
Com a inteligência artificial avançando exponencialmente e de maneira transversal em nossas vidas, a volta às aulas, no início de fevereiro, reabriu o debate sobre a digitalização da escola. Apesar da rápida evolução dessa tecnologia, seu uso ainda é limitado nas salas de aula brasileiras, principalmente porque muitos professores não sabem como incorporá-la em seus planos de aula. Enquanto isso, os alunos a abraçam, deixando para os educadores a tarefa espinhosa de encontrar formas de avaliar os estudantes de forma justa e eficaz nessa realidade.
Mas o debate vai muito além disso. Em abril passado, o governo paulista anunciou que passaria a usar a IA na produção do conteúdo didático distribuído a professores da rede estadual de ensino. A proposta foi alvo de muitas críticas, pois a IA generativa ainda erra muito em suas produções. Professores conteudistas responsáveis por verificá-las argumentaram que é mais trabalhoso fazer isso do que produzir um conteúdo totalmente novo. Mesmo assim, o projeto foi implantado.
Resistir a essa tecnologia não faz sentido: ela efetivamente pode ajudar os professores de diferentes formas. Por outro lado, incorporá-la de maneira descuidada ou inconsequente pode trazer muitos prejuízos à educação.
A personalização do ensino pela IA permite adaptar o conteúdo às necessidades individuais dos alunos, enquanto a automação de tarefas administrativas libera tempo precioso para interações ricas e atividades criativas. Ela também pode ajudar na inclusão, oferecendo recursos adaptados para alunos com necessidades especiais.
O problema é que a formação continuada dos professores no tema é insuficiente ou nula! Isso aumenta a desconfiança de muitos deles e atrasa a adoção da tecnologia.
O diálogo aberto e a capacitação contínua são essenciais para se compreender que a IA pode ser uma poderosa aliada, mas também que a educação não se restringe a uma transmissão de conteúdos que possa ser automatizada. Ela envolve empatia, mediação de conflitos, formação do pensamento crítico e desenvolvimento social, habilidades que nenhuma IA tem para substituir a interação humana na sala de aula.
Veja esse artigo em vídeo:
Os professores precisam de apoio para se apropriar da IA. Mesmo quem já a usa, precisa aprender a incorporar esse poder em seus planos de aula. Algumas ilhas de excelência oferecem treinamentos, mas essas iniciativas são pontuais e não atingem a maioria dos professores, especialmente em regiões com menos recursos tecnológicos.
O impacto da IA na avaliação exemplifica isso. Professores que insistam em métodos tradicionais terão mesmo problemas. Agora é preciso diversificar os métodos, apostando em apresentações orais, projetos em grupo em sala e discussões nas quais o professor possa observar o raciocínio. O acompanhamento próximo durante todo o processo de aprendizagem ganha espaço. E o uso da IA pode ser incentivado como ferramenta, mas com os alunos desenvolvendo autonomia e pensamento crítico.
- Assine gratuitamente minha newsletter sobre IA, experiência do cliente, mídia e transformação digital
- Inscreva-se no meu podcast (escolha a plataforma): Spotify, Deezer, Apple Podcasts ou Soundcloud
Assim como em qualquer setor, implantar a IA na educação requer planejamento e estrutura. Em primeiro lugar, deve-se identificar necessidades e oportunidades com que a tecnologia possa efetivamente contribuir, criando então objetivos claros em linha com a proposta pedagógica. A partir disso, deve-se descobrir quais plataformas atendem essas demandas.
Nesse contexto, entram o engajamento e a capacitação dos professores. Pela minha experiência, se eles não comprarem a ideia, compreenderem seu funcionamento e usarem no cotidiano, nenhum produto prospera na escola. Ainda assim, a introdução da tecnologia deve ser gradual, monitorando resultados e fazendo ajustes continuamente.
Tudo isso introduz uma mudança considerável no processo pedagógico. Se bem-feita, pode alterar a relação dos alunos com a tecnologia, além dos limites da escola. Por isso, a família precisa ser envolvida.
Jamais uma substituta
Alguns pais temem que a inteligência artificial ocupe um espaço maior que o devido na escola. Mais preocupante é que outros, que já demonstram pouco apreço pelos professores, veriam com bons olhos essa substituição.
Para os primeiros, é importante dizer que não há movimentos de substituição dos professores pela inteligência artificial. A tecnologia bem aplicada potencializa o trabalho do professor, não o elimina. Ainda assim, esses pais podem participar construtivamente do processo, aliando-se aos docentes.
Já para o segundo grupo, vale lembrar que educação transcende a mera transmissão de informações. É um processo humano que envolve empatia, valores e desenvolvimento social. A IA não compreende nuances emocionais, não motiva alunos desanimados ou se adapta instantaneamente a situações inesperadas em sala, nem orienta os alunos em sua formação como cidadãos.
Quando o ChatGPT surgiu, apareceu um medo de que a IA criaria uma multidão de desempregados, mesmo nas funções mais criativas. Mas 27 meses após seu lançamento, é um alívio observar que a melhor maneira de escapar disso é justamente usando bem nossas qualidades humanas. E os professores já fazem muito isso, com a empatia para perceber dificuldades emocionais, a criatividade para adaptar métodos de ensino, os relacionamentos interpessoais baseados em confiança, criando ambientes seguros e acolhedores, a mentoria além das questões acadêmicas e a flexibilidade para transformar desafios em oportunidades de aprendizado.
O sucesso da digitalização do ensino passa pelo equilíbrio entre inovação tecnológica e o papel insubstituível do educador. O impacto da inteligência artificial na educação só tende a crescer. Professores, famílias e governantes devem abraçar essa mudança com discernimento, garantindo que a tecnologia seja uma aliada na formação de cidadãos críticos, criativos e preparados para os desafios do futuro.
Mas não se pode esquecer da humanidade, que, combinada ao conhecimento e à paixão pelo ensino, formam a essência do trabalho docente e que nenhuma inteligência artificial, por mais refinada que seja, conseguirá jamais substituir completamente. O professor não é uma peça obsoleta nesse novo cenário, mas o protagonista de uma educação que evolui.