Qual é a melhor profissão do mundo?
Naturalmente, não há resposta definitiva a essa pergunta. Todo profissional apaixonado pelo que faz dirá que seu ofício é o melhor, e filosoficamente estará certo nisso. Mas toda profissão tem (ou deveria ter) uma função social. Portanto, aquelas que promovem mais impacto na sociedade estariam mais próximas de receber esse título.
Para Gabriel García Márquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura e jornalista (cuja foto ilustra esse artigo), o jornalismo é essa profissão. Em um histórico discurso na assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, em 1996, Gabo (como era chamado) explicou que “o jornalismo é uma paixão insaciável que só pode ser digerida e humanizada por sua confrontação visceral com a realidade”.
A explicação genial em suas palavras vem sendo posta à prova nos últimos anos, em vários locais do mundo. Uma parcela considerável da população acredita pouco na imprensa e esse índice vem piorando, como demonstra o mais recente relatório Trust Barometer, da consultoria americana Edelman. O mesmo documento demonstra que essa desconfiança é maior entre eleitores de governantes autoritários, que se especializaram em atacar jornalistas, pois a verdade os incomoda. Isso acontece sistematicamente desde a Alemanha nazista, em que Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Adolf Hitler, calava todas as vozes dissonantes do Fürher.
No Brasil, isso não é diferente. Cresci vendo jornalistas sendo respeitados na sociedade pelo seu trabalho de trazer e contextualizar as notícias para todos nós. Essa foi a realidade em nosso país até pouco tempo, quando os ventos políticos mudaram e os jornalistas passaram a ser perseguidos, censurados, agredidos moral e fisicamente por autoridades e até pelo cidadão médio, inflamado pelo discurso de ódio de seus líderes.
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Por que tanta gente detesta profissionais que se esforçam para os informar da melhor maneira possível, às vezes colocando a própria vida em risco?
É verdade que o mundo mudou, e não apenas no balanço político. A gigantesca digitalização de nossas vidas transformou a maneira como consumimos e produzimos conteúdo de toda natureza, inclusive jornalístico. As empresas de comunicação tradicionais deixaram de ser as únicas fontes disponíveis, competindo com pequenos veículos independentes que fazem um ótimo trabalho e com aqueles que se resumem a publicar um conteúdo raso ou deliberadamente atuam na desinformação, cada vez mais convincente e suculenta com suas mentiras.
Com a pandemia de Covid-19, que nos assola desde março de 2020, o ódio à imprensa se uniu às hostes negacionistas, jogando o país no caos. O grande desafio desses profissionais passou a ser insistir em se fazer jornalismo de qualidade. Esse foi o tema que apresentei no evento “Desafios para o jornalismo na pandemídia”, ao lado de Fábio de Paula, Magaly Prado e Marcelo Salgado, que aconteceu no dia 12, a convite da professora Maria Collier de Mendonça, no curso de jornalismo na UFPE. Todos são colegas do Sociotramas, grupo de pesquisa em temas ligados a redes sociais na PUC-SP.
Mas a pandemia criou um interessante efeito na busca pela verdade na maioria da população. Afinal, diante do desconhecido e do medo trazidos pelo vírus, era necessário buscar informações confiáveis para se proteger da doença, e as pessoas se voltaram para o jornalismo profissional. Isso pode ser comprovado pelo aumento na audiência de todos os veículos de comunicação sérios nesse período.
O jornalismo é um trabalho de persistência. Diante das piores adversidades, surgem os melhores profissionais, que se esforçam para trazer a informação mais confiável. Não se trata de verdade absoluta, pois ela é conceitualmente inatingível. Mas o jornalismo se esforça para se aproximar ao máximo dela, com muito suor, técnica e ética.
A essa altura, alguns podem estar torcendo o nariz, discordando de mim. Faz parte do trabalho! Não podemos agradar a todos, até mesmo porque o bom jornalismo também é aquele que apresenta os fatos inconvenientes para muitos. Por outro lado, não tem a pretensão de ser perfeito, até pela natureza humana falível de todos os profissionais, mas se busca sempre a melhor informação para o público.
É por isso que, mesmo aqueles que discordam da imprensa se beneficiam, em algum momento, de seu trabalho. No caso particular da pandemia, se não fosse a persistência incansável desses profissionais, não estaríamos agora na macabra marca de 300 mil mortos pela doença, e sim possivelmente na casa dos 500 mil óbitos. A educação da comunidade pelo noticiário evitou uma tragédia ainda maior, beneficiando a todos, mesmo àqueles que preferem acreditar em mitos.
As dificuldades e os ataques que jornalistas sofrem agora são resultados dos tempos de trevas em que vivemos. Mas, como diz o ditado, “depois da tempestade, vem a bonança”. Quando isso acontecer, bons jornalistas, contadores de histórias da vida real, estarão lá para dizer como tudo aconteceu.
Naquele seu genial discurso, Gabo concluiu: “Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em uma profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra acaba depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não garante um instante de paz até que recomece com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”
Não poderia concordar mais com ele: essa profissão é uma paixão de entrega ao próximo! É necessária para o desenvolvimento de qualquer nação, mesmo quando as verdades são inconvenientes. Por isso, nasci jornalista. E persisto!
Esse artigo foi publicado originalmente no blog do grupo de pesquisa Sociotramas, do qual faço parte, na PUC-SP. Com profissionais de diferentes áreas e de várias universidades brasileiras, estudamos os impactos do meio digital e das redes sociais na comunidade.