Febraban Tech

A americana Sandy Carter, COO da Unstoppable Domains, palestra durante a Febraban Tech 2025 – Foto: Paulo Silvestre

Hiperpersonalização desponta como chave para fidelidade de clientes bancários

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A confiança pode ser considerada o principal produto de um banco, desde quando foram criados, e isso não mudará. Mas em tempos em que redes sociais e a inteligência artificial desafiam constantemente nossa percepção de realidade, essas instituições precisam encontrar novas maneiras de se relacionar com o público.

Foi-se o tempo em que um nome consolidado e agências imponentes bastavam para isso. Com a digitalização do setor, a confiança vem da transparência nas propostas do banco, da autonomia do cliente para suas escolhas, de produtos verdadeiramente personalizados, de inclusão financeira e até mesmo do alinhamento dos valores da instituição com os do público.

Esses conceitos permearam a Febraban Tech, evento anual de inovação promovida pela federação dos bancos, que reuniu 58 mil visitantes em São Paulo, entre os dias 10 e 12 de junho. Eles também aparecem no estudo “Empowered Customer Journeys”, produzido pela consultoria Box1824 e pela empresa global de soluções digitais CI&T, divulgado no evento.

Como era de se esperar, a IA esteve em todo lugar, mas dividiu a atenção com o conceito da hiperpersonalização das ofertas, outro recurso cada vez valioso nesse setor. Resta saber quanto as instituições financeiras realmente respeitarão essas demandas do mercado, com uma tecnologia cada vez mais centrada no cliente, indo além do discurso bem-intencionado.


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Para a americana Sandy Carter, COO da Unstoppable Domains e uma das principais palestrantes dessa edição da Febraban Tech, não há dúvidas de que o futuro bancário está ligado à confiança algorítmica. Para ela, “uma IA confiável se tornará um diferencial competitivo”.

Mas boas intenções não bastam, sendo necessárias práticas transparentes, auditáveis e baseadas na ética. Segundo dados do estudo Edelman Trust Barometer 2025, 52% dos brasileiros confiam na IA, sensivelmente mais que os americanos (32%) ou os alemães (29%), os mais céticos entre os 28 países avaliados. Os indianos (77%) são os que mais acreditam na tecnologia.

Essa discrepância mostra que a confiança não é um dado, mas uma conquista. No caso dos EUA, Carter explica que a descrença vem justamente de fraudes bancárias. “A crise de confiança faz com que as pessoas acreditem no fake e não acreditem no que é verdadeiro”, acrescenta.

Isso evidencia que a confiança na tecnologia varia culturalmente, mas que também pode ser cultivada com boas práticas. A pesquisa da Box1824 e da CI&T reforça esse ponto ao mostrar que os consumidores brasileiros querem ser respeitados, mais do que apenas bem atendidos.

Na pesquisa, confiança e transparência surgem como moedas simbólicas no novo ecossistema bancário. O estudo também revela que há um desejo crescente por mais autonomia nas decisões financeiras e por relacionamentos com instituições que compreendam e respondam às complexidades individuais de cada cliente.

A IA aparece como principal ferramenta para colocar esses conceitos em prática. Monica Sasso, líder global de serviços financeiros da Red Hat, a principal empresa em software open source corporativo, lembra que a IA já faz parte do setor bancário há muito tempo, mas agora ela se aproxima da superfície. Para ela, “a IA já moldou o relacionamento entre instituições financeiras e consumidores”, citando seu uso em análises de fraude há muitos anos. Agora a IA generativa remodelará os modelos operacionais dos bancos e a forma como eles nos atendem. “A próxima geração de IA vai realmente personalizar os serviços financeiros para nós”, afirma.

Na prática, isso significa deixar de tratar todos como iguais. Em vez de pacotes engessados de crédito, seguros ou investimentos, o cliente poderá receber ofertas alinhadas ao seu momento de vida, histórico de comportamento e perfil de risco. A hiperpersonalização funciona como estratégia de fidelização e diferencial competitivo, transformando a experiência do cliente de algo funcional para algo significativo.

 

Inclusão financeira

Mas essa revolução algorítmica só será relevante se incluir quem ainda está à margem do sistema financeiro. Vinicius Martinelli, vice-presidente executivo da CI&T, destaca o papel da IA como aliada da inclusão, especialmente no Brasil, onde milhões ainda estão fora da rede bancária, e 8 em cada 10 famílias estão endividadas, metade da força de trabalho atua na informalidade e apenas 19% da população adulta completaram o ensino superior.

“A inteligência artificial pode ajudar tanto na eficiência quanto na inclusão, entregando soluções de um jeito muito mais prático, que esses consumidores vão conseguir interagir”, explica. Para ele, assistentes digitais capazes de conversar em linguagem natural ajudarão muito pessoas de baixa escolaridade e sem letramento digital.

Ao mesmo tempo, a tecnologia precisa ser clara. Explicabilidade significa entender e ser capaz de justificar por que um sistema chegou a uma determinada decisão, algo vital quando se trata de aprovar um empréstimo, sugerir um investimento ou avaliar um risco. Ela é crucial para evitar vieses e prestar contas a reguladores e clientes.

Mas a tecnologia também embute riscos reais e crescentes. A IA pode reforçar preconceitos, excluir perfis não padronizados e facilitar fraudes com grande sofisticação, especialmente quando há decisões algorítmicas mal calibradas. Por isso, é um consenso que julgamentos finais devem ficar com especialistas, equilibrando automação com supervisão humana.

Isso muda os papéis de todos os envolvidos. As instituições precisam deixar de ser meras intermediárias para se tornarem parceiras proativas, transparentes e educativas. Os consumidores, mais informados e exigentes, não querem mais ser convencidos, e sim compreendidos. Os bancos que não conseguirem fazer essa transição perderão espaço para fintechs que já nascem com essas ideias.

Assim, eles não podem mais ser os mesmos, porque os clientes já mudaram. A digitalização da vida alterou a percepção de valor, do tempo e de relacionamentos. Para melhorar essa conexão, será preciso ouvir mais, falar menos e agir com mais empatia, tornando os serviços mais acessíveis, claros e justos.

Isso significa investir em explicabilidade, combater vieses com o mesmo vigor com que se combate fraudes e responder às novas demandas por autonomia e propósito. Se fizerem isso, os bancos manterão sua relevância e poderão se tornar símbolos de confiança, agora no momento de ascensão da inteligência artificial.

 

Para a futurista Amy Webb, não devemos estar preparados para tudo, mas estar preparados para qualquer coisa - Foto: Paulo Silvestre

Superciclo tecnológico atual só faz sentido se gestores mantiverem o foco no cliente

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Desde o arado, novas tecnologias transformam indivíduos e a sociedade como um todo, oferecendo-lhes maneiras de melhorar o que já fazem ou descobrindo novas possibilidades. Algumas promovem mudanças tão profundas e prolongadas que geram um “superciclo tecnológico”. Estamos vivenciando a aurora de mais um deles, protagonizado pela inteligência artificial. Mas ela não está sozinha na transformação!

Isso pode variar muito na forma, mas uma verdade é imutável: os benefícios para as pessoas são sempre mais importantes que a tecnologia em si. Aqueles que querem surfar nessa onda, ao invés de serem tragados por ela, não podem perder isso de vista, especialmente em um mundo tão volátil e ao mesmo tempo tão poderoso, graças à própria tecnologia.

Isso se reforça pelo fato de o intervalo entre os superciclos e sua duração ficarem cada vez menores. Por exemplo, tivemos a Revolução Industrial, que começou ainda no século XVIII e durou cerca de 200 anos. Depois vieram outros, como os superciclos da eletricidade, da química, da computação, da Internet e da mobilidade.

Se suas durações e os intervalos entre eles eram medidos em séculos, agora não chegam a uma década! Isso não os torna menos importantes, mas os faz mais intensos.

Nesse cenário crescentemente complexo, nem sempre há tempo para se apropriar de todas as novidades. Portanto, um dos principais desafios de gestores públicos e privados é não se deixar seduzir pelo brilho próprio da tecnologia, limitando-se a ela, e sim usá-la para transformar a vida das pessoas.


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Na quinta passada, a futurista americana Amy Webb abordou a capacidade de transformação social do superciclo tecnológico atual, durante a palestra mais aguardada da Febraban Tech, o principal evento de tecnologia bancária da América Latina, que aconteceu em São Paulo de terça à quinta.

Webb, que também é professora da Universidade de Nova York (EUA), explicou que essa é a primeira vez que um superciclo não é motivado por uma única tecnologia, e sim pela combinação de três: inteligência artificial, sensores por toda parte e biotecnologia. “Não são três superciclos separados, e sim um superciclo que combina as três tecnologias”, afirmou. “Isso vai reformar a existência humana!”

Disso deriva uma classe de produtos impulsionados pela chamada “Geração Aumentada por Recuperação de Dados” (da sigla em inglês RAG). Ela combina recursos sofisticados para extrair a informação que o usuário quiser de diferentes bancos de dados e serviços, apresentando-a de uma maneira facilmente compreensível graças à IA generativa.

Isso reforça os produtos com “tecnologia de propósito geral”, ou seja, que podem ser usados para funções muito distintas, algumas nem previstas no momento de seu lançamento. Por isso, chega a ser surpreendente os problemas enfrentados pela Alexa, um produto da Amazon que reinou nessas categorias nos anos de uma IA primitiva, mas que agora não está conseguindo fazer frente ao avanço do ChatGPT.

“Essa combinação entre o transacional e a IA generativa, não importa em qual dispositivo, em qual comunicador, em qual fornecedor, é a curva evolutiva da IA, que permeará tudo”, afirma Thiago Viola, diretor de inteligência artificial, dados e automação da IBM Brasil. Segundo ele, “se você simplesmente responde, sem integrar com um serviço, você faz o que a gente chama de IA parcial”, e aí se deixa de oferecer ao cliente o valor agregado de produtividade.

 

Assistente digital permanente

As tecnologias que compõem o superciclo tecnológico atual devem, portanto, ser usadas para oferecer uma assistência digital automática, permanente e cada vez mais personalizada às pessoas. E as empresas precisam assumir o seu papel nisso.

“Vejo essa tecnologia sendo usada para mudar a forma como uma empresa interage com seus clientes ou parceiros, gerando novos tipos de produtos e serviços digitais”, sugere o britânico Matthew Candy, diretor global de IA generativa na IBM Consulting, que também participou da Febraban Tech.

Ele explica que as empresas não podem fazer isso se limitando a um único modelo de IA (como o GPT), devendo criar experiências únicas e ajustadas às necessidades de seus clientes, pela combinação de vários pequenos modelos próprios. “Como vou conseguir uma diferenciação competitiva quando todos os meus concorrentes têm acesso e fazem a mesma coisa que eu, com o mesmo material”, questiona Candy.

Tudo isso pode parecer muito distante, como uma obra de ficção científica. Mas o superciclo atual está diante de nós, impondo suas incríveis oportunidades e apresentando novos desafios, não apenas tecnológicos, mas também éticos e de governança. Isso também impulsiona gestores a ousar em seus movimentos, mas sem desprezar os cuidados com segurança e privacidade dos dados dos clientes.

Em um mundo em que a inteligência artificial está cada vez mais integrada a nossas vidas, até no que vestimos, a personalização se torna um fator crítico de sucesso. Para isso ser possível, usuários concedem acesso cada vez mais irrestrito a suas informações, o que garante um enorme poder às organizações. Sem uma governança madura em seus processos, isso pode desequilibrar o relacionamento entre empresas e seus clientes, o que pode parecer tentador, mas, a longo prazo, é ruim para todos.

Gestores de tecnologia e de negócios devem, portanto, manter um olho na operação e outro na inovação. Em um ambiente de competição complexa, concentrar-se em qualquer dos lados dessa equação, diminuindo o outro, pode ser um erro fatal. Se prestarem muita atenção à operação, podem ser atropelados por concorrentes mais ousados; se privilegiarem apenas a inovação, podem construir sistemas frágeis ética e tecnologicamente.

Como disse Web em sua palestra, “nosso objetivo não deve ser estarmos preparados para tudo, mas estarmos preparados para qualquer coisa”. A diferença parece sutil, mas é enorme!

Em outras palavras, ninguém tem recursos para antecipar todas as possibilidades de seu negócio, mas precisamos estar abertos e prontos para abraçar criativa e cuidadosamente o imprevisto. Esse é o caminho para o sucesso e para relações mais saudáveis nesse superciclo tecnológico.