Monthly Archives: julho 2022

Frances Haugen, ex-gerente de integridade cívica do Facebook, afirma que a empresa coloca os lucros à frente do bem-estar dos usuários

As redes sociais que nos afastam uns dos outros

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Estamos a dois meses da eleição presidencial mais estranha de nossa história. Apenas dois candidatos têm chance de ir ao segundo turno. A vitória deve ser decidida por quem as pessoas não querem no cargo ao invés de quem elas querem. E ela representará o clímax da influência das redes sociais em nossas escolhas, um movimento global iniciado há cerca de uma década.

Esse poder das redes sociais sobre o que e como pensamos vai muito além de aspectos políticos, e vem deformando a sociedade. Essas plataformas têm uma capacidade sem precedentes de identificar nossas preferências e nos empurrar para extremos que, na prática, nos afastam das outras pessoas. E isso é tão mais verdade, quanto mais o assunto mexe com nossas paixões e valores, como política, religião e até futebol.

No limite, podemos chegar a um ponto em que nos tornaremos seres antissociais, graças à influência de sistemas que se dizem “sociais”, uma ironia digna de George Orwell. Sua obra-prima “1984” vira “café pequeno” diante da distopia que essas redes oferecem ao mundo.


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Esse efeito nocivo do meio digital talvez não tenha sido previsto pelos criadores dessas plataformas, mas não se pode dizer que ele aconteceu por acaso. O sucesso das redes sociais depende de ficarmos mais tempo nelas, aumentando a chance de clicarmos nos anúncios que elas trazem, sua principal fonte de receita.

Para isso, elas precisam nos proporcionar um fluxo infinito de conteúdo que nos agrade e nos inspire a nos engajar com ele. O “engajamento”, conceito cunhado pelo Facebook nos seus primeiros anos, é o motor dessa sofisticada máquina. Curtidas, comentários e compartilhamentos servem para o sistema nos conhecer melhor, além de funcionar como uma curadoria feita continuamente por bilhões de pessoas para informar aos algoritmos o que deve ser entregue a cada uma. É uma ideia verdadeiramente genial!

O problema é que, como já detalhado em incontáveis artigos e vídeos, inclusive nesse espaço, isso rapidamente nos “aprisiona” em bolhas de pensamento único. Como somos expostos apenas àquilo que gostamos, deixamos de ser impactados pela necessária diversidade social, o que acaba reforçando nossas visões de mundo, para o bem e para o mal.

Para agravar a situação, nossa natureza humana faz com que sejamos atraídos por conteúdos extremos, como aquilo que nos emociona, nos dá medo, nos excita ou nos dá raiva. Trata-se de um mecanismo evolutivo para aumentar a chance de sobrevivermos.

Isso foi detalhado na entrevista que Frances Haugen concedeu ao jornalista Pedro Bial na quinta passada. A ex-gerente da equipe de integridade cívica do Facebook ficou famosa em outubro passado, quando veio a público para dizer que a empresa conscientemente coloca seus lucros à frente do bem-estar de seus usuários. Para corroborar suas acusações, ela vazou milhares de documentos da empresa, em um escândalo que ficou conhecido como “Facebook Papers”.

“Se você criar uma conta nova em folha, sem amigos e sem interesses, e seguir interesses bem corriqueiros, um pouco à esquerda ou um pouco à direita, você será empurrado para a extrema-esquerda ou a extrema-direita em poucas semanas”, disse Haugen na entrevista.

“Quando recompensamos o engajamento ao invés de comunicação construtiva, ao invés de colaboração, acabamos dando mais alcance às ideias mais extremas”, acrescentou a cientista de dados.

 

“Isso nunca acontecerá comigo!”

Há uma falsa ideia de que apenas pessoas com menos instrução ou predispostas a comportamentos extremistas seriam vitimadas por esse controle das redes sociais. Mas o fato é que, em maior ou menor escala, essas plataformas conseguem nos convencer sobre os mais variados assuntos.

Como pesquisador, cansei de ver pessoas dizendo que elas jamais seriam vítimas desse controle das redes sociais. Elas tentam se “proteger” seguindo fontes de diferentes naturezas, misturando, por exemplo, conteúdos políticos de esquerda e de direita, para “furar as bolhas”.

Ter um comportamento mais democrático na rede e um consumo de informações mais equilibrado e de fontes confiáveis certamente ajudam nesse processo. Mas infelizmente não são suficientes. Por mais que tomemos esses cuidados, os algoritmos têm uma incrível capacidade de descobrir do que realmente gostamos e passar a privilegiar publicações, falas e argumentos que reforcem nossas ideias.

Os brasileiros têm um agravante, que é o enorme tempo que gastamos nas redes sociais. Segundo a edição 2022 da pesquisa Global Digital Report, organizada pelas consultorias Hootsuite e We Are Social, estamos entre os líderes mundiais nessa métrica: 3 horas e 41 minutos nas redes todos os dias, contra uma média global de 2 horas e 27 minutos.

Se quisermos melhorar esse quadro, precisamos entender e aceitar que estamos sendo moídos por essa engrenagem. Se alguém tiver alguma dúvida, basta olhar a sua volta e verificar o inevitável crescimento da intolerância, que ainda por cima é incentivada por grupos de poder que se beneficiam disso. E eles usam esses mesmos recursos digitais para atingir seus objetivos.

Sempre fomos um povo conhecido pela cordialidade, união e alegria. Infelizmente, esses traços de nossa cultura parecem ter sido soterrados por um discurso de ódio e de exclusão generalizado e até de uma eugenia praticada por alguns. Se nada for feito, chegaremos a um ponto em que a cor da camisa usada ou o escudo do time no peito poderão colocar literalmente em risco a sua vida ao sair na rua. Isso não é um exagero, diante de casos recentes de violência exacerbada.

“Sem a construção do consenso, sem recompensar o centro, não conseguiremos seguir adiante juntos”, explicou Haugen, que concluiu: “a maneira como as mídias sociais funcionam atualmente, os modelos de negócios, as escolhas de produto dificultam muito uma democracia construtiva.”

Quero crer que, mesmo em seus maiores devaneios de poder, Mark Zuckerberg e os criadores de todas as redes sociais jamais pensariam que elas causariam isso na sociedade. Mas aquelas plataformas, que surgiram com objetivos pueris de encontrar velhos amigos, se tornaram ferramentas para neutralizar novos inimigos.

Por isso, elas não podem se furtar de sua responsabilidade e atuar ativamente na anulação do mal que causaram. Estão fazendo muito pouco nisso! Por outro lado, cada um de nós precisa se policiar para não cair nessa armadilha cotidianamente.

 

Sempre que chega a uma cidade, a Uber sofre grande resistência dos taxistas, que a acusavam de “pirataria”, como aconteceu no Rio

Nova crise na Uber reabre questionamentos sobre a economia compartilhada

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No dia 10, o jornal britânico “The Guardian” publicou uma série de reportagens que exibem, de maneira sem precedentes, práticas condenáveis da Uber para consolidar seu negócio em cerca de 40 países, entre 2013 e 2017. Batizada de “Uber Files”, elas foram feitas a partir de mais de 124 mil documentos vazados pelo ex-executivo Mark MacGann.

Não seria exagero dizer que a empresa praticamente criou e popularizou o conceito de transporte por aplicativo. Ela é também um dos principais expoentes da chamada “economia compartilhada”, que vem revolucionando diversos mercados desde os primeiros anos deste século.

Mas, pela lógica de mercado, se alguém estiver ganhando desproporcionalmente, alguém pode estar perdendo. Por isso, muita gente crítica a “economia compartilhada”, chegando a chamá-la de “concorrência desleal” e até de “pirataria”. No caso da Uber, quem perdeu muito foram os taxistas. Ganharam os motoristas de aplicativo, os passageiros e naturalmente a companhia.

Com isso, a Uber se tornou uma empresa “queridinha” dos clientes. Agora os “Uber Files” colocam em questão se ela teria tido o mesmo sucesso se não se valesse desses subterfúgios.


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Um dos principais destaques dos “Uber Files” é o trabalho de representantes da empresa junto a autoridades de diversos países, para que eles flexibilizassem leis locais trabalhistas e de transporte, para que a Uber pudesse operar sem problemas, especialmente frente aos protestos de taxistas e à não-regulamentação da “economia compartilhada”. Pelo menos 233 autoridades foram envolvidas, incluindo o então vice-presidente americano Joe Biden (hoje presidente dos Estados Unidos), o chanceler alemão Olaf Scholz, quando era prefeito de Hamburgo, o primeiro-ministro de Israel na época, Benjamin Netanyahu, e o então ministro da Economia da França, Emmanuel Macron (hoje presidente do país).

Alguns deles teriam resistido aos apelos dos lobistas. Foi o caso de Scholz, que sugeriu um salário-mínimo aos trabalhadores, e que, por isso, foi rotulado como “um verdadeiro comediante” por um executivo da Uber. Outros apoiaram a ideia explicitamente, como Macron. Por isso, a oposição francesa agora quer instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Assembleia Nacional francesa.

Os “Uber Files” trazem ainda acusações mais graves. Em uma delas, Travis Kalanick, um dos criadores da Uber e CEO na época, rejeitou as preocupações de outros executivos de que enviar motoristas para um protesto na França os colocaria em risco diante de taxistas furiosos. No documento, ele diz: “acho que vale a pena, a violência garante o sucesso, e esses caras (os taxistas) devem ser confrontados”. No lançamento do serviço na Índia, Kalanick disse aos executivos locais que “abraçassem o caos”, pois isso “fazia parte do negócio da Uber”, em referência a eventuais protestos.

Ao “The Guardian”, um porta-voz de Kalanick disse que o ex-CEO nunca quis tirar vantagem da violência. Ele deixou o cargo em 2017, por relatos de uma cultura corporativa antiética, incluindo assédios sexuais e morais. Ele ainda ficou no conselho de administração até 2019, quando vendeu 90% de suas ações por cerca de US$ 2,5 bilhões.

Os arquivos também documentam ferramentas criadas especificamente para atrapalhar investigações. Uma delas, chamada “Greyball”, consistia em uma versão do aplicativo criada para usuários específicos, como policiais, que mostrava carros falsos, que jamais chegariam se fossem chamados. Outro, a “Kill Switch”, bloqueava o acesso a dados, se estivessem sendo realizadas batidas de órgãos reguladores nos escritórios da companhia.

Os “Uber Files” ainda indicam que a empresa manteria dinheiro em paraísos fiscais, para pagar menos impostos. O material mostra também  como executivos debochavam das autoridades e se consideravam “piratas”. Em um deles, um executivo diz: “somos ilegais para caramba!”

 

Os limites da legalidade

Sobre a Uber ter tentado influenciar autoridades, é importante que fique claro que fazer lobby não é crime e, de certa forma, faz parte da própria sociedade. Empresas, instituições e até indivíduos podem tentar convencer agentes públicos a abraçar seus interesses, desde que legítimos, e eles podem concordar ou não. A prática só se torna corrupção se o agente público receber algo para decidir em favor da causa.

Os outros pontos são bem mais delicados. Mas fica a pergunta: a Uber precisaria ter feito isso tudo para ter sucesso?

Sempre que a empresa chegava a um país, os passageiros a abraçavam efusivamente. Afinal, ela supria demandas de transporte reprimidas há muito tempo: oferecia um transporte público individual confortável, rápido e confiável, com um preço justo e transparente, uma combinação inexistente em táxis, ônibus, metrôs ou trens até hoje. Para os motoristas, era uma oportunidade de se ganhar dinheiro com o próprio carro.

Essa é a essência da “economia compartilhada”. Ela substitui a necessidade de se possuir algo pela chance de se usar aquilo quando necessário. Diminui-se a compra de muita coisa que se usaria apenas eventualmente. Por outro lado, quem já tiver aquilo pode ganhar dinheiro alugando-o por um tempo limitado, ou prestando um serviço com ele.

A tecnologia é essencial nesse processo para se criar um ecossistema digital que combine os interesses de todos os envolvidos. As companhias que criam essas plataformas são remuneradas por isso, mas os fornecedores e vendedores não têm qualquer vínculo empregatício com essas empresas.

Esse é um movimento positivo e sem volta, que hoje ocupa um espaço enorme em nossas vidas e na economia. Além de transporte, incontáveis exemplos de “economia compartilhada” podem ser encontrados no varejo, na alimentação, na hospedagem, em finanças, na saúde e na prestação de todo tipo de serviço.

Nem todo mundo gosta disso. Assim como os taxistas sofreram com a Uber, hotéis perderam hóspedes para Airbnb, e lojas convencionais perderam vendas para Mercado Livre, só para citar alguns exemplos óbvios. Mas, apesar do ranger de dentes de alguns, não há nada de errado nisso, desde que as operações estejam regulamentadas e impostos sejam pagos. Trata-se apenas de uma nova maneira de se fazer negócios, que subverteu modelos cristalizados há muito tempo, amplamente aprovado pelos respectivos clientes.

Tentei contato com a Uber para falar sobre isso tudo. A empresa se limitou a enviar uma nota global em inglês, em que admite que foram cometidos erros e explica o que tem feito nos últimos cinco anos para que aquilo não se repita. Ela termina dizendo que “não demos e não daremos desculpas para comportamentos passados ​​que claramente não estão alinhados com nossos valores atuais”.

Parece pouco e até soberbo diante da gravidade dos fatos, como se pudessem ser ignorados. Por mais que tenha mudado seus valores, ainda é a mesma empresa e deve responder por erros passados, ainda que não os cometa mais.

A “economia compartilhada” revolucionou o mundo e a tendência é que ela ocupe espaços cada vez maiores em nossas vidas. A Uber é uma das grandes responsáveis pela sua popularização. Que os tais “erros do passado” sirvam de lição do que não deve ser feito em qualquer negócio: ele pode dar certo sem nada disso!

 

As antenas de 5G são menores que as das gerações anteriores, mas a tecnologia exige de cinco a dez vezes mais delas que as de 4G

O seu 5G pode demorar muito ainda

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Um dos assuntos mais quentes dos últimos dias foi a estreia do 5G “puro” no Brasil, começando por Brasília, na quarta passada. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) definiu um longo cronograma para que o serviço seja oferecido em todo o país. Mas um aspecto pouco falado pode ainda atrasar os lançamentos e piorar a qualidade do 5G: a dificuldade para se instalar antenas nas cidades.

Apesar de a regulamentação de telecomunicações ser federal, as leis que determinam as regras para instalação de torres e antenas são municipais. Isso acontece porque cada cidade tem suas características e necessidades próprias, que precisam ser respeitadas. Mas, em muitas delas, os debates estão emperrados.

Só que, sem antenas, não haverá 5G! Ele não aparecerá “do nada” no seu celular de última geração.


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“Há essa falta de entendimento de que o 5G não virá por passe de mágica”, afirma Sergio Sgobbi, diretor de Relações Institucionais da Brasscom, a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais. “Ele não acontece se não tiver infraestrutura!”

Muitas leis municipais sobre o tema estão ultrapassadas, algumas datando da década de 1990, quando eram necessárias torres robustas para suportar antenas muto grandes. De lá para cá, a tecnologia evoluiu dramaticamente e os aspectos urbanísticos mudaram, criando exigências, mas também facilitando muitos pontos.

“Hoje, cerca de 2% dos municípios brasileiros têm leis de antenas atualizadas”, indica Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis, que reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade. “É muito pouco!” Em números absolutos, dos 5.570 municípios brasileiros, nesse momento apenas 106 estão com uma legislação plenamente adequada para as necessidades do 5G, incluindo só 13 capitais.

Esse atraso na legislação municipal não impede o lançamento do 5G, mas dificulta o avanço da tecnologia. “É muito importante que isso ocorra com a maior brevidade possível, para evitar um descompasso entre as regras e o avanço tecnológico”, explica Jacqueline Lopes, diretora da Relações Institucionais da Ericsson para o Cone Sul. Segundo ela, “o aprimoramento da legislação tende a ampliar investimentos, trazendo mais benefícios à sociedade.”

“Infelizmente nossos políticos não veem a tecnologia como um avanço para a sociedade e para geração de empregos”, indica Leonardo Fonseca Netto, diretor de vendas da Harman DTS para a América do Sul. “Por isso, as prefeituras não se empenharam em focar em legislação para a inclusão do 5G”, conclui.

Parte desse atraso se deve a contaminação dos debates com assuntos que não deveriam estar lá, por não ser de competência municipal (como as frequências) ou por simplesmente não fazerem sentido. Sgobbi cita, como exemplo, vereadores que debatem se o 5G pode transmitir a Covid-19, um absurdo ideológico importado de outros países.

Ferrari explica que o 5G não provoca qualquer dano à saúde e que os equipamentos atendem com folga todas as determinações da Organização Mundial da Saúde. “É uma mudança que exige diálogo e compreensão sobre os impactos positivos da nova tecnologia, e infelizmente ainda temos que derrubar alguns mitos”, afirma.

Esse atraso é difícil de ser recuperado. O executivo explica que o tempo médio para o licenciamento de uma antena é de seis meses, chegando a um ano em algumas cidades, “o que não é compatível com a nova tecnologia”.

 

Silêncio positivo

Para tentar compensar isso, na quarta foi aprovado no Senado o chamado “silêncio positivo”. Trata-se de um mecanismo legal que permite a uma empresa instalar a infraestrutura necessária para o serviço mesmo sem a aprovação, se 60 dias se passarem após declarar seu interesse na implantação e sem que haja avaliação. “É como um ‘botão de emergência’, um mecanismo da celeridade”, ilustra Sgobbi.

Lopes explica que isso agiliza o processo, mas é algo complementar. Para a executiva, “ainda é necessário que os municípios adequem suas legislações, e, quanto antes isso ocorrer, mais rápido será o desenvolvimento tecnológico, pois haverá previsibilidade para investimentos.”

Um leigo poderia questionar por que não se instalam as antenas 5G nas estruturas já disponíveis para o 4G. Acontece que elas não são suficientes, porque o 5G funciona com frequências de onda mais altas e, quanto mais altas forem, menor seu alcance para propagação. “Por isso, a necessidade de mais antenas instaladas, com menor espaçamento entre elas”, explica Lopes. Dessa forma, o 5G exige de cinco a dez vezes mais antenas que o 4G.

Por outro lado, as de 5G são pequenas, tendo mais ou menos o tamanho de um ar-condicionado. “Ela pode ser pendurada em cima de um prédio, em cima da banca de jornal, no semáforo”, explica Sgobbi. Ferrari acrescenta que, dessa forma, elas impactam menos o visual e são mais fáceis de instalar.

Esse grande volume de antenas é essencial para a qualidade do 5G, que pode oferecer uma velocidade de transmissão até 100 vezes mais rápida que o 4G e uma latência (o tempo de resposta) próxima de zero. Além disso, permite a conexão de até 1 milhão de dispositivos por km2, frente aos 100 mil do 4G. Entretanto, sem antenas suficientes, nada disso será atingido.

O 5G não deve ser visto como mera evolução do 4G. Os avanços que ele traz podem revolucionar tecnologicamente o cotidiano de pessoas e empresas, permitindo o surgimento de incríveis serviços, ainda não disponíveis. E isso precisa ser democratizado, sob o risco de aumentar o já gigantesco abismo digital na sociedade brasileira.

“Antes de a gente falar de antena, da parte técnica, faltam políticas de acesso democrático à banda larga a todos os cidadãos, que já vêm do 3G e do 4G”, explica Marina Martinelli, doutoranda de política científica e tecnológica da Unicamp. “Vai ser um privilégio de poucos!”

Os especialistas concordam que o avanço do 5G dependerá da pressão dos usuários finais. As pessoas ainda não perceberam que terão que esperar um bom tempo para usar o 5G, enquanto a cidade vizinha já terá. Sgobbi acredita que, quando isso acontecer, a população começará a fazer pressão: “por que essa cidade tem e a minha não tem?” Vale dizer ainda que, se uma cidade em um bloco já contemplado no cronograma da Anatel demorar muito a fazer os movimentos necessários para receber o 5G, uma cidade do bloco seguinte, que tiver com tudo pronto, poderá “furar a fila”.

“As pessoas não têm acesso a pacotes democráticos de banda larga no Brasil”, afirma Martinelli. Apesar desses atrasos municipais nas suas leis e do cronograma da Anatel para instalação nas cidades pelo seu porte, o usuário final tem poder em suas mãos.

As empresas de telefonia querem oferecer o serviço o quanto antes, mas farão isso onde a infraestrutura estiver liberada e onde houver mais demanda. “Precisamos de uma integração total dos atores da sociedade para que essa revolução da 5G realmente aconteça”, sugere a pesquisadora.

Caso contrário, o 5G ainda estará em um horizonte que pode passar de sete anos para muitos brasileiros, isso considerando aqueles que poderão pagar por ele. É muito para algo que promete transformar dramaticamente nossas vidas.

 

André Quinderé, CEO da Agilean. “se você não mudar a forma de produzir e de gerenciar, não vai ter mais sucesso.”

Construtech usa método da indústria automobilística para melhorar a construção civil

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Reduzir custos de um setor muito conservador para continuar viabilizando produtos para um mercado em mudança acelerada e consumidores mais exigentes. Uma construtech –como são chamadas as startups da construção civil– de Fortaleza (CE) quer solucionar isso usando tecnologia e adaptando um método criado pela indústria automobilística.

A Agilean transpôs para os escritórios de projeto e os canteiros de obra os conceitos da metodologia lean, cujas raízes remontam a 1950, quando foi inventada no Japão por engenheiros da Toyota. Essa metodologia propõe uma melhoria contínua dos resultados de negócios, otimizando processos e evitando desperdícios.

“Achatar o tempo das soluções não é mais um luxo, é uma necessidade básica do nosso mercado.”, explica André Quinderé, CEO da empresa. “Se você não mudar a forma de produzir e de gerenciar, não vai ter mais sucesso.”

Apesar de empregar cerca de 7,5 milhões de pessoas e representar por volta de 5% do PIB brasileiro, ele explica que as tarefas de gestão ainda são muito manuais na construção civil. “Há muito desperdício, muito atraso e um baixo uso da tecnologia”, afirma o executivo. “O setor é visto como o patinho feio da indústria.”

A coleta manual de informações nos canteiros traz vários problemas. O primeiro são erros na entrada dos dados. Depois disso, essa informação precisa ainda ser consolidada e processada, para gerar relatórios necessários para a tomada de decisões, um processo extenso e demorado.

“Esse fluxo de integração entre produção e qualidade nas obras é uma dor de cabeça enorme”, explica Quinderé. “A construtora paga o empreiteiro sem saber a qualidade, porque não chega o relatório.”

Minimizar esse gargalo no tempo de produção e entrega dos relatórios fez toda a diferença para a Agilean, que já digitalizou mais de 6 milhões de metros quadrados em obras de todo o país. “Se não conseguir identificar o problema de forma rápida, ele vai se replicar”, diz o executivo. Ela conta que, no início de sua empresa, os relatórios já traziam informações valiosas aos gestores, mas às vezes chegavam tarde demais para algumas decisões.

A solução foi desenvolver uma plataforma  que digitalizasse todo o processo da obra, dividido em vários módulos. Do lado das equipes de projeto e de gestão, existe um dedicado a todo o planejamento da obra e outro para acompanhamento da evolução dos indicadores em tempo real.

A plataforma também inclui um aplicativo para celulares que serve para que qualquer pessoa na obra possa incluir informações, como, por exemplo, um problema encontrado. Essa informação é processada e impacta os relatórios imediatamente, evitando retrabalho e decisões erradas. “As pessoas deixam muito o canteiro de lado e é ali que tem o desperdício”, explica Quinderé. O aplicativo também é responsável pelo fluxo de distribuição de tarefas.

Mesmo se não tiver um celular com o aplicativo à disposição, qualquer profissional no canteiro de obras pode incluir informações no sistema. Para isso, são instalados nele “terminais Andon”, outra contribuição do Sistema Toyota de Produção. Trata-se de pequenos terminais com poucos botões que permitem que o trabalhador indique imediatamente algo que estiver fora do esperado, para que a solução seja dada de maneira rápida e o problema não se replique.

“Alimentamos nosso planejamento e vimos o desdobramento de nossas ações, reprogramação e impactos das nossas tomadas de decisões, antes realizadas visualizando um horizonte apenas de curto prazo”, explica Leonardo Aidar, gerentes de obras da Construtora e Incorporadora Tack.

A plataforma também desenvolveu um assistente virtual que conversa com os envolvidos na obra por WhatsApp. Com ele, é possível, por exemplo, solicitar relatórios que são gerados na hora e entregues por esse canal.

Além disso, graças à inteligência artificial embarcada, o sistema também é capaz de enviar sugestões para a tomada de decisões, mesmo que não tenham sido solicitadas. “O bot não é só reativo, ele é proativo”, explica Quinderé. “A ideia é que funcione como um ‘engenheiro 24 horas’ na ajuda de tomada de decisões.”

Para ele, a transformação digital envolve necessariamente pessoas, processos e tecnologia. Nenhum deles pode ficar para trás. Mas, segundo o executivo, a construção civil é um setor muito tradicional, com um produto com uma vida útil longa, por isso as empresas têm muito medo de a inovação gerar problemas novos.

Entretanto, não fazer esses movimentos deixou de ser uma opção. Quinderé afirma que as construtoras chegaram em um momento em que não podem repassar mais preços ao mercado. “Para manter a minha margem, eu tenho que ser muito mais eficiente”, conclui.

 

O principal motivo para roubos de celulares não é mais o valor do aparelho, e sim a possibilidade de se fazer transferências com ele

Isso jamais acontecerá comigo!

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Duas notícias me chamaram a atenção na semana passada. A primeira foi sobre um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que indica uma explosão nos crimes eletrônicos. A outra foi a de que metade dos brasileiros não limitou suas transferências pelo Pix, apesar de a maioria conhecer esse recurso simples e eficiente para diminuir prejuízos em um eventual roubo de celular.

As duas estão interligadas e demonstram que os brasileiros não tomam medidas para sua própria segurança diante de uma mudança nos crimes nos grandes centros urbanos. Não se trata, de forma alguma, de querer imputar qualquer culpa às vítimas, mas sim de constatar que muitas pessoas não fazem isso pela crença de que esse problema nunca acontecerá com elas.

Até que acontece! E aí não adianta “chorar sobre o leite derramado”.

Apesar de os smartphones estarem integrados a nossas vidas há mais de uma década, esses crimes só ganharam força recentemente. Portanto, os cuidados que a maioria das pessoas toma deixaram de ser suficientes, e precisam ser revistos.


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O Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica um aumento de 74,5% de golpes eletrônicos de 2020 para 2021, chegando a 60.519 ocorrências notificadas. O crescimento é exponencial: em 2019, foram “apenas” 14.677. Além disso, esse tipo de crime é subnotificado, pois muitos acabam sendo classificados só como estelionato.

Outro levantamento recente, realizado pelo C6 Bank e pelo instituto de pesquisa Ipec, mostra que 70% dos brasileiros sabem que podem ajustar o limite de suas transferências por Pix, mas 47% não fazem isso. É possível ainda determinar contas específicas para continuarem recebendo valores maiores.

Os limites do Pix foram criados pelo Banco Central em novembro, para diminuir os sequestros-relâmpago para realização de transferências, mas também ajudam nos crescentes roubos de celulares para o mesmo fim. A redução desses limites tem efeito imediato, mas seu aumento demora no mínimo 24 horas para passar a valer.

O roubo de smartphones aumentou muito nesse ano, mas o principal objetivo não é o valor do aparelho, e sim a possiblidade de se realizar com ele transferências bancárias. Segundo a polícia, o problema se agravou com o envolvimento do PCC, o Primeiro Comando da Capital. A facção criminosa descobriu nisso uma maneira fácil de obter muito dinheiro. Há registros de transferências que superam R$ 100 mil!

Muitos roubos acontecem com o bandido em bicicleta ou moto, arrancando o aparelho destravado da mão das vítimas, facilitando as transferências. Por isso, usar o aparelho nas ruas e até no carro em bairros nobres de São Paulo se tornou muito arriscado.

A senha da tela de bloqueio no celular é uma primeira barreira, que pode ser suficiente para frustrar a ação dos bandidos. Por isso, é assustador observar que muitas pessoas não adotam essa proteção extremamente básica.

 

A responsabilidade de cada um

Em uma pesquisa informal que realizei no LinkedIn, com cerca de 800 entrevistados, 41% disseram que transferências indevidas por Pix são os crimes eletrônicos mais comuns, enquanto 40% apontaram as fraudes pelo WhatsApp. Outros 17% indicaram perfis falsos nas redes sociais e 2% escolheram outras opções.

O WhatsApp tornou-se outra enorme fonte de golpes digitais. E novamente a vulnerabilidade se dá em usos descuidados pelas pessoas, e não por falhas técnicas da plataforma. Um dos golpes mais comuns consiste no bandido ligar para vítima com alguma história que a convença a lhe passar um código gerado pela plataforma, que lhe permite assumir a conta da vítima. A partir dessa conta clonada, o criminoso fala com os contatos para pedir dinheiro, como se fosse o verdadeiro titular.

À medida que mais pessoas começaram a entender que não devem repassar esse código, os bandidos passaram a adotar outro golpe, ainda mais simples e absurdo. A partir dos perfis das vítimas nas redes sociais, eles copiam sua foto e escolhem contatos. Enviam então mensagens fazendo-se passar pelo titular e dizendo que se trata de um novo número de telefone. Se o interlocutor acredita, pedem transferências. O Pix é o método preferido, pois o dinheiro fica disponível em poucos segundos.

As características do WhatsApp, disponível em 99% dos smartphones brasileiros, facilitam a ação dos criminosos. O grande volume de conversas, e sua informalidade e instantaneidade fazem com que os usuários “baixem a guarda” e acreditem facilmente no que chega por ali. Isso vale para conversas de bandidos e para notícias falsas, que também se proliferam nesse canal. Nos dois casos, ganhar a confiança é essencial.

Portanto, a primeira dica para se defender dos cybercriminosos é manter o senso crítico aguçado. Desconfie do que chega pelas redes e pelos comunicadores, especialmente quando o outro pedir dinheiro ou suas informações pessoais, ou diga que mudou de telefone. E nunca informe qualquer número pedido pelos bandidos.

Não dá mais para ficar usando o celular na rua ou no carro sem o risco de ser assaltado. Se for necessário, entre em algum local fechado. Algumas pessoas também passaram a andar com um “celular de guerra”, barato e com o mínimo de aplicativos, para o caso de um assalto.

Limite o valor de transferências por Pix, TED e DOC. Especialistas sugerem que o ideal é liberar apenas o mínimo para cobrir as necessidades cotidianas do correntista. Da mesma forma, jamais informe senhas ou entregue cartões de conta ou crédito a terceiros, nem grave senhas no celular.

Outra dica é habilitar a chamada “autenticação de dois fatores” em todos os aplicativos que oferecerem esse recurso. Com ela, além da senha, será necessária outra informação (normalmente um código gerado na hora) para acessar suas contas.

Há uma discussão sobre a responsabilidade dos bancos nesses crimes eletrônicos. O Banco Central afirma que as instituições podem identificar os titulares das contas de origem e de destino, mas os bancos tentam se livrar de qualquer culpa. Segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), cada instituição tem sua política de análise e devolução.

Por isso, no caso de golpe ou roubo de celular, o cliente deve ligar ao banco imediatamente, pedir bloqueios e documentar o fato. Também deve ser feito um boletim de ocorrência. Quanto mais rapidamente isso for feito, menor a chance de prejuízos.

No final, a grande recomendação é parar de achar que isso nunca acontecerá com qualquer um de nós. Por mais que você seja cuidadoso e nunca tenha sido assaltado, esses crimes atingiram níveis inéditos. Não se pode dar sorte ao azar!