modelo de negócios

Separando a Igreja do Estado e pagando a conta dos veículos

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No último dia 26, durante o seminário de comunicação digital “Os desafios éticos e legais nas empresas jornalísticas”, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais), meu colega Marco Chiaretti disparou: “o problema é que está entrando muito dinheiro nas redações”. Não, ele não sugere que o jornalismo deixe de ser uma atividade remunerada. O que ele quer dizer é que as áreas de negócios das empresas de comunicação estão tendo muito influência sobre as pautas dos seus veículos, uma interferência perigosíssima ao livre exercício do jornalismo.

Assim como a liberdade diante de governos, a liberdade econômica é uma premissa básica do bom jornalismo, daquelas que se aprende no primeiro ano da faculdade. Afinal, o veículo tem que poder noticiar uma enorme falcatrua de uma empresa, mesmo que ela seja seu maior anunciante. Corre-se o risco de perder o anunciante? Claro! Mas daí vem uma frasesinha muito conhecida no meio: “a separação Igreja-Estado”, que diz que decisões de negócios não devem interferir nas editoriais e vice-versa (só não me perguntem quem é a Igreja e quem é o Estado).

Se isso for respeitado e a Redação fizer seu trabalho direito, constroi-se o maior bem do jornalismo: a credibilidade. E, pelo menos no mundo perfeito, isso deveria ser suficiente para o negócio seguir adiante.

Mas não estamos no mundo perfeito! Há alguns dias, zapeando despreocupadamente pela TV, dei a sorte de cair no começo de “O Informante”, com Al Pacino. Para resumir bastante a história, o filme conta o caso verdadeiro de uma reportagem do “60 Minutes”, da norte-americana CBS, em que um ex-alto executivo da indústria tabagista vem a público e explica, com todas as palavras, como seus antigos colegas deliberadamente manipulam as substâncias químicas nos cigarros para viciar seus consumidores.

Bem, como pode ser visto no trecho abaixo, depois de tudo pronto, a área de negócios da emissora tentou barrar a todo custo a entrevista com o informante, pois ela seria prejudicial à empresa. Só não conseguiu devido à sagacidade e –permitam-me a expressões– aos culhões do produtor, vivido por Pacino.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=ZIjpP-XngKA]

Realmente, fica difícil quando aquela que possivelmente foi a maior reportagem do ano só foi ao ar depois de muita confusão. Mas não sejamos inocentes em acreditar que isso não acontece.

Caímos então em um dilema: no mesmo seminário da ANJ, vários participantes disseram que é necessário que a imprensa volte a ser mais mantida pelo seu próprio público que por anunciantes, mas vivemos uma época em que as pessoas não querem pagar pelo conteúdo que consomem. Trata-se de uma discussão que não cansamos de tratar nesse blog.

Quase cegos

Também participando do evento, Caio Túlio Costa conclamou que as “empresas deveriam fazer operação de catarata!” Não se trata mais de discutir mudanças no modelo de negócios, e sim aceitar e entender que todo o negócio –em muitos de seus itens essenciais– mudou. “Os veículo ainda não entenderam essa nova realidade da informação”, concluiu.

Traduzindo: pode ser razoável que o público mantenha, ainda que não totalmente, a atividade jornalística, garantindo assim a independência e um jornalismo de qualidade (o que, aliás, é de interesse do mesmo público). Mas não dá para simplesmente pedir –ou pior, tentar impor– que as pessoas paguem pelo conteúdo: elas precisam ver valor naquilo, entender por que estão pagando e encontrar um preço que lhe pareça justo. É por isso que simplesmente fechar conteúdos é uma burrice.

Nesse teatro em que os atores não sabem suas falas, vem o The New York Times há alguns meses com uma proposta de “paywall” que, de início, foi motivo de chacota de muita gente. Basicamente, ele permite que se leia, de graça, 20 textos do site a cada 30 dias. Depois disso, tem que se pagar. O desprezo inicial se deve ao fato de o sistema ser facílimo de burlar, além de possuir várias “liberalidades” em seu conceito. Apesar disso, o NYT vem comemorando resultados muito surpreendentes: de um lado, a queda na visitação de seu site foi considerada aceitável; do outro, aumentou consideravelmente o volume de assinantes do site… e do jornal impresso!

Como isso foi possível? Pela combinação do melhor jornalismo independente do mundo com preços muito baixos. US$ 0,99 por semana para ter acesso ilimitado a todos os produtos digitais do NYT nas primeiras quatro semanas e US$ 35 por mês depois disso? E você ainda recebe o jornalão impresso em casa! É um valor razoável. Não obstante, eles realizaram uma pesada campanha de conscientização para justamente demonstrar que o jornalismo independente precisa do apoio do seu público.

As empresas de comunicação, especialmente a mídia impressa, estão rezando para essa “moda” pegar. Afinal, o dinheiro vindo da publicidade não para de minguar e fica cada vez mais difícil fechar as contas. São necessárias outras formas de fomentar o negócio. Mas temo que vejam apenas a parte do “conteúdo fechado” sem ver todo o resto do trabalho da turma do NYT. Repito: apenas fechar o conteúdo e esperar que o usuário pague por ele é um tiro na cabeça. Sempre existirá conteúdo grátis (e –sim– de qualidade) na rede.

No dia 5 de outubro, enquanto dava uma aula em um curso de extensão da PUC-SP, um aluno me indagou se esse modelo daria certo no Brasil?

Acho que sim. Você não pagaria R$ 1 por semana para garantir um jornalismo de qualidade para você?

Olha quem está falando

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Novo recurso do Facebook: "falando sobre isso"

O Facebook lançou há alguns dias o recurso “falando sobre isso” nas “fan pages”, páginas criadas por pessoas e empresas para promover o que fazem e o que gostam. A novidade mostra quantos usuários da rede social se relacionaram com cada página nos últimos sete dias. Por “se relacionar”, entenda-se compartilhar qualquer conteúdo publicado ali, fazer comentários, posts, incluir ou marcar fotos, responder a um evento ou simplesmente clicar no botão “curtir”. Na pratica, o que o Facebook espera é medir o “engajamento” em torno do assunto da “fan page”.

Por trás de mais uma métrica social aparentemente inocente, o “falando sobre isso” esconde a intenção do Facebook de criar um novo modelo comercial com valor um tanto intangível: o relacionamento das pessoas com qualquer marca. A empresa fatura alto com os pequenos anúncios que coloca em todas as suas páginas, alinhados com o perfil de cada usuário. Mas, para isso, depende que esses mesmos usuários cliquem nas peças. Com seu novo lançamento, a rede de Mark Zuckerberg quer tentar minimizar a importância dos cliques nos anúncios e mostrar ao mercado publicitário que é capaz de trazer valor sem eles, algo que, de quebra, ninguém consegue hoje fazer tão bem quanto o próprio Facebook.

Ninguém discute que o engajamento em torno de uma marca tem um enorme valor. Ele é uma das chaves para o que o mercado publicitário chama de “mídia espontânea”, ou seja, a exposição de uma marca em notícias e outros formatos não pagos, em oposição à “mídia paga”, que são os anúncios. Mas quanto o “falando sobre isso” realmente mede disso? Além do mais, o engajamento indicado pela novidade pode incluir pessoas fazendo comentários negativos sobre a marca.

Essa característica “etérea” do engajamento é o principal obstáculo para que o novo modelo seja aceito pelo mercado publicitário. É difícil de medir resultados nisso, ao contrário dos cliques nos banners, claramente identificados, justamente uma das maiores vantagens que a Internet oferece ao mercado publicitário diante de outras mídias, incapazes de dar um retorno tão precisamente identificado.

Dois coelhos

Para o Facebook, conseguir tal convencimento mataria dois coelhos com uma cajadada só. Primeiramente o colocaria em ampla vantagem sobre toda a indústria, pois ninguém conhece os gostos dos usuários como ele, nem mesmo o Google.

O gigante de buscas também faz fortuna entregando pequenos anúncios publicitários espalhados por sites próprios e de terceiros. Os anúncios do Google estão sempre associados ao assunto da página em que aparecem. Segundo seu raciocínio, que tem dado certo, se o usuário se interessa pelo assunto da página, deve se interessar pelo anúncio, se ele tiver assunto semelhante. Ele se foca, portanto, mais na página que no usuário. Já o Facebook segue o caminho contrário. Com seu inigualável banco de dados sobre gostos dos usuários, os anúncios que entrega são focados sempre no próprio usuário, não se importando com o conteúdo da página.

Todo esse conhecimento sobre as pessoas vem justamente das ações e do engajamento de cada um com seja lá o que for. Clicar no botão “curtir” em uma notícia não é só um jeito fácil e bacana de se dizer aos amigos que se gosta daquilo: o usuário também diz o mesmo ao Facebook, que assim constroi o seu perfil de cada um de nós. Dessa forma, ninguém pode oferecer informações sobre engajamento ao mercado publicitário como eles. Se o pessoal do marketing comprar a ideia, eles ficam por cima da carne seca.

O segundo motivo chega a ser quase paradoxal para quem conhece tão bem os usuários. Estudos, como esse, da Webtrends, sugerem que a taxa de cliques nos anúncios do Facebook é muito baixa, mesmo quando comparadas ao que se pratica nessa indústria (especialmente o Google). Pior que isso: ela vem caindo. Pelo estudo, a taxa de cliques (CTR, “click-through rate” ou “taxa de cliques”) caiu de 0,063% para 0,051% de 2009 a 2010. Em direção contrária, o que o Facebook cobra, em média, por clique (CPC, “cost per click” ou “custo por clique”) subiu, no mesmo período, de US$ 0,27 para US$ 0,49. E o quanto cobra por simplesmente exibir os anúncios (CPM, “custo por mil”) também subiu, de US$ 0,17 para US$ 0,25 a cada mil impressões.

Por isso, enfraquecer a importância do CTR enquanto fortalece o engajamento são críticos para o Facebook. Representariam o enfraquecimento da concorrência (especialmente do Google) e o fortalecimento do Facebook. Seus executivos têm uma árdua tarefa junto ao mercado publicitário. Se tiverem sucesso, merecerão gordos bônus por alterar a maneira como as empresas anunciam seus produtos e serviços.

O Facebook é o jornal; seus amigos, os editores

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O Wall Street Journal Social - Imagem: reprodução

O Wall Street Journal trouxe o seu noticiário para dentro do Facebook com o Social, promovendo os amigos de seus usuários a "editores"

O Wall Street Journal lançou recentemente uma versão do seu noticiário dentro do Facebook. Batizado de WSJ Social, o aplicativo não representa nenhum grande avanço tecnológico –na verdade, é bastante simples. A inovação está justamente em se criar um Journal rodando inteiramente dentro da rede de Mark Zuckerberg e valendo-se das atividades de amigos para produzir a cada usuário, individualmente, um produto jornalístico personalizado.

Todo o noticiário exibido dentro do aplicativo é do próprio WSJ, mas a “edição” que cada pessoa vê é diferente da de todos os demais usuários, já que as notícias são organizadas de acordo com a atividade de seus amigos que selecionou como seus “editores” no produto. Como cada pessoa lê coisas diferentes, as combinações disso tudo geram edições bastante individualizadas. Além disso, o aplicativo cria um ranking dos editores mais ativos de cada usuário.

A lógica por trás disso é que cada usuário tende a ver destacado o que seus amigos gostaram no WSJ. Quanto mais recomendado um texto, mais destaque ele ganha. E, se muitos amigos seus recomendarem um texto, em tese aumenta a chance de que o próprio usuário também goste dos mesmos textos. Exatamente o mesmo conceito que move praticamente tudo dentro do Facebook: “diga-me com quem anda (ou se relaciona digitalmente, enfim) e eu direi quem você é”. Trata-se de um desdobramento interessante –e positivo– da “bolha de filtro” de Eli Pariser, já discutido nesse blog.

Vale destacar que todo o dinheiro feito dentro do aplicativo, seja com publicidade, assinaturas ou o que for, fica com o veículo. O Facebook fica com o caixa gerado em seus anúncios nas mesmas páginas, mas fora da área do aplicativo.

O WSJ não está sozinho: The Guardian também já lançou um aplicativo semelhante (ainda que mais limitado) , assim como o The Daily, que nasceu com a ideia de ser um jornal exclusivamente para iPad. Vários outros títulos de porte já estão trabalhando nos seus aplicativos.

Por que as publicações estão fazendo isso, justamente em um momento em que estão se debatendo para evitar que seus leitores debandem para outros sites, tentando estancar a sangria de sua audiência? O próprio Google News é, há anos, o pivô de uma queda de braço dos publishers com o gigante de busca, acusado de roubar conteúdo alheio para produzir um concorrente.

A resposta pode ser resumida com uma frase curta: porque as pessoas estão lá! Gostem os veículos ou não, o fato é que as pessoas gastam cada vez mais tempo no Facebook, mesmo em um cenário em que ficam menos tempo na Web como um todo, como pode ser visto no gráfico abaixo:

Evolução da minutagem do Facebook e da Web

Gostem os veículos ou não, as pessoas mais e mais consomem os seus próprios conteúdos a partir de seu feed de notícias no Facebook em detrimento da home pages de seus sites (que dizer então das edições impressas, pelo menos para essa turma?). Mais que isso: o que seus usuários estão consumindo de suas publicações não é o que os editores dos veículos promovem, e sim o que os amigos de cada usuário –seus “editores”– recomendam.

Dessa forma, esse movimento dos veículos é resultante da aceitação de uma mudança na forma de se consumir notícias, aliada a recursos tecnológicos fornecidos pelo Facebook. Por outro lado, é importante também notar que a gênese do bom jornalismo continua sendo os veículos que prezam por ele, pois o Facebook ou os amigos dos usuários não produzem conteúdo, apenas o promovem.

A grande inovação aqui está na “ousadia” (ainda que atrasada) dos veículos em topar re-empacotar seu conteúdo em um novo formato, mais adequado ao (novo) perfil de seu público. Os que tiverem essa coragem não apenas reterão a sua audiência, como provavelmente ganharão novos usuários. E preservarão o valor de sua marca e seu bom jornalismo.

Sem vender a alma ao diabo

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Hoje cedo, no Info@Trends, Julian Assange afirmou que The New York Times e The Guardian sonegam informações a seus leitores por interesses espúrios

Hoje cedo, no Info@Trends, Julian Assange afirmou que The New York Times e The Guardian sonegam informações a seus leitores por interesses espúrios

“Quando uma grande empresa de mídia se aproxima do poder, ela começa a legitimar esse governo.” A frase foi dita por Julian Assange, criador do WikiLeaks, ao abrir, hoje cedo, o Info@Trends 2011. Assange, que falou por videoconferência, pois está em prisão domiciliar na Inglaterra, acusado de assédio sexual pela promotoria sueca, fez pesadas criticas a governos e também à imprensa. Segundo ele, as investigações do WikiLeaks demonstram que veículos de comunicação deliberadamente sonegam informações a seu público, citando nominalmente o The New York Times e o The Guardian.

Vários motivos explicam essa associação espúria entre a imprensa e governos (ou outras instituições ou companhias), mas as mais comuns são o medo de atentados e represálias políticas, e o interesse econômico das empresas de comunicação. Esses itens acompanham a história do jornalismo, mas o bom exercício da profissão sempre implicou em resistir a eles.

Sobre esse último, o jornalismo sério tradicionalmente se protege “associando-se” a seu consumidor –leitor, espectador ou internauta– que banca parte da produção com assinaturas e vendas avulsas. Com seus verdadeiros clientes pagando pelo conteúdo jornalístico, os veículos não precisam depender financeiramente de grupos externos. Dessa forma, os jornalistas podem exercer seu ofício de maneira independente.

Mas o que acontece quando esse mesmo público se recusa a pagar pelo conteúdo? Esse é o dilema que o jornalismo vem vivendo há uma década. Com a overdose de informação na Internet, criou-se a falsa e polêmica ideia de que o conteúdo deve ser gratuito. Falsa porque produzir jornalismo de qualidade custa dinheiro; polêmica porque é verdade que se pode encontrar bom conteúdo de graça na rede, normalmente produzido como atividade secundária ou de apoio por outras pessoas ou empresas.

O fato é que esse conceito trouxe a imprensa a uma crise econômica sem precedentes. Então seria legítimo, em nome da sobrevivência, trair o interesse do leitor, como Assange acusa os veículos de fazer?

Não estou inocentemente propondo que as empresas de comunicação nunca se vendem por interesses econômicos ou políticos. Mas vamos supor, para efeito de análise, que isso não seja pelo menos algo sistematicamente recorrente. Como os veículos podem então sobreviver com seus clientes resistindo a pagar pelo conteúdo e com suas fatias publicitárias minguando continuamente?

A verdade é que o bom jornalismo jamais perderá seu valor, porém o quanto as pessoas estão dispostas a pagar por ele se corroeu pela enorme quantidade de informação gratuita. Em outras palavras, os consumidores ainda veem valor no bom jornalismo, mas talvez não queiram mais pagar por ele se tiverem, de graça, um concorrente que ofereça um produto inferior, mas “quase tão bom”.

Se não alterarem seu produto e seu modelo de negócios, não há saída para os veículos e as perspectivas são ruins para o futuro. Em um mundo onde as pessoas têm cada vez menos tempo para tudo, vivem sob crescente pressão e todas as atividades parecem ter a obrigação de lhes trazer ganhos imediatos, o que as empresas de comunicação e os jornalistas precisam entender –e praticar– é que o resultado de seu trabalho é, mais que nunca, um serviço. Dessa forma, precisa ser re-empacotado para atender a demandas específicas de cada indivíduo, suas necessidades pessoais quanto a assunto, freqüência e horário de publicação e até formato editorial.

Essa resposta não chega a ser uma novidade: eu já a trombeteio há anos. Mas ela ainda causa arrepios em publishers e editores, pois subverte conceitos que norteiam o jornalismo desde que ele se profissionalizou, no século 19. Por isso, resistem bravamente às mudanças, por mais que sintam a água chegando ao pescoço. Ainda não se sentem seguros para dar o salto no abismo do qual estão à beira. Não confiam que a mesma tecnologia digital que os colocou nessa incômoda posição seja também o caminho para que se reinventem, sobrevivam e prosperem.

Se continuarem assim, só lhes restará vender a alma ao diabo. Exatamente a ferida na qual Assange enfiou o dedo hoje cedo.

A aposta de Murdoch no iPad

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Rupert Murdoch prepara o lançamento do The Daily, um diário que só existirá no iPad, mas que mimetiza um jornal impresso

Rupert Murdoch prepara o lançamento do The Daily, um diário que só existirá no iPad, mas que mimetiza um jornal impresso

Nos últimos dias, a mídia especializada deu grande destaque ao novo veículo que Rupert Murdoch, presidente da News Corporation, proprietária do The Wall Street Journal, está criando. Batizado de The Daily, o periódico deve ser lançado no início de 2011, será tocado por uma redação de cem jornalistas, alguns deles grandes nomes do mercado americano, e começa com uma injeção inicial de US$ 30 milhões.

Até aí, no big deal. O que torna The Daily realmente único é o fato de que ele será publicado apenas no iPad. Nada de versão na Web e muito menos em papel. Murdoch, um sujeito que, se pudesse, acabaria com a Internet só porque ela atrapalha o que ele realmente gosta de fazer, que são os jornais, e que vem buscando há meses (anos?) um modelo de negócios substituto para o papel, parece tê-lo encontrado no incensado tablet da Apple.

The Daily pode dar certo. Primeiramente porque o mogul australiano da mídia conta com o apoio do próprio Steve Jobs, CEO da Apple, para criar um produto que realmente tire proveito dos encantadores recursos do iPad, fugindo da mesmice, das limitações e da sem-gracisse dos produtos editoriais lançados até agora para o tablet (nota do editor: Jobs publicamente detesta o aplicativo para iPad do The New York Times, arquirrival do The Wall Street Journal).

Além disso, usuários do iPad adoram consumir aplicativos que tornem a sua experiência com o tablet melhor. E, nesse ponto, os US$ 0,99 que o veículo cobrará por semana são uma pechincha. Como conseguiram a mágica de cobrar tão pouco? Bom, como expliquei no meu post anterior, 80% dos custos de produção de um jornal são “desperdiçados” em coisas como papel, impressão, distribuição, infra-estrutura monumental… Apenas 20% são investidos naquilo que as pessoas realmente consomem, ou seja, conteúdo editorial. Criando um veículo que roda apenas no iPad, Murdoch elimina a maior parte desses custos “extras”.

Steve Jobs, CEO da Apple, que está empenhado em criar um The Daily que tire bom proveito dos recursos do iPad

Steve Jobs, CEO da Apple, que está empenhado em criar um The Daily que tire bom proveito dos recursos do iPad

A expectativa da News Corp. é chegar a 500 mil assinantes do The Daily em cinco anos. Se isso acontecer, isso passa de US$ 25 milhões em receitas de assinaturas anuais. Ok, um terço deve ficar com a Apple, mas, somadas às receitas de publicidade, The Daily deve ser financeiramente saudável. Se a Apple ainda trouxer o aplicativo pré-instalado no iPad, a quantidade de usuário pode ser ainda maior (tai a Microsoft que não me deixa mentir quando o assunto é pré-instalar programas no sistema operacional para ganhar mercado).

Mas nem tudo são flores no novo rebento de Murdoch. Se, por um lado, o modelo de negócios parece consistente, não posso dizer o mesmo do produto em si. Especialmente porque se trata de um jeito novo de se entregar notícia velha. Apesar de não ser impresso em árvores mortas, The Daily insiste no velho modelo do jornal diário de abrangência nacional: você baixa a edição de hoje, que traz notícias de ontem. As atualizações só virão amanhã… e com notícias de hoje. Nada de noticiário atualizado ao longo do dia. E muito menos pense em um noticiário personalizado, outra demanda que está explodindo entre os internautas.

Além disso, ele não oferecerá link para nada na Internet: todo o conteúdo será fechado nele mesmo. E, claro, ninguém dará link para ele, já que se trata de um aplicativo, e não de um site. De novo, The Daily fica mais parecido a um impresso e menos digital.

Por fim, The Daily pode enfrentar concorrência no próprio iPad de sites com conteúdo de qualidade e grátis, assim como os jornais de Murdoch enfrentam há anos na Web. Já se observam sites que começam a oferecer na Web produtos criados especificamente para iPhone e iPad, o que implica inclusive em alternativas ao uso do Flash, que os irritantes da Apple baniram de seu ecossitema. E aí, The Daily ficará ainda mais com cara de um jornal lento e pesadão.

Moral da história: por mais bem feito que a turma da Apple consiga criar o The Daily, eu diria que as suas chances residem muito mais em seu modelo comercial que editorial, que não me convence. É uma tremenda aposta de Murdoch, um dos maiores representantes de uma indústria que, especialmente nos EUA, agoniza. Mas eu sinto cheiro de naftalina: Naftalina for iPad.

O real custo de produção do jornalismo

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O The New York Times e sua versão para o Kindle - Foto: divulgação

O The New York Times e sua versão para o Kindle

Depois do meu último post, sobre o fim da versão impressa do Jornal do Brasil, várias pessoas vieram conversar comigo sobre isso, e se a Internet pode ser mesmo a salvação para veículos que não conseguem mais se manter em suas mídias de origem.

Para essa inquietação, a minha resposta é: depende. Como demonstrei no referido post, essa migração jamais salvará um veículo mal administrado, como é o caso do Jornal do Brasil. Ele morreu no papel e, salvo aconteça alguma improvável mudança empresarial, a morte também na Web é apenas uma questão de (pouco) tempo. Mas a passagem de uma mídia que já não atende aos interesses econômicos do veículo para os meios digitais é -sim- algo a ser considerado.

Afinal, quanto custa produzir o jornalismo, o “conteúdo” de um veículo? Vou me concentrar na grande mídia impressa, apenas para ficar no exemplo do JB (se bem que diria que ele já deixou de ser “grande” mídia há muitos anos). Fiz a minha lição de casa e constatei uma coisa muito interessante: se considerarmos todos os custos de um grande jornal (e isso inclui os associados à impressão e distribuição), a parcela referente ao jornalismo (considerando salários, infraestrutura para apuração, viagens, prêmios e qualquer tipo de despesa ordinária) gira em torno de apenas 20%. Ou seja, de tudo que custa um jornal, 80% não se refere ao jornalismo.

Oras, qual é o produto do jornalismo? Pelo que as pessoas pagam? Por mais que o grande furo noticioso de hoje esteja forrando a gaiola do passarinho amanhã, as pessoas compram informação, e não papel impresso.

Quando as prensas primitivas começaram a soltar os primeiros exemplares do que se pode chamar de um jornal “moderno”, o papel era fundamental para a disseminação da notícia, simplesmente porque não havia outra maneira de se fazer isso (pelo menos não tão eficientemente). As revistas surgiram depois como uma alternativa de melhor qualidade gráfica, mas faziam essencialmente o mesmo. O problema é que, depois de alguns séculos fazendo isso, o papel e a notícia passaram a ser vistos como uma entidade homogênea e indissolúvel, o que não é verdade. Papel e tinta são apenas veículos do verdadeiro jornalismo.

No ano passado, publiquei um post sobre estudo feito por Nicholas Carlson, do The Business Insider. Basicamente o que ele fez foi calcular quanto custa ao The New York Times, em um ano, imprimir os exemplares enviados a cada um de seus assinantes. Dividiu essa cifra pela quantidade de assinantes e descobriu que isso é mais que o dobro do preço de um Kindle, o popular e-reader da Amazon, que, a propósito, oferece a assinatura digital do mesmo jornal a um custo bastante competitivo se comparado à versão impressa. O autor sugeriu então que o jornal presenteasse cada um de seus assinantes com um Kindle e economizasse, assim, muito dinheiro.

Claro que as coisas não são tão simples assim (e Carlson sabe disso): nem todos os anunciantes do jornal, quem paga a maior parte dos custos do negócios, são tão simpáticos a uma ideia dessas. Mas é um fato matemático que um jornal digital pode ser produzido a um custo muitíssimo menor que um impresso, sem prejuízo algum de seu jornalismo.

Não se trata, portanto, daquela conversinha fiada que o JB publicou em seu site de estar abandonando a versão impressa por se preocupar com as árvores. Eles não estão nem aí para o verde, exceto o do dólar, que eles não têm mais. Trata-se, isso sim, de uma alternativa viável para os grandes títulos continuarem no negócio, produzindo jornalismo de qualidade, algo que eles tanto prezam e que a sociedade muito necessita.

Jobs agora estende sua mão para a imprensa… no iPad

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Steve Jobs, CEO da Apple, sugeriu na D8 que a o iPad pode ajudar a mídia a sair de sua crise - Foto: reprodução

Steve Jobs, CEO da Apple, sugeriu na D8 que a o iPad pode ajudar a mídia a sair de sua crise

Há pouco mais de um ano, Jeff Bezos, CEO da Amazon, sugeriu publicamente que seu e-reader, o Kindle, poderia ajudar a imprensa (especialmente a impressa) a sair de sua enorme crise. Afinal, ele permite que as grandes casas editoriais entreguem seus produtos a custos muito mais baixos, dispensando a impressão e a distribuição. Tanto que convenceu grandes títulos americanos a abraçar sua causa, incluindo o The New York Times, a Time e a Newsweek. Claro, nem todo mundo concordou: Rupert Murdoch, dono da News Corporation, torceu o nariz e chegou a dizer que “não vamos dar o nosso conteúdo à boa gente que produz o Kindle”.

Ontem foi a vez de Steve Jobs engrossar o coro de Bezos. Ou quase: na verdade, ele sugeriu que isso pode acontecer no seu tablet, o iPad. Em entrevista realizada no evento D: All Things Digital, promovido anualmente pelo The Wall Street Journal, o CEO da Apple repetiu a “receita de bolo”: “estou tentando fazer esses colegas adotarem posturas mais agressivas que o que eles cobram tradicionalmente pelo impresso, porque eles não têm os custos de impressão, eles não têm os custos de entrega, cobrando um preço razoável e ganhando no volume.”

Sou muito mais as visões de Bezos e de Jobs que a de Murdoch. Não apenas pela proposta de novo modelo de negócios que os dois primeiros sugerem, combinado à comodidade de os equipamentos fazerem o download automático dos periódicos para seus assinantes. Mas o que mais me atrai –e aí especialmente no iPad– são as possibilidades de se criar um veículo de comunicação realmente inovador, seguindo o que discuti no post anterior.

Algo que se aproximou bastante da minha visão foi um conceito apresentado pela revista Sports Illustrated em dezembro no ano passado, reproduzida no vídeo abaixo:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=ntyXvLnxyXk]

Claro que nem tudo que vemos em um conceito se materializa, pelo menos não logo de cara. Mas o protótipo apresentado pela revista no mês passado, já era bastante interessante, inclusive trazendo alguns recursos de compartilhamento não visto no primeiro conceito apresentado:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=U3j7mM_JBNw]

Em um momento em que o “jornal do futuro” não consegue ir além de infames golpes publicitários dos jornalões, chega a ser revigorante ver iniciativas com as da Sports Illustrated. O papel ainda vai nos acompanhar por muito tempo, mas o uso criativo de equipamentos como o iPad abre a possibilidade de criar uma categoria completamente nova –e muito mais rica– de veículo de comunicação, algo pelo qual as pessoas voltariam a achar razoável pagar. O que não dá é continuar querendo ganhar isso no grito.

Então como deve ser o jornal do futuro?

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No meu último post, comentei a minha decepção diante do “jornal do futuro” que a Folha de S.Paulo tanto propagandeou e finalmente lançou no dia 23 de maio. Depois da grande campanha de marketing, anunciando uma nova forma de se ler jornal, inclusive fazendo referência a downloads e ao iPad, esperei que a Folha pudesse, afinal, criar algo inovador, pelo menos no caminho do que realmente deveria ser um “jornal do futuro”, ainda que não tivesse chegado lá. Mas realmente a coisa não passava de um simples golpe publicitário, como já expliquei.

O post teve boa repercussão e várias pessoas vieram falar comigo sobre o que, afinal, deveria ser um “jornal do futuro” (insisto nas aspas). Para mim, algumas características seriam essenciais:

  • noticiário personalizado a partir da reorganização do material segundo critérios de relevância do usuário (e não apenas “leitor”), explicitamente informados com antecedência ou coletado a partir da navegação e das relações desse usuário com outros conteúdos e outras pessoas;
  • conteúdo realmente multimídia e interativo (concebido assim desde a pauta);
  • experiência informativa expandida com recursos de toda a Web, e não apenas com produtos da publicação ou de produtos da mesma empresa;
  • possibilidade de participação efetiva do usuário, muito além dos comentários observados hoje em alguns sites;
  • fim do “conteúdo fechado a assinantes”, adotando novos modelos de negócios que privilegiem usuários pagantes sem penalizar os não-pagantes;
  • produção de um produto jornalístico que transcenda diferentes mídias, tirando proveito do que cada uma tem de melhor, a despeito da mera transposição de conteúdo da “mídia de origem” (basicamente impresso ou TV) para a Web, como se vê majoritariamente hoje.

Hoje troquei rapidamente algumas palavras com Beth Saad (@bethsaad), a partir de um twit seu que justamente levantava a discussão da leitura de notícias no iPad, dando link para um texto que fazia referências ao uso de applications para uma experiência mais rica nisso. Interessante que, há algumas semanas, venho debatendo isso com Everson Siqueira (@eversonsiqueira) o uso dos mesmos apps para criar produtos editoriais mais ricos para essas novas plataformas, além de simples e-books. Um exemplo interessante é o Alice for iPad.

Algo que não vi ainda ninguém fazendo para valer é alterar os seus meios de produção para separar o conteúdo da forma, a exemplo que os desenvolvedores da Web já vêm fazendo há alguns anos, com a popularização do uso de CSS. Basicamente a ideia é produzir o conteúdo apenas uma vez, publicando-o sem qualquer espécie de formatação e enriquecimentos, que seriam acrescentados dinamicamente no momento da “saída”, seja no papel, seja na Web, seja em um smartphone, seja em um e-reader, seja no que mais aparecer por aí. Dessa forma, o conceito de transposição de mídias dá lugar a um “write once, run many” (sim, emprestei o slogan do Java, que ilustra bem o conceito).

Tenho ventilado aqui e ali a ideia. Admito que é bastante ousada. Mas, combinada aos itens acima, pode finalmente produzir o jornal do futuro (agora sem as aspas).

O futuro do jornal do futuro

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A primeira página da primeira edição do "Jornal do Futuro"

A primeira página da primeira edição do "Jornal do Futuro"

Ontem, domingo, eu fiz duas coisas que não fazia há muito tempo: li a Folha de S.Paulo em papel, e ainda por cima paguei por isso! Fui até a minha banca preferida e comprei o diário, que me surpreendeu logo de cara, pois era uma edição que não tinha primeira página. Quer dizer, ela estava, na verdade, quatro páginas depois da publicidade associada ao “jornal do futuro”, que estreou nesse domingo, e que me motivou a comprar o diário.

Tinha que ver de perto o que era esse tal de jornal do futuro, sobre o qual vinha sendo bombardeado por publicidade em várias mídias há dias. Tinha que analisar isso com isenção. E tenho que admitir que guardava uma esperança de que a Folha, onde minha vida como jornalista começou, realmente tivesse conseguido criar algo inovador, um verdadeiro jornal do futuro, algo que nenhuma grande casa editorial ainda conseguiu fazer convincentemente no mundo.

Li o editorial, o ombudsman e uma pequena retranca no primeiro caderno sobre o assunto. Li o caderno especial detalhando a novidade. Assisti ao making-off de 18 minutos (muito bem produzido, por sinal, mas que não possui um link externo como os do YouTube: DUH!). Naveguei pela Folha.com (novo nome da Folha Online). Vim, vi, mas não venci… Minha esperança virou desilusão. O jornal do futuro não passava de um miserável golpe de marketing, que me fez comprar o jornalão de domingo.

Justiça seja feita: duas importante mudanças aconteceram. A primeira: consolidou-se a integração entre as redações “online” e “impressa”, algo que não dava para acreditar que ainda não tinha sido feito, em nome da qualidade, agilidade e economia. Todo veículo jornalístico deveria integrar todas as equipes de suas diferentes mídias (um viva à BBC!). A segunda mudança é a reforma –mais gráfica que editorial– que literalmente salta aos olhos. Não se pode negar que, nesse quesito, o trabalho foi bem feito, conduzido por um pessoal muito bom.

Mas continuei procurando o tal jornal do futuro. E a última coisa que li foi o artigo de Otávio Frias Filho, que abre a última página do caderno que explica as mudanças. E fiquei bastante triste ao constatar que o que existe, por trás de todo esse verniz, é uma mentalidade de jornal do passado.

No meio de várias afirmações corretas, o diretor da Folha reforça as paliçadas em torno de seu castelo. Rejeita as virtudes do jornalismo cidadão, classificando-o com termos como “qualidade discutível”, “pirataria”, “de alcance limitado” ou “eivado de entretenimento, culto à celebridade, inconseqüência”. Mais que isso, fez coro na banda de Rupert Murdoch, cantando seu refrão de que bom jornalismo só pode ser feito depois de muito investimento. Em nenhum momento, discutiu mudanças no seu modelo de negócios ou modelo editorial.

Onde está o jornal do futuro nessas palavras? Não sou um defensor cego da blogosfera: tenho consciência que se encontra nela muito mais coisas ruins que boas, mas existem coisas MUITO boas ali, jornalismo de altíssima qualidade produzido a um custo irrisório. Por outro lado, estou cansado de ver a grande imprensa, portanto os eleitos para produzir jornalismo de qualidade segundo a tese de Otávio, dando contínuas demonstrações de antijornalismo, como a capa da Veja desta semana (de novo!).

Na sexta passada, conversava com o ex-country manager local de um dos maiores fabricantes de computadores do mundo sobre o início do jornalismo na Internet. Contei-lhe de como foi tão difícil colocar a mesma Folha na Web lá em 1995, ao que ele me respondeu: “mas você deveria ter conversado com o Luís (Frias), que rapidamente entenderia a sua proposta.” E reproduziu algo que o mesmo Luís lhe disse na época, uma máxima do jornalismo impresso que insistem em transpor para a Internet: “as pessoas ainda querem que alguém lhes diga o que devem ler”.

È verdade, a mais absoluta verdade. A “desgraça”, para nós jornalistas, é que, já há alguns anos, não detemos mais a exclusividade desta função. Cada vez (muito) mais, quem determina o que nós “devemos” ler são os nosso amigos, as pessoas em quem confiamos. Ganha relevância no nosso dia a dia o que essas pessoas, em quem confiamos, consideram relevante, em um efeito cascata interminável. E o Google e o Facebook estão aí para não me deixar mentir.

Fica aqui, portanto, o meu triste (mas não solitário) protesto ao “jornal do futuro”. Esperava –desejava verdadeiramente– que a Folha tivesse conseguido romper essa mentalidade revanchista, criando algo que realmente pudesse indicar um caminho que a mídia –e não apenas a impressa– pudesse trilhar para sair dessa crise em que ela mesma se meteu por turrona. Mas não. Perderam a oportunidade. Nem me dão jeito para incluir o seu belo making-off aqui neste post. E, portanto, não vou dar link para ele.

Dividir para conquistar

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Entrei recentemente em uma discussão sobre se seria possível obter ISBN para conteúdos publicados na Web. O objetivo de quem perguntava era, de alguma maneira, garantir os direitos autorais sobre esse conteúdo. Argumentei que a única maneira de impedir que ele seja copiado é não o publicando, especialmente na Web. Mas a questão estava posta e era pertinente.

Para garantir a autoria (o que não tem nada a ver com impedir a cópia), sugiro Creative Commons. O ISBN, por sua vez, não garante absolutamente nada justamente quando o assunto é cópia do conteúdo. Já não garantia quando os livros eram apenas impressos, que dizer agora que eles estão digitalizados, algo que viabiliza cópias rigorosamente fiéis, de maneira extremamente simples e a custo zero.

O grande desafio que a Web coloca em pauta é encontrar modelos de negócios para esta nova realidade. Não acredito que vá acontecer o que alguns arautos do apocalipse pregam, de que a cópia de conteúdos vai matar o interesse dos autores dos mais diferentes tipos de obras, e que, portanto, estaríamos rumando para uma espécie de nova Idade das Trevas.

Vários autores já estão aí no mercado me impedem de dizer o contrário. Curiosamente, esse movimento é notado especialmente em nomes distantes dos medalhões acadêmicos, mas não necessariamente desconhecidos do público. O melhor exemplo que me ocorre é a banda tecno-brega Calypso, popularíssima (mas não entre a classe intelectual), que eliminou a figura da indústria fonográfica, produzindo inteiramente os seus CDs e os vendendo em camelôs a preços baixíssimos. Quanto ao download de suas músicas, eles querem mais é que isso prospere!

Não, eles não enlouqueceram, apenas perceberam -e entenderam- os movimentos do mercado e estão surfando neles agora. As gravações -em discos ou em arquivos- passam a ser apenas agentes promotores de seu trabalho, que é música. Sim, eles ganham dinheiro também com os seus CDs e DVDs baratos (inclusive porque eliminaram vários “custos” da cadeia, principalmente a indústria fonográfica tradicional), mas ganham muito mais arrastando multidões apaixonadas a seus shows. Ah, também produzem discos e shows patrocinados, outro belo filão que exploram muito bem.

Voltando ao mercado de livros, onde a conversa começou (ISBN é só para livros, em papel ou e-books), vejo cada vez mais autores que oferecem -eles mesmos- o download da íntegra de seus livros de graça, enquanto vendem (e vendem!) o mesmo livro em papel. Outro fenômeno cada vez mais comum são ofertas gratuitas de livros para download -inclusive de autores consagrados- para promover a venda de outros títulos do mesmo autor. E -claro- os livros digitais obrigatoriamente têm que ser (muito) mais baratos que a mesma edição em papel.

Com essas mudanças nos modelos de negócios e as facilidades de produção e de custo que a mesma tecnologia oferece aos autores, quem caminha rumo ao ostracismo são as editoras (não apenas de livros). E isso acontece não porque elas não tenham nada de positivo a oferecer ao processo, e sim por sua teimosia em resistir ao inevitável. Essa visão obtusa dos fatos dilui todos os seus referidos benefícios, que acabam ficando muito caros aos autores e principalmente aos consumidores. E acreditem: os autores preferem ter consumidores a editores.

Há dois meses, conversei com um diretor da Abril Educação sobre esse assunto e ele me confidenciou que, se as editoras não mudarem já, em dez anos ninguém mais precisará delas. Eu acho que elas já estão atrasadas! E, quando isso acontecer, elas serão as únicas culpadas pela sua derrocada. Exatamente a situação em que a indústria fonográfica se colocou e da qual não consegue mais sair. Tentaram segurar uma locomotiva desgovernada com advogados nos trilhos, processando os seus próprios consumidores. Resultado: CDs se transformando em itens de museu. Mas a música vai muito bem! Só que sem eles.

Essa nova era, que tanto amedronta, é na verdade uma incrível oportunidade para as pessoas que realmente são boas. Elas terão uma possibilidade inédita de despontar e ganhar muito dinheiro com isso. Mas farão isso compartilhando, não restringindo. Não há nenhuma nova Idade das Trevas no horizonte, e sim um novo Renascimento.

A Internet está matando os críticos?

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Na sexta passada, conversava com uma grande consultora empresarial sobre o mercado e, em determinado momento, caímos na questão de como a Internet alterou todas as profissões. Talvez a mais afetada tenha sido o jornalismo, pois não apenas os seus produtos e seus modelos de negócios foram completamente modificados, como também a maneira de como ele é desempenhado é dramaticamente diferente do realizado antes da Web. Posso afirmar isso categoricamente, pois entrei na Folha de S.Paulo alguns anos antes disso, quando o máximo da globalização era o telex e a TV ligada na CNN. Estou satisfeito com tudo isso, pois sou absolutamente seguro de que foram mudanças para algo muito melhor, tanto para jornalistas quanto para os consumidores de seus produtos.

Nesse cenário, li hoje uma reportagem no Comunique-se sobre o II Congresso de Jornalismo Cultural, que está acontecendo em São Paulo. O texto tratava de um debate que aconteceu em torno de uma celeuma que sugere que a Internet ameaçaria o trabalho dos críticos (mais especificamente os culturais), pois abre espaço para que toda a sociedade se manifeste criticamente, diluindo o –digamos– “valor” desses especialistas.

Essa ideia já foi debatida aqui nesse blog, há pouco mais de um ano, por motivo do lançamento do livro “O Culto do Amador”, do cientista político britânico Andrew Keen. Para ele, a possibilidade de qualquer indivíduo ser capaz de publicar conteúdo na Internet pode destruir coisas boas que nossas sociedades construíram ao longo da História, pelo simples fato de colocar um “palpiteiro” em pé de igualdade com um “especialista”.

Bem, quais os ingredientes de um crítico? Não se trata de –mais uma vez– o acalorado e interminável debate sobre o diploma de Jornalismo, pois boa parte dos críticos profissionais não o tem. Trata-se de uma pessoa com sólida formação cultural e sobre tema específico, observação e inteligência aguçadas e amplo domínio das palavras.

Pelo menos, essa é a essência do que é necessário para exercer essa função. Mas os críticos profissionais, entrincheirados nos grandes veículos de imprensa, possuem outras características: não raramente, emitem a sua opinião como uma verdade incontestável da natureza, por meio de textos cortantes, amplificados pela penetração e credibilidade desses mesmos veículos. E isso não é ser crítico: é ser um boçal arrogante.

O filme Ratatouille termina com uma autocrítica de Anton Ego (nome sugestivo), na história, o maior crítico gastronômico da França. Esse final, uma obra-prima, traz Ego tomado por inédita humildade, depois de ser submetido a um contundente choque de realidade. O texto que escreve, que serve de fundo para as últimas cenas do filme (não deixem de ver no vídeo acima), ilustra brilhantemente esse meu pensamento.

Quero dizer que, ao longo da minha carreira, já passei pela Folha, pelo UOL, pela AOL, pela Info, pela Exame. Todos esses veículos me permitiram fazer coisas incríveis e certamente não apenas amplificaram a minha voz, como também legitimaram o que eu tinha a dizer. Hoje o meu único veículo é O Macaco Elétrico, onde escrevo apenas pelo prazer de exercer a minha habilidade crítica, humildemente esperando que isso seja útil aos internautas e aceitando, em contrapartida, suas críticas.

Por tudo isso, rejeito essa discussão que acontece no congresso hoje. É exatamente o contrário: a Internet está dando um espaço que os críticos jamais tiveram. Não aquelas poucas figurinhas carimbadas e arrogantes da grande imprensa, mas críticos anônimos, capazes de tecer comentários incríveis, com precisão, beleza e responsabilidade.

O crítico está morto! Viva o crítico!

Uma Alice melhor que a de Tim Burton

By | Tecnologia | One Comment
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Com a aproximação da estréia do filme de Tim Burton sobre Alice, fica cada vez mais difícil se safar da avalanche de informações relacionadas à menina de vestido azul criada por Lewis Carroll em 1865. Mas, exatamente no espaço de uma semana, uma sequência incrível delas veio até mim, culminando no vídeo acima, capaz de tirar o fôlego de qualquer pessoa que adore tecnologia e consiga enxergar possibilidades incríveis onde a maioria dos mortais não vê nada (ou pior: vê “perdas de tempo”).

Vou colocar os fatos em ordem cronológica, para explicar a construção desta minha tese. Há uma semana, comprei um desses “livros-brinquedo” muito interessante para apresentar Alice a meus filhos. Enquanto lia e explorava as “surpresas” em cada página, pensava: “caramba, por que não existe algo digital aqui? Seria uma experiência muitíssimo mais rica e ajudaria ainda mais a entender essa obra tão louca!”

Corte para quinta passada, para um fato não relacionado a Alice: o Jornal da Globo fez uma reportagem muito competente sobre como o recém-lançado iPad está sacudindo o mercado editorial, não apenas por se apresentar como a primeira ameaça real ao domínio do Kindle, mas por unir todas as virtudes do modelo de negócios desse último com um hardware muito superior e a devoção à marca da Apple. Mas o que mais me chamou a atenção na reportagem foi justamente como algumas editoras lá fora estão usando os e-readers para promover autores desconhecidos ou revitalizar antigos sucessos: elas oferecem de graça o download de obras inteiras dessas pessoas, na esperança de captar “e-leitores” que depois poderiam eventualmente pagar por outras obras do mesmo autor. Ainda segundo a reportagem, sempre se encontra livros gratuitos no alto da lista dos mais baixados e, de fato, as pessoas compram depois livros da mesma fonte. Ou seja, a estratégia está dando certo.

No dia seguinte, Alice voltou à minha história. Fiz uma pesquisa informal sobre os temas dos dois parágrafos acima com diretores de algumas editoras de livros do país. Como já sabia, ouvi que existem discussões internas se as empresas devem ou não investir em livros digitais como o que eu tinha pensado. Mas também ouvi, com muita tristeza, casos de alguns arautos do ostracismo contrários à iniciativa, que argumentam que isso estaria pervertendo a experiência leitora, ao transformar o livro em “outra coisa”.

Oras, francamente: sei que algumas dessas pessoas pensam com uma cabeça da época de Gutenberg, mas até esses produzem livros que já são “outra coisa” em relação à famosa Bíblia, primeiro exemplar que saiu da prensa do referido tipógrafo alemão. Por que então resistem a evoluir o seu produto para algo realmente melhor, que vai oferecer uma experiência incrivelmente mais rica a seus leitores. Será que é porque têm medo da tecnologia digital ou porque simplesmente não sabem como fazer isso? Em qualquer um dos casos, esses diretores não merecem os salários que recebem mês após mês: impedem que sua empresa prospere e causam um grande desserviço a seus consumidores (que cada vez mais procurarão a concorrência, felizmente).

Escutem o Chapeleiro Louco: ele sabe como os novos livros devem ser

Escutem o Chapeleiro Louco: ele sabe como os novos livros devem ser

E então, dois dia depois, cheguei onde esse post começou: ao vídeo com o teaser do produto Alice for the iPad, da empresa Atomic Antelope. Assisti o vídeo. Assisti de novo! E de novo! E mais uma vez! Caramba, eu tinha “pedido” isso há menos de uma semana e, de repente, estava ali vendo exatamente o que eu queria: um livro (sim, aquilo ainda é um livro, apesar de ser um app para o iPad) que amplia enormemente a experiência cognitiva do consumidor permitindo que ele efetivamente interaja com a obra, atuando quase como um co-autor. Ah,e tudo isso custa apenas US$ 9. Ah, se você quiser uma versão demo, o download é grátis.

Um viva aos rapazes da Atomic Antelope e uma sonora vaia aos vetustos diretores locais! Qual desses dois grupos vai prosperar nesse novo cenário? Deixo que o camarada ao lado, Johnny Depp na pele do Chapeleiro Louco de Tim Burton responda: “dizem que para sobreviver, você tem que ser louco como um chapeleiro, o que, por sorte, eu sou.”

Somos todos jornalistas?

By | Jornalismo | 2 Comments
Dilbert e o negócio de notícias na Internet - Imagem: reprodução

No Dia do Jornalista, vale discutir o papel do jornalista na sociedade

Hoje, 7 de abril, é Dia do Jornalista. Resgatei a tirinha acima porque ela me parece muito representativa do momento em que “nossa categoria” está passando. Entendo que os jornalistas –e o jornalismo, pois deles é feito– vêm passando por um “ponto de inflexão estratégico”, como diria Andrew Grove, um dos fundadores da Intel, atualmente seu conselheiro-sênior. Estamos em um momento em que somos forçados a abandonar velhos conceitos e modelos: se formos bem sucedidos, passaremos a um novo e promissor patamar de qualidade e produtividade; se fracassarmos, o futuro será sombrio.

Encaro três principais “forças” que empurram os jornalistas a essa situação. Primeiramente, a Internet esmagando os modelos de negócios das empresas de comunicação, exemplificado na tirinha. Há também os governos populistas que, nunca antes na história desse continente, se organizaram de maneira tão sistemática para se opor à imprensa. E, por fim, a discussão nacional em torno da malfadada obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de jornalista.

Afinal, somos todos jornalistas? Qualquer um pode ser jornalista? Do meu ponto de vista, a reposta é: claro que não! Mas, com igual certeza, não é o diploma que separa os “bons” dos “maus”. Foram colegas diplomados que perpetraram as barbaridades na cobertura do caso da menina Isabella Nardoni, do assassinato ao julgamento.

Tive a oportunidade de levantar a questão do diploma em conversa com Alberto Dines, José Maria Mayrink e Pedro Ortiz, no último dia 25. Eles defendem a formação de jornalistas nas faculdades. Concordo com eles: a boa formação é essencial para se ter um bom profissional de qualquer área. Mas isso é muito diferente de defender o diploma, justamente porque as faculdades infelizmente não vêm cumprindo o papel de formar jornalistas de qualidade. Por conta disso, vemos coisas grotescas como a cobertura do caso Nardoni e tantos outros, produzidas por coleguinhas despreparados, dirigidos por editores sem escrúpulos ou ética.

Se esse antijornalismo já não fosse muito ruim por si só, colocando em cheque o bem mais precioso do ofício –a credibilidade–, com isso, os jornalistas deixam a bola quicando na área para a segunda “força contrária”: a campanha de desmoralização da mídia pelo governo, que se fortalece com essas mancadas. Esse movimento tem no fanfarrão bolivariano, Hugo Chávez, seu principal expoente. Na republiqueta em que ele está transformando a Venezuela, nasceu o conceito do “terrorismo midiático”, que prega que a imprensa é nociva ao povo por lhe fazer oposição (leia-se: oposição ao governo estabelecido). O conceito do “terrorismo midiático” é bem estruturado, para que se possa apoiar racionalmente as suas besteiras. Tanto é assim que, em maior ou menor grau, vem sendo amplamente adotado por patéticos governantes dos vizinhos da Venezuela, e isso inclui o presidente Lula, que não mede esforços para sistematicamente jogar a opinião pública contra a imprensa.

E tem ainda a Internet, que está longe de ser uma “inimiga” do jornalismo ou dos jornalistas, mas que oferece as ferramentas para a maior mudança nas formas de trabalho e dos produtos jornalísticos desde o surgimento da transmissão via satélite ou talvez até mesmo do telex. Minha carreira começou poucos anos antes da liberação da Internet comercial, então posso afirmar categoricamente que ela é uma benção ao nosso trabalho: permite produzir mais e melhor, com menos esforço e mais rapidamente. Por outro lado, do pronto de vista das empresas de comunicação, seus modelos de negócios foram para o ralo com a explosão da Web. Às que quiserem sobreviver, não lhes basta simplesmente transpor para a nova mídia aquilo que já conhecem, pois isso não funciona mais. Já era! É preciso criar algo realmente novo. Mas não vou entrar nesse mérito aqui, pois isso é amplamente discutido neste blog (como aqui, aqui e aqui).

Por tudo isso, a melhor maneira de se comemorar este Dia do Jornalista é fazendo bom jornalismo. Isso não é para qualquer um: é para jornalistas (com ou sem diploma). E isso, ao contrário do que andam dizendo por aí, é absolutamente crucial para o fortalecimento da sociedade. Nas minhas andanças pela América Latina, vi claramente que, quanto mais enfraquecida a sociedade local, pior a sua imprensa (ou será que a relação é inversa?).

Como escreveu Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura e jornalista (não formado), “ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra acaba depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não volte a começar com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”

Feliz Dia do Jornalista aos coleguinhas e a toda a sociedade.

Mais sobre a discussão de “direitos autorais na era da Internet”

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Evento da Associação Brasileira de Letras discutiu -uma vez mais- a pseudo-ameaça aos direitos autorais pela Internet

O Jornal da Globo desta terça (9) mostrou uma reportagem sobre discussão sobre direitos autorais na ABL (Academia Brasileira de Letras). O teor do encontro foi encontrar alternativas de cobrança para um mundo em que as pessoas cada vez menos estão dispostas a pagar para consumir obras culturais, como músicas, filmes, livros.

Para o compositor Fernando Brandt, se isso não se resolver, “os autores vão deixar de ser autores, vão morrer, não vai haver autor mais no mundo.” Desculpe, mas sou obrigado a discordar, por dois motivos.

Primeiramente porque, por princípio, não compomos músicas, escrevemos poemas ou criamos nossos filmes domésticos para ganhar dinheiro: fazemos isso porque fazemos parte da raça humana. E essas são manifestações da paixão que nos move. Qualquer adolescente sabe disso. Mesmo Camões ou Drummond não escreviam para ganham alguns cobres, por mais que isso lhes fosse brindado depois.

Em segundo lugar… bem, Fernando, desculpe, mas os autores vão –sim– morrer, pelo menos os que esperam continuar sendo remunerados pelos modelos de negócios vigentes “fora” da Internet. Eles simplesmente não funcionam no mundo digital. Não dá para simplesmente tentar migrá-los para essa nova realidade, pois ela exige modelos completamente novos.

Isso não significa, em absoluto, que as pessoas não serão remuneradas pelo seu trabalho. Apenas isso acontecerá de outra maneira, totalmente inovadora, onde apenas o que realmente traz valor ao processo terá valor. É isso que essa “turma da resistência” se recusa a querer ver.

O caso das músicas é o mais emblemático, pois está mais avançado. Nesse cenário, a grande vítima é a indústria fonográfica, que se tornou completamente obsoleta e desnecessária, tanto para os autores e intérpretes, quanto para o público. Como não acrescenta mais nada ao processo, não tem valor, e não deve ser remunerada. Os primeiros podem realizar todo o seu trabalho, incluindo composição, produção, distribuição e divulgação, sem as gravadoras. E as grandes culpadas por esse ostracismo são as próprias empresas, por tentar resistir ao inevitável, sem se adaptar à nova realidade.

O público, desnecessário dizer, consome esse produto de maneira completamente diferente hoje –e não necessariamente de graça. Isso só acontece no download das faixas, apesar de que a Apple revolucionou o mercado permitindo que as pessoas comprem (ou sejam, paguem!) a música que desejem a preços irrisórios, graças ao iTunes. Outro exemplo de pagamento por música é o download de novas faixas em games, como no Guitar Hero, da Activision.

Claro que isso implica em mudanças na rotina dos artistas, mas –sinto lhes dizer– eles não têm escolha, pois seu público já alterou os seus hábitos de consumo. A indústria fonográfica se recusou a mudar e, por conta disso, hoje é um morto-vivo do capitalismo.

Se os medalhões que dominam a indústria cultural há tantos anos ainda assim resistirem,serão substituídos por uma nova geração de autores, adaptadas ao mundo que nos rodeia. Nada mais que puro darwinismo aplicado aos negócios.

As revistas querem mostrar que não estão mortas

By | Jornalismo, Tecnologia | One Comment
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No dia 1º de março, cinco dos publishers mais importantes do mundo, Charles Townsend, da Condé Nast, Cathie Black, da Hearst Magazines, Jack Griffin, da Meredith Corporation, Ann Moore, da Time Inc., e Jann Wenner, da Wenner Media, anunciaram um campanha publicitária para mostrar ao seu público –e ao mercado publicitário– que as revistas não morreram e que ainda são um excelente negócio para os anunciantes.

A iniciativa, batizada de Magazines: the power of print, foi lançada durante a conferência da Associação Americana de Agências de Publicidade, que aconteceu em San Francisco (EUA). A um custo de US$ 90 milhões, circulará durante sete meses em cerca de uma centena de revistas desses grupos e seus sites, além de publicações de terceiros. O vídeo acima é parte dessa campanha, estrelado pelos executivos das revistas.

O objetivo da campanha é claro: dizer que as revistas trazem o melhor custo-benefício publicitário. O “inimigo” também está bem definido: a Internet, praticamente materializada em torno do Google. E a mensagem gira em torno do fato de que uma nova tecnologia não mata a anterior. Ou seja, as revistas continuam existindo, apesar da Internet, contrariando os arautos do apocalipse.

Puxa vida, eles descobriram isso sozinhos ou precisaram ajuda? Ok, claro que a ideia é sensibilizar as agências de publicidade, mas o tom da campanha chega a ser revanchista, colocando as revistas em franca defensiva. Apresentam várias métricas (de entidades ligadas à mídia impressa) que indicam aumento do leitorado, mas, em nenhum momento citam que revistas e jornais perdem, ano após ano, fatia do bolo publicitário, enquanto a Internet aumenta a sua. Será que precisa de tudo isso? Além do mais, se a coisa está tão boa assim, por que tanta preocupação em mostrar ao mundo tamanha obviedade?

Todas essas publicações possuem a sua versão online. Mas o fato é que essas empresas têm sido, até agora, incapazes de conter o rombo no budget de suas revistas –a cash cow de todas elas– com os crescentes (porém ainda proporcionalmente minguados) ganhos com suas iniciativas digitais. E isso acontece especialmente porque elas insistem em migrar para uma nova realidade o mesmo modelo de negócio que funcionava tão bem para o papel.

Infelizmente não funciona. A Web desafia a todos a criarem modelos totalmente novos. Ao invés de combater o Google, deveriam aprender algo com ele. E isso significa parar de querer adaptar o que já fazer e pensar MESMO fora da caixa.

Há alguns dias, estava conversando em off com o diretor de uma editora de livros didáticos, e ele disse que esse grupo –que ainda está com um pouco mais de tempo que as editoras de revistas e jornais para cair de cabeça na Internet– precisa agora começar a se aventurar com seriedade em produtos verdadeiramente digitais. Inclusive porque ainda têm fôlego para cometer erros. Na sua análise, se começarem a tentar –e errar– apenas daqui a dez anos, poderão ser postos para fora do negócio, pois então ninguém mais precisará deles. Exatamente a situação em que a indústria fonográfica está hoje: quem precisa deles ainda?

Acho que esses US$ 90 milhões poderiam ser mais bem usados estudando modelos de negócio alternativos. Afinal, a Internet não vai matar as revistas, mas certamente fará com que elas mudem sua forma, em um sentido bastante amplo.