O fim do ano está chegando e, em um mundo em que o e-commerce ganha cada vez mais espaço, surge a pergunta: as compras online que eu fizer hoje chegarão antes do Natal? A maioria das pessoas não tem a menor ideia do que o clique no botão “comprar” movimenta, não apenas na entrega, mas também na produção daquele item.
Quem responde esse questionamento é a cadeia de suprimentos (ou “supply chain”), que possui metodologias bem conhecidas, mas que precisa lidar continuamente com imprevisibilidades que teimam em desafiar planejamentos e modelos. Em um cenário em que a quantidade de informação não para de crescer e os clientes ficam cada vez mais exigentes, modelos matemáticos e a inteligência artificial se apresentam como aliados poderosos. Elas dinamizam esses processos, melhorando a experiência do cliente final e, do lado das empresas, diminuindo custos e aumentando receitas.
Segundo o estudo “Own Your Transformation”, feito pelo IBM Institute for Business Value em cooperação com o instituto Oxford Economics, 53% dos executivos brasileiros do setor investem em novas tecnologias para fazer frente a interrupções na cadeia de suprimentos. O levantamento, que entrevistou 1.500 Chief Supply Chain Officers (CSCO) de todo o mundo, indicou ainda que 60% dos brasileiros já usavam abordagens preditivas como forma de gerenciar riscos.
“A gente faz um modelo que, em curto prazo, conta com fatos concretos, mas depois começa a aventar hipóteses, começa a trabalhar com modelos estocásticos”, explica Marcelo Elias, sócio e conselheiro da Linear, empresa brasileira que usa a matemática para a otimização de processos de supply chain. Modelos estocásticos incorporam elementos de aleatoriedade ou incerteza, com variáveis que podem mudar de maneira probabilística ao longo do tempo. Eles são uma ferramenta poderosa para entender e prever resultados de sistemas complexos.
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A companhia tem 26 anos e ajuda nas decisões de executivos de clientes tão distintos quanto Ambev e Natura, mas construiu sua fama trabalhando em cadeias do setor de produção de alimentos, “as mais complexas que existem”, segundo Elias.
É o caso, por exemplo, de um país que importe frangos de um determinado frigorífico, com características específicas, como peso. Se por um fator fora de controle, como o surgimento de uma barreira sanitária, interrompe essas compras, a empresa precisa decidir o que fazer com as aves, que já estão prontas para o abate. “Os animais estão ali, não dá para ‘estocar’, porque perderão sua ‘configuração’, ganhando mais peso”, explica Fabio Sas, sócio e diretor comercial e marketing da Linear.
Em um caso como esse, em que literalmente centenas de milhares de frangos correm o risco de serem perdidos, os modelos matemáticos sugerem outros mercados para onde esse excedente pode ser direcionado. Ainda que o preço caia, será a menor perda possível e em um mercado que não “contaminará” os preços de praças mais importantes.
Segundo dados do IBGE, algo como 30% dos alimentos produzidos no Brasil acabam sendo descartados, totalizando cerca de 46 milhões de toneladas anuais de desperdício, um prejuízo estimado de R$ 61,3 bilhões. Isso nos deixa como o 10º país que mais joga fora comida no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
O desperdício ocorre em diversas etapas da cadeia, como mau planejamento na produção, deficiências de infraestrutura de transporte, até o consumo inadequado. Isso representa não só uma enorme redução nos lucros de produtores e varejistas, como um custo social inaceitável em um país que luta contra a fome em uma parcela significativa de sua população.
Parte da solução desse problema passa por tentar antecipar com boa acuracidade quanto o mercado precisará de cada produto, para que seja produzido na quantidade e no tempo certo. E no caso de evento inesperados, como picos de consumo, sistemas assim podem ajustar previsões e programações de produção em tempo real.
Os modelos da Linear trabalham nisso. Se for produzido mais que o necessário ou um produto chegar antes da hora nas lojas, isso gera custos com estoque e até perdas por se estragar. Se produzir menos, perdem-se vendas e o cliente fica frustrado por não encontrar o que queria.
Nada isolado, tudo integrado
A maioria dos modelos matemáticos ainda cuida da cadeia localmente: trabalham para maximizar os resultados de uma fábrica específica, por exemplo. Mas em um mundo globalizado e acelerado, a soma dos “ótimos locais” não representa necessariamente o “ótimo global”.
“Os clientes estão acostumados a olhar individualmente cada planta e ver se ela está dando lucro, mas isso não existe”, explica Walker Batista, sócio e diretor de modelagem e inovação da Linear. Ele explica que uma fábrica pode até operar com prejuízo, se contribuir positivamente com o todo, por exemplo concentrando os produtos mais baratos. “A formulação de cada planta não é tomada localmente, e sim de forma global, mas isso não dá para fazer sem a matemática”, conclui.
De certa forma, os desafios do supply chain hoje são os mesmos de antes. O que mudou muito é a escala e a velocidade.
Até alguns anos atrás, a cadeira funcionava movida por eventos específicos. Havia tempo para coletar e processar informações, para se tomar as decisões. No atual mundo interligado, em que um produto não estar disponível se torna um “pecado”, e entregas começam a ser feitas até na mesma hora em que o pedido for feito, essa “zona de conforto” desapareceu.
O planejamento da cadeia deixa de funcionar por eventos e passa a acontecer de maneira fluida, dia a dia, às vezes de hora em hora! É um cenário em que a matemática e a inteligência artificial podem oferecer uma enorme vantagem competitiva, analisando uma quantidade obscena de dados das mais diferentes fontes, identificando padrões, alimentando os modelos e gerando ideias para os gestores.
Em alguns casos, chega-se a uma fronteira, que é o limite computacional disponível para processar tudo isso. A computação quântica desponta como uma promessa de resposta, mas, segundo Batista, seus altos custos ainda não conseguem se justificar nesses processos.
Portanto, quando comprar seu próximo presente de Natal e descobrir que ele chegará a tempo de ser colocado embaixo da árvore, ou trazer um belo peru para a ceia, lembre-se que nada é por acaso: muita tecnologia foi usada para isso acontecer.