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A educação brasileira continua dando vexame, mas tem jeito

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O Brasil tem todos os recursos para mudar a situação vexatória de suas escolas, mas precisa levar a sério, sem demagogia, o ensino

O Brasil tem todos os recursos para mudar a situação vexatória de suas escolas, mas precisa levar a sério, sem demagogia, o ensino

Este post não traz nada de novo. Mas a notícia que o motivou tampouco traz. Mesmo assim, o assunto foi manchete do Estadão na última sexta (também apareceu na primeira página de outros jornais) e rendeu um editorial no dia seguinte. Como explicar essa aparente contradição?

A notícia é o resultado da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização), que avalia o quanto as crianças aprenderam ao final do terceiro ano do Ensino Fundamental. Foi aplicada em 6.000 crianças de 250 escolas públicas e privadas das capitais brasileiras. O resultado: 44% delas não aprenderam o esperado em leitura, 46,6%, em escrita e 57% em matemática. Mais: escolas particulares ensinam melhor que as públicas, e as melhores escolas estão no Sudeste e no Sul.

Para não dizer que não há nada de novo na história, foi a primeira vez que foram divulgados resultados de um exame nacional de avaliação do primeiro ciclo do Ensino Fundamental 1. Mas eles estão infelizmente alinhados com os resultados medíocres de todas as outras avaliações nacionais e internacionais, que colocam os nossos alunos em um nível vergonhoso, atrás até mesmo de nossos vizinhos mais pobres. Somos capazes de superar apenas nações miseráveis da África (só as miseráveis).

É curioso que, apesar dessas estatísticas, as classes brasileiras mais abastadas (e mais bem educadas, portanto) se divertem dizendo que norte-americanos não sabem qual é a capital do Brasil ou mesmo questões históricas sobre o seu próprio país. Fazem sua chacota como se os EUA fossem habitados apenas por um bando de Hommer Simpsons. Do alto de sua “superioridade” social, esquecem de (ou não querem) olhar para o próprio quintal. Os mesmos americanos dão um show internacional quando o assunto é educação básica e, mesmo que eventualmente não saibam que Buenos Aires é a capital da Argentina, e não do Brasil, sabem ler e escrever com propriedade, e a matemática não lhes é uma ilustre desconhecida. Além disso, quando os seus filhos chegam à faculdade –na mesma idade dos nossos– encontram à sua disposição as melhores universidades do mundo. No Brasil, as instituições públicas estão sucateadas e atendem a interesses eleitoreiros e demagógicos, enquanto as privadas se transformaram em caça-níqueis despreocupados com a formação profissional ou a produção científica.

Qual a solução? Diante dessa pergunta crítica, ouvimos as mesmas obviedades recorrentes: professores mais bem preparados e remunerados, uma política educacional consistente, escolas com boa infraestrutura e por aí vai. Claro, tudo isso é necessário, mas não é suficiente. A verdade é que se pode fazer muito com pouco, desde que esse pouco seja bem aplicado. E isso não quer dizer apenas nos itens acima, mas fazendo isso com planejamento, selecionando-se os melhores para serem professores e fazendo isso com amor. Sim, pois, para usar mais um clichê, a educação é mesmo um sacerdócio.

Quem quiser entender um pouco mais sobre o que estou dizendo deve assistir ao documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim, lançado em 2007. Ele foi a diferentes escolas do Brasil, entrevistando alunos, professores e coordenadores. No filme, pode-se ver alunos apenas interessados em “furar a professora”, coordenadores promovendo alunos completamente incapazes apenas para se verem livres deles, e professores deliberadamente faltando ao trabalho, pois os alunos os mandam “tomar naquele lugar” em plena sala de aula.

Mas felizmente essa não é a única realidade do Brasil. Tenho filhos com um desempenho escolar surpreendente, apesar de estudarem em uma escola relativamente pequena e com recursos proporcionalmente reduzidos, se comparados aos das torres de marfim que as grandes escolas se tornaram. E, deixando meu lado pai-coruja de lado, em salas com poucos alunos, com professores preparados e dedicados, com uma coordenação pedagógica de qualidade, vejo ali o Construtivismo dando os frutos esperados, com os Parâmetros Curriculares Nacionais sendo aplicados com sucesso.

O Brasil tem todos os recursos para mudar essa situação vexatória de suas escolas, mesmo com os desvios da corrupção. Mas precisa levar a sério, sem demagogia, o ensino. Os PCN são bons: precisam ser apenas bem aplicados. O magistério não pode continuar sendo um “bico” ou a “última opção” para quem não conseguiu outra profissão. E –sim– formar, remunerar, valorizar e dar todas as condições de trabalho ao professor. Assim, a educação se retroalimentará com elementos positivos. As crianças e o país agradecerão.

A “letra de mão” deve ser abandonada?

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Nos EUA, 40 Estados devem parar o ensino das "letras de mão" a seus alunos

Nos EUA, 40 Estados devem parar o ensino das "letras de mão" a seus alunos

Comecei a escrever cedo: aos quatro anos. Isso só foi possível por interesse meu e disposição dos meus pais, que respondiam pacientemente cada uma das minhas infindáveis perguntas sobre o som resultante da combinação de duas letras quaisquer. A ferramenta que viabilizou isso foi um conjunto de letrinhas plásticas multicoloridas, relativamente comuns na época. Elas tinham uma característica crítica para essa construção do conhecimento: eram todas maiúsculas “de forma”, que facilitam a compreensão das correspondências entre fonemas e grafemas.

Se, por um lado, isso antecipou minha alfabetização, por outro me causou um problema quando cheguei no antigo primário, quando a professora exigia que eu escrevesse em letra cursiva, as chamadas “letras de mão”. O resultado foi uma letra feia, que só fazia piorar com as malfadadas aulas de caligrafia. Minha letra só melhorou quando cheguei à faculdade, e me foi dada a “graça” de poder escrever com letras bastão –as tais “de forma”.

Me permiti esse pequeno relato pois me lembrei do meu caso quando li reportagem que informa que os EUA estão prestes a abandonar o ensino da letra cursiva às crianças (leia as três retrancas no Estadão aqui, aqui e aqui). Resumidamente, conselhos de educação de 40 dos 50 Estados norte-americanos consideram a “letra de mão” ultrapassada e desnecessária, já que os alunos cada vez mais escrevem apenas em teclados. E estão dispostos a pagar o preço de formar pessoas incapazes de ler documentos históricos, por exemplo.

Interessante observar que o argumento é menos pedagógico e mais utilitário. Aliás, o utilitarismo é típico da educação dos EUA. Observando nossa realidade, o que temos hoje em nossas escolas, impulsionada pelo Construtivismo, é a alfabetização com letras bastão, partindo para a letra cursiva lá pelo terceiro ano do Ensino Fundamental, quando a coordenação motora está mais refinada e o processo de alfabetização está praticamente concluído.

Juntando essas duas linhas com a minha experiência pessoal, não posso defender a proposta norte-americana. As crianças devem saber interpretar um texto escrito com “letra de mão”, mesmo que sejam textos antigos. Além do mais, a escrita cursiva nunca desaparecerá totalmente, nem que seja em convites ou documentos solenes. Porém, uma vez que já a tenham dominado, deve lhes ser dado o direito de escolher a forma preferida de escrever suas palavras. E sem ter que esperar até a faculdade para isso.