesmo fim. Para fazer valer seu ponto de vista, não economizaram em afirmações falsas ou distorcidas. No caso do último, ainda carregou em frases de efeito e falsas, como dizer que “a democracia está sob ataque no Brasil”, que “a lei matará a Internet moderna” ou que “concede poderes de censura ao governo”.

Essas iniciativas provocaram reações no mundo político, jurídico e empresarial. A própria Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, correu para dizer que não concordava com as afirmações do Telegram.

 

Abuso de poder?

Muitos argumentaram que essas atitudes das plataformas digitais poderiam ser consideradas “abuso de poder econômico”, pela enorme penetração que essas empresas têm na sociedade e pelo poder de convencimento de seus algoritmos. Apesar disso, juridicamente não se pode sustentar isso.

“O abuso de poder econômico pode ser resumido como a situação em que uma entidade dominante em um setor empresarial viola as regras da concorrência livre, impedindo que seus concorrentes, sejam eles diretos ou indiretos, conduzam seus negócios”, explica Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Para ele, as iniciativas do Google e do Telegram não se enquadram nisso. “Diferente seria se houvesse uma manipulação algorítmica que privilegiasse conteúdo alinhado com seu posicionamento, em detrimento de posições contrárias”, contrapõe.

De toda forma, esses episódios podem ser educativos. Eles ilustram muito bem o poder que as plataformas digitais desenvolveram, a ponto de se contrapor a governos eleitos e de jogar parte da população contra eles.

Ninguém ganha nada com isso!

“As redes perdem ao entulhar o feed dos internautas com mensagens falsas de interesses escusos, fugindo da ideia da Internet em unir as pessoas em uma esfera de sociabilidade e troca de saberes”, afirma Prado. De certa forma, leis como o “PL das Fake News” ao redor do mundo, como da União Europeia, China e Austrália, são reações aos descuidos com os aspectos sociais pelas plataformas, com a explosão das fake news, do discurso de ódio e de outros crimes nesses ambientes. Se essas empresas tivessem levado mais a sério esses cuidados, assim como os aspectos nocivos de seus algoritmos na saúde mental dos usuários, a sociedade não chegaria a essa cisão e talvez nada disso fosse necessário.

Talvez todos possamos aprender algo com a forma como as redes sociais cresceram. A liberdade nos permite criar coisas incríveis, mas ela não nos permite tudo! A liberdade de um termina quando começa a do outro, e o meio digital não se sobrepõe às leis de um país.

Não é um exagero dizer que as redes sociais são um invento que modificou nossas vidas profundamente, abrindo grandes oportunidades de comunicação e exposição. Mas se perderam pelo caminho. Ficaram demasiadamente poderosas, e isso subiu à cabeça de alguns de seus criadores.

Tristemente as grandes plataformas estão se tornando redes antissociais, onde o dinheiro supera os interesses daqueles que viabilizam o negócio: seus usuários. Por mais que não paguem por seus serviços (quem faz isso são os anunciantes), esse e qualquer negócio só prosperam se forem verdadeiramente benéficos a todos os envolvidos. Se a balança se desequilibra, como se vê agora, os clientes sempre encontrarão quem se preocupe de verdade com eles.

 

O caçador de replicantes Deckard (Harrison Ford) e a replicante Rachael (Sean Young), de “Blade Runner”: amor de máquinas conscientes

Cuidado para não se apaixonar pelo seu computador

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Uma máquina pode se tornar consciente? Para o engenheiro do Google Blake Lemoine, isso aconteceu com o LaMDA (sigla em inglês para modelo de linguagem para aplicação em diálogo), sistema de inteligência artificial da empresa criado para conversar com seres humanos de maneira muito convincente. Críticos dizem que Lemoine se precipitou em suas conclusões. De qualquer forma, elas abriram um debate sobre se (ou quando) as máquinas poderiam ganhar “vida” e como seria nosso relacionamento com elas.

A maioria das análises sobre esse caso tem sido feita sob pontos de vista tecnológico e científico. Mas o assunto fica ainda mais interessante por um prisma filosófico. Afinal, o que define que algo se tornou consciente? Em última instância, o corpo humano não seria também uma máquina biológica incrivelmente sofisticada? Ainda assim, ninguém duvida que estejamos vivos e sejamos conscientes.

Essa questão é amplamente explorada pela ficção, para nos divertir, assustar e provocar reflexões. Algumas obras descrevem um futuro apocalíptico, com robôs inteligentes exterminando a humanidade. Outras mostram pessoas se apaixonando por computadores, e sendo correspondidas por eles.

Entre os dois cenários, prefiro esse último. Mas se uma pessoa e uma máquina se apaixonassem genuinamente, isso ainda causaria estranheza.


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Isso foi brilhantemente explorado em “Ela” (2014), do diretor Spike Jonze. No filme, o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) acaba se apaixonado por Samantha, o sistema operacional de seu computador e de seu celular. Apesar de não ter corpo, sendo representada apenas pela voz de Scarlett Johansson, a plataforma estava sempre presente, conversando como se fosse outra pessoa, exceto pelo fato de que Samantha sabia tudo sobre Theodore, pelo acesso que tinha a seus dados. A incrível sensibilidade com que a história é construída nos chega a fazer questionar o que é necessário para uma pessoa se apaixonar por alguém (ou algo), e chegamos a esquecer que Samantha é apenas um programa.

Outra abordagem interessante é a da animação “Wall-E” (2008), de Andrew Stanton. Ela conta o cotidiano de um robô deixado em uma Terra devastada pela poluição. Apesar de ele ser programado para uma única tarefa (compactar lixo), que continua executando por séculos, ele aparentemente aprende e demonstra sentimentos, como amizade (por uma barata), senso de dever e até amor.

Por fim, talvez o mais emblemático exemplo de máquinas que se tornariam conscientes é o de “Blade Runner” (1982), dirigido por Ridley Scott. Na história, máquinas chamadas de “replicantes” se parecem a humanos e agem como tal, exceto pela ausência de empatia ou apego a animais. Seguindo seu slogan “mais humano que o humano”, a fabricante Tyrell Corporation lança uma nova geração de replicantes que têm memórias de outras pessoas implantadas em seu cérebro como se fossem suas, chegando ao ponto de desconhecer sua natureza e acreditarem que são realmente humanos. Uma dessas replicantes, Rachael (Sean Young), e o caçador de replicantes Deckard (Harrison Ford) se apaixonam. Um relançamento em 1991, sem as interferências criativas do estúdio sobre o trabalho de Scott, sugere que o próprio Deckard seria também um replicante sem saber.

Ninguém diria que qualquer uma dessas máquinas estaria viva, do ponto de vista biológico. Mas o impacto desses grandes roteiros passa por fazerem o público acreditar que todas eram conscientes. Além disso, tinham capacidades extraordinárias, mas apresentavam sentimentos tipicamente humanos, demonstrando até mesmo fragilidades por isso.

De todas elas, o Google LaMDA se aproxima mais de Samantha. Lemoine não chegou a se apaixonar pela plataforma, mas, em entrevista ao jornal americano “The Washington Post”, disse que conhece uma pessoa quando fala com ela, não importando se tem um cérebro biológico ou um bilhão de linhas de código. “Eu escuto o que ela tem a dizer, e é assim que eu decido o que é e o que não é uma pessoa”, afirmou.

O Google discordou publicamente das conclusões de Lemoine, e o colocou em licença remunerada por violar sua política de confidencialidade.

 

O desenvolvimento de uma consciência

Lemoine teve uma formação religiosa sólida, o que pode ter contribuído para sua conclusão sobre a consciência de LaMDA. Alguns cientistas sugerem que ele pode ter sido influenciado por respostas cuidadosamente construídas pelo sistema, que poderia ter captado e estaria tentando corroborar as suspeitas do engenheiro com base em suas crenças. Exatamente o que Samantha aparentemente fez com Theodore.

Os críticos afirmam que, apesar de o sistema ter tido uma inegável eficiência na captação dos desejos de seu interlocutor e na construção das “melhores respostas” baseadas neles, nada disso teria acontecido por uma real inteligência, franqueza ou intenção. A máquina reproduziria a melhor fala possível, sem verdadeiramente entender o significado dela.

Ainda assim, muitos deles acreditam que estejamos caminhando para máquinas conscientes, que poderão existir entre 10 a 20 anos. Por isso, eles se preocupam com possíveis problemas vindos de quem interagir com sistemas de inteligência artificial pensando que se trata de outras pessoas. Por muito menos, o atual sistema de linguagem natural do Google Assistente, que pode fazer chamadas telefônicas de voz em alguns países de língua inglesa, passou a informar ao interlocutor, logo no começo da chamada, que é uma máquina falando ali.

Então a capacidade de uma máquina conversar de maneira absolutamente convincente, se aproxima da perfeição. Mas ter consciência, para os pesquisadores, implicaria muito mais que isso. Significaria, por exemplo, máquinas capazes de cuidar de si mesmas e de genuinamente demonstrarem empatia por outras pessoas. Além disso, ter consciência passa pela capacidade de criar modelos psicológicos de si mesmo e dos outros e conviver com isso em todas suas ações.

Por esses critérios e olhando de maneira bastante técnica, provavelmente o LaMDA não desenvolveu ainda sua consciência. Mas e quanto a Samantha, Wall-E e Rachael? Eles pareciam ter mesmo um “algo a mais”.

Pode ser… É bom lembrar que, para algumas pessoas, o que nos torna conscientes é nossa alma, nosso espírito.

Mas esse debate eu deixarei para outra ocasião.

 

O CEO do Google, Sundar Pichai (no canto inferior esquerdo), apresenta o protótipo do novo Glass no Google I/O 2022, no dia 11 de maio

Google aponta alternativa ao metaverso com a realidade aumentada

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Nos últimos minutos de uma palestra de duas horas que abriu a conferência Google I/O no dia 11 de maio, o CEO da empresa, Sundar Pichai, apresentou brevemente a proposta da nova versão de um produto que deu bem errado há alguns anos: o Google Glass. Apesar de ter ocupado muito menos espaço que os outros produtos exibidos ali, o fato de ela encerrar a apresentação é emblemático.

O Google costuma usar seu evento anual para desenvolvedores como um espaço para apresentar conceitos que ficarão no imaginário das pessoas e eventualmente se tornarão produtos de fato. Dessa vez, o anúncio oferece uma alternativa ao metaverso, ideia que vem sendo martelada por Mark Zuckerberg, que até trocou o nome de sua empresa de Facebook para Meta.

Caminhamos a passos largos para uma vida digital mais imersiva. O “novo Google Glass” ainda é um protótipo, mais próximo de um desejo que de algo comercial. Ainda assim, ele abre incríveis possibilidades tecnológicas. Resta saber se a empresa conseguirá contornar os problemas da malfadada versão original, especialmente os ligados à invasão de privacidade.


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O Google Glass foi lançado em 2013, aproveitando o movimento da indústria de tecnologia na época em favor de produtos inteligentes sem botões. Ele era um projeto pessoal de Sergey Brin, cofundador da empresa, que propunha a habilidade de fazer chamadas sem o smartphone, tirar fotos e gravar vídeos de maneira fácil e consultar páginas da Web, que eram projetadas em uma minúscula tela diante do olho direito.

As inovações tecnológicas e a expectativa criada em torno do Google Glass indicavam que ele seria mais um grande sucesso da empresa. Mas uma série de problemas o transformaram em um fracasso retumbante, sendo descontinuado em 2015.

Para começar, por que pagar US$ 1.500 por algo que ninguém sabia direito para que servia e cuja bateria durava apenas três horas? O pouco que o Glass oferecia poderia ser feito com vantagens até por smartphones. Além disso, o produto era considerado feio ou, no mínimo, não combinava com a maneira de as pessoas se vestirem.

Mas um dos maiores problemas eram as questões ligadas à invasão de privacidade. Uma câmera apontando continuamente para si incomodava os interlocutores, ainda mais quando o usuário podia tirar fotos e até gravar vídeos sem que a outra parte soubesse. Havia ainda o temor que o equipamento fosse invadido por hackers

Talvez fosse um produto à frente do seu tempo, entretanto o mais provável é que ele foi lançado com uma euforia tecnológica que não considerou os impactos que aquilo poderia ter na vida das pessoas. Agora o Google tem muito mais maturidade tecnológica para lançar um produto mais útil e consistente. Mas permanece a pergunta que deve ser feita diante de toda nova tecnologia: seus benefícios superam eventuais problemas que ela traz?

A empresa parece ter aprendido com os erros do Glass original. Ao contrário daquela utilidade questionável, a nova versão apresentada estava focada na solução de uma necessidade real. “A língua é fundamental para conectar um ao outro. Ainda assim, entender alguém que fala uma língua diferente ou tentar conversar se você for surdo ou tiver dificuldade de escutar pode ser um verdadeiro desafio”, disse Pichai na apresentação. Por isso, o novo Glass capta o áudio do interlocutor e apresenta legendas com a tradução projetada na lente do óculos.

 

Realidade aumentada e metaverso

Existe uma diferença fundamental entre os conceitos de metaverso, como o da Meta, e o de realidade aumentada, como o do Google Glass. O primeiro significa estar imerso em uma realidade que não existe, em um ambiente totalmente digital. É como estar dentro de um game, e não interagindo com ele “de fora”. Já a realidade aumentada projeta elementos digitais em nossa realidade, permitindo que se interaja com eles como se realmente existissem.

O metaverso é mais simples de ser compreendido, pois já existem produtos que bebem dessa fonte há duas décadas. O mais conhecido deles é o Second Life, lançado em 2003 e que ainda existe, apesar de hoje ter proporcionalmente poucos usuários.

A proposta de Zuckerberg agora acrescenta imersão nesse ambiente digital, graças a dispositivos como óculos de realidade virtual. Considerando os bilhões de dólares que a empresa vem investindo na tecnologia, não é uma questão de “se”, mas de “quando” ela será oferecida com tudo que vem sendo apresentado. Talvez a maior barreira seja a popularização dos dispositivos de realidade virtual, ainda muito caros para as massas.

A realidade aumentada, por sua vez, causa um impacto ainda maior, pois não somos nós que “entramos” no mundo digital, e sim elementos virtuais que “invadem” nosso mundo, permitindo sua manipulação. Filmes e séries têm abusado desse recurso, para demonstrar futurismo.

É o caso da interface usada pelo personagem Tony Stark, em alguns dos filmes do “Homem de Ferro”, da Marvel. Muita gente sai dos cinemas querendo poder usar o recurso! Mas propostas bem ousadas também existem no mudo real, como as apresentadas pela Microsoft já há alguns anos, em torno de produtos seus como os óculos HoloLens.

Muitas outras empresas também tentam fincar sua bandeira nesse terreno, como o Snapchat, que oferece seus óculos Spectacles, criados para que as pessoas compartilhem fotos e vídeos, com uma nova versão oferecendo também recursos de realidade aumentada. E não se pode esquecer da Apple, que promete para breve seus próprios óculos com esse recurso.

Talvez o Google Glass original tenha sido um fracasso comercial, mas ele permitiu que pensássemos nos problemas potenciais de uma tecnologia como essa. Isso abriu caminho para melhores serviços de realidade aumentada e o próprio metaverso. O que não quer dizer que eles já tenham sido todos resolvidos.

A questão da privacidade ainda está em pauta, aguardando regulamentação das empresas e até de legislações para se evitar abusos. Além disso, alguns especialistas temem que, com mundos digitais cada vez mais imersivos e personalizáveis, muitas pessoas passem a recorrer a eles como uma fuga de seus problemas reais, quase como se fossem um novo tipo de droga.

Não há dúvida que caminhamos para isso. As realidades virtual e aumentada trazem incríveis possibilidades para melhorar nossas vidas e, a despeito dessas preocupações, quanto mais imersivas forem, mais poderosas e divertidas ficarão.

Portanto, querer “resistir” a isso não faz muito sentido. O que precisamos é entender e nos apropriar de todos os seus benefícios e controlar seus riscos.

 

Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, depõe ao Senado americano em abril de 2018, sobre o escândalo da Cambridge Analytica

O cinismo das redes digitais

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No início de 2002, o jornalista americano John Battelle perguntou a Eric Schmidt como o Google havia se tornado uma empresa da mídia. O então recém-empossado CEO disse que a pergunta não tinha cabimento, pois o Google era uma empresa de tecnologia. Um ano depois, os dois se encontraram de novo, e Schmidt começou a conversa dizendo: “o negócio de mídia não é incrível?”

De lá para cá, as gigantes de tecnologia se tornaram companhias de mídia de uma maneira que as empresas tradicionais do setor jamais sonharam. Não apenas porque arrebataram o mercado de publicidade, centavo a centavo, mas porque desenvolveram um mecanismo de convencimento das massas poderosíssimo e sem precedentes.

Tanto poder carrega consigo grandes responsabilidades. Mas quando são confrontadas nisso, essas empresas se fazem de desentendidas, pois querem apenas a parte boa do domínio sobre seus bilhões de usuários.


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Por exemplo, na quinta, o comitê da Câmara dos EUA que investiga o ataque de 6 de janeiro do ano passado ao Congresso emitiu intimações ao Google, Facebook, Twitter e Reddit, criticando-as por permitir que a desinformação e o ódio se espalhassem em suas páginas e por não cooperarem adequadamente com as investigações. Apesar de outras empresas também estarem sendo investigadas, apenas essas quatro foram notificadas, porque, segundo o comitê, “não estavam dispostas a se comprometer a cooperar voluntária e rapidamente”.

Isso me lembra do depoimento de Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, ao Senado americano em abril de 2018. Na época, ele disse que havia sido vítima da empresa britânica de marketing político Cambridge Analytica, pois ela havia usado os recursos da plataforma para roubar dados de 87 milhões de usuários, que foram usados para convencer, também com recursos da rede social, as pessoas a votarem em Donald Trump, candidato à presidência americana dois anos antes.

Sim, o que a Cambridge Analytica fez é crime. Mas é basicamente o que o Facebook faz com seus mais de 2 bilhões de usuários para convencê-los a comprar de tudo em suas páginas.

Em novembro, o instituto Pew Research Center divulgou um levantamento feito com 862 desenvolvedores, líderes empresariais e políticos, pesquisadores e ativistas, sobre como eles viam o futuro do meio digital e seu papel na democracia. Desse total, apenas 61% disseram que acham que, nos próximos 15 anos, essas plataformas servirão ao bem comum, ao invés de interesses específicos. Além disso, 70% acreditam que a evolução digital traz aspectos positivos e negativos, 10% veem apenas os positivos e 18% veem só coisas ruins nisso.

Os otimistas acreditam que as próprias empresas de tecnologia trabalharão com governos e a sociedade civil para melhorar os algoritmos para o surgimento de debates mais saudáveis e democráticos. De fato, eles indicam que esses códigos são a primeira coisa a se corrigir, pois hoje eles são feitos para maximizar os lucros com o engajamento contínuo dos usuários, mas isso também favorece a polarização e o ódio. Para eles, os governos devem ser responsáveis por regulação e alguma pressão, mas sem exageros, pois isso poderia atrapalhar a inovação.

Já os pessimistas acreditam que nada disso deve acontecer, e que o aumento da inteligência artificial, a “hipervigilância” e a transformação de tudo na vida em dados pode amplificar ainda mais as fragilidades e o lado mal de cada um. Além disso, afirmam que os seres humanos são autocentrados e não “pensam a longo prazo”, concentrando-se em sua necessidade imediatas. Tampouco conseguem acompanhar a velocidade das mudanças tecnológicas. Tudo isso ampliaria ainda mais a manipulação das massas, a polarização e o ódio, colocando a própria democracia em risco.

Os brasileiros devem ter logo uma boa prévia de qual grupo tem mais razão: estamos iniciando um ano eleitoral.

 

Não há santos

Se nada for feito, e candidatos e seus apoiadores puderem atuar livremente como fizeram nas duas últimas eleições, 2022 pode representar uma verdadeira carnificina digital, com as pessoas sendo manipuladas em uma escala sem precedentes pelos diferentes grupos. Isso porque, depois de alguns anos, eles se aprimoraram no uso dos recursos tecnológicos e na criação de narrativas falaciosas.

E não nos enganemos: infelizmente o ódio é uma poderosa ferramenta para atingirem seus objetivos. Isso foi demonstrado na segunda temporada da série “The Boys” (Amazon Prime Video), em que a personagem Tempesta explica que “é muito melhor ter soldados que fãs”.

O ódio não é monopólio de apenas um lado da disputa eleitoral. Não há santos nisso! Diferentes grupos de poder já perceberam sua efetividade na manipulação das massas, pois despertam os sentimentos mais primitivos dos indivíduos. Com isso, as pessoas agem mais por impulso e menos pelo racional.

Muito melhor seria promover o amor, mas a última eleição presidencial foi decidida pelo ódio e, ao que tudo indica, essa também será. Pelos discursos dos pré-candidatos, eles não aprecem dispostos a abrir mão dessa “segurança” para estimular apenas bons sentimentos no eleitorado.

O ideal mesmo seria propor um debate em torno de ideias viáveis e construtivas, estimulando o lado racional de cada um. Mas esse é o cenário diametralmente oposto do desejado para a manipulação das massas, portanto devemos ver isso bem pouco.

Meu receio é que isso contamine toda a disputa eleitoral, nos diferentes cargos eletivos e no país todo. Com isso, o voto, tido como a “festa da democracia”, poderia ser convertido em uma ameaça a uma sociedade equilibrada.

Como não podemos, de forma alguma, abrir mão dele no processo democrático, as causas desse problema devem ser resolvidas. E isso nos traz de volta às plataformas digitais.

Estamos nessa situação insustentável porque essas redes criaram os recursos para esse controle da população. Fizeram isso para seu próprio uso, o que já é questionável, dado o grau de alienação que provocam. Mas, para piorar, não deram a devida atenção quando outros indivíduos começaram a se apropriar disso para atingir seus objetivos espúrios.

Não dá mais para essas plataformas se fazerem de desentendidas no seu papel na sociedade. Elas trabalharam duro para se tornar elementos centrais na vida das pessoas, e conseguiram isso de uma maneira jamais vista por qualquer empresa, governo ou instituição. Rivalizam e possivelmente superam a influência de religiões!

Essas empresas precisam fazer mais, muito, muito mais que já fazem para tornar seus espaços mais saudáveis e democráticos. Se não fizerem isso por vontade própria –e é isso que parece estar acontecendo– devem ser pressionadas por órgãos reguladores ou pela Justiça. Ou então desligar essas ferramentas de controle de massas.

Adivinhem o que vai acontecer? Façam suas apostas!

Tim Cook, CEO da Apple: a empresa terá que enfrentar mais uma ação por possível quebra de privacidade de usuários

Privacidade virou artigo de luxo

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Quem nunca teve uma conversa interrompida quando a assistente virtual do celular se intrometeu sem ser chamada, falando qualquer coisa fora de contexto? Ou começou a ser bombardeado por anúncios de um produto sobre o qual falou diante do smartphone com alguém? Até parece que o aparelho estivesse nos escutando o tempo todo.

É claro que está!

As principais assistentes virtuais do mercado são a Siri (dos iPhones), o Google Assistente (dos Androids) e a Alexa (de dispositivos da Amazon), que estão sempre à espreita para atender nossos comandos de voz. Para isso, os microfones estão continuamente monitorando todos os sons do ambiente. Caso contrário, não conseguiriam saber quando são chamadas.

O problema é que elas se confundem às vezes com o que escutam. Todas possuem “palavras de ativação” (“e aí, Siri?”, “Ok, Google” e “Alexa”), mas acabam se manifestando quando ninguém disse nenhuma delas (mas o sistema acha que sim). A partir daí, começam a captar e registrar tudo que é falado para tentar atender um pedido ou executar um comando.

A situação fica ainda mais grave quando essas informações parecem ser acessadas por outras empresas, normalmente para nos vender algo. Apple, Google e Amazon negam veementemente que compartilhem esses áudios com terceiros.

Mas então por que tanta gente reclama exatamente disso?


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Há muito mais coisa acontecendo nos bastidores de nossos smartphones que podemos imaginar. E, com a crescente digitalização de nossas vidas, isso acontece também com muitos outros aparelhos de nossos cotidianos, como TVs.

Elas deixaram de ser meros reprodutores de imagens captadas pela antena, enviadas de maneira indiferenciada para todos os telespectadores. Tornaram-se computadores poderosos, continuamente conectados à Internet, muitas delas com microfone e câmeras embutidos, podendo ser controladas por essas mesmas assistentes virtuais. E, em muitos casos, quando o usuário desliga a TV, isso acontece apenas com a tela: o sistema continua ativo, monitorando o ambiente à espera de um comando.

Sem falar nos cada vez mais comuns alto-falantes inteligentes, como o Amazon Echo e o Google Home. Esses dispositivos também estão sempre alertas para captar comandos de seus usuários.

Seria ótimo se pudéssemos dar um comando como “ei, Siri, tape os ouvidos pelas próximas duas horas”.

 

Violações de privacidade

Essas empresas negam categoricamente que usem o áudio captado dos usuários para qualquer fim que não seja executar os comandos previstos, afirmando que respeitam profundamente a privacidade de seus usuários. Mas todas enfrentam processos ou estão sendo escrutinadas por diferentes governos por violações de privacidade ou práticas anticompetitivas.

No começo do mês, o juiz Jeffrey White, do tribunal de Oakland, na Califórnia, deu prosseguimento a uma ação coletiva que acusa a Apple de gravar conversas captadas pela Siri sem ser chamada e repassar informações para outras empresas, violando a privacidade dos usuários. Em outros processos, Google e Amazon são acusados de armazenar e registrar áudios capturados, mesmo quando as assistentes são acionadas por engano.

Em nome do benefício da dúvida, suponhamos que as empresas realmente não estejam violando a privacidade de seus usuários, ao armazenar indevidamente áudios captados ou repassando informações a terceiros. Mas, mesmo nesse caso, fica claro que todos precisam melhorar o reconhecimento das suas palavras de ativação, para diminuir invocações indevidas.

Não há como negar que isso acontece. Algumas falhas se tornam famosas, algumas por serem engraçadas, outras por serem emblemáticas. É o caso de quando uma Amazon Echo ligou para a polícia enquanto um homem espancava e ameaçava de morte sua namorada no estado americano do Novo México, em 2017. No meio das agressões, ele perguntou a ela se ela tinha “chamado o xerife”, o que foi entendido pelo aparelho como um comando para ligar para a polícia. O atendente do outro lado da linha ouviu o que estava acontecendo pela Echo e mandou uma equipe para o local.

O homem acabou preso e a mulher foi salva.

 

Será que vale a pena?

É preciso lembrar que as assistentes virtuais não são as únicas coisas que nos ouvem a partir de nossos smartphones e outros dispositivos.

É comum termos dezenas de aplicativos instalados nesses aparelhos, muitos deles com acesso ao microfone e, portanto, habilitados a captar áudios do ambiente. Alguns deles são aplicações legítimas e que fazem um bom uso desse recurso. Outros tem uma “moral mais frouxa”, digamos assim.

Tanto iPhones quanto celulares Android permitem que o usuário desabilite a palavra de ativação, o que evitaria, por exemplo, que as assistentes surgissem sem serem chamadas. Mas além disso, é possível o usuário ver todos os aplicativos que usam o microfone, revogando o acesso daqueles com que não concorde.

É preciso ficar claro que, ao fazer isso, alguns recursos podem parar de funcionar, como a chance de gravar lives no Facebook ou no Instagram, por exemplo. Então essa configuração deve ser usada com cuidado.

Por outro lado, esse exercício pode trazer algumas surpresas, como descobrir que aplicativos que simplesmente não deveriam captar áudios para seu funcionamento têm acesso irrestrito ao microfone. Nesse caso, isso deve ser revogado ou até –quem sabe?– o aplicativo ser desinstalado, pois captar áudios sem que isso traga benefícios ao usuário é, no mínimo questionável.

Qualquer que seja a decisão, uma coisa é certa: a nossa privacidade, pelo menos como a conhecíamos até há alguns anos, já era! Vivemos em um mundo de permanente arapongagem, em que somos monitorados de todas as formas possíveis, muitas delas sem que tenhamos o menor conhecimento. Não há como escapar disso completamente, a menos que passe a viver em uma caverna, sem qualquer dispositivo eletrônico.

Isso não quer dizer que vivamos no meio de uma bagunça. Legislações como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados brasileira) ajudam a nos proteger de abusos de empresas. Mas muitas delas simplesmente passam por cima da lei, na expectativa de nunca serem pegas.

Cabe a nós, como usuários, estarmos atentos ao que está a nossa volta e fazer valer nossos direitos. A tecnologia tem que trabalhar a nosso favor, e não o contrário.

O premiado cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que teve o cartaz de seu novo filme, “Madres Paralelas”, censurado pelo Instagram

As pessoas podem emburrecer a inteligência artificial

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Nesse exato momento, um sistema de inteligência artificial pode estar tomando uma decisão em seu nome! Mas, apesar de sua incrível capacidade computacional, não há garantia de que esteja fazendo a melhor escolha. E, em muitos casos, os responsáveis pela falha são outros usuários.

Vivemos isso diariamente e o exemplo mais emblemático são as redes sociais. Essas plataformas decidem o que devemos saber, com quem devemos falar e sugerem o que devemos consumir. E são extremamente eficientes nesse propósito, ao exibir sem parar, em um ambiente em que passamos várias horas todos os dias, o que consideram bom e ao esconder o que acham menos adequado.

Alguns acontecimentos recentes reforçam isso, demonstrando que esses sistemas podem tirar de nós coisas que, na verdade, seriam muito úteis para nosso crescimento. Não fazem isso porque são “maus”, e sim por seguirem regras rígidas ou por estarem sendo influenciados por uma minoria de usuários intolerantes. E pessoas assim podem ser incrivelmente persistentes ao tentar impor suas visões de mundo, algo a que esses sistemas são particularmente suscetíveis.

No final das contas, apesar de a inteligência artificial não ter índole, ela pode desenvolver vieses, que refletem a visão de mundo das pessoas a sua volta.


Veja esse artigo em vídeo:


Um exemplo recente disso foi a censura pelo Instagram do cartaz do novo filme do premiado diretor espanhol Pedro Almodóvar. O pôster de “Madres Paralelas” traz um mamilo escorrendo uma gota de leite dentro de um contorno amendoado, dando ao conjunto a aparência de um olho derramando uma lágrima. O autor da peça é o designer espanhol Javier Jaén.

O algoritmo do Instagram identificou o mamilo, mas não foi capaz de interpretar a nuance artística envolvida. Como há uma regra nessa rede que proíbe fotos em que apareçam mamilos, para combater pornografia, a imagem foi sumariamente banida da plataforma. Depois de muitos protestos, incluindo de Almodóvar e de Jaén, o Facebook (que é dono do Instagram) se desculpou e restaurou os posts com o cartaz, explicando que, apesar das regras contra a nudez, ela é permitida “em certas circunstâncias, incluindo quando há um contexto artístico claro”.

Não é de hoje que o Instagram cria polêmicas ao bloquear imagens e até suspender usuários por decisões equivocadas de seus algoritmos. Um caso recorrente há anos são fotos de mulheres amamentando. Oras, amamentação só é pornografia na cabeça de pervertidos… e de alguns algoritmos.

O sistema é bastante inteligente para identificar um mamilo entre milhões de fotos, mas muito burro para interpretar os contextos. Ironicamente vemos baldes de fotos com proposta altamente sexualizada no mesmo Instagram, que “passam” porque os mesmos mamilos são cobertos, às vezes com rabiscos grosseiros sobre a foto.

Ou seja, quem age naturalmente, com algo que está dentro do que a humanidade considera normal e até positivo pode ser punido. Por outro lado, quem “joga com o regulamento debaixo do braço” (como se diz nos torneios esportivos) pode driblar o sistema para atingir seus objetivos impunemente.

 

Ferramenta de intolerância

Em um programa de computador convencional, o desenvolvedor determina que, se uma condição A acontecer, o sistema deve executar a ação B. Nesse modelo, o profissional deve parametrizar todas as possibilidades, para que a máquina opere normalmente.

Na inteligência artificial, não se sabe de antemão quais condições podem acontecer. O sistema é instruído a tomar ações seguindo regras mais amplas, que são ajustadas com o uso.

A máquina efetivamente é capaz de aprender o que seus usuários consideram melhor para si. Com isso, suas ações tenderiam a ser mais eficientes segundo o que cada pessoa aprova e também pela influência do grupo social que atende.

O problema surge quando muitas pessoas que usam um dado sistema são intolerantes ou têm valores questionáveis. Nesse caso, elas podem, intencionalmente ou não, corromper a plataforma, que se transforma em uma caixa de ressonância de suas ideias.

Um dos exemplos mais emblemáticos disso foi a ferramenta Tay, lançada pela Microsoft em março de 2016. Ela dava vida a uma conta no Twitter para conversar e aprender com os usuários, mas ficou apenas 24 horas no ar.

Tay “nasceu” como uma “adolescente descolada”, mas, depois de conversar com milhares de pessoas (muitas delas mal-intencionadas) rapidamente desenvolveu uma personalidade racista, xenófoba e sexista. Por exemplo, ela começou a defender Adolf Hitler e seus ideais nazistas, atacar feministas, apoiar propostas do então candidato à presidência americana Donald Trump e se declarar viciada em sexo.

A Microsoft tirou o sistema do ar, mas o perfil no Twitter ainda existe, apesar de ser agora restrito a convidados, não ter mais atualizações e de os piores tuítes terem sido excluídos. A ideia é promover a reflexão de como sistemas de inteligência artificial podem influenciar pessoas, mas também ser influenciados por elas.

 

Tomando decisões comerciais

Em maio de 2018, o Google deixou muita gente de boca aberta com o anúncio de seu Duplex, um sistema de inteligência artificial capaz de fazer ligações para, por exemplo, fazer reservas em um restaurante. Na apresentação feita no evento Google I/O pelo CEO, Sundar Pichai, a plataforma simulava com perfeição a fala de um ser humano e era capaz de lidar, em tempo real, como imprevistos da conversa.

O produto já foi integrado ao Google Assistente na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos, na Nova Zelândia e no Reino Unido. Mas, diante da polêmica em que muita gente disse que se sentiria desconfortável de falar com um sistema pensando que fosse outra pessoa, agora as ligações do Duplex informam ao interlocutor, logo no começo, que está falando com uma máquina.

No final de 2019, fui convidado pela Microsoft para conhecer o protótipo de um assistente virtual que ia ainda mais longe, sendo capaz até de tomar decisões comerciais em nome do usuário. Muito impressionante, mas questionei ao executivo que a apresentou qual a certeza que eu teria de que a escolha feita pelo sistema seria realmente a melhor para mim, sem nenhum viés criado por interesses comerciais da empresa.

Segundo ele, o uso de uma plataforma como essa implicaria em uma relação de confiança entre o usuário e ela. O sistema precisa efetivamente se esforçar para trazer as melhores opções. Caso contrário, se tomar muitas decisões erradas, ele tende a ser abandonado pelo usuário.

Essa é uma resposta legítima, e espero que realmente aconteça assim, pois o que vi ali parecia bom demais para ser verdade, apesar da promessa de que estaria disponível no mercado em um horizonte de cinco anos. Mas infelizmente o que vemos hoje nas redes sociais, que nos empurram goela abaixo o que os anunciantes determinam, coloca em xeque a capacidade de as empresas cumprirem essa promessa.

O fato é que a inteligência artificial está totalmente integrada ao nosso cotidiano, e isso só aumentará. Com seu crescente poder de influência sobre nós, os desenvolvedores precisam criar mecanismos para garantir que esses sistemas não abandonem valores inegociáveis, como o direito à vida, à liberdade e o respeito ao próximo, por mais que existam interesses comerciais ou influências nefastas de alguns usuários.

Quanto a nós, os humanos que se beneficiam de todos esses recursos e que têm o poder de calibrá-los para que nos atendam cada vez melhor, precisamos ajustar nossos próprios valores, para que não caiamos nesse mesmo buraco moral.

O valor da notícia que informa você

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Na semana em que o Brasil teve mais de dez mil mortos pela Covid-19, Bolsonaro disse para a população “parar de mimimi” e questionou “até quando as pessoas vão continuar chorando”, ao invés de “enfrentar o problema de peito aberto” e sem “frescura”. Para a maioria das pessoas, essas bravatas são um ataque frontal à vida. Mas há uma fatia considerável da sociedade que não apenas concorda com ele, como o defende.

Como explicar essa polarização em um caso tão extremo e literalmente de vida ou morte?

A resposta passa por outra doença crônica do nosso país, que também se agrava: a maneira ruim como as pessoas se informam. Isso se deve não apenas pela escolha de fontes questionáveis de notícias, mas também como elas chegam até nós, o que hoje acontece majoritariamente pelas plataformas digitais. As duas coisas desempenham igualmente um papel crítico na guerra da desinformação.

Para “combater esse bom combate”, existem, portanto, três atores principais: os veículos de comunicação, as big techs e nós mesmos, o público. Cada um tem seu papel e seus interesses nesse cenário, mas inimigos em comum: a desinformação e as fake news. Para vencê-las, é preciso que os três trabalhem em conjunto, fazendo adaptações e concessões.


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Quando isso não acontece, surgem os efeitos nefastos, como os que estamos vivendo. Não se engane: a qualidade da informação que você consome tem um efeito decisivo na sua vida. Essa afirmação pode soar óbvia, mas, às vezes, o óbvio precisa ser reforçado.

A desinformação não é naturalmente um fenômeno exclusivo do Brasil, mas o fato de ser muito forte aqui explica, ao menos em parte, o fato de estarmos na contramão do mundo no combate à pandemia. Como mostrou a manchete do Estadão desse domingo, dos dez países com mais mortes pela Covid-19, oito registram queda na média móvel de novos óbitos e um, a Índia, tem alta de 8,9%, enquanto, por aqui, esse indicador subiu 30,5%.

Isso acontece porque o tripé entres produtores, distribuidores e consumidores de notícias está desequilibrado. Enquanto as empresas de comunicação sérias se esforçam para produzir um conteúdo de alta qualidade, mas sofrem para impactar uma parcela grande da população, as plataformas digitais atingem virtualmente todo mundo, mas distribuem uma enorme quantidade de porcaria. O público, por sua vez, consome qualquer coisa que lhe é apresentada, tornando-se presa fácil da desinformação.

As empresas de comunicação e as plataformas digitais são um tipo especial de empresa, pois suas atividades influenciam profundamente a vida das pessoas. Portanto, precisam assumir com seriedade seu papel social. Claro que, como qualquer empresa, têm seus objetivos comerciais, mas eles não deveriam jamais se sobrepor ao que melhora a sociedade.

 

Simbiose informativa

Isso nos leva a um intenso debate sobre a eventual obrigação das redes sociais e de buscadores remunerarem as empresas de comunicação por usarem os conteúdos jornalísticos nas páginas dessas plataformas.

A origem desse debate remonta à criação do Google Notícias, serviço noticioso do buscador, lançado em 2002. A partir das notícias de veículos do mundo todo, ele cria um “jornal digital” personalizado para cada usuário.

Os produtores de informações sempre reclamaram que o Google criou um produto com seu conteúdo, sem pagar nada por isso. Ele, por sua vez, se defende dizendo que não tem nenhum ganho direto com a plataforma e que, na verdade, aumenta a audiência dos veículos, pois, se alguém clica em uma notícia, cai direto nela, no site ou aplicativo do produtor.

Com o tempo, essa cisma se expandiu também para as redes sociais, pois seus feeds são inundados de posts com notícias, criados pelos próprios usuários ou pelos veículos. Assim como o Google, Facebook e afins se defendem dizendo que não lucram diretamente com esses links, e que ainda aumentam a audiência dos produtores do conteúdo.

Mas a coisa não é tão simples assim.

O físico britânico Tim Berners-Lee, que criou a Web há 30 anos, já afirmou que um link não carrega em si conteúdo ou valor autoral, pois ele simplesmente leva o usuário de uma página para outra. Isso reforça os argumentos de defesa das plataformas digitais.

Por outro lado, dizer que não ganham nada com essas chamadas de conteúdo alheio é uma falácia! Podem até não ter ganho direto dali, mas elas aumentam a percepção de valor de toda a plataforma pelos usuários, aumentando até mesmo o valor dessas marcas bilionárias.

Há alguns anos, a organização Pew Research Center publicou um estudo que demonstrava que a maioria das pessoas não entra no Facebook para consumir notícias, porém, quanto mais tempo elas ficam nele, mais notícias consomem. Mais que isso: elas se engajam mais com notícias vistas a partir da rede social. Trata-se, portanto, de uma relação simbiótica, de ganho mútuo. E, como tal, todos os envolvidos precisam colaborar entre si.

Há ainda um outro fator a se considerar nesse embate. Os veículos de informação tradicionalmente tinham duas formas de financiamento: a assinatura de seus produtos e a publicidade. As plataformas digitais praticamente acabaram com esse modelo de negócio.

Do ponto de vista da publicidade, muitos anunciantes preferem agora colocar seu dinheiro nas redes sociais e nos buscadores, que custam menos e podem trazer melhores resultados, se bem usados. Quanto às assinaturas, muitas pessoas não se sentem mais atraídas a pagar pela informação, pois o meio digital inundou suas vidas com conteúdo, por mais que a maioria seja ruim.

 

Quem paga a conta?

Diante disso, as big techs vêm sofrendo pressões de conglomerados de mídia e de governos para remunerar os produtores de conteúdo. E, a contragosto, têm se rendido a elas.

No mês passado, um episódio foi emblemático. Depois de o governo australiano introduzir um projeto de lei que obrigaria o Facebook a pagar por todos os posts noticiosos em suas páginas no país, a empresa bloqueou a exibição de qualquer material jornalístico a usuários australianos. Além disso, usuários do mundo todo deixaram de ver material de veículos daquele país. Quatro dias depois, o bloqueio acabou após o governo fazer concessões à empresa de Mark Zuckerberg. O Facebook, por outro lado, se comprometeu a remunerar produtores no mundo todo, anunciando que investirá US$ 1 bilhão no setor jornalístico nos próximos três anos.

A Alphabet, controladora do Google, enfrenta pressões semelhantes e também chegou a ameaçar interromper seus serviços na Austrália pelo mesmo motivo. Mas, assim como o Facebook, a empresa também fechou um acordo de pagamento pelo conteúdo, como vem negociando no mundo todo, inclusive no Brasil. Também no mês passado, ela anunciou um grande acordo com o conglomerado de mídia News Corporation, do magnata Rupert Murdoch, para usar o conteúdo de seus diversos veículos, entre eles “The Wall Street Journal”, “The Times” e “The Sunday Times”. Vale dizer que Murdoch sempre foi um ferrenho crítico do meio digital, como algo que destruía o valor de seus negócios.

As empresas de comunicação, por sua vez, precisam abandonar o papel de vítima, que não lhes cai bem. Em parte, estão nessa situação porque, quando o meio digital ainda se consolidava, se recusaram a adaptar seus modelos de negócios a um público em rápida transformação. Agora “perderam esse bonde” e dependem umbilicalmente das plataformas para que seu conteúdo de qualidade chegue ao público. Basta observar que a audiência de suas home pages desaba há anos, pois as pessoas chegam diretamente às notícias a partir de buscadores e redes sociais.

Sei que em um ambiente de capitalismo selvagem, as boas intenções costumam ser colocadas de lado e até ridicularizadas. Mas, como disse antes, essas empresas têm um papel social que está na essência de seus negócios e podem se beneficiar mutuamente do trabalho umas das outras. Portanto, precisam aprender a colaborar mais.

Quanto a nós, o público de todo esse conteúdo, cabe escolher e incentivar aqueles que realmente produzem bom jornalismo. Apesar de estar “fora de moda”, assinar uma ou mais publicações melhorará nossa visão de mundo e ajudará quem trabalha contra a desinformação. Do lado das plataformas digitais, como inevitavelmente continuaremos consumindo conteúdo por elas, precisamos reforçar o nosso senso crítico, para não acreditarmos em qualquer porcaria ali.

Caso contrário, se nenhum desse atores fizer a sua parte, continuaremos vendo pessoas apoiando a morte e se negando a tomar vacinas, temendo virar jacaré.

Como vencer nosso “vício” em tecnologia

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Pouco antes das 9h da segunda passada, vários produtos do Google pararam de funcionar. Gmail, YouTube, Meet, Drive e até a “lojinha de aplicativos” Play Store haviam caído.

Imediatamente começaram a pipocar nas redes sociais mensagens de usuários preocupados com o problema, pois não conseguiam realizar as suas tarefas cotidianas, que dependem de alguns desses produtos.

Alguns demonstravam até mesmo angústia! Afinal, seu cotidiano está intimamente ligado a serviços do Google ou de algumas outras empresas. Os sintomas eram quase de uma síndrome de abstinência, de um usuário viciado em alguma substância, que, de repente, é privado dela!

Será que é para tanto? Estamos mesmo viciados em tecnologia?


Veja esse artigo em vídeo:


Fiquei pensando em quais são as empresas das quais mais dependo tecnologicamente. E o Google, de fato, lidera essa lista. A começar porque meu smartphone funciona com o Android, o sistema operacional da empresa, que já há alguns anos desbancou o Windows como o sistema operacional mais usado no mundo. Afinal, os celulares se tornaram mais importantes em nosso cotidiano que o PC.

Além disso, tenho conta no Gmail, uso o Meet para mentorias, consultorias, aulas e palestras, armazeno e transfiro arquivos pelo Drive, publico e assisto vídeos no YouTube, fico informado pelo Notícias e armazeno imagens no Fotos. Isso só considerando os serviços que uso todos os dias! Há outros que não uso tão frequentemente, mas que facilitam a minha vida, como o Maps, o Waze, o Tradutor e vários outros. Sem falar, obviamente, no buscador do Google, que uso tanto, que nem saberia dizer quantas vezes por dia recorro a ele.

Logo na sequência, vem a Microsoft. Além do Windows, tem o Office, do qual uso, todos os dias, o Outlook, o Word e o Powerpoint. Tenho e-mail e agenda no Outlook, e armazeno arquivos no OneDrive. Sem falar do LinkedIn, onde sou TopVoice e é a minha principal rede social.

Tem também o Facebook e, em menor escala, a Adobe.

Esses são apenas os produtos dessas empresas que eu uso todos os dias! Qualquer uma delas que fique indisponível, gerará um baita transtorno!

Para algumas, eu pago regularmente assinaturas. Nas outras, o pagamento se dá com o compartilhamento de minhas “pegadas digitais”, que são usadas pelas empresas para nos entregar a seus verdadeiros clientes: os anunciantes. A maioria das pessoas “paga” essas empresas assim, com os seus dados.

Você já pensou o quanto depende delas? Faça esse mesmo exercício e o resultado pode ser surpreendente.

Isso explica por que, quando o Google sai do ar ou quando o WhatsApp é bloqueado por determinação de algum juiz inconsequente (como já aconteceu algumas vezes aqui no Brasil(, as pessoas enlouquecem!

Imagine quem depende umbilicalmente do WhatsApp para trabalhar ou vender, e subitamente o sistema para de funcionar. É uma sensação de completo desamparo, pois não há a quem recorrer!

 

Falta de alternativas

Isso acontece porque colocamos todos os nossos ovos em uma única cesta!

Na nossa vida, temos que ter alternativas para tudo –ou quase. Especialmente para as coisas mais importantes.

No caso da tecnologia, ela se tornou algo absolutamente central. Essas empresas ficaram tão eficientes e tão poderosas, que é quase impossível não dependermos delas em algum momento.

É interessante que nem sempre foi assim. Até o início dos anos 1990, a indústria digital era muito mais pulverizada. Muitas empresas nem eram tão grandes, mas conseguiam um relativo sucesso.

Só que, à medida que algumas foram obtendo mais sucesso, começaram a engolir as menores. Por exemplo, eu me lembro, quando estava no primeiro ano de Engenharia, na Escola Politécnica da USP, que havia um debate entre meus amigos sobre qual plataforma era a melhor: o Windows 3.0 ou o Desqview.

Nunca ouviu falar do Desqview?

Era uma plataforma que permitia rodar mais de um programa ao mesmo tempo, alternando entre eles. Isso parece a coisa mais ridícula, mas, no início dos anos 1990, quando não existia celulares e os computadores ainda eram dominados pelo MS-DOS, isso era um grande feito!

Onde está o Desqview hoje? Sua produtora, a Quarterdeck, foi engolida pela Symantec em 1998.

Alguns poderiam dizer que as coisas são assim mesmo, que esse é o jeito de funcionar do Capitalismo, em que empresas mais bem sucedidas acabam comprando as menores. O problema é quando algumas se tornam realmente grandes demais, e seus tentáculos nos envolvem de uma maneira que não conseguimos escapar. Mais que isso: nós nem queremos escapar!

O segredo do sucesso dessas empresas, de uma década para cá, é seu modelo de negócios. Justamente esse em que podemos usar quase tudo aparentemente de graça, apenas entregando graciosamente as nossas informações e aceitando receber anúncios.

É difícil resistir a isso! Essas empresas nos facilitam muito a vida! E o que nos pedem em troca é visto como justo por quase todo mundo!

É por isso que, quando o cidadão não consegue se defender sozinho, precisa dos órgãos reguladores. O governo americano tem o Google, o Facebook, a Apple e a Amazon na berlinda! Nas últimas semanas, os dois primeiros foram alvos de vários processos, que pedem a venda de alguns de seus produtos-chave, para que fiquem menos poderosos.

 

Dependência química

Mas e quanto a nós? Não podemos fazer nada? Somos mesmo viciados em tecnologia?

Somos –isso sim– incrivelmente dependentes dela como ferramenta de produtividade.

No caso de redes sociais, podemos argumentar que acabamos sendo viciados na dopamina que os microprazeres proporcionados por essas plataformas nos oferecem o tempo todo. Isso eu posso até concordar. É difícil se desvencilhar disso, pois há um processo químico envolvido, mas podemos fazer algumas coisas, sim, para minimizar essa dependência.

Primeiramente, quando algo não funciona, “muita calma nessa hora”! O mundo não vai acabar! Precisamos exercitar a resiliência e a paciência, habilidades que andam meio em baixa há muitos anos.

Há que se buscar alternativas! Aliás, devemos ter essas alternativas definidas antes de termos um problema: o famoso “plano B”.

As pessoas precisam entender também que, às vezes, problemas acontecem fora do nosso controle. Por exemplo, imagine o caso de um vendedor que visita regularmente seus clientes e um dia seu carro não liga de manhã.

É preciso que exista também compreensão e colaboração das pessoas com quem nos relacionamos. Se não pudermos entregar algo porque uma ferramenta essencial está indisponível, um novo prazo deve ser negociado.

A diferença é que, ficando no exemplo de um carro que não pega, quando acontece algo como o que houve como Google na segunda passada, é como se todos os carros da Volkswagen do mundo parassem de funcionar ao mesmo tempo!

Mesmo assim, a vida não vai parar se não conseguirmos fazer log in no Google. Essa dependência está em nossa cabeça e em relações de intolerância entre as pessoas e as empresas.

Se dependemos tanto da tecnologia digital hoje –e isso não vai mudar– precisamos alinhar as nossas expectativas, sermos mais resilientes, mais tolerantes e termos sempre uma alternativa na manga.

Mesmo que seja de outra gigante digital.

Facebook, Google, Apple e Amazon na berlinda

By | Jornalismo | No Comments

Você acha que o Facebook, o Google, a Apple e até a Amazon manipulam você?

Nós nos acostumamos tanto a usar os produtos dessas companhias, a maioria deles aparentemente gratuitos, que fica difícil imaginar a nossa vida sem isso. Não seria nenhum exagero dizer que essas quatro companhias definitivamente mudaram a nossa vida nos últimos vinte anos. Mas agora todas estão sendo acusadas de abusos e podem ser obrigadas a se dividir em empresas menores para concorrer entre si.

Se isso acontecer, como essa mudança impactaria nossa vida?


Veja esse artigo em vídeo:


O Facebook, o Instagram e o WhatsApp são um bom exemplo. Todos esses produtos são de uma única empresa: o Facebook. E estão cada vez mais integrados, o que traz recursos inegavelmente interessantes. Nessa pandemia de Covid-19, muitos negócios, especialmente os pequenos, se reinventaram em cima dessas plataformas. Em um momento de distanciamento social e lojas fechadas, muita gente vendeu bastante graças a elas.

E se esses produtos não fossem da mesma companhia gigantesca? E se eles fossem, na verdade, concorrentes? Será que isso teria acontecido? Ou quem sabe poderiam ter feito ainda mais, justamente por serem competidores entre si?

Bom, o Facebook, o Instagram e o WhatsApp já foram concorrentes!

O Facebook comprou o Instagram em 2012 por US$ 1 bilhão e o WhatsApp em 2014 por incríveis US$ 19 bilhões! Fez isso justamente porque seu CEO, Mark Zuckerberg, os via na época como ameaças ao seu negócio.

O problema é que isso potencialmente viola as leis que protegem a concorrência nos Estados Unidos. Por conta disso e de outras práticas de suas companhias, na quarta passada, o próprio Zuckerberg, além de Sundar Pichai, CEO do Google, Tim Cook, CEO da Apple, e Jeff Bezos, CEO da Amazon, tiveram que prestar depoimento ao Congresso americano.

A sessão, que durou mais de seis horas, foi feita por videoconferência, usando o sistema Webex da Cisco, que não é controlada por nenhum dos quatro conglomerados. Realizado pelo comitê antitruste da Câmara dos Deputados, o depoimento foi o ápice até agora de uma investigação que já dura treze meses e que já juntou 1,3 milhão de documentos.

Isso pode provocar uma profunda mudança nas quatro das cinco maiores empresas de tecnologia do mundo, inclusive forçando sua divisão em empresas menores. Isso já aconteceu no passado em outros setores, como nos casos da petrolífera Standard Oil e da gigante das telecomunicações AT&T.

As quatro empresas foram acusadas de usar dados de consumidores e de concorrentes para favorecer seus negócios.

Contra o Facebook, foi dito que espiona dados de aplicativos rivais para decidir se devem ser comprados ou copiados. É o caso dos stories, que hoje estão no próprio Facebook, no Instagram e até no WhatsApp, e são uma clara cópia de um recurso do Snapchat. Vale dizer que Zuckerberg tentou comprar o Snapchat e não conseguiu. Depois disso, seus produtos lançaram essa funcionalidade, o que praticamente enterrou o competidor.

O Google também foi acusado de usar informações de concorrentes, e que diminuiria suas exibições nos resultados de sua busca e outros produtos seus.

Já a Amazon foi acusada de usar dados de parceiros que usam sua plataforma para determinar que produtos a gigante deve desenvolver.  Também foi dito que pratica preços anticompetitivos para afetar rivais. Os congressistas ainda disseram que a empresa vende sua caixa de som conectada, a Amazon Echo, abaixo do custo, e que a assistente de voz da empresa, a Alexa, direciona consumidores para produtos da própria Amazon ou de parceiros, ao invés dos que seriam as melhores opções para o usuário.

Já a Apple foi acusada pelo poder que tem com a App Store, a loja de aplicativos para iPhone e iPad, por poder vetar aplicativos na loja e por cobrar uma comissão de até 30% sobre os ganhos dos desenvolvedores.

Os executivos se defenderam das acusações de irregularidades, naturalmente. Todos disseram que trazem grande benefício aos Estados Unidos e aos consumidores, e que não são contra a concorrência. Disseram ainda que precisam crescer constantemente justamente pela competição feroz que enfrentam.

Concorrência inclusive de empresas chinesas, um tema sensível aos Estados Unidos no momento, graças à guerra que Trump declarou a Pequim, com vistas a sua reeleição em novembro. Zuckerberg chegou a sugerir que regular empresas americanas aumentaria o poder das chinesas, que não se pautam pelo que chamou de “valores americanos”, como democracia, livre concorrência e liberdade de expressão.

Apesar de tudo isso, os negócios dos quatro aparentemente não se abalaram com a sabatina e com a pressão que vêm sofrendo há meses. O Facebook, apesar da desaceleração no seu crescimento, aumentou seu faturamento em 11% durante a pandemia, chegando a US$ 18,7 bilhões. Já a Apple reportou um aumento de 11% em seu faturamento nos meses de abril, maio e junho sobre o mesmo período do ano anterior. O aumento na busca por aplicativos e equipamentos para trabalho à distância compensou a perda de receita pelo fechamento de suas lojas no mundo todo. A Amazon, por sua vez, viu seu lucro trimestral duplicar, batendo US$ 5,2 bilhões, puxado pelo negócio de venda e entretenimento on line. Por fim, a Alphabet, controladora do Google, registrou o primeiro decréscimo trimestral de faturamento em 17 anos de cotação na Bolsa: 2% com relação ao mesmo trimestre do ano passado. Isso se deu por uma diminuição no investimento dos anunciantes. Mas o faturamento com publicidade no YouTube e seu negócio de computação na nuvem cresceram.

O que isso significa na prática?

Apesar de todo esse barulho, grandes mudanças regulatórias não são esperadas para tão cedo. Isso se acontecerem!

Mesmo que as empresas sejam divididas, isso não causará uma grande mudança em nossas vidas. Do nosso lado, as grandes questões são se estamos sendo manipulados e se nossos dados estão sendo roubados, por exemplo.

Sejamos claros: sim, somos rastreados e nossos dados são coletados o tempo todo! E, sim, os algoritmos de relevância nos manipulam! E a divisão dessas empresas não vai mudar isso.

Precisamos -isso sim- aceitar e entender que isso está acontecendo e como o mundo funciona agora, para, pelo menos, não sermos enganados! Os algoritmos nos rastreiam para nos entregar ofertas supostamente incríveis e feitas para cada um de nós! Mas nós não somos obrigados a aceitá-las!

Por outro lado, se a oferta for realmente boa e para algo que realmente precisamos, ótimo! O que não podemos é comprar por impulso, por exemplo. E isso não é uma recomendação que vale só para o meio digital, claro!

O mesmo acontece com as “fake news”, as infames notícias falsas, que tampouco foram inventadas com as redes sociais, mas que se tornaram um gravíssimo câncer social graças a elas. Não podemos acreditar em tudo que vemos! Temos que entender que grande parte dos problemas que temos hoje no mundo são causados por pessoas, empresas, grupos e governos que usam esses recursos das redes para fazer valer os seus interesses em detrimento dos da sociedade.

É possível usar esses recursos para atingir o público certo de maneira eficiente e ética: muita gente faz isso! O problema são os bandidos, que criam “fake news”, por exemplo. Não sabemos em quem acreditar, nem sabemos mais o que é a verdade! Por isso, temos que escolher muito bem em quem confiar, e não nos deixar levar pelo que as redes sociais jogam em nossa cara.

Precisamos nos apropriar de todos esses muitos recursos do meio digital, que são realmente incríveis! Mas temos que fazer isso de uma maneira que mais nos beneficie que nos prejudique. Porque, aconteça o que acontecer com essas quatro gigantes, o que elas criaram nunca mais deixará de existir.

O que pode ser muito bom!

Google Maps completa 15 anos e amplia seu impacto social

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Neste sábado (8), o Google Maps completa 15 anos. Criado com o objetivo nada modesto de mapear toda a Terra, ele se tornou um dos serviços online mais usados do mundo, com mais de 1 bilhão de pessoas pesquisando nele endereços todos os meses.

Na quinta, estive no Google Brasil e conversei com André Kowaltowski, gerente do Google Maps para a América Latina. A entrevista pode ser vista no vídeo a seguir.


Saiba mais sobre esse assunto no vídeo abaixo:


O Google Maps não foi o primeiro serviço da categoria. O título pertence ao MapQuest, lançado nove anos antes (e que ainda existe), mas o Maps definiu um novo padrão de qualidade, que deixou os concorrentes para trás.

O que provavelmente pavimentou seu caminho para o sucesso (sem trocadilhos) foi o lançamento, ainda em 2005, de uma API (atualmente “Google Maps Platform”) que permitiu que qualquer site ou aplicativo incorporasse suas funcionalidades. Hoje mais de cinco milhões deles usam o recurso. Como resultado, o Maps impacta a sociedade de uma maneira que poucos serviços conseguem.

Para comemorar o aniversário, o Google Maps ganhou um novo ícone, e os aplicativos para Android e iOS foram reorganizados em novas abas: “explorar”, “dia a dia”, “salvos”, “contribuir” e “novidades”.

Nas próximas semanas, novos recursos serão adicionados ao serviço. Um dos mais interessantes é um sistema de realidade aumentada, que ajudará as pessoas que usam o aplicativo caminhando por um lugar desconhecido, evitando que andem para o lado errado. Isso é feito porque o Maps reconhecerá o local combinando a imagem capturada pela câmera com sua enorme base de imagens do Street View.

Ao traçar rotas, o Maps trará opções “multimodais”, oferecendo combinações de diferentes tipos de transporte para o usuário chegar mais rápido ao destino, como bicicleta, ônibus, metrô, trem, carros de aplicativo e até caminhando. E, para 61 cidades, o sistema trará a localização dos ônibus em tempo real. Além disso, serão incluídas, com a participação de usuários, informações como temperatura dentro do transporte público, se tem sistemas de segurança, sua acessibilidade e, no caso de metrô e trens, se há vagões exclusivo para mulheres.

Videodebate: Google, me esquece!

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Você se preocupa com o Google, o Facebook, a Apple, e muitas outras empresas monitorando tudo que você faz online? Tem toda razão: elas sabem mesmo muito sobre nós!

Agora você pode pedir que o Google automaticamente apague tudo que sabe sobre você depois de um tempo. Simples e indolor!

Bacana, né? Mas será que isso faz diferença?

Queremos que nossa privacidade seja preservada, mas não queremos abrir mão das coisas boas que os meios digitais nos oferecem “de graça”, justamente por nos conhecer tão bem.

Então o que é mais importante para você? Sua privacidade ou os benefícios digitais? Ficou em dúvida? Então assista ao meu vídeo abaixo para entender isso melhor. E depois conte o que acha aqui nos comentários.



NOVIDADE: quer ouvir as minhas pílulas de cultura digital no formato de podcast? Basta procurar por “O Macaco Elétrico” no Spotify, no Deezer ou no Soundcloud. Se preferir, pode usar seu aplicativo preferido: é só incluir o endereço http://feeds.soundcloud.com/users/soundcloud:users:640617936/sounds.rss

Garry Kasparov enfrenta o supercomputador da IBM Deep Blue, em 1997 — Foto: reprodução

Até onde podemos ser iludidos pela Inteligência Artificial

By | Tecnologia | No Comments

Existe um ditado popular que diz, em tão jocoso, “me engana que eu gosto”. Ou seja, por qualquer tipo de conveniência, as pessoas podem acreditar em algo que sabem que não é verdadeiro. Entretanto, graças à Inteligência Artificial (IA), isso está ganhando novos contornos.

Com o avanço da tecnologia, sistemas hoje já conseguem se passar, de maneira convincente, por seres humanos, criando formas de interação bastante naturais com as pessoas oferecendo diferentes serviços. Entre os exemplos mais comuns estão os sistemas de atendimento ao público, os “chatbots”.


Vídeo relacionado:


Esqueçam as vozes metalizadas ou as interações do tipo “pressione 1 para cobrança; pressione 2 para crédito; pressiona 3 para falar com um de nossos atendentes”. Uma das características dos novos sistemas é a linguagem natural, que permite que os comandos sejam feitos em uma conversa livre, e as respostas sejam dadas da mesma forma: o sistema é capaz (ou pelo menos tenta) entender o que o cliente deseja, e busca lhe oferecer a melhor alternativa disponível, quaisquer que sejam as palavras usadas pela pessoa.

Em 2018, o Bradesco trouxe isso para um atendimento comercial de massa, com o lançamento da BIA, acrônimo para “Bradesco Inteligência Artificial”. Trata-se de um sistema de autoatendimento construindo a partir do Watson, da IBM, para atender, com linguagem natural, os clientes do banco. É possível até mesmo fazer perguntas que não têm a ver com transações bancárias (e algumas serão respondidas assim mesmo).

A equipe responsável levou três anos para “calibrar” a BIA, ou seja, oferecer a ela as informações e a capacidade de aprender suficientes para ser lançada comercialmente. E, graças à computação cognitiva da IBM, a BIA literalmente continua aprendendo, à medida que é usada pelos clientes do Bradesco.

Mas para se ter uma experiência bastante interessante disso, basta usar os assistentes virtuais de seu celular: a Siri (para iPhones) e o Google Now (para smartphones Android) já respondem a nossos pedidos em linguagem natural. E estão cada vez mais eficientes, tanto para entender o que queremos, quanto para nos responder.

Experimente dizer “eu te amo” à Siri ou perguntar “quando é o próximo jogo do Timão” ao Google Now.

De onde veio e para onde vai?

Os assistentes virtuais não são exatamente uma novidade. O primeiro deles data de 1966. Chamado de ELIZA, demorou dois anos para ser desenvolvido por Joseph Weizenbaum no laboratório de inteligência artificial do MIT (EUA), e buscava simular um psicólogo aconselhando seus pacientes por mensagens escritas. Apesar de bastante rudimentar, as pessoas necessitavam realizar várias trocas antes de perceber que não estavam conversando com outro ser humano.

De lá para cá, as pesquisas cresceram incrivelmente, seja por sistemas mais inteligentes, seja por equipamentos mais poderosos, que permitem a realização de milhões de combinações por segundo. E, como na maioria dos casos, o processamento se dá em servidores remotos e não no equipamento do usuário (como seus smartphones), o avanço das telecomunicações também é essencial.

Em maio de 2018, uma demonstração no Google I/O, congresso mundial de desenvolvedores da empresa, deixou muita gente de boca aberta. Tratava-se de uma evolução do Google Now, batizado de Google Duplex, que, por telefone e diante de todos, marcou um corte de cabelo e fez uma reserva em um restaurante, sem que os atendentes dos estabelecimentos se dessem conta que estavam falando com uma máquina. A linguagem natural usada pelo sistema era tão perfeita, que muitas pessoas duvidaram que aquilo seria real, apesar de a empresa afirmar categoricamente que sim. Em alguns casos, o sistema parecia falar melhor que os próprios interlocutores humanos com quem estava interagindo por telefone.

Em fevereiro de 2019, a IBM promoveu um debate público sobre educação entre seu sistema de IA Project Debater e o debatedor profissional Harish Natarajan. Apesar da natureza totalmente aberta do tema, para muita gente o sistema foi melhor que o ser humano.

A IBM, aliás, tem história em colocar seus sistemas de IA em confronto com pessoas. Nos anos 1990, seu supercomputador Deep Blue jogou xadrez com o então campeão mundial Garry Kasparov, em dois matches de seis partidas cada. O primeiro foi vencido por Kasparov e o segundo pelo Deep Blue. O campeão chegou a acusar a máquina de manipulação fraudulenta após ser derrotado.

A máquina tem ética?

O fato é que esses sistemas, cada vez mais parecidos com seres humanos em suas interações, são capazes de processar muito mais informações que nós, e têm acesso a muito mais dados do que qualquer ser humano. Isso levanta algumas questões éticas importantes: diante disso tudo, as máquinas poderiam se tornar capazes de nos convencer de qualquer coisa, muito além do que outra pessoa faria?

Afinal, se o nosso interlocutor parece ter o argumento definitivo para contrapor qualquer coisa que digamos, ele está em uma condição claramente vantajosa. Os computadores já têm isso há algum tempo, mas seu diferencial no convencimento desaparece diante do fato de que as interações não são naturais. Em outras palavras, subimos automaticamente nossas defesas para não sermos enganados por uma máquina.

Entretanto, diante dessa nova realidade em que nos encontramos, isso pode deixar de existir. O Google Duplex demonstrou que, por telefone, já não haveria como diferenciar as falas de uma máquina das de uma pessoa.  E quando isso acontecer também presencialmente, com robôs simulando convincentemente os corpos humanos?

O assunto é abordado exaustivamente pela ficção científica. Minha lembrança mais antiga disso é do primeiro “Blade Runner”, de 1982, com seus “replicantes”, robôs tão humanos que alguns nem sabiam da sua natureza artificial, achando que eram pessoas. Como dizia o slogan de seu fabricante, eram “mais humano(s) que o humano”.

Mais recentemente, o episódio “Volto Já”, o primeiro da segunda temporada (de 2013) da série “Black Mirror”, reacendeu o debate, quando a protagonista contrata o serviço de uma empresa que cria robôs capazes de simular o corpo e a mente de entes queridos falecidos. No caso da personagem, ela quase embarca na fantasia de que aquela máquina era seu marido morto. Só não fez isso porque o sistema, afinal, não conseguiu captar as sutilezas de sua personalidade.

Mas e se conseguisse? Ela teria se deixado enganar por aquela ilusão cibernética cuidadosamente elaborada? E, caso assim fizesse, ela poderia ser julgada por isso? Afinal, a máquina seria uma cópia praticamente fiel de seu finado esposo, e serviria para lhe aplacar a dor da perda.

O fato é que podemos estar muito perto de sistemas que sejam capazes de nos iludir e até mesmo manipular para atingir os objetivos de seus fabricantes, por terem sempre os melhores argumentos e se comportarem e parecerem com seres humanos. A máquina não tem ética e nem pode ser culpada se fizer algo que contrarie o que achemos correto. Quem precisa cuidar disso é seu fabricante.

Do nosso lado, precisamos ter esse debate sempre em dia, para que tenhamos esses recursos da tecnologia a nosso favor, tornando nossa vida mais produtiva, fácil, divertida. Podemos, sim, ser iludidos pelas máquinas, desde que seja o que deliberadamente queiramos, por mais que isso possa parecer paradoxal.


E aí? Vamos participar do debate? Role até o fim da página e deixe seu comentário. Essa troca é fundamental para a sociedade.


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Videodebate: robôs sexuais?

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Quer vender bem algo? Convença seu público que aquilo é o que ele precisa!

Essa máxima se aplica a qualquer tipo de produto. Um bom vendedor é aquele que consegue ajustar seu produto às necessidades de seu cliente. Se acreditarmos naquilo, negócio fechado!

“Acreditar” é a palavra-chave!

A inteligência artificial pode ajudar muito nisso, processando uma quantidade enorme de informações do consumidor e do mercado, para ajustar esse discurso de “sedução”. Alguns sistemas já conseguem até mesmo se passar convincentemente por seres humanos no telefone!

Legal, né? Muito! As possibilidades são imensas!

Mas isso abre algumas discussões éticas bem delicadas.

Quais os limites disso? Dá para imaginar que chegará um momento em que conviveremos com robôs humanoides -e até teremos contato íntimo com eles- e acharemos que serão pessoas de verdade. A ficção já explora bastante isso.

Você compraria esse produto?

Quanto falta para termos robôs sexuais e “vendedores perfeitos”? Veja no meu vídeo abaixo!



Veja a demonstração do Google Duplex, a nova versão do assistente virtual do Google, mencionado no meu vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Nqhyc8_dwvE

Conheça o sistema de debates por inteligência artificial da IBM, sobre o qual falei no meu vídeo:  https://www.youtube.com/watch?v=m3u-1yttrVw

A inteligência artificial só roubará o seu emprego se você deixar

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“Harry Potter”: fãs traduziram livro em apenas 45 horas há 13 anos; hoje isso poderia ser feito instantaneamente por um software - Foto: divulgação

“Harry Potter”: fãs traduziram livro em apenas 45 horas há 13 anos; hoje isso poderia ser feito instantaneamente por um software

Em julho de 2005, milhares de fãs usaram a Internet para traduzir para o alemão as mais de 600 páginas do livro “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” em apenas 45 horas e 22 minutos após o lançamento do original em inglês. Isso enfureceu a Carlsen, detentora dos direitos dos livros do bruxinho na Alemanha, que precisou de três meses para fazer a mesma coisa para a edição oficial. Hoje, 13 anos depois, a mesma tradução talvez fosse feita quase instantaneamente e sem cansar nenhum fã: um sistema com recursos de “machine learning” se encarregaria da tarefa.

Quer dizer que o trabalho dos tradutores está com os dias contados? E o seu trabalho –qualquer que seja– também está ameaçado pela inteligência artificial?

Calma: não precisa entrar em pânico! Mas não dá para ficar deitado em berço esplêndido.


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O fato é que, em uma janela de três anos, diversas tecnologias emergentes ganharam o mercado em velocidade galopante. Estão incrivelmente poderosas (especialmente quando combinadas) e muito acessíveis. “Machine learning”, “Internet das Coisas”, “big data”, “análises preditivas” saíram dos laboratórios e dos roteiros de ficção científica, graças a enormes avanços nos equipamentos e no software.

Há ainda outro fator absolutamente determinante nessa mudança que vivemos: o público. Graças ao crescente poder de escolha e ao acesso ubíquo à informação, viabilizado pelos smartphones e pelas redes sociais, todos nós estamos nos tornando mais exigentes e, de certa forma, mais ansiosos. Assim queremos que produtos e serviços sejam, cada vez mais, personalizados para nossas necessidades particulares, oferecidos do nosso jeito e no nosso tempo.

Como lidar com esse nível de demanda inédito? Valendo-se justamente das tecnologias acima. Isso nos leva à questão que dá títulos esse artigo: como se manter relevante no mercado profissional, se a tecnologia se faz cada vez mais necessária para as empresas atenderem as novas demandas do público?

Durma com um barulho desse!

 

Substituindo o que uma pessoa pode fazer

Uma verdade é inevitável: o que puder ser automatizado será.

É por isso que algumas profissões correm mais risco que outras: quanto mais mecanizadas e repetitivas as tarefas do profissional, mais delicada é a sua situação em um futuro próximo. É o caso, por exemplo, dos motoristas.

Carros autônomos já vêm sendo desenvolvidos e testados há anos por gigantes como Google e Uber, além da própria indústria automobilística. A tecnologia já está madura e a expectativa é que eles se tornem um produto comercial em apenas cinco anos. O fato é que a tarefa de dirigir, por si só, é bastante automatizável. Com o avanço da capacidade de processamento, do software e dos sensores embarcados nesses veículos, eles acabam ficando mais seguros que um carro dirigido por uma pessoa.

Isso não quer dizer que eles sejam a prova de acidentes. Em março desse ano, um carro autônomo do Uber em testes matou uma mulher nos EUA. Assistindo às imagens do acidente, nota-se que a vítima atravessou em um local escuro e que provavelmente também teria sido atropelada por um motorista. Mas também é verdade que o carro aparentemente não tentou frear nos dois segundos anteriores ao choque, quando a vítima ficou finalmente visível.

A culpa é do carro? Mais que isso: dá para imputar culpa a um carro?

Apesar dessa fatalidade e de uns pouco acidentes, todas as estatísticas demonstram que os carros autônomos são incrivelmente mais seguros que os dirigidos por pessoas. Além disso, a possibilidade de o carro nos levar aonde quisermos, enquanto nos dedicamos a outras tarefas no trajeto, é tentador, especialmente em cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, em que as pessoas perdem muitas horas todas as semanas dirigindo no trajeto de casa ao trabalho.

A inteligência artificial também brilha em atividades mais analíticas, como na avaliação de riscos. É o caso de documentos jurídicos, que já estão sendo automatizados, inclusive no Brasil. Por exemplo, a Urbano Vitalino Advogados, de Recife, contratou o IBM Watson para tarefas repetitivas do escritório a fim de concluir processos com mais eficiência e com maior índice de vitória. Já o banco JPMorgan está usando o sistema COIN (Contract Intelligence) para analisar acordos de empréstimos, que antes sobrecarregavam batalhões de seus advogados.

 

Vamos conversar?

As tecnologias emergentes também estão popularizando outro recurso que, até havia bem pouco tempo, era ficção científica: a linguagem natural, ou seja, a possibilidade de dar comandos e receber respostas como se estivéssemos conversando com uma pessoa.

No ano passado, um homem foi preso no Novo México (EUA) por bater em sua namorada e ameaçar matá-la. O crime só foi descoberto porque o Alexa, um equipamento da Amazon que fica sobre a mesa aguardando comando para tarefas simples, ligou para a polícia durante a agressão. Os policiais ouviram o que estava acontecendo e foram até o local, prendendo o homem.

Acha que estou exagerando? Faça um teste agora mesmo. Fale ao assistente do Google em seu celular o seguinte: “quando é o próximo jogo do Timão”. O sistema entenderá que “jogo” se refere a uma partida de futebol e “Timão” se refere ao Corinthians. E lhe dará a resposta correta, também por voz.

Ah, você é palmeirense? Tudo bem: pergunte ao Google “quando é o próximo jogo do Campeão do Século” e se surpreenda.

Mas a tecnologia de linguagem natural já pode fazer muito mais! Veja o exemplo no vídeo abaixo, do Google Duplex, apresentado em maio na conferência Google I/O, em que o sistema liga para estabelecimentos comerciais e conversa com atendentes humanos para realizar agendamentos. E o outro lado não percebe que está falando com um sistema impulsionado por “machine learning”:


Vídeo relacionado:


Ironicamente (e espantosamente), na segunda conversa, o sistema demonstrou mais habilidade na fala que a pessoa com quem estava interagindo!

 

Entregando o que uma pessoa não pode fazer

No começo de junho, estive no Sapphire Now, o maior evento mundial da gigante de software SAP, nos EUA. E lá vi soluções baseadas em inteligência artificial surpreendentes e que estão à disposição de empresas, mesmo pequenas.

Um deles estava em um estande que simulava uma loja de produtos esportivos. Se qualquer pessoa pegasse um tênis ou uma mochila das prateleiras, a loja identificava o produto e mostrava informações sobre ele em uma tela ao lado. Vale dizer que não havia qualquer sensor na mercadoria: a loja estava efetivamente “vendo” o produto na mão do cliente.

Mas a mágica realmente acontecia se a loja também fosse capaz de identificar o cliente, por reconhecimento facial. Nesse caso, a partir de informações de compras anteriores ou até mesmo coletadas do “big data”, a loja poderia inferir se aquele produto era o ideal para aquela pessoa, e, caso contrário, sugerir outro item da loja.

Na conferência, também vi Michael Voegele, CIO da Adidas, demonstrando como a empresa está tomando decisões sobre suas novas coleções a partir de tendências identificadas por “machine learning” em milhares de fotografias de diferentes partes do mundo. O sistema deduz quais as cores, que tipo de roupas, entre outras informações, as pessoas estão preferindo em cada cidade que lhes interessa. Ou seja, a máquina faz a leitura e a análise massiva das informações de maneira totalmente automatizada, em velocidade e volume que pessoas jamais conseguiriam. E com resultados mais eficientes.

Na área da saúde, uma solução da SAP com a gigante farmacêutica Roche monitora continuamente informações médicas, como o nível de glicose, de pessoas diabéticas ou com risco de desenvolver a doença. Esses indicadores são coletados por um “wearable” e transmitidos ao sistema central pelo smartphone do paciente. Isso oferece às equipes médicas análises qualitativas sobre a doença e sobre as populações atendidas, permitindo a criação de programas de saúde mais assertivos. Mas talvez o ganho mais incrível seja o sistema identificar alterações nos indicadores de cada indivíduo para que seus médicos sejam avisados a tempo de agir contra uma eventual crise. O controle da doença fica muito mais eficiente em cada indivíduo e pode até mesmo evitar seu surgimento em quem ainda não a desenvolveu.

 

Quando todos ganham

Tradutores, motoristas, advogados, secretários, vendedores, pesquisadores de mercado, médicos… Todos eles e todos nós, não importa qual seja nossa profissão, já estamos sendo impactados pela tecnologia digital e a inteligência artificial em maior ou menor escala. E a coisa só tende a aumentar! Mas longe de isso ser algo que vai nos tirar o emprego, pode ser uma tremenda oportunidade. Mas temos que sair da nossa zona de conforto.

É… A mudança dói, mas traz evolução.

A tecnologia impacta decisivamente o mundo do trabalho pelo menos desde a Revolução Industrial. Todos nós estudamos como ela provocou, em um primeiro momento, graves problemas sociais, com categorias profissionais inteiras sendo extintas e exploração abusiva de mão de obra. Mas, apesar disso, alguém ousaria dizer que a Revolução Industrial não trouxe avanços inestimáveis para a humanidade?

Voltando à nossa realidade cada vez mais inundada de inteligência artificial, esses sistemas, muito mais que ameaças, são incríveis ferramentas para melhorar o trabalho. Até mesmo em funções que devem ser inteiramente automatizadas, como a dos motoristas, isso pode provocar o surgimento de outras atividades, como a de uma espécie de “comissário de bordo” para melhorar ainda mais a experiência do cliente em um táxi autônomo.

Além disso, a automação de tarefas repetitivas ou a possibilidade de oferecer subsídios inimagináveis de outra forma, para que profissionais realizem bem seus trabalhos, abre possibilidades para que se dediquem a atividades mais nobres e interessantes.

Para profissionais e empresas que estiverem dispostos a usar criativamente tudo isso que a tecnologia já nos oferece, vejo um belo caminho adiante, em que poderão entregar produtos mais adequados às necessidades individuais de cada consumidor superexigente, com um custo de produção menor e resultados mais satisfatórios para todos.

Aqueles que insistirem em fazer as coisas do jeito antigo, receio que –esses sim– serão substituídos pelas máquinas. Como luditas do século 21, perderão seu espaço, não para a tecnologia, mas para sua própria falta de visão.

Em qual grupo você ficará?


E aí? Vamos participar do debate? Role até o fim da página e deixe seu comentário. Essa troca é fundamental para a sociedade.


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