
A confiança pode ser considerada o principal produto de um banco, desde quando foram criados, e isso não mudará. Mas em tempos em que redes sociais e a inteligência artificial desafiam constantemente nossa percepção de realidade, essas instituições precisam encontrar novas maneiras de se relacionar com o público.
Foi-se o tempo em que um nome consolidado e agências imponentes bastavam para isso. Com a digitalização do setor, a confiança vem da transparência nas propostas do banco, da autonomia do cliente para suas escolhas, de produtos verdadeiramente personalizados, de inclusão financeira e até mesmo do alinhamento dos valores da instituição com os do público.
Esses conceitos permearam a Febraban Tech, evento anual de inovação promovida pela federação dos bancos, que reuniu 58 mil visitantes em São Paulo, entre os dias 10 e 12 de junho. Eles também aparecem no estudo “Empowered Customer Journeys”, produzido pela consultoria Box1824 e pela empresa global de soluções digitais CI&T, divulgado no evento.
Como era de se esperar, a IA esteve em todo lugar, mas dividiu a atenção com o conceito da hiperpersonalização das ofertas, outro recurso cada vez valioso nesse setor. Resta saber quanto as instituições financeiras realmente respeitarão essas demandas do mercado, com uma tecnologia cada vez mais centrada no cliente, indo além do discurso bem-intencionado.
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Para a americana Sandy Carter, COO da Unstoppable Domains e uma das principais palestrantes dessa edição da Febraban Tech, não há dúvidas de que o futuro bancário está ligado à confiança algorítmica. Para ela, “uma IA confiável se tornará um diferencial competitivo”.
Mas boas intenções não bastam, sendo necessárias práticas transparentes, auditáveis e baseadas na ética. Segundo dados do estudo Edelman Trust Barometer 2025, 52% dos brasileiros confiam na IA, sensivelmente mais que os americanos (32%) ou os alemães (29%), os mais céticos entre os 28 países avaliados. Os indianos (77%) são os que mais acreditam na tecnologia.
Essa discrepância mostra que a confiança não é um dado, mas uma conquista. No caso dos EUA, Carter explica que a descrença vem justamente de fraudes bancárias. “A crise de confiança faz com que as pessoas acreditem no fake e não acreditem no que é verdadeiro”, acrescenta.
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Isso evidencia que a confiança na tecnologia varia culturalmente, mas que também pode ser cultivada com boas práticas. A pesquisa da Box1824 e da CI&T reforça esse ponto ao mostrar que os consumidores brasileiros querem ser respeitados, mais do que apenas bem atendidos.
Na pesquisa, confiança e transparência surgem como moedas simbólicas no novo ecossistema bancário. O estudo também revela que há um desejo crescente por mais autonomia nas decisões financeiras e por relacionamentos com instituições que compreendam e respondam às complexidades individuais de cada cliente.
A IA aparece como principal ferramenta para colocar esses conceitos em prática. Monica Sasso, líder global de serviços financeiros da Red Hat, a principal empresa em software open source corporativo, lembra que a IA já faz parte do setor bancário há muito tempo, mas agora ela se aproxima da superfície. Para ela, “a IA já moldou o relacionamento entre instituições financeiras e consumidores”, citando seu uso em análises de fraude há muitos anos. Agora a IA generativa remodelará os modelos operacionais dos bancos e a forma como eles nos atendem. “A próxima geração de IA vai realmente personalizar os serviços financeiros para nós”, afirma.
Na prática, isso significa deixar de tratar todos como iguais. Em vez de pacotes engessados de crédito, seguros ou investimentos, o cliente poderá receber ofertas alinhadas ao seu momento de vida, histórico de comportamento e perfil de risco. A hiperpersonalização funciona como estratégia de fidelização e diferencial competitivo, transformando a experiência do cliente de algo funcional para algo significativo.
Inclusão financeira
Mas essa revolução algorítmica só será relevante se incluir quem ainda está à margem do sistema financeiro. Vinicius Martinelli, vice-presidente executivo da CI&T, destaca o papel da IA como aliada da inclusão, especialmente no Brasil, onde milhões ainda estão fora da rede bancária, e 8 em cada 10 famílias estão endividadas, metade da força de trabalho atua na informalidade e apenas 19% da população adulta completaram o ensino superior.
“A inteligência artificial pode ajudar tanto na eficiência quanto na inclusão, entregando soluções de um jeito muito mais prático, que esses consumidores vão conseguir interagir”, explica. Para ele, assistentes digitais capazes de conversar em linguagem natural ajudarão muito pessoas de baixa escolaridade e sem letramento digital.
Ao mesmo tempo, a tecnologia precisa ser clara. Explicabilidade significa entender e ser capaz de justificar por que um sistema chegou a uma determinada decisão, algo vital quando se trata de aprovar um empréstimo, sugerir um investimento ou avaliar um risco. Ela é crucial para evitar vieses e prestar contas a reguladores e clientes.
Mas a tecnologia também embute riscos reais e crescentes. A IA pode reforçar preconceitos, excluir perfis não padronizados e facilitar fraudes com grande sofisticação, especialmente quando há decisões algorítmicas mal calibradas. Por isso, é um consenso que julgamentos finais devem ficar com especialistas, equilibrando automação com supervisão humana.
Isso muda os papéis de todos os envolvidos. As instituições precisam deixar de ser meras intermediárias para se tornarem parceiras proativas, transparentes e educativas. Os consumidores, mais informados e exigentes, não querem mais ser convencidos, e sim compreendidos. Os bancos que não conseguirem fazer essa transição perderão espaço para fintechs que já nascem com essas ideias.
Assim, eles não podem mais ser os mesmos, porque os clientes já mudaram. A digitalização da vida alterou a percepção de valor, do tempo e de relacionamentos. Para melhorar essa conexão, será preciso ouvir mais, falar menos e agir com mais empatia, tornando os serviços mais acessíveis, claros e justos.
Isso significa investir em explicabilidade, combater vieses com o mesmo vigor com que se combate fraudes e responder às novas demandas por autonomia e propósito. Se fizerem isso, os bancos manterão sua relevância e poderão se tornar símbolos de confiança, agora no momento de ascensão da inteligência artificial.