liberdade de expressão

Para Kant (esquerda), não se pode ser imoral, mesmo para um bom fim; já Maquiavel defendia que o fim justifica os meios - Foto: reproduções

Como equilibrar a ética, a competitividade tecnológica e a liberdade de expressão

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Estamos chegando ao final de um ano em que o debate sobre o equilíbrio entre a ética, a competitividade tecnológica e a liberdade de expressão ganhou novos contornos com o avanço da inteligência artificial, de práticas questionáveis das big techs e com as discussões em torno do Marco Civil da Internet. Enfrentamos uma grande dificuldade para encontrar um caminho razoável para, ao mesmo tempo, proteger as pessoas da voracidade irresponsável das plataformas digitais, evitar a censura, fazer um uso seguro da tecnologia e garantir a competitividade pessoal, nos negócios e até de nações, em uma geopolítica cada vez mais determinada pela tecnologia.

Esse é um dos grandes desafios dessa geração, pois a sociedade não está conseguindo processar as mudanças na velocidade em que estão sendo impostas. Insistimos em medir essa transformação com réguas que foram criadas para um mundo que já não existe. Esse é um processo fadado ao fracasso!

O exemplo mais claro é o impacto social das casas de aposta online, as infames “bets”. Elas crescem exponencialmente no mundo todo, mas no Brasil se tornaram um problema de saúde pública, com pessoas perdendo economias de uma vida e indivíduos das camadas mais pobres gastando o dinheiro da comida na jogatina.

Alguns podem dizer que “aposta quem quiser”. Só que atribuir toda a culpa ao livre arbítrio é um reducionismo de tudo que se discute aqui. A facilidade de se apostar pelo smartphone fica irresistível com a influência dos algoritmos dessas plataformas, com a promessa mentirosa de ganhos fáceis (ampliada por influenciadores pagos), com a interface gamificada e até com um senso de pertencimento no grupo de amigos apostadores.

Em outras palavras, nosso livre arbítrio é manipulado pelas mais diversas plataformas digitais, e engana-se quem acredita ser totalmente imune a isso. A sedução digital insidiosa vence mesmo mentes afiadas, em algum momento. É disso que temos que tratar, sem perder os inegáveis benefícios da tecnologia ou ferir direitos fundamentais.


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Agora o Supremo Tribunal Federal (STF) debate a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. “Inconstitucionalidade” é uma palavra forte, mas não me parece ser o caso do referido artigo. Ainda assim, os votos já dados por ministros do STF indicam que ele acabará sendo classificado dessa forma.

Historicamente, defendo o artigo 19. Ele determina que cada um seja responsável pelo que publica nas plataformas digitais, que elas não sejam corresponsáveis por isso, e que elas devem retirar do ar apenas conteúdos que a Justiça tenha julgado ofensivos. Já o artigo 21 abre uma exceção para conteúdo com nudez ou sexo não autorizados, quando basta uma notificação extrajudicial para que as redes sejam obrigadas a remover a publicação. Essa combinação de artigos valoriza a liberdade de expressão.

Não há dúvida sobre qualquer um ser responsável, para o bem e para o mal, pelo que publica na Internet. Mas há uma simplificação muito grande sobre o papel das empresas. Elas já retiram sumariamente o que consideram inadequado seguindo seus critérios, muitas vezes questionáveis. O processo ocorre majoritariamente de forma automática, e seus algoritmos erram muito na sua decisão, tanto ao retirar conteúdos legítimos, quanto ao preservar outros, que ferem leis e seus próprios termos de uso.

As plataformas oferecem sistemas de denúncia contra conteúdos inadequados, mas eles são muito falhos. Eu mesmo já fui vítima de diversos delitos digitais, como discurso de ódio e roubo de conteúdo. Sempre utilizo essas ferramentas de denúncia, mas é muito raro que isso produza qualquer resultado.

Pela redação do artigo 19, eu e pessoas vítimas de afrontas online muito mais graves precisamos entrar na Justiça para nos defender, um processo complexo, caro e muito longo. Enquanto isso, o problema continuará no ar, infligindo severos danos. Como as plataformas ficarão isentas, não farão nada, apesar de viabilizarem o crime.

Em sua defesa, elas argumentam que, se tomarem para si a decisão de o que pode ser publicado, correm o risco de promover censura. O argumento é verdadeiro, mas é cínico, pois as mesmas plataformas promovem ostensivamente conteúdos claramente nocivos, pois são os que lhes rendem maiores ganhos. E nada lhes acontece!

Esse é o tipo de conflito que esses tempos digitalmente acelerados nos impõem.

 

A superinteligência digital

Esse debate também se aplica à inteligência artificial.

Na sexta (20), a OpenAI, criadora do ChatGPT, lançou o OpenAI o3, seu novo modelo de IA, com capacidades cognitivas ainda mais impressionantes. A empresa não mede esforços em incensar seus novos produtos como passos em direção à Inteligência Artificial Geral, um estágio teórico em que o sistema deixaria de ser especializado em uma coisa e passaria a pensar como um ser humano, dispensando comandos e sendo capaz de resolver qualquer coisa sem ter sido criado para aquilo, de pintar um quadro a dirigir um carro. Algumas pessoas afirmam que o o3 seria algo ainda maior: o caminho para a superinteligência artificial, um conceito teórico ainda mais ousado, em que a máquina superaria largamente as capacidades humanas em qualquer área.

Todos esses holofotes são ótimos para os negócios da OpenAI, que lidera essa indústria, mas sofre forte concorrência de empresas como o Google e a Anthropic. Mas mostra também que essas empresas parecem dispostas a acelerar contra uma parede, se isso lhes garantir o protagonismo nessas tecnologias.

Alguns dos maiores especialistas do setor, como Geoffrey Hinton, considerado o “padrinho da IA”, demonstram sérias preocupações com isso. Alguns afirmam que nunca chegaremos a esse estágio tecnológico, mas o maior temor é que percamos o controle desses sistemas, que passariam a se autoatualizar seguindo seus interesses, e não mais os da humanidade, algo conhecido no setor como “desalinhamento”.

Caímos novamente na questão de regulações. Como de costume, a Europa saiu na frente, com sua Lei da Inteligência Artificial, focada em proteger os cidadãos de maus usos dessa tecnologia e de abusos de empresas e de governos.

Muita gente acredita que ela reduzirá a competitividade do continente cada vez mais, especialmente diante de nações que regulam pouco ou nada a IA, como a China. No caso dos EUA, há uma grande expectativa de como o país se comportará nisso com o início, em janeiro, do segundo mandato presidencial de Donald Trump, fortemente influenciado pelo libertário Elon Musk, publicamente contrário a regulamentações.

A verdade é que ninguém sabe como equilibrar a ética, a competitividade e os direitos individuais nessa corrida desenfreada e irresponsável da tecnologia. Ela naturalmente deve continuar sendo desenvolvida e precisamos aprender a fazer usos produtivos dela. Mas isso não pode passar por cima da segurança e do bem-estar das pessoas.

O mundo atual vem sendo guiado por princípios do filósofo Nicolau Maquiavel (1469-1527), que defendia que o sucesso e a manutenção do poder justificariam os métodos empregados, mesmo imorais, desde que fossem eficazes. Mas talvez devêssemos olhar mais para as ideias de outro filósofo, Immanuel Kant (1724-1804). Para ele, mentir ou agir imoralmente nunca é justificável, mesmo para alcançar um bom fim.

Temos que fazer isso logo, antes que a sociedade se esfacele irreversivelmente.

 

A estátua da Justiça, diante do STF: ministros julgam o artigo 19 do Marco Civil da Internet - Foto: Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Quem diz o que pode e o que não pode na Internet

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Na quarta passada, o STF (Supremo Tribunal Federal) começou um julgamento que pode impactar profundamente como usamos a Internet e como ela nos influencia. Ele se refere ao artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece que a responsabilidade sobre um conteúdo publicado nas redes sociais é de seu criador, com essas plataformas respondendo por ele apenas se não tomarem providências após uma decisão judicial.

A despeito da enorme importância do tema, é preciso questionar quem deve decidir sobre isso e por qual motivo.

Publicado no dia 23 de abril de 2014, esse mecanismo visa proteger a liberdade de expressão, impedir a censura e garantir a inovação da Internet. Ele se alinha à seção 230 da CDA (sigla em inglês para “Lei de Decência nas Comunicações”), trecho dessa lei americana de 1996 chamado de “as 26 palavras que criaram a Internet”.

Esses princípios continuam valendo, mas o mundo mudou profundamente nessa década. As plataformas digitais deixaram de ser neutras no momento em que seus algoritmos passaram a ativamente promover o que gerava mais engajamento e consequentemente lucros. Ainda assim, essas empresas continuaram se beneficiando dessa proteção jurídica, mesmo quando tais conteúdos destacados levaram à extrema polarização social e à deterioração da saúde mental dos seus usuários.

Criou-se uma situação em que a sociedade padece exponencialmente com os mais diversos abusos nas plataformas digitais, com pouco ou nada sendo feito sobre isso. O Legislativo deveria então atualizar a lei, mas a letargia do Congresso Nacional no tema acaba pressionando a Justiça. E isso é ruim, porque diminui o debate democrático em torno de algo crítico para nossas vidas.


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Para Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM (Escola Superior de Propagando e Marketing), “nesse contexto, é justo que as plataformas assumam responsabilidades proporcionais pelos impactos dessas escolhas algorítmicas”. Mas ele alerta que não basta simplesmente atribuir o ônus às plataformas. “Eventual regulação deve estabelecer limites claros e mecanismos de contestação para que a moderação não se transforme em censura ou inviabilize a atividade”, explica.

“A responsabilidade excessiva pode levar as plataformas a adotarem uma postura conservadora, eliminando conteúdos legítimos por receio de sanções”, adverte Antonielle Freitas, especialista em direito digital e proteção de dados do Viseu Advogados. “Isso pode, sim, configurar censura, prejudicando o debate público e a liberdade de expressão”, acrescenta.

O Congresso já tratou do tema, com o projeto de lei 2630/2020, apelidado de “PL das Fake News”, que foi enterrado na Câmara dos Deputados em maio do ano passado. Ele propunha regulamentar o combate à desinformação e ao discurso de ódio, estabelecendo transparência e responsabilização das plataformas digitais.

Ironicamente ele foi vítima de desinformação, promovida por alguns grupos sociais e pelas próprias big techs, que convenceram a população e deputados federais que a lei promoveria censura estatal e restringiria a liberdade de expressão. Por isso, graças a um ambiente político muito polarizado e a pontos polêmicos, não houve consenso.

Depois disso, o tema perdeu relevância no Legislativo, mas os impactos das redes sociais na sociedade continuam intensos, desaguando em ações no STF. Crespo lembra que a Corte não escolhe o que julgar, mas, para ele, o artigo 19 não é inconstitucional. “O problema é que o Supremo parece querer mudar o regime de responsabilidade das plataformas e o está fazendo a partir do julgamento do artigo 19”, diz o advogado. “Entendo que possamos rever o regime de responsabilidade das plataformas, mas não acredito que o melhor caminho seja pelo julgamento da inconstitucionalidade do artigo 19”, conclui.

 

Equilíbrio entre Poderes

É um consenso que o assunto deveria ser tratado pelo Legislativo. Mas a baixa disposição dos congressistas para lidar com o problema, motivada por ignorarem sua gravidade, por interesses pessoais ou simplesmente por privilegiarem assuntos que considerem mais importantes, empurra o imbróglio para os outros Poderes. Nesse sentido, a ação do STF pode ser necessária quando a inoperância do Congresso comprometa direitos fundamentais ou a segurança jurídica, como na proliferação descontrolada da desinformação e do discurso de ódio.

Ministros do STF entendem que os ataques à Democracia nos últimos anos, culminando no atentado com bombas contra a Corte, no último dia 13, justificam sua ação. De fato, juristas apontam que a lei seja aperfeiçoada para combater a disseminação de conteúdos que promovam terrorismo, abusos contra mulheres e menores, exploração sexual, racismo e ataques à Democracia.

Um elemento externo esquentará esse debate. O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, anunciou o empresário Elon Musk, dono da rede social X, como líder do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental. Entre suas funções estará desregulamentar diversos setores da economia e reestruturar agências federais.

“Se os EUA flexibilizarem suas regulações (das redes sociais), outros países podem sentir-se pressionados a adotar posições semelhantes, seja por alinhamento político ou para manter competitividade econômica”, sugere Freitas. “Isso enfraqueceria iniciativas globais voltadas à criação de um ambiente digital mais seguro e responsável, potencializando os desafios relacionados à desinformação, discurso de ódio e exploração de vulnerabilidades dos usuários”, afirma. Mas a advogada lembra que esse movimento pode ter um efeito contrário, com governos e organizações intensificando esforços para estabelecer normas que mitiguem os efeitos de uma desregulamentação excessiva.

Qualquer que seja o desfecho desse movimento do STF, ela já tem um mérito: reacender o debate em torno desse tema crítico para a sociedade. Enquanto o Legislativo não fizer a sua parte, as big techs continuarão monopolizando o assunto e se beneficiando de premissas às quais não têm mais direito. A polarização, o ódio e outros males de nosso tempo gestados e promovidos em suas páginas precisam ser contidos. Mas isso só acontecerá se essas companhias forem parte ativa da solução, assumindo responsabilidades proporcionais por suas ações e omissões.

 

O multibilionário Elon Musk, que comprou o Twitter por US$ 44 bilhões, para, em suas palavras, “restaurar a liberdade da expressão”

O inferno são os outros

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A liberdade nunca esteve tão em alta, pelo menos na boca do povo. Mas paradoxalmente ela nunca foi tão maltratada e usurpada. Quanto mais se apoderam dela, mais as pessoas esquecem seu real significado.

Na semana passada, um dos assuntos mais comentados foi a compra do Twitter por Elon Musk, que pagou US$ 44 bilhões pela plataforma do passarinho azul. A sua principal motivação teria sido, como disse, “restabelecer a liberdade de expressão na rede”. Para o homem mais rico do mundo, isso significa que nada publicado nas redes deve sofrer qualquer tipo de moderação.

Isso seria verdade se vivêssemos em uma sociedade utópica, em que todos aproveitassem desse benefício de maneira responsável e civilizada. Mas estamos muito longe disso, e, aos nossos olhos, a culpa parece ser sempre dos outros.


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Todos nós temos nossas Ideias, nossas vontades, nossos valores. É natural que queiramos que os outros concordem pelo menos com parte disso tudo, seja porque entendemos que isso seria melhor para todos, seja porque exercitamos o nosso egoísmo. Mas isso simplesmente não vai acontecer, porque cada um tem as suas “verdades”, que acabam conflitando com as nossas em algum ponto. É um “beco sem saída filosófico”.

As redes sociais têm um papel determinante nessa incapacidade crescente de lidar de maneira equilibrada e construtiva com as ideias dos outros. Seus algoritmos reforçam nossos valores e até preconceitos, ao nos colocar em contato com muitas pessoas que pensam da mesma forma que nós. Isso faz com que tenhamos uma falsa certeza de que nossa visão de mundo é a correta, tornando-nos intolerantes e até agressivos.

Gostaríamos de não ser incomodados e vivermos de acordo com o que acreditamos. Mas o jornalismo, por exemplo. insiste em nos mostrar que o mundo não dá a mínima para nossas vontades, e que temos que aprender (ou reaprender) a conviver em harmonia dentro da sociedade.

Batemos no peito para dizer que nossa opinião deve ser ouvida, porque ninguém mais seria o “dono da verdade”. Só que isso é mais uma das falácias espalhadas nas redes sociais por aqueles que se beneficiam dessa cacofonia digital infinita.

Sempre existiram “donos da verdade”, que são pessoas, empresas e instituições com grande reputação, construída ao longo de anos e com muito esforço, e uma extensa ficha de serviços prestados à sociedade. E eles continuam existindo! Sua credibilidade não pode ser simplesmente descartada porque afirmam coisas das quais discordamos.

Jornalistas, professores, universidades e muitos outros continuam tendo um papel fundamental para a manutenção da vida. Aqueles que os criticam são os mesmos que, diante de sua incapacidade de produzir Ideias críveis e positivas para a sociedade, precisam destruir todos aqueles que fazem isso, para que criem uma “tabula rasa” sobre a qual imporão suas vontades sobre as massas.

Isso me lembra de quando Umberto Eco recebeu, em junho de 2015, o título de doutor honoris na Universidade de Turim (Itália). Na ocasião, o escritor e filósofo italiano disse que as redes sociais haviam dado voz a uma “legião de imbecis” e que “agora eles têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel”. Afirmou ainda que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”

Ele estava certíssimo! Quando a desinformação ainda não havia se transformado em uma ferramenta de controle de massas em escala industrial, ele já antecipou o que estava por vir.

 

As bases da civilização

O historiador israelense Yuval Noah Harari afirma que o ser humano só alcançou a dominância do planeta por ser o único ser vivo com a capacidade de acreditar em desconhecidos para construir algo com eles.

A isso, damos o nome de sociedade! Do jeito que as coisas vão, estamos perdendo esse recurso, colocando, portanto, o próprio conceito de sociedade em risco.

O que se vê é um número crescente de pessoas que confundem liberdade, com libertinagem. Quando todo mundo faz o que bem entende, sem respeitar leis ou regras, e principalmente sem respeitar a liberdade do próximo, a sociedade começa e a derreter, dando espaço a uma anarquia.

Não é um conceito difícil de entender. De fato, isso é algo que aprendemos na escola: “a sua liberdade termina quando começa a liberdade do outro”. Ou, se preferir, “não faça com o outro o que não gostaria que fizessem a você”.

Esse é um conceito basilar em qualquer grupo organizado no mundo, e vinha funcionando bem nos últimos séculos. É claro que sempre houve aqueles que descaradamente desrespeitavam isso em benefício próprio, apropriando-se dos direitos alheios para aumentar os seus. Mas agora as redes sociais permitiram que eles se multiplicassem e se tornassem incrivelmente poderosos.

Espero que esse momento que estejamos vivendo seja apenas mais um desses “desvios de conduta em massa”, e que consigamos, em breve, resgatar uma convivência civilizada e equilibrada. Para isso, precisamos também das redes sociais.

Esse é o motivo de tanta gente estar preocupada com o que Elon Musk realmente fará com o Twitter. Mas, apesar de suas manifestações na própria rede, tudo o que os diferentes grupos ideológicos dizem sobre o tema não passa de especulação. Musk não tomará ações que levem a plataforma à ruína. Além disso, mesmo com o Twitter tornando-se uma empresa de um único dono, ela continuará sendo regulada e pressionada pelos órgãos de justiça do mundo todo, especialmente dos Estados Unidos, onde fica a sua sede. E essas instituições já deixaram claro que a liberdade deve ser preservada, desde que as redes sociais não se tornem uma terra sem lei.

Enquanto não soubermos o que Musk efetivamente fará com o Twitter quando for capaz disso, precisamos fazer a nossa parte para nos salvar de nós mesmos. Não podemos continuar achando que tudo é culpa dos outros e –pior ainda­– que nós estamos sempre certos e que os outros estão sempre errados. De maneira geral, a verdade está sempre em algum ponto no meio do caminho entre os vários extremos.

 

O escritor e filósofo italiano Umberto Eco, que, em 2015, anteviu como a exposição de opiniões na Internet poderia ameaçar a sociedade

Prestes a atingir 5 bilhões de pessoas, mundo online expõe nossas imperfeições

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Em algum momento ainda nesse trimestre, o mundo deve atingir a incrível marca de 5 bilhões de pessoas conectadas à Internet! Desse total, cerca de 93% acessam redes sociais, que aparecem e somem a toda hora, cada uma delas trazendo novidades e capturando nosso tempo e nossa atenção. Nesse bombardeio cognitivo, batemos em limites de assimilação de nosso cérebro, o que nos leva, às vezes, a comportamentos no mínimo questionáveis.

Os números acima são da recém-lançada edição 2022 da pesquisa Global Digital Report, organizada pelas consultorias Hootsuite e We Are Social. Essa avalanche digital exige que repensemos nossa postura diante dessas plataformas, para que não sejamos engolidos por elas, colocando em risco até mesmo nossa integridade.


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A pesquisa estimou que o mundo terminou 2021 com uma população de 7,91 bilhões de pessoas, das quais 4,95 bilhões (62,5% do total) já estavam online. Para se ter uma ideia desse crescimento, há apenas uma década, éramos 2,18 bilhões de conectados. No Brasil, 77% da população –ou 165,3 milhões– acessam a Internet.

Aliás, o relatório aponta que os brasileiros usam muito o meio digital! O tempo médio diário global na Internet é de 6 horas e 58 minutos, mas, por aqui, ficamos online 10 horas e 19 minutos todos os dias, atrás apenas da África do Sul e das Filipinas. Desse total, as pessoas dedicam, em média no mundo, 2 horas e 27 minutos às redes sociais. Já no Brasil, chegamos a 3 horas e 41 minutos diários nessas plataformas.

Segundo a pesquisa, as pessoas ficam online principalmente para buscar informações (61%), manter contato com familiares e amigos (55%) e ficar atualizado (53%). O celular é a principal forma de conexão: já existem 5,3 bilhões de pessoas que têm algum tipo de celular, mais, portanto, que pessoas online. O tempo médio diário global nesses aparelhos é de 4 horas e 48 minutos, enquanto os brasileiros lideram esse ranking, com uma média de 5 horas e 25 minutos.

De fato, os celulares estão no centro dessa revolução. Por um lado, eles nos oferecem incríveis oportunidades para tornar nossa vida mais fácil, produtiva e divertida, pois nos colocam em contato com o que há de melhor na Internet a todo momento e em qualquer lugar. Por outro, eles nos mantêm permanentemente conectados e atentos a tudo que acontece nessas plataformas, com um volume de notificações muito superior ao necessário e até do que seria saudável.

Essa overdose de informação mantém nosso cérebro continuamente estimulado. Para piorar, muito do que chega até nós é superficial, possui baixa qualidade informativa ou simplesmente é falso ou impreciso. E isso criou uma geração de pessoas acostumada a consumir conteúdos assim, tornando-se intolerantes ou preguiçosos quanto a temas mais profundos ou raciocínios mais elaborados.

Um dos grandes benefícios da Internet foi ela ter democratizado a propagação de ideias. Com ela, qualquer um pode (em tese) falar para o mundo todo. Mas infelizmente, ao invés de ampliar a comunicação, isso gerou uma cacofonia global, em que todos falam ao mesmo tempo e ninguém se entende. Pior: muitos falam com incrível convicção, mas poucos estão dispostos a sequer ouvir o outro. E isso viabilizou nossa sociedade atual, incrivelmente polarizada e com uma crescente incapacidade de seus integrantes de construir com o outro.

Em um célebre discurso em junho de 2015, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco disse que as redes sociais haviam dado voz a uma “legião de imbecis”, antes restrita a “um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade.” Afirmou ainda que “eles eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel” e que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”

Na época, discordei dele, pois defendo que todos tenham a chance de expor suas ideias. Mas, passados esses anos e com a assustadora e irracional polarização que tomou o mundo de assalto, entendo que ele anteviu o que vinha pela frente.

 

Limites para uma boa convivência

Isso tudo expõe uma de nossas maiores imperfeições: na “luta pela sobrevivência”, preservada em seus cérebros desde tempos primitivos da nossa espécie, muitas pessoas não consomem apenas o que precisam, mas tudo que puderem.

É por isso que o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679) disse, em sua obra mais famosa, Leviatã (1651), que “o homem é o lobo do homem”. Para ele, precisamos viver organizados por regras e normas, que chamou de “contratos sociais”. Sem elas, esse “lobo” surgiria em todos, e rumaríamos à barbárie.

Se isso já era um risco no século XVII, tornou-se crítico com a caixa de ressonância infinita das redes sociais. Nessa cacofonia global de discursos com a profundidade de um pires, tudo parece poder ser relativizado e a opinião de cada um ganha status de verdade. A liberdade de expressão foi cooptada e corrompida numa tentativa de justificar verdadeiras barbaridades. E isso tem sido normalizado nas redes sociais.

Um exemplo emblemático aconteceu na segunda passada, quando o apresentador Monark defendeu explicitamente, no Flow Podcast, a criação de um partido nazista e de alguém querer ser “antijudeu”. Tudo em nome da liberdade de expressão!

As pessoas precisam entender que ela não é irrestrita. A suposta opção de ser nazista, como defendeu o youtuber, encontra uma barreira na maior valoração de outros direitos fundamentais e na preservação do direito do próximo. Em outras palavras, nossa liberdade termina quando a liberdade do outro começa, especialmente a “liberdade de existir”.

Esse tipo de manifestação é nocivo à sociedade, pois tenta relativizar algo que é, na verdade, um crime. Por mais que alguém diga que uma pessoa tenha direito a, por exemplo, ser pedófilo ou sair na rua matando pessoas, nenhuma dessas duas atividades é minimamente aceitável.

Ao debater isso em um programa com a audiência na casa dos milhões, especialmente de jovens, isso pode gerar confusões na cabeça das pessoas. Vale lembrar que, segundo o Global Digital Report, o brasileiro usa, em média 8,7 plataformas de mídias sociais diferentes por mês, acima da média global: 7,5.

Expor opiniões nessas redes exige, portanto, grande responsabilidade dos autores. São necessárias habilidades técnicas para, por exemplo, separar fatos de bobagens, além de um apurado senso ético para ocupar esse espaço.

Alguns podcasters e youtubers podem ser muito divertidos, mas promovem um gigantesco desserviço à sociedade ao usar sua enorme capilaridade e influência para difundir informações incorretas ou coisas ainda piores, como discursos de ódio.

Cabe a cada um de nós, nesse cenário de digitalização onipresente de nossas vidas, usar a incrível capacidade de comunicação que as redes nos oferecem para escolher fontes qualificadas para nos informarmos. Temos que fugir de figuras que guiam suas falas por teorias de conspiração ou modismos, sejam celebridades, sejam os “tios do Zap”.

Abracemos o digital naquilo que ele tem de bom para nosso crescimento e também para o de toda a sociedade.

 

A difícil arte de ser verdadeiro e não agradar

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Há uma piada que circula pelas redes sociais que diz que ninguém é tão popular quanto parece ser no Facebook, nem tão bonito quanto no Instagram, tão bem-sucedido quanto no LinkedIn ou tão sucinto quanto no Twitter. Brincadeiras à parte, você tem a sensação que as postagens nas redes sociais estão ficando muito parecidas umas com as outras?

Não é só pela ação do algoritmo de relevância, que joga na nossa cara apenas aquilo que se parece conosco. Isso é resultado de um fenômeno em que as pessoas querem agradar o outro a qualquer custo. Fazem isso para conseguir um emprego novo ou mais clientes, para brilhar no seu grupo de amigos ou pela necessidade da gratificação fugaz e às vezes patológica de receber “curtidas”.

Fica difícil ser feliz com essa compulsão em agradar, mesmo que, para isso, tenhamos que mentir sobre nós mesmos. E isso se manifesta com ainda mais força nas redes sociais, que premiam quem é raso, porém alinhado com a massa. Viramos marionetes de uma sociedade de pensamentos únicos, em que, para ser aceito, é preciso “mugir no mesmo tom da manada”.

Até onde vai essa loucura?


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Por exemplo, em outubro, a organização internacional Artigo 19 divulgou relatório que demonstra que o Brasil teve a maior queda no mundo na liberdade de expressão. Em 2009, o país somava 89 pontos em uma escala de 0 a 100 em liberdade de expressão. Em 2020, somamos apenas 46 pontos!

Com isso, ocupamos a modesta 94ª posição, entre 161 países avaliados, e deixamos de fazer parte do grupo de países classificados como “abertos”. Estamos praticamente empatados com as Filipinas, e abaixo da Hungria e do Haiti. Também estamos atrás de todos os países da América do Sul, exceto a Venezuela.

Algumas pessoas podem contestar esse número, dizendo que, no Brasil, nunca ouve tanta liberdade de expressão, graças às manifestações nas redes sociais. É preciso então explicar o que esse termo significa.

De fato, nunca tanta gente colocou seus pensamentos nas redes sociais. Mas isso não é suficiente para configurar liberdade de expressão. Na verdade, acaba sendo o contrário!

Primeiramente porque grande parte do que propagam são ataques baratos que visam destruir a imagem de outras pessoas, empresas e instituições. Isso pode ser enquadrado em vários crimes, o que, por si só, já contraria o conceito de liberdade de expressão. Além disso, o que essas pessoas falam não são suas ideias: servem apenas de caixa de ressonância para palavras de ordem de grupos específicos, prestando-se a viabilizar seus objetivos. Fazem isso por se alinharem com as ideias desse grupo ou para se sentir parte dele.

Como canta Caetano Veloso, “Narciso acha feio o que não é espelho” As pessoas não querem ser confrontadas com o que lhes incomoda. Por isso, se tornam presas fáceis de quem lhes agrada, mesmo que seja com a mais rotunda mentira!

Precisamos romper esse ciclo destrutivo!

 

Todos podem fazer sua parte

Todos os seres humanos são importantes para a sociedade e têm algo a contribuir. Infelizmente, às vezes essa contribuição pode desagradar alguns, pelo simples fato de os tirar de sua zona de conforto. Porém, se ela for construtiva e não ferir leis, deve ser dita.

É por isso que gênios não se preocupam em agradar ninguém: apenas fazem o que deve ser feito, desde que seja certo. Por outro lado, os inseguros, os que estão encharcados de ódio e aqueles que simplesmente não conseguem sustentar suas ideias sentem que lhes resta recorrer a essas fórmulas fáceis.

Não caiam nessa armadilha!

Fazer parte de uma comunidade é crítico para todos os seres humanos. Mas isso não significa apenas usufruir do que ela tem de bom a nos oferecer. Tampouco significa viver uma existência baseada em atender as expectativas dos outros e muito menos manipular a narrativa para ser servido por eles. É também genuinamente trabalhar para construir e oferecer algo de bom ao outro, mesmo a um desconhecido.

Essa realidade em que vivemos me lembra o roteiro do episódio “Queda Livre”, o primeiro da terceira temporada da série “Black Mirror”. Ele mostra uma sociedade em que as ações de todos podem ser avaliadas pelas pessoas à sua volta ou nas redes sociais. Tais avaliações alimentam uma espécie de placar individual acessível a todo mundo, que influencia decisivamente a vida em sociedade. Por isso, nesse episódio, as pessoas vivem vidas cheias de mentiras e aparências, apenas para ganhar mais estrelas de seus pares.

Aquilo é uma enorme distorção do que deveria ser uma vida saudável em sociedade. Mas eu pergunto: quanta falta para que cheguemos àquilo em nosso cotidiano?

 

Não dá para agradar todo mundo

Precisamos reaprender a ser verdadeiros e solidários, mesmo que isso possa desagradar alguns. Se tentamos agradar a todos, não conseguiremos ser verdadeiros. Corremos o risco de desagradar mais que agradar. Por sempre se ajustar aos desejos alheios, há o risco de se criar uma legião de eternos insatisfeitos, que sempre vai querer mais.

Portanto, ao invés de buscar competição por “estrelinhas” em nosso cotidiano, devemos procurar a evolução de nós mesmos. Ao mudarmos para melhor, o mundo muda junto.

Temos que dar um basta nesse comportamento de “mentiras agradáveis”! Esse é um dos grandes males da atualidade.

Para isso, não se deixar abater pelo que o outro pensa. Não espere e nem tente fazer com que todos gostem de você. Nenhuma das duas coisas é possível!

Quem entende que não é o centro do mundo vê sua percepção se tornando mais positiva. Assim suas atitudes tendem a melhorar. A beleza do mundo floresce quando cada um busca viver sua vida de maneira construtiva dentro da sociedade.

Seja verdadeiro e pratique continuamente o bem, para termos uma sociedade melhor para todos. Talvez até deixe de “ganhar estrelinhas” de algumas pessoas, mas sua vida será mais plena e feliz.

 

Liberdade de expressão não é para qualquer um

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Exemplo de sátira do blog Falha de São Paulo - Imagem: reprodução

Exemplo de sátira do blog Falha de São Paulo

O terrível massacre no jornal satírico francês Charlie Hebdo, ocorrido na manhã do dia 7, despertou uma reação nos países do Ocidente em defesa da liberdade de expressão. Oito dias depois, o processo que a Folha de S.Paulo move contra o blog satírico Falha de São Paulo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Qual a relação entre esses dois episódios? Para quem não conhece a história, o jornal processou, em setembro de 2010, os irmãos Mário e Lino Bocchini, programador e jornalista respectivamente, e criadores do blog. A Falha parodiava a Folha com fotomontagens e chamadas que ironizavam o jornal e seu posicionamento sobre a campanha presidencial daquele ano. A Justiça aceitou os argumentos dos advogados do jornal, que afirmavam que o blog violava a sua marca, por similaridades no nome e no logo, e um visual que se assemelhava a seu projeto gráfico. O blog saiu do ar, depois de ter sido publicado por apenas 17 dias. Os Bocchini perderam todos seus recursos até agora, mas têm conseguido apoios de peso, como da ONG Repórteres Sem Fronteiras e de Julian Assange, criador do WikiLeaks, além de emplacar matérias favoráveis nos sites da revista Wired e do respeitado Financial Times. Agora a bola está com o ministro Marco Buzzi, do STJ.

Voltando à comoção pelo atentado na França, a Folha condenou energicamente o acontecimento, com um editorial defendendo “valores universais de liberdade e tolerância” e estampando na sua primeira página uma charge com as famosas palavras “je suis Charlie” (“eu sou Charlie”).

Je suis? Je ne suis pas. Há uma evidente contradição nessa história.

Alguns podem argumentar que a Folha, com o processo, não cerceia a liberdade de expressão, e que está apenas protegendo sua propriedade industrial. Mas esse argumento é muito frágil: não entendo como os Bocchini poderiam fazer uma sátira ao jornalão, sem mimetizá-lo.

Sátiras e charges não são apenas “coisinhas divertidas”: elas carregam mensagens, que podem ser poderosíssimas. O público de um veículo entende essas mensagens, e normalmente as considera engraçadas. Mas os satirizados podem ter uma visão bem diferente. No caso das charges de Maomé do Charlie Hebdo, mesmo a maioria muçulmana que condenou a violência contra os jornalistas pode se sentir muito ofendida por elas, pois contrariam seu modo de vida e preceitos sagrados de sua religião, como o simples fato de não se poder retratar o profeta.

Por isso, parece fácil, bonito, certo e justo bradar “Je suis Charlie”! Desde que, é claro, a pimenta não esteja ardendo os próprios olhos.

Aqui no Brasil também se mata para calar a imprensa e a liberdade de expressão, principalmente quando se trata de pequenos veículos. Quando o alvo é a grande mídia, recorre-se ao Judiciário, criando uma espécie de “censura de toga”, o que provoca correta indignação na mídia. Um caso importante e relativamente recente é a censura ao Estadão, em que a Justiça o proibiu de falar mal da família Sarney na “Operação Boi Barrica”.

Irônica e infelizmente estamos vendo, cada vez mais, a mesma grande imprensa se valer do mesmo recurso para calar aqueles que a contrariam. Uma vergonha para a democracia e para a liberdade de expressão que ela diz defender!

“Nosso é o sorriso da liberdade, da esperança e da razão”, diz o editorial da Folha do dia 8. Já Suzana Singer, no papel de ombudsman da mesma Folha, disse em sua coluna no dia 9 de janeiro de 2011: “é difícil encarar essa disputa como uma luta pela liberdade de expressão. (…) Não faz bem a um veículo de comunicação progressista –e que se considera “jornal do futuro”– cercear um blog caseiro, apelativo sem dúvida, mas inofensivo. Nessa batalha de David contra Golias, o papel do gigante malvado coube à Folha, que teve sua imagem muito mais prejudicada do que se tivesse simplesmente ignorado as pedrinhas dos irmãos blogueiros.”

Sejamos Charlie! Mas verdadeiramente. E por inteiro.

O que a “Green Dam” quer barrar

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Para o governo do premiê Wen Jiabao, a pornografia provoca "sérios desvios de conduta e de moral" nos jovens chineses, por isso, deve ser bloqueada

Para o governo do premiê Wen Jiabao, a pornografia provoca "sérios desvios de conduta e de moral" nos jovens chineses, por isso deve ser bloqueada, mas será só isso mesmo?

Hoje era a data definida pelo governo chinês para que todos os computadores domésticos vendidos no país viessem com o software “Green Dam-Youth Escort” pré-instalados. Pela explicação oficial, o programa impedirá que crianças e jovens tenham acesso a pornografia e outros “conteúdos impróprios” na Internet. Na prática, pode impedir que o internauta acesse qualquer tipo de conteúdo online que desagrade o governo, como sites que promovam a democracia, a libertação ao Tibete ou contrários ao Partido Comunista.

Desde que foi oficialmente anunciado no dia 9, o “Green Dam” (literalmente “barragem verde”) vem causado uma enorme gritaria. A única fabricante que confirmou que cumpriria a determinação foi a Acer. Os EUA, a Comunidade Européia e a OMC (Organização Mundial do Comércio) pediram que o governo chinês retirasse a exigência, que representaria um “sério risco à segurança, privacidade e direito de escolha do usuário”. Na sua véspera, a data-limite foi postergada, em data ainda não informada.

A pornografia é considerada crime na China. Ainda assim, estima-se que metade dos jovens consome algum tipo de pornografia online. O governo afirma que “graves desvios emocionais e de conduta” se devem a isso e ao uso de games violentos. Por isso, a “barragem” protegeria crianças e jovens.

Conversa fiada de ambos os lados! Privacidade, liberdade de expressão e de escolha são coisas que não existem na cabeça dos governantes de Pequim. Por outro lado, os 316 milhões de internautas chineses são um mercado em que qualquer empresa quer colocar as mãos. O que o indivíduo realmente quer pouco importa.

O usuário supostamente poderá desinstalar o “Green Dam”. Por outro lado, pais também poderão ampliar a lista de sites censurados para seus filhos. Mas, na prática, quantas pessoas são capazes de fazer isso?

Acho esse software mais uma aberração governamental contra as liberdades individuais. Sou fortemente contrário a ele, não por causa dessa conversinha dos EUA e da Europa, mas por um posicionamento filosófico, íntimo. Os chineses deveriam continuar navegando livremente, limitados apenas pela sua boa educação e moral. Mas receio que o seu governo prefira o jeito mais fácil –e confortável– e o “Green Dam” logo inundará os computadores do pais.

Uma ressalva final: não pensem que só o “gigante vermelho malvado” quer controlar a Internet. Nos anos 1990, o Congresso dos EUA, berço da liberdade e blá-blá-blá-etc., quase aprovou o “Ato de Decência nas Comunicações”, que, na prática, censuraria fortemente o conteúdo publicado na Internet. E, se quiser algo mais próximo e mais recente, olhemos para o nosso próprio umbigo, com o Congresso Nacional brasileiro tramitando aquela que é conhecida como “Lei Azeredo”, que determina várias ações que, no mínimo, ferem as liberdades individuais.

Pois é: liberdade e educação sempre amedrontam os donos do poder.