Monthly Archives: outubro 2023

Pais devem acompanhar atividades online dos filhos, mas plataformas têm responsabilidade no problema - Foto: Rawpixel/Creative Commons

Aumento da pedofilia online exige atenção no uso de redes sociais por crianças e adolescentes

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Duas pesquisas divulgadas na quarta passada (25) demonstram uma explosão nos casos de pedofilia na Internet brasileira, ao mesmo tempo em que se observa um crescimento do uso da rede por crianças ainda na primeira infância. O problema gravíssimo dispara vários questionamentos sobre responsabilidades pelo seu crescimento e buscas por caminhos para a diminuição.

A primeira delas, da Safernet, organização que é referência no combate a crimes digitais no país, aponta que novos casos de imagens de abuso e de exploração sexual infantil chegaram a 54.840 entre 1 de janeiro e 30 de setembro desse ano, frente a 29.809 no mesmo período do ano passado: um crescimento de 84%.

Já a TIC Kids Brasil, levantamento feito pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da informação), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, indica que as crianças estão ficando online cada vez mais cedo e por mais dispositivos. Dos brasileiros com até 6 anos de idade, 24% já haviam acessado a Internet nesse ano. Em 2015, primeiro ano da pesquisa, eram 11%.

No dia anterior, 41 Estados e o Governo Federal americano iniciaram processos contra a Meta, dona do Facebook e do Instagram, alegando que essas plataformas prejudicam crianças com recursos “viciantes”. As ações representam o esforço mais significativo daquelas autoridades para controlar seus impactos na saúde mental de jovens.

A coincidência de datas evidencia o tamanho do desafio para proteger crianças e adolescentes no meio digital. Assim como acontece com adultos, ele é uma fonte de valor inestimável para realização de atividades e para entretenimento. Porém os jovens são muito mais suscetíveis a abusos e ao desenvolvimento de dependência que os mais velhos, especialmente quando não recebem as devidas orientações.


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Um destaque da Safernet preocupa particularmente: cresce a quantidade de crianças e de adolescentes que produzem e enviam fotos e vídeos com conteúdo sexual de si mesmos, em troca da promessa de dinheiro ou de presentes pelos predadores digitais.

Isso está em linha com dados da Polícia Federal sobre crimes cibernéticos vitimando crianças e adolescentes: foram 627 nesse ano, contra 369 no ano passado (aumento de 69,9%). Ao todo, 291 pessoas foram presas, 46% a mais que no ano anterior. Esses dados foram divulgados no dia 16 de outubro, no lançamento do programa “De Boa na Rede”, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, idealizado para orientar na criação de um ambiente digital seguro para crianças e adolescentes.

A TIC Kids Brasil aponta também que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos estão online. Nas classes A e B, são 98%, mas o grupo que mais cresce é o das classes D e E, que passou de 56% em 2015 para 89% nesse ano. O celular é usado por 97% deles, mas aumenta o uso da TV (70%) e do videogame (22%). O único meio em queda é o computador, que era usado por 64% em 2015 e agora não passa de 38%.

A plataforma em que os jovens têm mais contas é o YouTube (88%), seguido pelo WhatsApp (78%), Instagram (66%), TikTok (63%) e Facebook (41%, o único em franco declínio). Mas, pelo uso, o líder é o Instagram (36%), seguido por YouTube (29%), TikTok (27%) e Facebook (2%).

A informação mais preocupante indica que 17% dos brasileiros entre 11 e 17 anos se sentiram incomodados com conteúdo sexual online: 14% meninos e 21% meninas. Do total, 16% receberam diretamente ou viram conteúdo sexual, 9% receberam pedidos de fotos ou vídeos sem roupa e 5% foram solicitados a falar sobre sexo.

A expressão “pornografia infantil” vem sendo substituída por “imagens de abusos contra crianças e adolescentes”. Nudez ou sexo com alguém com menos de 18 anos, por definição, não é consensual. Logo, não se trata de pornografia, que pressupõe a participação voluntária de pessoas maiores de 18 anos. A Safernet adverte que quem consome imagens de violência sexual infantil é cúmplice desse abuso.

 

Responsabilidades de cada um

Se o surgimento da Internet comercial na década de 1990 ampliou esse problema, a popularização das redes sociais o levou a um patamar altíssimo, com os mais jovens fazendo uso intenso e muitas vezes nocivo do meio digital.

Isso ganhou mais visibilidade no segundo semestre de 2021, quando a ex-gerente de integridade cívica da Meta Frances Haugen veio a público com milhares de documentos indicando que a empresa sabe desses problemas e que faz menos que poderia para combatê-los. O escândalo ficou conhecido como “Facebook Papers”.

Os processos da semana passada resultam de investigações surgidas dele. Em comunicado, a Meta disse que está “decepcionada com o fato de que, em vez de trabalhar de forma produtiva com empresas de todo o setor para criar padrões claros e adequados à idade dos muitos aplicativos que os adolescentes usam, os procuradores-gerais escolheram esse caminho”.

As empresas donas das redes sociais de fato criam mecanismos para mitigar o problema, como a possibilidade de pais e mães acompanharem o que seus filhos fazem nessas plataformas, limitadores de tempo de uso e identificação de atividades que podem estar associados a comportamentos de risco. Isso é bem-vindo, mas está longe de ser suficiente, podendo esconder a real intenção dessas companhias de fazerem pouco ou nada que ameace seus lucros ou o “vício” em seus produtos.

Recursos para alterar a própria imagem, em busca de um ideal de beleza inatingível, não são combatidos, sendo até incentivados por essas plataformas. Esses filtros são apenas um exemplo dos ganchos para atrair os mais jovens, de uma maneira intensa. Esse assunto, debatido recentemente nesse espaço, é reconhecidamente um gerador de problemas de saúde mental, especialmente entre meninas.

Ao oferecer essas ferramentas de controle parental, as empresas aparentemente querem repassar a responsabilidade de se evitar os problemas de crianças e adolescentes nas redes a seus pais e mães, livrando-se de seu papel nesse processo. Mas tal responsabilidade continua existindo e é imensa!

Pais e mães devem, claro, acompanhar de perto o que seus filhos fazem online. Isso deve ser feito com um olhar de acolhimento e orientação, nunca de repressão ou crítica. E não há espaço para indiferença: os predadores digitais estão à solta!

Mas as plataformas digitais também são profundamente responsáveis. A sua combalida ideia de que apenas criam recursos e as pessoas fazem maus usos deles, desculpa padrão dessas empresas até para não serem reguladas pelas autoridades, aparece aqui com força e perversidade. Até quando elas continuarão com essa liberdade anárquica?

 

Thiago Araki, diretor-sênior de Tecnologia da Red Hat na América Latina, no palco do Summit Connect, no dia 18 – Foto: Red Hat

Negócios e empregos mudam exponencialmente com novas tecnologias e modelos

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O ano de 2023 será lembrado como o momento em que a inteligência artificial ganhou as ruas. O lançamento do ChatGPT, no final de 2022, disparou uma corrida em que todos os negócios parecem ser obrigados a usar a IA, quase como se ela fosse um selo de qualidade, o que obviamente não passa de uma distorção do que ela representa. O grande desafio reside, portanto, em conhecer e se apropriar dessa tecnologia, para tirar proveito dela adequadamente.

As empresas têm um papel central em ajudar nessa tarefa, não apenas com o lançamento de produtos que tragam soluções consistentes com a IA, mas também na educação do mercado. Isso ficou claro durante o Red Hat Summit: Connect, principal evento de tecnologia open source da América Latina, que aconteceu em São Paulo no dia 18.

É curioso pensar que a inteligência artificial já está em nosso cotidiano há muitos anos, em incontáveis aplicações empresariais e até em nosso celular, ajudando-nos a fazer escolhas melhores. A diferença é que, até então, ela se escondia nas entranhas desses sistemas. Agora ganhou a luz do sol, exposta em conversas que temos com a máquina, que nos responde como se fosse outra pessoa.

Ainda há deslumbramento demais e conhecimento de menos sobre a inteligência artificial entre consumidores e empresas. O próprio lançamento de tantas plataformas de inteligência artificial generativa, na esteira do sucesso explosivo do ChatGPT, indica um certo descuido de alguns desenvolvedores de soluções, liberando um enorme poder para pessoas que não sabem como usá-lo corretamente.

Nesse sentido, a Red Hat, que é a maior empresa do mundo no fornecimento de soluções empresariais open source, entende que deve ir além do seu papel de desenvolver produtos que tiram proveito da IA: deve também educar seus usuários, seja pelas suas próprias iniciativas, seja pela colaboração com o mundo acadêmico. “As empresas não só podem como devem colaborar na formação de profissionais”, explica Alexandre Duarte, vice-presidente de Serviços para a América Latina na Red Hat. “Nós temos que juntar esforços do mundo corporativo com o mundo educacional, estando alinhados.”

A versão latino-americana do Summit, que também acontece em Buenos Aires (Argentina), Santiago (Chile), Tulum (México), Lima (Peru) e Montevidéu (Uruguai), traz para esses mercados produtos e conceitos que foram apresentados em maio no evento global da empresa, realizado em Boston (EUA). Entre eles, o Ansible Lightspeed e o OpenShift AI, que usam a inteligência artificial na automação de tarefas, como geração de códigos a partir de pedidos simples em português, liberando o tempo das equipes para funções mais nobres.

E assim como pude ver em Boston, aqui a empresa também deixa claro que a inteligência artificial não chega para substituir profissionais, e sim para melhorar suas rotinas. “Se você for um novato, poderá criar melhor, mais rápido; se for um especialista, poderá melhorar muito o que faz e usar seu domínio para refinar a entrega”, explicou-me Matt Hicks, CEO global da Red Hat, em uma conversa com jornalistas durante o Summit na cidade americana. “Nessa nova fase, temos que conhecer a pergunta para a qual queremos a resposta”, concluiu.

É auspicioso observar essa visão em uma das empresas de software mais respeitadas do mundo, em um momento em que muita gente teme pelo seu emprego pelo avanço da inteligência artificial. “Essas ondas tecnológicas não tiram o emprego das pessoas, os profissionais precisam se acomodar”, acalma Duarte. Mas ele faz uma ressalva: é preciso querer aprender! “Se você tem propensão a aprender coisas novas, eu não acredito que a inteligência artificial vai tirar seu emprego, e ainda vai gerar novas oportunidades de trabalho”, acrescenta.

 

O poder da “coopetição”

Em março deste ano, a Red Hat completou 30 anos. Ele cresceu a partir de sua distribuição do sistema operacional Linux, provavelmente o software open source mais famoso do mundo. Nessa modalidade, o produto e o código-fonte ficam disponíveis gratuitamente. A regra fundamental é que, se alguém fizer uma melhoria no sistema, ela deve ser compartilhada de volta com a comunidade.

Essa forma de pensar inspira seu próprio modelo de trabalho, que ficou conhecido como “open business”, uma abordagem empresarial em que equipes, a comunidade e até concorrentes são convidados a cooperar de maneira transparente. Ela valoriza a transparência e a responsabilização, distribuindo os benefícios para todos. “Há 30 anos a gente fala sobre essa abertura, essa transparência, essa possibilidade de diferentes perspectivas”, afirma Sandra Vaz, diretora-sênior de Alianças e Canais para a América Latina na Red Hat.

Surge então a chamada “coopetição”, um neologismo que une “cooperação” e “competição”. “Nada mais é que dois competidores cooperando e criando novas soluções para o bem de seus clientes”, explica Vaz. “Nós colaboramos, nossas equipes de desenvolvimento se conectam e criam o melhor dos mundos, simplificando soluções já existentes.”

A “coopetição” também é uma poderosa ferramenta para ampliar a base de clientes, pois um dos participantes pode trazer consumidores a que o outro lado não teria acesso. Sandra dá, como exemplo, um provedor de serviços na nuvem, como a AWS ou a Microsoft, que podem até ter produtos concorrentes aos da Red Hat, mas que se associam a ela justamente nessas soluções, se assim for o desejo do cliente.

A tecnologia avança a passos muito rápidos, assim como modelos de negócios inovadores. Qualquer que seja o mercado ou a função, está claro que profissionais precisam estar não apenas abertos à inovação, como também dispostos a aprender como tirar proveito dela de maneira eficiente e ética.

A inteligência artificial talvez não acabe com os empregos das pessoas que não a adotem, mas isso pode acabar acontecendo pelas mãos daquelas que passarem a usá-la.


Você pode assistir à íntegra em vídeo das minhas entrevistas com os executivos da Red Hat. Basta clicar no respectivo nome: Alexandre Duarte, Sandra VazMatt Hicks.

 

Graças à IA em novos celulares, qualquer um poderá alterar profundamente suas fotos - Foto: Akshay Gupta/Creative Commons

Celulares podem se tornar máquinas de distorcer a realidade

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Quando a fotografia foi inventada, no século XIX, ela revolucionou o mundo por conseguir reproduzir facilmente a realidade. De lá para cá, ela só melhorou, culminando na fotografia digital, que transformou um hobby caro em uma diversão extremamente popular, consolidada com as câmeras cada vez mais poderosas nos celulares. Mas agora esses equipamentos podem ironicamente subverter a característica essencial da fotografia de retratar a realidade com precisão.

A culpa disso recai sobre a inteligência artificial. Ela já está presente há algum tempo nos softwares de captura e edição de imagens dos melhores celulares. Mas, até então, prestava-se a “melhorar” (note as aspas) as fotografias, usando técnicas para aumentar a sua fidelidade e refinar elementos como cores, brilho e contraste.

Isso começa a mudar agora, com o lançamento nos EUA, no dia 11, do Pixel 8 (sem previsão de chegada ao Brasil). O smartphone de US$ 700 do Google consegue efetivamente alterar a realidade fotografada. Isso quer dizer que, com ele, é possível, por exemplo, eliminar pessoas e objetos das fotos, alterar elementos das imagens ou modificar suas posições e até “melhorar” (de novo, com aspas) o rosto de pessoas combinando com a maneira que elas apareceram em outras fotos.

Como em todas as atuais plataformas baseadas na inteligência artificial generativa, alguns resultados dessas edições são decepcionantes e até grotescos. Outros, porém, ficam incrivelmente convincentes!

Já dizia São Tomé: “preciso ver para crer”. Parábolas à parte, é um fato que somos seres visuais: nosso cérebro tende a assumir como real o que está diante de nossos olhos. Por isso, vale perguntar até que ponto é positivo e até saudável dar a possibilidade de se distorcer a realidade de maneira tão simples.


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É curioso que a fotografia foi combatida por muitos quando surgiu, justamente pela sua capacidade de reproduzir, de maneira fácil, rápida e precisa, o mundo. Pintores diziam que o invento era algo grosseiro, que eliminava a subjetividade e a técnica dos artistas quando retratavam pessoas e paisagens. Grupos religiosos também a combatiam, por serem contrários à captura de imagens de “coisas feitas por Deus”.

Em 1826, o francês Joseph Nicéphore Niépce registrou seu quintal em uma placa de estanho revestida de betume, usando uma câmera escura por oito horas. Essa é considerada a primeira fotografia permanente. Três anos depois, ele fez um acordo com outro francês, Louis Jacques Mandé Daguerre, que aperfeiçoou o processo com o daguerreótipo, que precisava de “apenas” 30 segundos para fazer uma fotografia.

A patente do daguerreótipo foi vendida ao Estado francês em 1839, que a colocou em domínio público. Isso permitiu que a fotografia experimentasse grandes avanços ao redor do mundo. Provavelmente a empresa mais inovadora do setor foi criada pelo americano George Eastman em 1888: a Kodak. Entre suas contribuições, estão o rolo de filme (1889), a primeira câmera de bolso (1912) e o filme colorido moderno (1935).

O último grande invento da Kodak foi a fotografia digital, em 1975. Mas como os lucros da empresa dependiam da venda de filmes, seus executivos não deram importância a ela. Foi um erro fatal, pois a tecnologia se tornou incrivelmente popular e, quando a empresa decidiu olhar para ela, as japonesas já dominavam o mercado.

Em 1999, foi lançado o Kyocera VP-210, o primeiro celular com câmera capaz de tirar fotos, que tinham resolução de 0,11 megapixel (o iPhone 15 tira fotos de 48 megapixels). E isso nos traz de volta ao dilema atual.

 

Realidade alternativa

As fotografias nos celulares se tornaram tão realistas e detalhadas que o próprio negócio de câmeras fotográficas entrou em colapso. Elas continuam existindo, mas hoje praticamente só profissionais as utilizam, pois sabem como aproveitar todos os recursos daqueles equipamentos para fotografias realmente diferenciadas.

Os recursos de IA do Pixel 8 fazem parte de uma nova versão do Google Fotos, o aplicativo de edição e publicação de fotos da empresa, que é nativo nos smartphones Android, mas também pode ser baixado para iPhones. Isso significa que, em tese, outros aparelhos poderão ganhar esses recursos em breve, desde que, claro, tenham capacidade de processamento para isso.

A alteração de fotografias sempre existiu, mesmo antes dos softwares de edição de imagem. Entretanto fazer isso era difícil, exigindo equipamentos e programas caros e muita habilidade técnica. Além disso, as fotos editadas eram apresentadas como tal, sem a pretensão de levar quem as visse a acreditar que fossem reais (salvo exceções, claro)..

O que se propõe agora é que isso seja feito de maneira muito fácil, por qualquer pessoa, sem nenhum custo adicional e em equipamentos vendidos aos milhões. Isso levanta algumas questões éticas.

A primeira delas é que as pessoas podem passar a se tornar intolerantes com a própria realidade. O mundo deixaria de ser o que é, para ser o que gostariam. Isso é perigosíssimo como ferramenta para enganarem outros indivíduos e até a si mesmas.

A sociedade já experimenta, há anos, um crescimento de problemas de saúde mental, especialmente entre adolescentes, devido a fotos de colegas com corpos “perfeitos” (pela terceira vez, as aspas). Isso acontece graças a filtros com inteligência artificial em redes sociais, especialmente Instagram e TikTok, que fazem coisas como afinar o nariz, engrossar os lábios, diminuir os quadris e alterar a cor da pele. O que se observa mais recentemente são adolescentes insatisfeitos com seus corpos não pelo que veem em amigos, mas pelo que veem em suas próprias versões digitais.

Há um outro aspecto que precisa ser considerado nesses recursos de alteração de imagens, que são os processos de desinformação. Muito provavelmente veremos grupos que já se beneficiam das fake news usando intensamente essa facilidade para convencer seu público com mentiras cada vez mais críveis.

Hoje esses recursos ainda estão toscos demais para um convencimento completo. Mas é uma questão de pouco tempo até que eles se aproximem da perfeição.

Não tenham dúvidas: quando estiver disponível, as pessoas usarão intensamente essa tecnologia, estando imbuídas de boas intensões ou de outras não tão nobres assim. Quem será responsabilizado quando começarem a surgir problemas disso?

Assim como acontece com as redes sociais, as desenvolvedoras se furtam disso, dizendo que apenas oferecem um bom recurso, e as pessoas que fazem maus usos deles. Em tese, isso é verdade. Mas alegar inocência dessa forma chega a ser indecente! É como entregar uma arma carregada na mão de uma criança e torcer para que nada de ruim aconteça.

Chegamos ao mundo em que a ilusão se sobrepõe à realidade, mas não estamos prontos para lidar com isso.

 

Mãe beija criança na Faixa de Gaza, de onde saíram os ataques terroristas do Hamas - Foto: Libertinus/Creative Commons

Mais que mísseis, bombas e balas, a guerra hoje é feita também com imagens, palavras e versões odiosas

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Desde o dia 7, o mundo assiste horrorizado à mais recente escalada da violência em Israel e na Palestina, deflagrada pelo ataque dos terroristas do Hamas, que cobrou milhares vidas dos dois lados até agora. Mas esse conflito não está acontecendo apenas na região da Faixa de Gaza: ele invadiu o mundo todo a partir das redes sociais, em uma guerra de versões recheada de palavras e imagens aterrorizantes.

Isso vem servindo de munição para grupos políticos e ideológicos que inescrupulosamente usurpam a barbárie para impor sua visão de mundo. Essas mensagens invadem nossas vidas a partir de computadores e celulares, inflamando pessoas que sequer entendem o que está acontecendo no Oriente Médio. Isso aumenta ainda mais a dor daquele confronto interminável, movido pelo ódio e pela intolerância dos radicais de ambos os lados.

Guerras não são ganhas apenas no campo de batalha: os vencedores também precisam conquistar corações e mentes da opinião pública. Desde a Primeira Guerra Mundial, isso vem acontecendo de maneira cada vez mais intensa e rápida, com o avanço da imprensa e da tecnologia. Mas a também horrenda invasão russa na Ucrânia inaugurou um novo tipo de “cobertura”, feita diretamente do front por combatentes, assim como pela população civil, com seus celulares. A fase atual do conflito israelo-palestino cristalizou isso.

Nesse fogo-cruzado ideológico e digital, as pessoas são praticamente forçadas a escolher um lado. Como palestinos e israelenses possuem seus argumentos, é importante desqualificar o inimigo, para angariar a simpatia internacional. Mas como a maioria da população não tem acesso a informações confiáveis e equilibradas, o que poderia ser um debate construtivo em busca da paz se torna uma arena de insultos.

Aqui o conflito não faz mortos como lá, mas o tecido social fica esgarçado pela ignorância!


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Um triste exemplo aconteceu na terça passada (10), em um debate sobre as causas do conflito, organizado pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ. Mediado pela professora Monica Herz, ele reuniu Márcio Scalercio, docente do departamento, Nizar Messari, da Al Akhawayn University (Marrocos), e Michel Gherman, pesquisador da UFRJ, do centro de estudos de Sionismo e Israel da Universidade Ben Gurion do Negev, e do Centro Vital Sasson de Estudos do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém, além de coordenador acadêmico do Instituto Israel-Brasil.

Em sua fala, Gherman, condenou veementemente o ataque do Hamas como um ato terrorista. Tentou explicar as consequências nefastas disso aos próprios palestinos e expôs a necessidade de negociação com a Autoridade Nacional Palestina. Por isso, foi agredido por um grupo de alunos, que o acusavam de ser simpático ao Hamas e –pasmem– de ser antissemita.

Diante da impossibilidade de continuar sua fala, Gherman deixou o evento. “Eu vou embora, vocês ganharam”, disse ao sair. Apesar dos protestos de Herz pelo ocorrido, o debate virou um Fla-Flu ideológico entre os alunos.

O “pecado” de Gherman foi não ter destilado um ódio visceral contra o Hamas, apesar de ter deixado bastante claro que classificava o grupo como terrorista. Mas para a turma cega pelo ódio, qualquer um que não se comporte dessa forma deve ser silenciado. As vozes do bom-senso não lhes servem de espelho e pertencem ao “inimigo”.

É nessas horas que os estilhaços da guerra atingem o mundo todo. Quando perdemos a capacidade de dialogar civilizadamente com quem pensa de maneira diferente, o terror ameaça sociedades que suas bombas não conseguem atingir.

 

Streaming de terror

A imprensa profissional filtra o que publica, evitando fake news e conteúdos demasiadamente brutais, que visam aumentar o ódio até daqueles que mal entendem o que está acontecendo. As redes sociais, por outro lado, servem como gigantescos dutos descontrolados e se prestam à polarização irracional.

A ONU (Organização das Nações Unidas) declarou ter “claras evidências” de crimes de guerra e uma enorme quantidade de relatos de mortes de civis por grupos armados dos dois lados, que as propagandeiam pelas plataformas digitais. Eles buscam colher apoio para seus atos e aterrorizar a população do inimigo. E crianças e jovens acabam sendo bombardeados por isso, sem o mínimo preparo para lidar com tanto terror, servindo para depois engrossarem as fileiras da intolerância de todo tipo.

Os terroristas digitais são muito mais rápidos e numerosos que a imprensa. Além disso, como não têm nenhum compromisso com a verdade, usam não apenas imagens reais da guerra, como também conteúdo fora do contexto e ainda material gerado por inteligência artificial. A partir disso, aqueles que se identificam cegamente com qualquer dos lados se encarregam de espalhar o terror, seja verdadeiro ou falso.

Extremistas dos dois lados esperam exatamente que isso aconteça e seja normalizado, a ponto de ser apoiado. Isso não pode acontecer, pois cada grupo busca reescrever a história que ainda está sendo vivida, mas com suas ideias!

Não haverá paz enquanto extremistas dominarem os opostos no conflito. Para eles, massacres dos dois lados da fronteira servem para reforçar suas posições, entrincheirando-se no poder. Talvez essa seja a maior aberração dessa barbárie.

Nessa guerra em que a ideologia mata tanto quanto tiros, as imagens perderam sua capacidade de retratar a verdade. Pelo contrário, elas só mostram aquilo que quem as postou deseja impor. E por isso não é nenhuma surpresa ver a imprensa profissional sendo alvejada pelos mesmos grupos, por insistir em não apenas trazer os fatos, mas explicá-los para todo mundo, especialmente para quem sempre achou a crise entre palestinos e israelenses algo incompreensível, distante e desimportante.

O terrorismo não pode ser normalizado, relativizado ou aceito. Da mesma forma, o extremismo é o grande inimigo da paz, pois ele não ouve a voz do outro ou sequer aceita sua existência.

Quanto a cada um de nós, no conforto de nossas telas, precisamos entender que a vida não é binária. As pessoas não podem escolher um lado do conflito como quem decide para qual time torcerá, especialmente quando sua própria equipe foi desclassificada. Sabemos que a intolerância mata até nas torcidas organizadas.

 

Ilustração oficial do Comitê Nobel no anúncio do Nobel da Paz de 2023 concedido à iraniana Narges Mohammadi - Foto: reprodução

Como a verdade desejável para alguns pode ser um ato abominável para outros

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Provavelmente você a as pessoas que conhece defendem os direitos das mulheres. Isso parece ser algo tão óbvio, que o oposto nem passa pela sua cabeça. Mas você se surpreenderia com a quantidade de pessoas que discordam disso, ainda que parcialmente, em pleno ano de 2023! Como justificar então um Estado e uma parcela significativa de sua população negando direitos básicos às mulheres?

Tivemos um bom exemplo na sexta, quando o Comitê Norueguês concedeu o Prêmio Nobel da Paz à iraniana Narges Mohammadi, pelo seu trabalho como defensora dos direitos das mulheres. Ela está presa no seu país, sentenciada a 31 anos de reclusão e a 154 chibatadas. O governo de Teerã protestou contra a escolha, classificando-a como “tendenciosa e política”, uma “pressão do Ocidente” que favorece alguém que, para eles, praticou “reiteradas violações da lei e cometeu atos criminosos”.

Como se pode ver, o “óbvio” pode ser construído. O fenômeno de convencimento de massas existe desde que os humanos desceram das árvores e se organizaram em sociedade, e seus métodos vêm se refinando de lá para cá. Seu ápice se deu com as redes sociais que manipulam bilhões, mas a inteligência artificial pode sofisticar esse processo ainda mais.

Agressões contra mulheres podem parecer um exemplo extremo, mas não podemos esquecer que isso acontece diariamente no Brasil. E, apesar de aqui ela não ser apoiada pelo Estado, vale lembrar que apenas recentemente, no dia 1º de agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional o uso da tese da “legítima defesa da honra” como defesa para feminicídio e outras agressões contra mulheres.


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É interessante notar que, antes da Revolução Islâmica de 1979, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, o Irã era uma das nações mais progressistas do Oriente Médio. Comandado pelo xá Mohammad Reza Pahlavi, o país desfrutava de um razoável desenvolvimento econômico e tecnológico, com avanços na industrialização, na educação e na saúde pública. Havia modernização do código de vestimenta, a promoção dos direitos das mulheres e a ocidentalização da cultura.

Mas nem tudo eram flores. O governo do monarca era autoritário e corrupto, o que gerava um descontentamento crescente na população. Khomeini soube capitalizar isso com apelo religioso, tornando-se o principal opositor ao xá, que acabou deixando o país em 1979. A população então votou para tornar o Irã uma república islâmica teocrática e antiocidental, tendo o aiatolá como líder supremo do país.

A Revolução Iraniana é apenas um exemplo entre incontáveis casos de persuasão de grandes massas populares, alguns por motivos nobres, outros para satisfação de desejos mesquinhos de alguns grupos, muitas vezes ligados à política.

Coincidentemente, na semana passada terminei de rever a série “Irmãos de Guerra” (“Band of Brothers”, 2001) na Netflix. Ela conta a história real das missões de um grupo de paraquedistas americanos na Segunda Guerra Mundial, desde o “Dia D” até o fim do conflito. Menos preocupada na ação e mais em retratar os dramas humanos da guerra, a série se presta muito bem a nos fazer pensar o que leva milhões de pessoas a embarcar voluntariamente em um confronto assassino e suicida ao mesmo tempo, com controle mínimo das próprias ações.

Cada episódio começa com breves entrevistas atuais com os próprios soldados representados na produção. No penúltimo episódio, um deles afirma: “Nós pensávamos que os alemães eram o pior povo do mundo, mas, com o desenrolar da guerra, descobrimos que não era bem aquilo.” Outro sugere que “muitos daqueles soldados alemães, em circunstâncias diferentes, poderiam ter sido bons amigos meus, poderíamos ter muito em comum”.

Mas na loucura da guerra, a preocupação de todos era apenas “matar o inimigo”. Se eles pudessem pensar em tudo aquilo, talvez não houvesse guerra por falta de tropas.

 

O poder da narrativa única

Precisamos ter muito cuidado antes de apontar dedos. Aqueles que nos querem convencer de algo abusam do recurso de silenciar ou desqualificar vozes dissonantes, pois seu público não pode ter acesso “ao outro lado” e conhecer seus argumentos. A narrativa única é essencial para o convencimento. Por isso, costuma-se dizer que, “em uma guerra, a verdade é a primeira vítima”.

Temos experimentado isso nas últimas eleições, com as redes sociais sendo usadas pelos diferentes grupos políticos para manter seu “curral eleitoral” dentro de uma bolha que apenas exalta suas virtudes e demoniza seus adversários. A imprensa profissional e livre, nesse e em todos os casos de convencimento de massa, deve ser combatida, pois ela insiste em explicar a realidade à população.

No final, tudo recai sobre nossos valores. A escolha em quem votaremos afeta nosso cotidiano pelos próximos quatro anos, mas é algo bem menor que a decisão de ir para uma guerra pronto para matar ou morrer, ou apoiar um regime que abertamente assassina opositores e violenta mulheres.

É verdade que o governo teocrático iraniano foi instalado por escolha popular, o que lhe dá legitimidade. Ele ascendeu ao poder atendendo a necessidades e desejos dos iranianos da década de 1970, trabalhando habilmente, com aspectos religiosos, suas emoções e um apelo à construção da identidade de um povo.

Mas tudo tem limites e eles começam a aparecer mais fortemente à medida que o tempo passa. O regime dos aiatolás está no poder há 44 anos, mas vem enfrentando oposição aberta nos últimos tempos, que é reprimida com grande violência. Os maiores movimentos contrários aconteceram no ano passado, depois que a Polícia da Moralidade matou em setembro Mahsa Amini, de 22 anos, por deixar uma mecha de seu cabelo aparecer fora do seu véu.

Isos é demais, até mesmo para uma sociedade oprimida pelo medo ou cega pela religião. O regime dos aiatolás sabe que, da mesma forma que foi guindado ao poder por revoltas populares contra o xá Reza Pahlavi, pode ser apeado dali assim. Por isso, não pode dar espaço a vozes contrárias ou a uma população bem-informada. Nesse cenário, o Prêmio Nobel da Paz para Narges Mohammadi funciona como um perigoso convite a fazer as pessoas pensarem.

Assim caminha a humanidade! Quero crer que, na média, evoluímos, apesar de enormes retrocessos que teimam em aparecer de tempos em tempos, como a ascensão do nazismo e de outros regimes totalitários políticos ou religiosos.

Crescemos mais fortemente quando a sociedade tem acesso amplo a uma educação de qualidade e a uma imprensa forte, profissional e livre. Precisamos desses recursos! Afinal a verdade costuma fugir dos extremos e abraçar o diálogo e o respeito.

 

Troca de empregos formais pela flexibilidade da “gig economy” pode levar a queda nos rendimentos - Foto: Ono Kosuki/Creative Commons

Estudar tem dado menos dinheiro, mas não investir na sua formação é uma armadilha

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O mercado de trabalho brasileiro vem criando mais vagas de baixa qualidade, mesmo com a população estudando mais. Isso empurra profissionais bem-preparados para posições que pagam menos e para a informalidade, e arma uma perigosa arapuca.

Um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), divulgado recentemente com dados do IBGE, demonstrou que os brasileiros que estudaram mais foram os que perderam mais renda na última década, com um aumento abrupto na informalidade. O levantamento aponta ainda que despencou a vantagem dos seus rendimentos frente aos dos que estudaram muito pouco.

Outra pesquisa, essa da consultoria IDados sobre a população “sobre-educada”, indica que 5,4 milhões de brasileiros com ensino superior trabalham fora de sua área de formação ou em atividades que não tiram proveito de todo o seu potencial. Esse número vem crescendo desde 2019, quando os “sobre-educados” eram 4,5 milhões.

Esses levantamentos contrastam com a mais recente taxa de desemprego no país, divulgada pelo IBGE na sexta (29), que foi de 7,8%. É o menor índice desde fevereiro de 2015, quando era de 7,5%.

Isso se explica por uma economia sem dinamismo, com empresas que investem pouco, acostumadas a uma produtividade baixa. O grande perigo nisso tudo é se criar uma ideia errada de que não vale a pena estudar, ou pelo menos estudar muito.

Apesar dessas evidências, as pessoas que caem nessa armadilha colocam em risco a própria sobrevivência profissional, especialmente em um cenário de grande automação.


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Segundo a pesquisa do Ibre-FGV, os profissionais com mais de 16 anos de estudo viram sua renda média cair, entre 2012 e 2023, de R$ 7.211 para R$ 6.008, em valores corrigidos pela inflação. Nessa faixa, a informalidade saltou de 1,9 milhão para 4,1 milhões de trabalhadores entre 2015 e 2023. Vale apontar que percentualmente, o aumento não foi tão grande: de 14% para 19,5%, o que indica que mais pessoas chegaram a esse patamar superior de estudo no período.

De todas as faixas avaliadas no levantamento, a única que viu sua renda crescer sensivelmente de 2012 a 2023 foi justamente a dos com menos de um ano de ensino: de R$ 1.094 a R$ 1.396. Para quem estudou de 1 a 11 anos, permaneceu praticamente estável, caindo a partir daí. A informalidade também diminuiu para quem estudou até 8 anos, permaneceu estável na faixa de 9 a 11 anos de escola, e cresceu entre os que estudaram a partir de 12 anos.

O achatamento salarial é velho conhecido dos brasileiros, especialmente em momentos de crise, como a que estamos mergulhados há anos. A recente digitalização galopante agora afeta camadas profissionais mais especializadas, que antes se sentiam mais protegidas.

Mariane Guerra, vice-presidente de Recursos Humanos para a América Latina da ADP, acredita que a chamada “gig economy” também pode estar influenciando nesse processo. Por esse modelo, profissionais trocam empregos regulares por trabalhos pontuais, muitas vezes por tarefas. Se antes o grande expoente disso era a Uber, hoje temos profissionais em todos as áreas adotando o modelo, em busca de flexibilidade.

“Quando você passa a ser um trabalhador autônomo, você tem uma flutuação de renda”, afirma a executiva. “Demora até você ter uma carteira de clientes que permite ter uma renda constante, sólida, no mesmo patamar”, explica.

Para aqueles que insistem em um emprego, a situação econômica pode provocar um impacto perverso. Cresce o número de profissionais que “diminuem sua formação” no currículo (por exemplo, omitindo um doutorado) para conseguirem ser contratados.

“A gente tem a necessidade de pessoas com um perfil mais preparado, mais aculturado, mais transdisciplinar, para atender demandas mais sofisticadas”, afirma Marcelo Graglia, professor da PUC-SP e coordenador do Observatório do Futuro do Trabalho. “E a gente vê essa prática arcaica, que não faz mais sentido”, acrescenta.

 

Investindo no que importa

Os especialistas são unânimes em reafirmar a importância do estudo. Mas é preciso escolher no que focar.

O diploma de graduação deixou de ser suficiente para o sucesso profissional há muito tempo. É um consenso no mercado que se deve estudar continuamente, porque novas metodologias, recursos tecnológicos e modelos de negócios surgem a todo momento.

No cenário atual de pouco dinheiro e tempo, vemos o crescimento de busca por cursos de curta duração, para aprender habilidades técnicas específicas e de uso imediato no cotidiano profissional. É uma maneira rápida de se conseguir algum destaque no currículo.

Apesar de seu inegável valor, eles não substituem os cursos mais longos, como especializações, MBAs e até mestrados e doutorados. São eles que formam profissionais verdadeiramente diferenciados, capazes de enfrentar os desafios de um mercado cada vez mais exigente e em constante transformação.

“Os profissionais que enxergam esse momento do mercado como uma mudança estrutural cometem um equívoco estratégico para a carreira”, afirma Graglia. Ele e Guerra destacam ainda a importância das “soft skills”, competências interpessoais e emocionais para o trabalho. Para ele, “as pessoas muito especializadas, sem essas outras habilidades, são as mais suscetíveis à substituição pela tecnologia”.

Não se pode esperar que o governo resolva isso sozinho, apesar de seu papel fundamental na criação de novas políticas educacionais, que formem melhores cidadãos e profissionais mais alinhados ao mundo atual, desde o Ensino Básico até a universidade. As empresas precisam também assumir seu papel na solução, não apenas valorizando profissionais com boa formação, mas também investindo, elas mesmas, em cursos de capacitação e reciclagem. E naturalmente cada um de nós deve assumir o protagonismo da própria carreira, estudando para melhorar sempre.

“Conhecimento é perecível, então quem vai produzir mais, quem vai continuar fazendo pesquisa, se todo mundo acha que não precisa estudar mais”, questiona Guerra. Em um cenário de competição tecnológica cada vez mais acirrada, ela provoca: “quem vai dar o próximo passo qualitativo, desenvolver a próxima tecnologia?”

O mercado de trabalho e a educação caminham de mãos dadas. Quando um vai mal, a outra sente, e vice-versa. Não se pode, diante do cenário ruim que o país passa, esquecer do ensino e da valorização profissional como pilares para o crescimento de qualquer sociedade. Isso colocaria nosso futuro ainda mais em risco.