Eduardo Martins suicidou-se. Virtualmente. Na semana passada, o destemido fotógrafo paulistano, surfista bonitão, correspondente de guerra da ONU, apagou todas as suas contas e sumiu do mapa. Mas não antes de vender muitas fotos a veículos de comunicação de grande renome, como The Wall Street Journal e BBC, derreter corações de muitas mulheres e angariar mais de 130 mil seguidores no Instagram. Mas, com tanto sucesso, por que ele decidiu desaparecer subitamente?
Acontece que o talentoso fotógrafo de 32 anos nunca existiu. Era um estelionatário aplicando um sofisticado golpe que, em outras variações, pode enganar qualquer um na Internet. Depois de quase três anos, acabou sendo desmascarado (mas não pego). Diante disso, é natural se perguntar: como isso é possível e como se proteger?
O suposto fotógrafo era um “fake”, um personagem que só existia na Internet. As fotos que ele vendia eram roubadas de outros fotógrafos e depois “maquiadas” no Photoshop, para que a tramoia não fosse descoberta. Nem a “sua” própria imagem, que aparece em algumas fotos, é dele mesmo: na verdade, são do surfista inglês Max Hepworth-Povey, que só descobriu recentemente que a imagem do seu corpo havia sido usurpada.
“Fakes” surgiram como uma maneira de personificar outras pessoas no mundo digital. Às vezes, não passam de brincadeiras ou atividades sem maiores consequências. Existem ainda perfis criados para homenagear ídolos.
Mas há cada vez mais casos de golpes associados a essa prática. E existem vários tipos deles. O “case Eduardo Martins” demonstra um alto nível de sofisticação, capaz de ludibriar profissionais tarimbados e até mesmo algoritmos antifraude. Mas a maioria dessa bandidagem usa artifícios bastante simples, valendo-se quase sempre de “engenharia social”. Ou seja, os “cyberestelionatários” se aproveitam de fragilidades, descuidos ou pegadas digitais que todos deixam no meio online, para tornar suas histórias mais críveis, e assim conseguir mais vítimas.
Para entender isso melhor, conversei com Katty Zúñiga, psicóloga especializada em como o ser humano interage com diferentes tecnologias. Ela explica que essas pessoas são normalmente muito inteligentes e sabem muito bem como usar os recursos digitais para selecionar suas vítimas e construir histórias incríveis para cada caso.
“Eles descobrem e falam o que a vítima quer ouvir”, explica. As histórias contêm elementos que despertam a empatia dela e atendem a alguns de seus anseios. Além disso, os “fakes” manipulam até mesmo as redes sociais (como se tornar amigo de amigos ou integrar círculos de interesse) para aumentar ainda mais a sua credibilidade. Diante de tanta coisa “combinando”, as vítimas acabam comprando a história sem fazer até mesmo verificações básicas.
Não é para qualquer um, e dá um trabalhão! Mas, se a coisa é bem feita, como no caso acima, isso pode render dinheiro e muito mais.
E ninguém está totalmente imune.
“Fakes do mal”
Eduardo Martins era um ponto fora da curva, que enganou profissionais de grandes empresas. Mas a maioria das vítimas é mesmo gente comum. E um filão particularmente apetitoso para eles são mulheres carentes, muitas vezes viúvas.
O padrão da abordagem é muito conhecido. Normalmente o estelionatário se apresenta como um estrangeiro, quase sempre americano ou de algum país árabe, que passa pela dor de uma separação ou é recém-viúvo. Usando uma identidade falsa, envolve a vítima ao longo de vários contatos por e-mail ou comunicadores instantâneos, recheados de atenção, carinho, fotos e uma história rica em detalhes, porém totalmente falsa. Extremamente hábeis, fazem com que elas se apaixonem por eles. E, quando isso acontece, finalmente vem o golpe, que invariavelmente inclui coisas como envio de dinheiro ou compartilhamento de dados bancários ou de crédito para algum “bom motivo” (“quero ir ao Brasil para me casar com você”, “preciso ajudar a minha filha pequena com uma cirurgia” ou outra coisa comovente).
Você pode estar pensando: “eu JAMAIS cairia em algo assim!” Pois saiba que muita gente muito instruída cai! Afinal, todo mundo tem algo que essa turma do mal pode explorar. E, se descobrirem, é exatamente isso que farão.
Mas não são só pessoas que criam “fakes”. Empresas também podem fazer isso.
O Spotify tem sido acusado de criar artistas fictícios para incrementar suas playlists mais populares. As músicas são verdadeiras e inéditas, mas especialistas no ramo não conseguem identificar seus autores em nenhum outro lugar: aparentemente eles existem apenas dentro da própria plataforma de streaming de música.
Se isso se confirmasse, a prática permitiria que a empresa ampliasse a sua oferta musical sem ter que pagar royalties aos donos da música, pois ela mesma seria a proprietária de tudo. Reduzindo suas despesas, diminuiria o tamanho de seu prejuízo, que, no ano passado, foi de 349 milhões de euros. A empresa, que afirma já ter pago mais de US$ 5 bilhões em direitos autorais desde que foi criada em 2006, nega categoricamente que crie “fakes”.
Não estou dizendo que o Spotify esteja cometendo esse crime, mas o mecanismo na suspeita dos especialistas descreve muito bem como é possível ganhar dinheiro com “fakes” de diferentes maneiras. Nesse caso, não seria dinheiro indevidamente entrando, mas indevidamente deixando de sair.
“Fakes do bem”
Mas todos os “fakes” são ruins?
É verdade que a maioria desses casos está ligada a atividades criminosas. Mas também existem “fakes” criados com objetivos nobres. É o caso da francesa Louise Delage (foto acima), de 25 anos, que possui 110 mil seguidores no Instagram, cifra que não para de crescer, apesar de ela não postar mais nada há quase um ano.
Praticamente todas as suas fotos possuem um item em comum, além de um estilo de vida “glamourizado”: ela aparece com algum tipo de bebida alcoólica. Depois de 149 postagens, um vídeo foi publicado explicando que Louise nunca existiu: ela foi criada para uma campanha de prevenção ao alcoolismo entre jovens franceses, da organização Addict Aide.
Sim, a causa era nobre. Mas as pessoas também foram enroladas por Louise.
Como se proteger?
Há um velho ditado que diz que “na Internet, todos os gatos são pardos”. Então como não ser enganado por um “fake do mal”?
Alguns cuidados simples, que sempre tomamos no “mundo presencial”, podem ajudar. Começando por um outro ditado popular: “quando a esmola é grande, até o santo duvida”.
Zúñiga explica que devemos desconfiar sempre de ofertas muito boas, principalmente quando elas vêm muito perfeitas ou de fontes desconhecidas. Não custa nada dar uma pesquisada usando a própria Internet. Muitos dos “fakes” não resistem a uma rápida “googlada” por mais informações sobre o sujeito ou a oferta.
Além disso, não podemos dar sorte ao azar! Como muitos dos criminosos usam nossas próprias informações para deixar suas histórias mais convincentes, nunca é demais tomarmos cuidado com o que publicamos na Internet. Informações muito pessoais ou sensíveis jamais devem ser expostas publicamente online. E isso é algo bastante crítico, pois as pessoas estão cada vez mais descuidadas com o que publicam em redes sociais.
Outra boa prática é não deixar smartphones e notebooks desbloqueados e sozinhos, especialmente em locais públicos. Esses equipamentos são uma fonte gigantesca de informações úteis aos criminosos. Da mesma forma, nunca se deve usar computadores públicos para realizar tarefas como transações bancárias, compras ou entrar nas redes sociais.
Muitos desses cuidados parecem óbvios –e são mesmo. Mas, mesmo assim, as pessoas continuam escorregando nas mesmas cascas de banana! A vida online não é um lugar em que tudo se pode e onde o que é feito não implica em consequências sérias. Não existe essa história de “vida online” e “vida presencial”: é tudo a única vida que cada um de nós tem.
Se não nos cuidarmos, podemos acabar comprando fotografias roubadas, nos apaixonado por alguém que não existe ou chorando pelo desfalque em nossas contas correntes. Qual será sua postura?
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