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Para Gilson Magalhães, diretor-geral da Red Hat Latin America, IA trará resultados em 2025 com agentes - Foto: Paulo Silvestre

Esse será o ano em que a IA começará a trazer resultados

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Como não poderia ser diferente, 2025 começa acelerado pela inteligência artificial. Mas esse ano deve trazer algo que empresários desejam desde que começaram a investir pesadamente nessa tecnologia, com o lançamento do ChatGPT: resultados!

Se 2023 foi o ano da curiosidade e 2024 representou a democratização dessa tecnologia, 2025 deve ser aquele em que aplicações realmente transformadoras devem chegar ao mercado. E engana-se quem acredita que isso se dará por uma IA poderosíssima, capaz de resolver qualquer coisa.

Segundo um ditado popular, “os melhores perfumes estão nos pequenos frascos”. Talvez isso também seja verdade na inteligência artificial. E, nesse caso, respondem pelo nome de “agentes”. Eles são sistemas que usam a IA para realizar tarefas específicas de maneira autônoma, com pouca ou nenhuma dependência de um ser humano. Agem de maneira contínua, monitorando o ambiente e analisando dados para tomar decisões seguindo o que lhes foi pedido.

Especializados em uma tarefa e alimentados por dados controlados, os agentes tendem a ser mais baratos e mais confiáveis que um grande LLM, como o ChatGPT, ainda sujeito a suas “alucinações”, quando responde bobagens quando não sabe o que dizer. O desafio agora é tornar a criação desses agentes um processo mais simples.

Claro que continuaremos nos maravilhando com novas aplicações da IA generativa, mas será uma grande notícia vê-la finalmente transformando os negócios.


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Para Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil, “2025 será um ano em que o foco permanecerá na Inteligência Artificial Generativa, mas com o diferencial de transformar expectativas em resultados práticos.” Essa percepção é compartilhada por Marco Stefanini, fundador e CEO Global do Grupo Stefanini. Segundo ele, “uma coisa é você implementar IA, outra é você realmente utilizar IA no dia a dia, adotar a solução que realmente fará diferença no seu negócio.”

Esse deve ser também o ano em que o hype, a excitação em torno dessa tecnologia dará espaço a aplicações estruturadas, com resultados mais bem planejados. O tempo de usar grandes IAs “genéricas”, como o ChatGPT, para se resolver soluções empresariais vai ficando para trás.

“As empresas vão dizer: ‘inteligência artificial é legal, mas eu vou aplicá-la criando agentes muito específicos”, afirma Gilson Magalhães, diretor-geral da Red Hat Latin America. Ele explica que esses sistemas, apesar de limitados a uma tarefa, trazem grande ganhos ao negócio. “Ao usar uma quantidade de dados controlada, num ambiente controlado, ele assumirá uma função que era manual e foi automatizada.”

É preciso que fique claro que não se trata de mera automação, existente há décadas. De fato, uma das diferenças da inteligência artificial para um programa convencional de computador é tomar decisões como um ser humano, especialmente diante de imprevistos, a partir do que sabe e do que se espera dela. Um software convencional não consegue fazer isso.

Marcelo Flores, gerente-geral da consultoria da IBM Brasil, inventou o verbo “cognitivar” para diferenciar uma coisa da outra. “Os agentes usam uma tecnologia supernova para fazer aquilo que não é só automação ou só repetição”, explica. “Isso é algo mais sofisticado, que exige cognição, por isso conseguem essa autonomia.”

Tudo isso parece incrível, mas antes de finalmente colher esses resultados, as empresas precisam cuidar de algo que também deve ganhar mais destaque em 2025: “limpar” os seus dados.

 

“Poluição digital”

Dados de baixa qualidade são um problema histórico nas empresas. Elas guardam em seus arquivos informações erradas, desatualizadas e até conflitantes. Isso pode derivar de migrações descuidadas de sistemas, coletas de informações redundantes por critérios diferentes a cada momento, departamentos que não compartilham suas informações e outros pesadelos de TI.

O problema é que nem a melhor inteligência artificial dá bons resultados se for alimentada com dados ruins. “Se a gente não corrigir os dados que estão ‘sujos’, desorganizados, perdidos, a gente não vai a lugar nenhum”, diz categoricamente Magalhães. “E essa é uma tarefa cara, difícil e demorada”, adverte.

Essa não é a única “poluição” ligada à IA. Em 2024, as empresas se deram conta das enormes demandas de recursos dessa tecnologia. Estudo divulgado em novembro pela consultoria Gartner indicou que, nos próximos dois anos, o consumo dos data centers de IA deve crescer até 160%, atingindo 500 terawatts-hora (TWh) por ano. Como comparação, em 2022, a cidade de São Paulo consumiu “apenas” 21,18 TWh.

“Estamos vivendo tempos desafiadores, especialmente com a crise climática nos pressionando a agir”, alerta Aroulho. Por isso, ela afirma que a SAP “renovará o compromisso com a inovação aberta e a sustentabilidade.”

Dados “sujos” e impactos ambientais demonstram como uma tecnologia tão poderosa como a inteligência artificial custa muito caro. Ninguém quer se preocupar com os gastos de conversar com o ChatGPT, mas eles existem e são altos.

“A tecnologia força as pessoas a se reinventarem”, afirma Flores. Para ele, “as empresas têm acesso a tecnologias mais disruptivas, que respondem muitas perguntas, mas, no final, a transformação vem das pessoas”.

Stefanini adverte que “2025 e 2026 serão anos de adoção mais massiva da IA nas empresas”, que permitirá, como já explicado, que comecem finalmente a colher grandes benefícios dessa tecnologia. E isso é muito bom!

Mas temos que cuidar também das discussões associadas a todos esses benefícios. Os próximos 12 meses abrirão espaço para isso. Resta saber quem aparecerá para conversar sobre uma IA mais sustentável. Mas uma coisa é certa: “não existe almoço grátis”.

 

Anúncios dos vencedores do Prêmio Nobel de Física de 2024, pelo seu trabalho nos fundamentos do machine learning - Foto: reprodução

Este ano foi um ano de democratização da inteligência artificial

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Estamos nos últimos momentos de 2024, um ano de novidades profundas em tecnologias e seus impactos nas empresas e nas vidas das pessoas. Por exemplo, o 5G se difundiu ainda mais, e grandes avanços aconteceram em veículos autônomos, tecnologias sustentáveis, biotecnologia e robótica. Mas no ano em que os prêmios Nobel tanto de Física quanto de Química foram entregues a cientistas com pesquisas ligadas à inteligência artificial, foi ela que deixou indiscutivelmente sua marca.

Vale dizer que a IA já fazia parte da nossa vida há muitos anos, potencializando aplicações e equipamentos, porém de maneira invisível. Tudo mudou em novembro de 2022, quando o ChatGPT ganhou as ruas, dando ao cidadão comum o gostinho de fazer facilmente criações com a inteligência artificial generativa. E isso deflagrou uma corrida para que se buscasse aplicar a IA em tudo.

Obviamente os primeiros resultados disso pareciam protótipos mal-acabados e muitos tinham aplicações questionáveis. O ano de 2023 viu a desconfiança de profissionais, que mesclavam deslumbramento diante das possibilidades da IA e medo de que ela roubasse seus empregos.

Agora, ao fim de 2024, pode-se dizer que ela deixou o terreno da curiosidade: esse foi o ano em que seu uso foi disseminado, com pessoas e principalmente empresas abandonando a especulação e incorporando a IA em seu cotidiano. Mas ainda há muito a se aprender sobre como aproveitá-la de maneira ética, produtiva e segura.


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“Estamos em uma fase muito importante, de democratização da IA generativa e também de uma compreensão maior dessa tecnologia”, afirma Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil, subsidiária brasileira da gigante alemã de software que vem incorporando a tecnologia em seus produtos.

Essa percepção é compartilhada por Gilson Magalhães, diretor-geral da Red Hat Latin America. “Não é só aquela questão de você ter perguntas respondidas por uma máquina de forma brilhante, mas como aquilo poderá ser inserido nas empresas”, explica. Segundo ele, depois da fase inicial de experimentação, nesse ano as companhias começaram a colher benefícios na produtividade de suas equipes, com método. “A gente viu algumas empresas já criando processos internos para permitir que a inteligência artificial fosse incorporada, considerando aspectos de segurança, de compliance, de copyright, de soberania de dados”, acrescenta.

É importante notar que, apesar dos impressionantes avanços exponenciais (e para alguns, quase sobrenaturais) dos grandes modelos de linguagem, quando se olha para os ganhos para os negócios pela IA, isso se deve também a um amadurecimento de suas equipes.

“É muito mais do lado das empresas, de os gestores começarem a ter uma visão mais concreta, mas tangível do que pode e do que não pode ser feito, o que é exagerado ou não”, explica Marco Stefanini, fundador e CEO Global do Grupo Stefanini. Isso é muito importante, pois muitos gestores acreditam que a tecnologia sozinha fará “mágicas” em seu negócio, e esse é um caminho fácil para a frustração. Para o executivo, “vem muito mais de maturidade das empresas que da própria tecnologia.”

Esse também foi um ano em que a IA passou a ser usada para melhorar planos de negócios, ajudar a vencer a burocracia, diminuir custos e concretizar ideias. “As pessoas já vinham abrindo negócios nas redes sociais sem apoio da inteligência artificial, mas agora, com ela, ganham muito poder”, sugere Marcelo Flores, gerente-geral da consultoria da IBM Brasil. E vai além nos benefícios da IA nisso: “as pessoas estão tendo mais poder de escolha das suas carreiras.”

Não é exagero, portanto, dizer que a IA é uma das tecnologias mais transformadoras que existiram, ao lado da marcos como a imprensa, o domínio da eletricidade e a Internet. Mas tudo traz consequências e, com a velocidade típica da IA, nem sempre temos tempo de pensar sobre isso.

 

Ética e segurança

Se em 2023, vimos diversos exemplos de sérios problemas decorrentes de usos descuidados da IA, 2024 trouxe alguma conscientização sobre um uso mais responsável dela. “Em um momento de intenso hype em torno da inteligência artificial, reforçamos a importância de uma abordagem equilibrada e construtiva, focada em resultados tangíveis e no impacto a longo prazo nos negócios”, explica Aroulho.

“Houve uma discussão muito grande neste ano para não se entrar de forma inconsequente no uso de uma tecnologia que pode ter desdobramentos em todas as direções, inclusive para divulgação de dados que não deveriam sair de dentro da empresa”, acrescenta Magalhães. “Isso passou a ser uma preocupação, que, de certa forma, trava um avanço mais rápido.”

Essa também foi uma das marcas de 2024: quais os limites éticos do uso da IA? Se ela deve ser regulamentada para proteger o cidadão, como fazer isso sem impedir o seu desenvolvimento?

A Europa puxou a fila das regulamentações dessa tecnologia: o Parlamento Europeu aprovou a sua Lei da Inteligência Artificial em março, criando vários níveis de risco de seus usos, atribuindo a cada um diferentes níveis de responsabilidade de empresas e governos. Ela não trata da tecnologia em si, para evitar empecilhos ao seu desenvolvimento. No Brasil, o projeto de lei 2338/2023, que visa regulamentar a IA e que apresenta forte inspiração na lei europeia, foi aprovado pelo Senado Federal em 10 de dezembro, e começará 2025 em análise na Câmara dos Deputados.

“Não sou contra regulamentação de maneira alguma –é necessária–, mas não pode ser exagerada”, explica Stefanini, dando voz a um debate que movimenta intensamente o setor. “A gente está perdendo essa janela, olhando para um viés muito político, carregado de controle, nocivo para o desenvolvimento da IA no país”, afirma.

A falta de consenso em torno disso foi outra marca de 2024. O lobby das big techs, que preferem pouca ou nenhuma regulamentação para acelerarem o máximo que puderem no desenvolvimento da IA, é intenso! Mas alguns dos maiores especialistas do setor afirmam que isso é um grande risco, pois a IA vem se comportando de maneiras que surpreendem seus próprios desenvolvedores.

O ano termina então com um grande desafio de encontrarmos maneiras de ampliarmos o desenvolvimento e os usos da IA para todos, porém de maneira responsável e segura. Como afirma Flores, “temos que democratizar a tecnologia, porque ela tem que ser benéfica para todos no seu dia a dia.”

Pelo que vimos nesse ano, esse debate se desdobrará de maneiras muito interessantes em 2025.

 

David Furlonger, VP do Gartner: “a IA é uma disrupção combinatória, não perca tempo tentando separá-la” - Foto: Paulo Silvestre

Euforia e desconhecimento empacam avanços da IA

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A essa altura, ninguém diria que a inteligência artificial não passa de uma tendência incerta: seu uso cresce sem parar entre profissionais diversos, nos mais variados segmentos do mercado. Porém enquanto os investimentos nessa tecnologia avançam exponencialmente, executivos reclamam dos seus resultados. Isso vem muitas vezes de uma combinação de euforia e de desconhecimentos sobre a IA.

Durante a conferência Gartner CIO & IT Executive, que aconteceu em São Paulo na semana passada, especialistas da consultoria demonstraram isso em números. Segundo levantamento desse ano, 47% dos CIOs no mundo disseram que suas iniciativas corporativas de IA não atingiram seus objetivos. Ainda assim, 87% deles planejam investir mais nessa tecnologia em 2025. No Brasil esse índice chega a 92%!

As expectativas são altas e crescentes. Segundo o Gartner, em 2022, apenas 18% dos executivos de negócios acreditavam que a IA impactaria significativamente sua indústria. No ano seguinte, esse índice cresceu para 21%, saltando para 59% em 2024 e devendo chegar aos 74% até o fim do ano!

Apesar disso, são poucos os que parecem ter apetite para criar usos disruptivos com ela. Segundo a consultoria, metade das iniciativas com IA se concentram em ferramentas de produtividade para as equipes, enquanto 30% agem nos processos. Propostas para verdadeiramente transformar o negócio são apenas 20% dos casos.

Para melhorar esse quadro, as empresas devem parar de ver a inteligência artificial apenas como uma mera ferramenta digital capaz de dar respostas quase mágicas. Ela precisa ser encarada como uma tecnologia disruptiva para o negócio. E isso também exige estudo, planejamento e envolvimento profundo das diferentes equipes da empresa, que muitas vezes se dividem entre o medo e o deslumbramento com a IA.


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“A IA é uma disrupção combinatória, não perca tempo tentando separá-la”, disse na conferência David Furlonger, vice-presidente do Gartner. “Em vez disso, crie uma inteligência artificial estratégica”, sugeriu.

Ele trouxe previsões envolvendo a IA para os próximos anos, surpreendendo pelas suas abrangências e intensidades. A maior parte envolvia pessoas, como um risco de desenvolvimento de vício e vínculos emocionais com a IA, seu uso em convencimento, eliminação de níveis hierárquicos e uso da IA em decisões de alto nível nos negócios.

Outro ponto destacado é o consumo de energia. Apesar de usarmos alegremente o ChatGPT e afins, poucas pessoas têm consciência da brutal capacidade de processamento e de energia que ele consome. Cada resposta que ele nos dá, seria suficiente para fazer uma lâmpada elétrica piscar. Considerando que o ChatGPT cria algo como 500 milhões de respostas por dia, poderíamos dizer grosseiramente que seu consumo seria suficiente para as necessidades energéticas de uma cidade de médio porte.

Furlonger sugeriu que as empresas devem considerar até a geração de sua própria energia (ou parte dela), para atender as necessidades da IA. Segundo ele, até 2027, as maiores empresas do mundo devem transferir US$ 500 bilhões em iniciativas assim.

Em outra fala, Henrique Cecci, diretor-sênior de Pesquisa do Gartner, disse que muitos países não se beneficiam mais da IA por limitações energéticas. Segundo ele, o consumo desses datacenters deve dobrar nos próximos cinco anos. “E não dá para aumentar a capacidade energética de um dia para o outro”, lembrou.

Esse é só uma das despesas associadas ao uso da inteligência artificial. E o custo é justamente uma das maiores ameaças ao sucesso dessa tecnologia. Levantamentos do Gartner indicam que mais da metade das organizações estão desistindo de seus projetos de IA por erros na estimativa de investimentos necessários.

Ironicamente o principal foco nas iniciativas de uso da IA generativa, segundo a consultoria, é a redução de custos dos negócios.

 

IA sob ataque

Outro aspecto que as empresas precisam investir mais é a cibersegurança. A inteligência artificial traz inegáveis benefícios aos negócios, mas ela também abre sérias brechas na sua proteção.

Furlonger destacou os riscos associados aos agentes de inteligência artificial. Eles são sistemas criados para realizar tarefas específicas, e seu uso vem crescendo, até pelo incentivo dos desenvolvedores dessas plataformas. Mas os agentes podem ser enganados por pessoas de fora ou de dentro da organização. Segundo ele, até 2028, um quarto das falhas de segurança digitais podem estar associadas a eles.

Para Oscar Isaka, analista-diretor-sênior do Gartner, “100% de segurança só existe quando há 0% de funcionalidade”. Ele diz que o profissional de cibersegurança moderno deve ser capaz de explicar claramente os riscos para os diferentes públicos. “Vivemos uma batalha contra a desinformação, que desorienta todos”, acrescentou.

Felizmente a mesma inteligência artificial pode ajudar no combate a esses males. Furlonger afirmou que, até 2028, 48% dos CIOs trabalharão com “anjos da guarda digitais”, que automaticamente vasculharão a totalidade das ações dos agentes, identificando e bloqueando ataques. Essa é uma tarefa que os humanos não conseguirão desempenhar sozinhos.

E por falar em tarefas dos humanos, ele também mencionou o impacto da IA nas lideranças alta e média das empresas. Segundo o executivo, até 2026, 20% das empresas usarão IA para eliminar níveis hierárquicos, demitindo mais da metade dos gerentes atuais. Além disso, essa tecnologia será cada vez mais usada para os conselheiros das companhias exigirem melhores resultados do corpo de executivos.

Nenhuma dessas mudanças é trivial, mas já estão acontecendo em passo acelerado. As empresas tentam encontrar o seu caminho, muitas vezes “construindo o avião da IA em pleno voo”. E isso vem causando tantas decepções com resultados.

O melhor a se fazer, portanto, é investir em pessoas e em planejamento. A tecnologia funcionará muito melhor, qualquer que seja sua aplicação, com esses investimentos no lugar. De nada adianta termos sistemas revolucionários, se não soubermos obter resultados palpáveis deles, contornando seus inevitáveis riscos.

 

Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil, fala durante a abertura do SAP Now 2024, em São Paulo – Foto: Paulo Silvestre

IA só entregará a prometida transformação, se o investimento for feito com consciência

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A “corrida da inteligência artificial” está prestes a completar dois anos, com executivos buscando maneiras de usar essa tecnologia para levar seus negócios a um patamar de produtividade inédito. Mas esse aspecto quase messiânico da IA tem decepcionado muitos deles, que não vêm colhendo os frutos esperados de seus investimentos.

A culpa não é da IA, e sim de implantações feitas sem planejamento. Em um estudo de julho de 2023, pesquisadores da consultoria McKinsey concluíram que, embora 89% das grandes empresas no mundo já tivessem projetos com IA em curso, apenas 31% haviam aumentado as receitas e 25% diminuído os custos como esperado. Outro levantamento, essa da consultoria Gartner, do segundo trimestre de 2023, indicou que 64% dos CEOs não achavam que existia exageros sobre a IA, mas 53% dos CIOs não tinham certeza se estavam preparados para mitigar os riscos associados a ela.

A implantação responsável da IA teve destaque durante o SAP Now, evento anual da subsidiária brasileira da gigante alemã de software, que aconteceu na semana passada, em São Paulo. Apesar de a inteligência artificial generativa ganhar os holofotes, seu uso consciente permeou a fala das lideranças da empresa.

Essa tecnologia efetivamente traz ganhos de produtividade antes inimagináveis a profissionais em diferentes funções e de diversos setores da economia. Porém os seres humanos precisam se manter no controle do processo. Isso demanda o desenvolvimento de novas habilidades nas equipes, criando também exigências inéditas para os gestores.

Não é de se estranhar, portanto, que ainda se observe desperdícios na implantação de uma tecnologia tão revolucionária. Sem um olhar responsável, criterioso e ético, além de capacitação dos times, a IA pode ser mesmo decepcionante.


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“Você não traz inovação, IA, transformação para a nuvem, se você não trouxer valor para o negócio”, explicou no evento Cristina Palmaka, presidente da SAP América Latina e Caribe. “Seja a criação de novos modelos, seja aumento de produtividade, eficiência, todo o tema de segurança, o apetite está atrelado a ter um caso de negócios que justifique o investimento”, acrescentou.

Em outras palavras, antes de pensar em investir desbragadamente em inteligência artificial, deve-se saber qual é o ganho para o negócio que ela trará, qual é o problema a ser resolvido. Parece óbvio, mas nem sempre isso é seguido pelos gestores: no estudo do Gartner, 65% dos entrevistados disseram usar dados para justificar uma decisão já tomada, normalmente pela pessoa mais bem-paga na organização.

“Nosso posicionamento é de ‘business AI’: a gente não quer ser mais uma alternativa de tecnologia, como o ChatGPT, porque o insumo deles é a informação que está aí, pela Internet”, afirmou no SAP Now Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil, reforçando o seu posicionamento corporativo. “A nossa inteligência artificial faz uso dos dados do próprio negócio, pois a gente quer a inteligência artificial resolvendo problemas de negócios reais”, justificou.

Pouco antes, na abertura do evento, a executiva havia destacado a importância de que a IA de aplicações corporativas siga três R (em inglês): “Relevant” (relevante), “Reliable” (confiável) e “Responsible” (responsável). Eles endereçam um dos grandes problemas que muitas empresas enfrentam nas suas atuais implantações de inteligência artificial: a baixa confiabilidade nas respostas oferecidas pelas plataformas, incluindo as chamadas “alucinações”.

De fato, estima-se que pelo menos 3% de todas as respostas dadas por sistemas públicos, como o ChatGPT e o Gemini, contenham imprecisões leves ou severas. Isso acontece porque eles sempre respondem algo aos questionamentos do usuário, mesmo quando não sabem o que dizer. Além disso, por usarem informações públicas da Internet, isso diminui a relevância de suas respostas para os negócios.

Soluções corporativas de IA da SAP e de outras empresas, como IBM e Red Hat, mitigam esse risco por se focarem em dados do próprio cliente, aumentando sua relevância e a sua confiabilidade.

 

O R de “responsável”

O “terceiro R”, o da responsabilidade, depende mais das pessoas que das máquinas. Afinal, a tecnologia é agnóstica, e fará tudo que lhe for pedido.

“A gente entende que a decisão é sempre do humano: a IA automatiza, mas é o cliente que faz a pergunta”, lembrou Aroulho. Para ela, as empresas não podem perder de vista a ética quando usam a IA, e precisam capacitar suas equipes para usos conscientes. “À medida que a inteligência artificial vai automatizando, a gente vai melhorando também, porque temos que fazer a pergunta certa”, detalhou.

“Alguns especialistas dizem que a inteligência artificial generativa se assemelha ao descobrimento do fogo, da eletricidade e à criação da Internet, no que tange à evolução da espécie humana, e eu não acho que seja exagero”, sugeriu no palco do SAP Now Matheus Souza, Chief Innovation Officer da SAP América Latina e Caribe.

Concordo com ele! Mas estou certo de que muitos de nossos ancestrais primitivos queimaram a mão tentando dominar o fogo. Mesmo hoje, ainda sofremos acidentes com ele, porém proporcionalmente pouco, pois aprendemos como usá-lo.

Estamos na aurora da inteligência artificial. Apesar de suas pesquisas já terem mais de 70 anos, apenas agora empresas e profissionais têm acesso amplo a seus recursos, seja pelo grande poder de processamento disponível, seja pela atenção que ela ganhou com o lançamento do ChatGPT.

Mas apesar de seu apelo irresistível, executivos e gestores de pessoas devem abraçá-la do jeito certo. Se não souberem que problemas a IA resolverá, e se suas equipes não estiverem à vontade e preparadas para isso, sua adoção pode ser decepcionante.

Na atual intersecção da tecnologia com os negócios, essas decisões não podem mais se restringir a aspectos de um ou do outro. Como explicou Palmaka, essa inovação não deve servir apenas para aquilo que se faz hoje, mas também para aquilo que será feito no futuro.

Com tanto poder em jogo, não há espaço para amadorismo.

 

Para a futurista Amy Webb, não devemos estar preparados para tudo, mas estar preparados para qualquer coisa - Foto: Paulo Silvestre

Superciclo tecnológico atual só faz sentido se gestores mantiverem o foco no cliente

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Desde o arado, novas tecnologias transformam indivíduos e a sociedade como um todo, oferecendo-lhes maneiras de melhorar o que já fazem ou descobrindo novas possibilidades. Algumas promovem mudanças tão profundas e prolongadas que geram um “superciclo tecnológico”. Estamos vivenciando a aurora de mais um deles, protagonizado pela inteligência artificial. Mas ela não está sozinha na transformação!

Isso pode variar muito na forma, mas uma verdade é imutável: os benefícios para as pessoas são sempre mais importantes que a tecnologia em si. Aqueles que querem surfar nessa onda, ao invés de serem tragados por ela, não podem perder isso de vista, especialmente em um mundo tão volátil e ao mesmo tempo tão poderoso, graças à própria tecnologia.

Isso se reforça pelo fato de o intervalo entre os superciclos e sua duração ficarem cada vez menores. Por exemplo, tivemos a Revolução Industrial, que começou ainda no século XVIII e durou cerca de 200 anos. Depois vieram outros, como os superciclos da eletricidade, da química, da computação, da Internet e da mobilidade.

Se suas durações e os intervalos entre eles eram medidos em séculos, agora não chegam a uma década! Isso não os torna menos importantes, mas os faz mais intensos.

Nesse cenário crescentemente complexo, nem sempre há tempo para se apropriar de todas as novidades. Portanto, um dos principais desafios de gestores públicos e privados é não se deixar seduzir pelo brilho próprio da tecnologia, limitando-se a ela, e sim usá-la para transformar a vida das pessoas.


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Na quinta passada, a futurista americana Amy Webb abordou a capacidade de transformação social do superciclo tecnológico atual, durante a palestra mais aguardada da Febraban Tech, o principal evento de tecnologia bancária da América Latina, que aconteceu em São Paulo de terça à quinta.

Webb, que também é professora da Universidade de Nova York (EUA), explicou que essa é a primeira vez que um superciclo não é motivado por uma única tecnologia, e sim pela combinação de três: inteligência artificial, sensores por toda parte e biotecnologia. “Não são três superciclos separados, e sim um superciclo que combina as três tecnologias”, afirmou. “Isso vai reformar a existência humana!”

Disso deriva uma classe de produtos impulsionados pela chamada “Geração Aumentada por Recuperação de Dados” (da sigla em inglês RAG). Ela combina recursos sofisticados para extrair a informação que o usuário quiser de diferentes bancos de dados e serviços, apresentando-a de uma maneira facilmente compreensível graças à IA generativa.

Isso reforça os produtos com “tecnologia de propósito geral”, ou seja, que podem ser usados para funções muito distintas, algumas nem previstas no momento de seu lançamento. Por isso, chega a ser surpreendente os problemas enfrentados pela Alexa, um produto da Amazon que reinou nessas categorias nos anos de uma IA primitiva, mas que agora não está conseguindo fazer frente ao avanço do ChatGPT.

“Essa combinação entre o transacional e a IA generativa, não importa em qual dispositivo, em qual comunicador, em qual fornecedor, é a curva evolutiva da IA, que permeará tudo”, afirma Thiago Viola, diretor de inteligência artificial, dados e automação da IBM Brasil. Segundo ele, “se você simplesmente responde, sem integrar com um serviço, você faz o que a gente chama de IA parcial”, e aí se deixa de oferecer ao cliente o valor agregado de produtividade.

 

Assistente digital permanente

As tecnologias que compõem o superciclo tecnológico atual devem, portanto, ser usadas para oferecer uma assistência digital automática, permanente e cada vez mais personalizada às pessoas. E as empresas precisam assumir o seu papel nisso.

“Vejo essa tecnologia sendo usada para mudar a forma como uma empresa interage com seus clientes ou parceiros, gerando novos tipos de produtos e serviços digitais”, sugere o britânico Matthew Candy, diretor global de IA generativa na IBM Consulting, que também participou da Febraban Tech.

Ele explica que as empresas não podem fazer isso se limitando a um único modelo de IA (como o GPT), devendo criar experiências únicas e ajustadas às necessidades de seus clientes, pela combinação de vários pequenos modelos próprios. “Como vou conseguir uma diferenciação competitiva quando todos os meus concorrentes têm acesso e fazem a mesma coisa que eu, com o mesmo material”, questiona Candy.

Tudo isso pode parecer muito distante, como uma obra de ficção científica. Mas o superciclo atual está diante de nós, impondo suas incríveis oportunidades e apresentando novos desafios, não apenas tecnológicos, mas também éticos e de governança. Isso também impulsiona gestores a ousar em seus movimentos, mas sem desprezar os cuidados com segurança e privacidade dos dados dos clientes.

Em um mundo em que a inteligência artificial está cada vez mais integrada a nossas vidas, até no que vestimos, a personalização se torna um fator crítico de sucesso. Para isso ser possível, usuários concedem acesso cada vez mais irrestrito a suas informações, o que garante um enorme poder às organizações. Sem uma governança madura em seus processos, isso pode desequilibrar o relacionamento entre empresas e seus clientes, o que pode parecer tentador, mas, a longo prazo, é ruim para todos.

Gestores de tecnologia e de negócios devem, portanto, manter um olho na operação e outro na inovação. Em um ambiente de competição complexa, concentrar-se em qualquer dos lados dessa equação, diminuindo o outro, pode ser um erro fatal. Se prestarem muita atenção à operação, podem ser atropelados por concorrentes mais ousados; se privilegiarem apenas a inovação, podem construir sistemas frágeis ética e tecnologicamente.

Como disse Web em sua palestra, “nosso objetivo não deve ser estarmos preparados para tudo, mas estarmos preparados para qualquer coisa”. A diferença parece sutil, mas é enorme!

Em outras palavras, ninguém tem recursos para antecipar todas as possibilidades de seu negócio, mas precisamos estar abertos e prontos para abraçar criativa e cuidadosamente o imprevisto. Esse é o caminho para o sucesso e para relações mais saudáveis nesse superciclo tecnológico.

 

Aura Popa e Kurt Schlegel, na abertura da conferência Gartner Data & Analytics, na semana passada em São Paulo - Foto: divulgação

IA cria uma inteligência coletiva unindo pessoas e máquinas em torno de um propósito

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A cada dia, aplicações com inteligência artificial surgem nos mais diversos setores. O ChatGPT mostrou para as massas como essa tecnologia pode trazer grandes ganhos de produtividade, e isso ciou uma sensação de que a IA automatizará tudo por conta própria. Mas isso não é verdade: o ser humano ainda precisa supervisionar seu aprendizado e suas conclusões. Ainda assim, a colaboração inteligente entre máquinas e pessoas pode tornar possível coisas até então inimagináveis.

Esses foram alguns dos principais temas da conferência Gartner Data & Analytics, que aconteceu em São Paulo na terça e na quarta passada. Na palestra de abertura, Aura Popa, diretora-sênior, e Kurt Schlegel, vice-presidente da consultoria, fizeram uma analogia entre a inteligência coletiva do mundo animal e o que podemos fazer junto com a inteligência artificial.

Esse fenômeno se observa desde enxames de abelhas até matilhas de lobos. Nelas, cada indivíduo tem autonomia para tomar suas decisões, mas também trabalha para os objetivos do grupo. Dessa maneira, ele não apenas sobrevive, como também prospera, atingindo coletivamente ganhos que não conseguiria sozinho.

Segundo os executivos, a inteligência artificial funciona agora como um facilitador para as pessoas criarem valores inéditos juntas. Mas, para isso, as empresas precisam reorganizar seus modelos operacionais para dar autonomia e flexibilidade aos profissionais. Devem também ampliar sua educação para usos conscientes dos dados e da IA. Por fim, precisam distribuir autoridade e responsabilidade para que todos atuem com um propósito bem definido, em todos os níveis da organização.

É uma proposta interessante, neste momento em que ainda tateamos a inteligência artificial para encontrar formas positivas de usá-la. Em diversos momentos na conferência, ficou claro que não se deve delegar decisões críticas completamente à máquina, pois ela pode cometer erros graves. Fazer isso também aceleraria o temor generalizado de termos nossos empregos substituídos por robôs.


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“Desencadeamos uma nova era de inteligência coletiva, que combina inteligência humana e de máquina”, disse Schlegel. Segundo eles, para se atingir esses objetivos, as empresas precisam investir em estratégia, mas também se dedicar mais na execução.

“Concentre-se na execução e gaste mais tempo trabalhando em toda a empresa para descobrir como usar esses dados”, explicou Popa, que concluiu: “concentre-se nos fundamentos da governança e na maturidade da implantação, e olhe além dos resultados de curto prazo.”

Uma pesquisa do Gartner realizada no segundo trimestre de 2023, indicou que 75% dos CEOs já haviam experimentado a IA generativa, sendo que 64% não acham que exista exageros no que se fala dela e 62% já discutiram a IA com os conselhos de administração de suas empresas. Por outro lado, 53% dos líderes de tecnologia disseram não ter certeza se estão preparados para mitigar os riscos da IA.

Um bom caminho para se enfrentar esse desafio recai sobre os dados usados nas plataformas, incluindo a precisão, confiança e transparência nessas informações, além de sua proteção. Segundo a consultoria, organizações com práticas maduras de governança de dados têm 25% mais chance de ter sucesso com essas inovações.

Essa inteligência coletiva viabilizada pela IA abre um incrível caminho para melhorar as decisões de negócios, que passam a ser mais contextualizadas, conectadas e contínuas. Isso contrasta com o que se vê hoje: segundo o próprio Gartner, 65% dos entrevistados disseram usar dados para justificar uma decisão já tomada, normalmente pela pessoa mais bem paga na organização.

 

IA ajudando nas decisões

“Muitas escolhas de negócios ainda possuem poucos dados internos, e isso tem que mudar”, afirmou Pieter den Hamer, vice-presidente do Gartner. Para ele, as empresas precisam passar de “orientadas por dados” para “orientadas por decisões”. “É essencial abrir a caixa preta da tomada de decisões”, disse.

Frank Buytendijk, chefe de pesquisa do Gartner Futures Lab, sugeriu que poderemos ver, em poucos anos, plataformas de IA ocupando posições em conselhos de administração, e ele considera isso assustador. Segundo ele, um robô que soubesse tudo que os grandes executivos disseram ou escreveram não seria necessariamente útil, pois esse “superexecutivo” nunca existiu e nunca esteve na liderança de uma única companhia.

Mas ele não duvida que decisões de alto nível passem a ser cada vez mais auxiliadas (e até feitas) pela inteligência artificial. Isso poderia levar a um futuro distópico, com dois extremos. Em um deles, veremos a tomada de decisões e a liderança se tornando demasiadamente centralizadas por tecnologias digitais. “Isto eliminaria a autonomia das pessoas, e lhe falta a diversidade e a inclusão que levam a melhores decisões”, explicou. O extremo oposto é um cenário de excessiva distribuição, em que cada um faz suas próprias coisas, sem a visão do todo.

Gestores de diferentes áreas, mas principalmente aqueles ligados a implantações de inteligência artificial e análise de dados, devem cuidar para que não cheguemos a isso. A IA deve auxiliar na tomada de decisões, mas não pode responder sozinha por elas. Considerando que, em um tempo relativamente curto, todo mundo usará essa tecnologia no seu cotidiano, as pessoas devem ser educadas para compreender o que estão fazendo e se apropriar do processo, sedo responsáveis pelas consequências de suas decisões apoiadas pelas máquinas.

No final, o conceito de inteligência coletiva do mundo animal pode mesmo guiar nossos passos nesse mundo em transformação acelerada pela IA. Todos devemos ter autonomia para tomar mais e melhores decisões dentro do escopo de nossas atuações, mas elas devem estar sempre alinhadas com um objetivo maior, que vise o crescimento de onde estivermos e o bem-estar da sociedade como um todo.

 

Ilustração: Creative Commons

Esse será de novo o ano da inteligência artificial, mas de uma forma diferente

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Quando 2022 começou, o mundo da tecnologia só falava de metaverso, grande promessa incensada por Mark Zuckerberg, que até trocou o nome de sua empresa de Facebook para Meta. Mas, passados 12 meses, nada verdadeiramente útil aconteceu em torno dele. Já 2023 começou com a inteligência artificial ocupando os grandes debates tecnológicos, e, ao final do ano, ela superou todas as expectativas. Agora, que estamos começando 2024, ressurge a pergunta: esse será o ano do que, no cenário tecnológico?

Conversei com diferentes especialistas e executivos e a resposta passa novamente pela inteligência artificial. Mas nada será como era antes! O que aconteceu em 2023 e deixou o mundo de queixo caído ficará para trás como iniciativas embrionárias, quase protótipos. Os entrevistados foram unânimes em afirmar que o ano que passou foi de aprendizado e que agora, em 2024, o mundo deve começar a ver a inteligência artificial movendo produtos realmente profissionais.

Outras mudanças em curso se consolidarão a reboque disso. O mercado de trabalho continuará sendo impactado, com oportunidades para profissionais mais atualizados e ameaças para quem permanece em tarefas repetitivas. Além disso, a liderança de TI ocupará cada vez mais o espaço de decisão de negócios, e questões éticas do uso da tecnologia ganharão destaque no cotidiano empresarial.

Esse será o ano em que a inteligência artificial se tornará verdadeiramente produtiva!


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“Quando eu olho 2024, continua sendo um ano de inteligência artificial, mas será um ano de muito mais inteligência de transformar o caso de uso em realidade”, afirma Thiago Viola, diretor de Inteligência Artificial e Dados da IBM Brasil. “As empresas vão começar a amadurecer, para garantir que as soluções funcionarão, que não vão ‘alucinar’, que não vão dar nenhum problema.”

“Em 2023, a gente teve alguns ‘brinquedinhos’, não eram ainda algo que se pudesse chamar de uma aplicação corporativa”, explica Cassio Dreyfuss, vice-presidente de análise e pesquisa do Gartner Brasil. “Em 2024, isso vai decolar e você tem que estar preparado para isso!”

Essa também é a percepção de Marcelo Ciasca, CEO da Stefanini. Para ele, “apesar de em 2023 a inteligência artificial ter sido a pauta principal em termos de tecnologia, ninguém sabia exatamente ainda como aplicá-la efetivamente.”

“’Automação’ é uma palavra importante para o ano”, sugere Gilson Magalhães, presidente da Red Hat Brasil. Apesar do deslumbramento que a IA provocou em 2023, as empresas passam a entender que ela é uma ferramenta para processos mais robustos e poderosos. “A automação vai entrar mais nas casas, melhorar nossa percepção de temas pessoais, mas a gente vai ver também automação industrial, no campo, fabril, a automação entrando como uma grande meta”, acrescenta.

A OpenAI, criadora do afamado ChatGPT, deu um passo importante nessa direção no final de 2023, ao liberar a possibilidade de seus usuários pagantes criarem os seus próprios assistentes virtuais, especializados em um tema e alimentados com dados próprios. Esse é o prelúdio de inteligências artificiais capazes de realizar tarefas mais amplas a partir de comandos complexos, conectando-se a diferentes serviços e até tomando decisões em nome do usuário.

A primeira vez que vi isso foi ainda em novembro de 2019, em uma demonstração da Microsoft, Adobe, Accenture e Avanade. Em uma época que o ChatGPT parecia uma miragem, um sistema controlado por voz em frases muito simples comprava passagens aéreas, reservava hotéis e até pedia comida para o usuário. Mas o que mais me chamou a atenção foi que ele tomava decisões comerciais com base no que sabia do usuário, sem o consultar, como por exemplo, escolher em qual hotel faria a reserva e até pedir um sanduíche sem queijo, pois a pessoa era intolerante à lactose.

Perguntei na época qual a garantia que eu, como usuário, teria que essas decisões seriam as melhores para mim, e não para as empresas envolvidas. E isso toca em um ponto que deve nortear os sistemas com IA nos próximos anos: a ética! Questionei também quando poderíamos ter algo como aquilo disponível.

A resposta: por volta de 2024!

 

Máquinas éticas

“Haverá um encapsulado de gestão e governança muito mais forte do que vimos em 2023”, afirma Viola. Segundo o executivo, “será um ano que vai ter que realizar se preocupando com fatores éticos, de governança, de proteção da IA como um todo”.

Esse debate ganhou força em 2023 e deve se cristalizar em 2024. Não se quer uma tecnologia incrível que, para ser assim, passe por cima da privacidade ou ameace direitos e até o bem-estar das pessoas. A regulamentação da IA é um grande desafio, pois ela não deve coibir seu desenvolvimento, mas precisa encontrar maneiras de responsabilizar empresas e usuários por maus usos e descuidos na sua criação.

Esse cenário abre ótimas oportunidades a empresas e profissionais. “TI se transformou no grande divisor de águas de diferenciação das empresas”, explica Magalhães. “Se você tem uma boa TI, você se diferencia”, conclui.

Em uma vida cada vez mais digitalizada e dependente da IA para decisões pessoais e empresariais, essas equipes ficam ainda mais importantes. “A TI muda de papel: ao invés de receber requisitos para gerar soluções, vai fornecer, de uma maneira consultiva, recursos nas áreas de clientes”, explica Dreyfuss. Ciasca corrobora essa ideia: “isso não vai eliminar o emprego das pessoas, mas vai redirecionar muitos para que as pessoas tenham a capacidade de fazer isso de forma adequada.”

Não há dúvida de que será um ano estimulante e de desenvolvimentos exponenciais. Precisamos apenas nos manter atentos porque todas essas novidades galopantes, que tanto nos impressionam, acabam sendo difíceis de assimilar pela nossa humanidade (o que não deixa de ser emblemático). Não podemos achar que o fim justifica os meios e partir em uma corrida irresponsável, mas tampouco podemos ficar travados por temores de máquinas que nos dominem (ou coisas piores).

Cada vez mais, a inteligência artificial será nossa parceira pessoal e de negócios, e isso ficará mais consolidado e profissional em 2024. É hora de nos apropriarmos de todo esse poder, para nos beneficiarmos adequadamente do que bate a nossa porta!

 

Thiago Araki, diretor-sênior de Tecnologia da Red Hat na América Latina, no palco do Summit Connect, no dia 18 – Foto: Red Hat

Negócios e empregos mudam exponencialmente com novas tecnologias e modelos

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O ano de 2023 será lembrado como o momento em que a inteligência artificial ganhou as ruas. O lançamento do ChatGPT, no final de 2022, disparou uma corrida em que todos os negócios parecem ser obrigados a usar a IA, quase como se ela fosse um selo de qualidade, o que obviamente não passa de uma distorção do que ela representa. O grande desafio reside, portanto, em conhecer e se apropriar dessa tecnologia, para tirar proveito dela adequadamente.

As empresas têm um papel central em ajudar nessa tarefa, não apenas com o lançamento de produtos que tragam soluções consistentes com a IA, mas também na educação do mercado. Isso ficou claro durante o Red Hat Summit: Connect, principal evento de tecnologia open source da América Latina, que aconteceu em São Paulo no dia 18.

É curioso pensar que a inteligência artificial já está em nosso cotidiano há muitos anos, em incontáveis aplicações empresariais e até em nosso celular, ajudando-nos a fazer escolhas melhores. A diferença é que, até então, ela se escondia nas entranhas desses sistemas. Agora ganhou a luz do sol, exposta em conversas que temos com a máquina, que nos responde como se fosse outra pessoa.

Ainda há deslumbramento demais e conhecimento de menos sobre a inteligência artificial entre consumidores e empresas. O próprio lançamento de tantas plataformas de inteligência artificial generativa, na esteira do sucesso explosivo do ChatGPT, indica um certo descuido de alguns desenvolvedores de soluções, liberando um enorme poder para pessoas que não sabem como usá-lo corretamente.

Nesse sentido, a Red Hat, que é a maior empresa do mundo no fornecimento de soluções empresariais open source, entende que deve ir além do seu papel de desenvolver produtos que tiram proveito da IA: deve também educar seus usuários, seja pelas suas próprias iniciativas, seja pela colaboração com o mundo acadêmico. “As empresas não só podem como devem colaborar na formação de profissionais”, explica Alexandre Duarte, vice-presidente de Serviços para a América Latina na Red Hat. “Nós temos que juntar esforços do mundo corporativo com o mundo educacional, estando alinhados.”

A versão latino-americana do Summit, que também acontece em Buenos Aires (Argentina), Santiago (Chile), Tulum (México), Lima (Peru) e Montevidéu (Uruguai), traz para esses mercados produtos e conceitos que foram apresentados em maio no evento global da empresa, realizado em Boston (EUA). Entre eles, o Ansible Lightspeed e o OpenShift AI, que usam a inteligência artificial na automação de tarefas, como geração de códigos a partir de pedidos simples em português, liberando o tempo das equipes para funções mais nobres.

E assim como pude ver em Boston, aqui a empresa também deixa claro que a inteligência artificial não chega para substituir profissionais, e sim para melhorar suas rotinas. “Se você for um novato, poderá criar melhor, mais rápido; se for um especialista, poderá melhorar muito o que faz e usar seu domínio para refinar a entrega”, explicou-me Matt Hicks, CEO global da Red Hat, em uma conversa com jornalistas durante o Summit na cidade americana. “Nessa nova fase, temos que conhecer a pergunta para a qual queremos a resposta”, concluiu.

É auspicioso observar essa visão em uma das empresas de software mais respeitadas do mundo, em um momento em que muita gente teme pelo seu emprego pelo avanço da inteligência artificial. “Essas ondas tecnológicas não tiram o emprego das pessoas, os profissionais precisam se acomodar”, acalma Duarte. Mas ele faz uma ressalva: é preciso querer aprender! “Se você tem propensão a aprender coisas novas, eu não acredito que a inteligência artificial vai tirar seu emprego, e ainda vai gerar novas oportunidades de trabalho”, acrescenta.

 

O poder da “coopetição”

Em março deste ano, a Red Hat completou 30 anos. Ele cresceu a partir de sua distribuição do sistema operacional Linux, provavelmente o software open source mais famoso do mundo. Nessa modalidade, o produto e o código-fonte ficam disponíveis gratuitamente. A regra fundamental é que, se alguém fizer uma melhoria no sistema, ela deve ser compartilhada de volta com a comunidade.

Essa forma de pensar inspira seu próprio modelo de trabalho, que ficou conhecido como “open business”, uma abordagem empresarial em que equipes, a comunidade e até concorrentes são convidados a cooperar de maneira transparente. Ela valoriza a transparência e a responsabilização, distribuindo os benefícios para todos. “Há 30 anos a gente fala sobre essa abertura, essa transparência, essa possibilidade de diferentes perspectivas”, afirma Sandra Vaz, diretora-sênior de Alianças e Canais para a América Latina na Red Hat.

Surge então a chamada “coopetição”, um neologismo que une “cooperação” e “competição”. “Nada mais é que dois competidores cooperando e criando novas soluções para o bem de seus clientes”, explica Vaz. “Nós colaboramos, nossas equipes de desenvolvimento se conectam e criam o melhor dos mundos, simplificando soluções já existentes.”

A “coopetição” também é uma poderosa ferramenta para ampliar a base de clientes, pois um dos participantes pode trazer consumidores a que o outro lado não teria acesso. Sandra dá, como exemplo, um provedor de serviços na nuvem, como a AWS ou a Microsoft, que podem até ter produtos concorrentes aos da Red Hat, mas que se associam a ela justamente nessas soluções, se assim for o desejo do cliente.

A tecnologia avança a passos muito rápidos, assim como modelos de negócios inovadores. Qualquer que seja o mercado ou a função, está claro que profissionais precisam estar não apenas abertos à inovação, como também dispostos a aprender como tirar proveito dela de maneira eficiente e ética.

A inteligência artificial talvez não acabe com os empregos das pessoas que não a adotem, mas isso pode acabar acontecendo pelas mãos daquelas que passarem a usá-la.


Você pode assistir à íntegra em vídeo das minhas entrevistas com os executivos da Red Hat. Basta clicar no respectivo nome: Alexandre Duarte, Sandra VazMatt Hicks.

 

Diversidade e inclusão tornaram-se poderosas ferramentas de negócios e inovação - Foto: Christina Morillo/Creative Commons

Diversidade e inclusão tornam-se aliadas da inovação

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Quando se pensa em inovação, normalmente o que vem à mente são investimentos em tecnologia, novos processos e talentos ligados às tendências do mercado. Mas algumas empresas estão percebendo que, além disso tudo, investir em diversidade e inclusão em seus quadros lhes permite inovar ainda mais e oferecer produtos mais alinhados com seus clientes.

Algumas das inovações mais importantes para a sociedade têm muito pouco ou nada de tecnologia envolvida. Basta fazer algo que traga benefícios reais para as pessoas, seja uma coisa que ainda não exista ou dando uma nova perspectiva para algo já disponível.

Mas fica difícil desenvolver essa perspectiva inovadora quando todos na equipe são mais ou menos iguais e pensam da mesma forma. Diante de um mundo crescentemente complexo, acelerado e imprevisível, com clientes cada vez mais exigentes e participativos, trazer para dentro de casa visões diversas da vida torna-se essencial.

Portanto, investir em diversidade e inclusão nos times não é algo apenas socialmente responsável: é um incrível diferencial de negócios de empresas inteligentes.


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“Vemos que grupos diversos tomam decisões melhores, que trazem aumento de lucros”, explica Shuchi Sharma, vice-presidente global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Red Hat, líder mundial em software open source. “Certamente é uma vantagem competitiva porque, quando você tem perspectivas mais diversas para a forma como você toma decisões todos os dias, você vê resultados muito diferentes do que quando você tem apenas um grupo homogêneo fazendo as coisas da mesma maneira, pensando o mesmo caminho”.

Entretanto, ter diversidade nas equipes não é suficiente. Sharma explica que a empresa precisa desenvolver uma cultura de inclusão e de pertencimento, porque todos precisam se sentir psicologicamente seguros para expor sua criatividade e assumir os riscos necessários para impulsionar a inovação. A inclusão prevê que todos não só tenham voz, como que ela seja efetivamente ouvida.

Essas ações precisam ser concretas e os gestores devem estar preparados para elas. Isso significa, em primeiro lugar, que precisam genuinamente prestar atenção no que os funcionários lhes dizem, procurando entender suas perspectivas e suas experiências, que podem ser muito diferentes das deles. Devem também validá-las, para que a equipe perceba que elas são valiosas.

É um trabalho constante e permanente. Empresas que investem há mais tempo em diversidade e inclusão, como IBM, SAP e Coca-Cola, hoje colhem muitos frutos disso. A executiva explica que não se deve interromper as iniciativas se as metas forem atingidas, ou tudo que se construiu pode ser perdido, como em qualquer outra parte do negócio. “Se você atinge suas metas de vendas, você não para de vender”, exemplifica.

Não é algo trivial. É preciso mudar a cultura corporativa de uma mentalidade de comando e controle para um ambiente mais distribuído e matricial. Tanto que os líderes que se destacam hoje são mais orientados para mentoria da equipe, o que exige muito mais escuta e um comprometimento em servir o próprio time.

 

Atração e retenção de talentos

Esses esforços se pagam! O relatório “A inclusão não é apenas legal: é necessária”, publicado em fevereiro pelo Boston Consulting Group após ouvir mais de 27 mil profissionais de 16 países (incluindo o Brasil), indica que melhorar a experiência de inclusão no local de trabalho é uma das ferramentas mais efetivas que as empresas têm para atrair e reter talentos. Se bem-feita, a inclusão reduz pela metade os atritos.

Isso acontece porque os funcionários sentem que podem ser autênticos com o que são e com o que acreditam, sem medo de discriminação. Assim ficam mais felizes e motivados para dar o melhor de si, pois sentem que suas perspectivas são importantes. Eles têm quase 2,4 vezes menos probabilidade de pedir demissão.

É importante que esses benefícios sejam conhecidos. Poucas empresas ainda investem em iniciativas de diversidade e inclusão, pois é difícil de definir, medir e influenciar suas ações e resultados no ambiente de trabalho. Por isso, elas acabam sendo subvalorizadas.

O estudo sugere algumas medidas para melhorar a inclusão nas empresas, começando por haver diversidade no nível de liderança, que deve se demonstrar comprometida com o tema. As gerências devem criar equipes e ambientes seguros para minorias, com medidas rigorosas contra comportamentos discriminatórios e tendenciosos. Por fim, os resultados da companhia devem ser medidos com foco em diversidade e inclusão.

Equipes diversas também permitem que se inove em produtos para atender necessidades de grupos específicos, que acabam favorecendo a população como um todo. Um bom exemplo são as rampas em calçadas, nas esquinas. Criadas originalmente para cadeirantes, eles passaram a ser usadas também por ciclistas e por pessoas com carrinhos de bebês ou de compras, entre outros.

“Acreditamos que as melhores ideias podem vir de qualquer lugar, e essa é a essência do open source, bem como a essência da inclusão”, afirma Sharma, que construiu sua carreira na indústria de TI, um mercado fortemente dominado por homens brancos. Graças ao seu histórico de promoção de mulheres e minorias nos setores de tecnologia e saúde, foi nomeada uma das 50 Líderes do Futuro pelo jornal “Financial Times” em 2018.

“Mulheres podem melhorar os resultados em empresas de tecnologia pelas suas perspectivas diferentes, melhor tomada de decisão, mais empatia com seus clientes e compreensão de diferentes formas de fazer as coisas”, acrescenta. Ela destaca o caso de mães solteiras, muitas vezes estigmatizada pela sociedade, mas que são resistentes e persistentes, sempre têm um “plano B” e têm que resolver problemas de forma criativa. “São qualidades que queremos ter em todos os negócios: que ótimo lugar para encontrá-las”, provoca.

Já passou da hora de as empresas de todos os setores pararem de encarar a diversidade e a inclusão como palavras vazias apenas para serem bem vistas por uma sociedade que valoriza esse assunto cada vez mais. Elas são incríveis ferramentas de inovação e de negócios! Mas isso só acontecerá para aqueles que estejam dispostos a sair de sua zona de conforto e fazer os movimentos necessários.


Assista à íntegra da conversa com Shuchi Sharma, VP de Diversidade e Inclusão da Red Hat.

 

O consumidor não se contente mais com um bom produto, querendo agora uma ótima experiência - Foto: Drazen Zigic/Creative Commons

Quando todo produto precisa se tornar digital, as empresas precisam aprender a correr riscos

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A inteligência artificial está em toda parte! A essa altura, não é novidade. Dois estudos divulgados na quarta (16) pela IBM reforçam isso e como um número crescente de executivos a consideram um diferencial de negócios, abandonando o aspecto de “curiosidade tecnológica”. Ainda assim, empresas enfrentam dificuldades para adotá-la, por falta de experiência ou de apetite por correr riscos.

Outra que também poderia estar mais bem posicionada em nossas vidas se houvesse mais investimento é o 5G, que acaba de completar um ano de operação no Brasil. Segundo números apresentados pela Ericsson na mesma quarta, o país já atingiu 11,4 milhões de usuários dessa geração da telefonia móvel em 329 municípios. Mas os principais benefícios que ela traz não aparecem, porque as operadoras concentram sua comunicação na oferta de maior velocidade, sem fazer as necessárias atualizações em suas redes e em seus modelos de negócios.

Esse cenário traz desafios inéditos aos gestores de companhias de todos setores e portes. O consumidor fica mais exigente pelas ofertas de uma alta concorrência, e agora busca experiências e personalização que transcendem as propostas originais dos produtos. Com isso, toda oferta precisa se tornar um produto digital.

A boa notícia é que a tecnologia está muito mais acessível, seja pela facilidade de uso, seja pelo preço. Mas para dar certo, os profissionais precisam de atitude para fazer os movimentos necessários.


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Segundo o estudo da IBM “Sete apostas”, a previsão de Marc Andreessen está se tornando realidade: em um artigo de 2011 no The Wall Street Journal, o pioneiro da Internet disse que “o software estava comendo o mundo”. E está mesmo: ele controla de celulares a carros, de aspiradores de pó a robôs industriais. E agora “a inteligência artificial está comendo o software”.

Com isso, os melhores executivos estão desenvolvendo uma mentalidade de engenharia de produto. Eles entendem que a adoção da tecnologia é fundamental para o sucesso, pois os clientes esperam uma ótima experiência digital qualquer que seja o produto ou serviço oferecido.

Curiosamente, nada disso é novo. Software embarcado em produtos e até a inteligência artificial fazem parte do cotidiano de pessoas e de empresas há anos. A diferença é que, desde o fim do ano passado, com o lançamento do ChatGPT, a IA deixou de ser algo obscuro e restrito a poucos profissionais de TI para ser democratizada para qualquer cidadão.

“O ChatGPT capturou o momento em que a experiência se conectou à tecnologia”, afirma Marco Kalil, líder da IBM Consulting no Brasil. Para ele, a digitalização de produtos e o uso da IA como ferramenta de negócios são um caminho sem volta. “As pessoas que souberem aplicar a inteligência artificial nos negócios, realmente priorizando a experiência, terão mais sucesso que os outros, sem dúvida alguma.”

Já no estudo “Tomada de decisão do CEO na era da IA”, também da IBM, 60% dos CEOs entrevistados no Brasil disseram que a computação em nuvem é fundamental para a conquista de resultados nos próximos três anos, enquanto 56% deles confiam na IA. Apesar disso, 41% sentem dificuldade de obter ideias a partir dos dados que têm, com 61% afirmando que a qualidade e a origem desses dados são a principal barreira para adoção da inteligência artificial.

 

Garantindo seu bônus

Incluir inovações em qualquer negócio implica algum nível de risco, pelo simples fato de se sair da zona de conforto. Por isso, muitos executivos, apesar de serem conscientes da necessidade de inovação, resistem a ela, para não ameaçar seus bônus de fim de ano.

Mas a inovação se tornou condição para se manter no mercado, e não apenas as já citadas. Outras apostas do estudo da IBM são a sustentabilidade e o metaverso.

Segundo a pesquisa, muitos executivos ainda veem sustentabilidade e lucros como incompatíveis, indicando uma visão míope de gestão. Já o metaverso deve ser encarado como uma ferramenta que amplie possibilidades do mundo físico, ao invés de substituí-lo. Em ambos os casos, criar experiências com benefícios tangíveis para clientes internos e externos diminui as barreiras para sua adoção.

De fato, não dá para dissociar inovação de experiência. No caso do 5G, a base de usuários brasileiros já poderia ser maior, mas isso não acontece porque o público não vê as incríveis possibilidades da tecnologia, achando que se trata apenas de uma Internet mais rápida. Se for só para isso, preferem esperar.

Sim, a velocidade é muito maior e a latência é muito menor que a do 4G. Isso é necessário para produtos como veículos autônomos, telemedicina, educação a distância e automação industrial disruptivas, cidades inteligentes e entretenimento revolucionário, especialmente em games e transmissões ao vivo interativas.

Mas tudo depende da criação de um ecossistema de provedores de serviços que, por sua vez, precisam que as operadoras de telefonia modernizem sua infraestrutura. Isso permitirá, por exemplo, o “fatiamento da rede”, que entrega conexões diferentes seguindo a necessidade do cliente, podendo até variar de acordo com o momento. Também é necessário que ofereçam APIs, mecanismos para que os desenvolvedores criem aplicações que tirem o máximo proveito dos recursos da rede. Os modelos de negócios também devem ser atualizados, para que o usuário deixe de ser cobrado por franquias e passe a ser cobrado pelos serviços que usa.

“As operadoras já entenderam que o caminho passa por oferecer serviços fornecidos por outras empresas”, explica Marcos Scheffer, vice-presidente de redes da Ericsson para América Latina. Mas, segundo ele, há um processo a ser cumprido e, no momento, as teles estão cuidando da ampliação da cobertura.

“Na hora que você conecta tecnologia com o interesse do usuário, é fantástico”, exclama Kalil. Para o executivo, está na hora de as empresas colocarem essas tecnologias como protagonistas, e não como meras ferramentas. “Nessa hora, o negócio vai mudar”, conclui.

Sei que tudo é investimento –às vezes, muito dinheiro. Além disso, o mercado brasileiro costuma ser impiedoso com aqueles que falham. Essa combinação é mortífera para a inovação, pois os gestores tendem a escolher o caminho seguro e menos inovador.

O problema é que, dessa forma, a empresa perde a chance de se descolar da concorrência e os clientes amargam produtos limitados e experiências ruins. Precisamos aprender a correr riscos com inteligência!


Vídeo relacionado – íntegra da entrevista com Marco Kalil, líder da IBM Consulting no Brasil:

 

 

Metrô de São Paulo lotado após fracasso de “big techs” que revolucionariam a mobilidade urbana - Foto: Wilfredor / Creative Commons

Como as big techs querem substituir instituições da sociedade por tecnologia

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Todos nós usamos produtos do Google, da Meta, da Apple e de outras “big techs”. De fato, eles facilitam enormemente a nossa vida e ainda são rotulados como “grátis”.

Sabemos que não há nada de graça nisso. A explicação tradicional é que pagamos por eles com nossos dados, que permitem que essas empresas ganhem dinheiro, por exemplo, nos entregando anúncios hiperpersonalizados. É o chamado “capitalismo de vigilância”.

Mas a ascensão da inteligência artificial e a guerra aberta que as “big techs” travam contra qualquer forma de limitação de suas atividades, como estamos vendo no Brasil no embate contra o “PL das Fake News”, revela que esse controle que elas têm sobre nós é muito mais complexo, a ponto de que muita gente as defende nesses casos. E a tentativa de regulação da inteligência artificial fará nosso fracasso em impor limites razoáveis às redes sociais parecer algo pífio.

O que essas empresas realmente desejam é uma liberdade não-regulada para, entre outras coisas, substituir instituições da sociedade em áreas como saúde, educação, transporte ou segurança por soluções tecnológicas que, segundo elas, superariam a “ineficiência” do que temos hoje. Ao ocupar um espaço tradicionalmente sob cuidados do Estado, alcançariam um poder inimaginável, muito maior que o atual.

Eles só não dizem que tudo nessa vida tem um custo. Esse não será pago com publicidade em nossos celulares. Então “como essa conta fecha”?


Veja esse artigo em vídeo:


O avanço da inteligência artificial é inevitável e muito bem-vindo: ela tem o potencial de oferecer à sociedade benefícios até então inimagináveis. Mas isso significará que entregaremos muitas de nossas escolhas às máquinas, que decidirão o que elas acreditam ser o melhor para cada um de nós.

Em uma sociedade já encharcada de algoritmos, eles passam a controlar muito de nossa vida, de maneiras que nem percebemos. Nós não temos a menor ideia de quais são suas regras que decidem cada vez mais por nós. Diante de tanto poder, a falta de transparência das “big techs” e de explicabilidade de seus produtos se torna inaceitável e perigoso para nossas vidas e para a democracia. É justamente isso que essas empresas lutam para manter, pois, se soubermos detalhadamente o funcionamento de seus algoritmos, elas perdem o poder que têm sobre os cidadãos.

Tudo isso vale para os algoritmos atuais, bem conhecidos e controlados pelas “big techs”. A inteligência artificial torna esse debate ainda mais importante, pois nem seus criadores entendem completamente as novas estratégias criadas pelas máquinas para solucionar problemas.

Se essas companhias lograrem criar a chamada “inteligência artificial geral”, aquela que não se limita mais a tarefas específicas e passa a se comportar de maneira semelhante à mente humana, tomando decisões sobre qualquer assunto, a situação pode ficar realmente dramática.

Imagine um sistema como esse que tenha assumido, com nosso consentimento, decisões críticas sobre a saúde pública. Em nome de deixar todo o sistema mais “eficiente”, ele pode passar a privilegiar cirurgias com mais chance de sucesso ou lucrativas, em detrimento das mais difíceis ou com menos ganhos. Mas todos merecem a chance de serem tratados, mesmo quem tem baixa possibilidade de sucesso. Essa é a visão humana de um médico, que uma máquina que acha que o fim justifica os meios pode ignorar.

Agora multiplique esses riscos acrescentando, na equação, segurança pública, educação e até economia de um país.

 

Nem sempre dá certo

O discurso do Vale do Silício enaltece o inegável poder transformador da tecnologia. É praticamente impossível viver hoje sem smartphones, buscadores ou redes sociais. Mas seus gurus adoram perpetuar as histórias de sucesso, enquanto ignoram os fracassos. E eles muitas vezes acontecem quando se tenta substituir uma instituição social por uma tecnologia.

Podemos pensar, como exemplo, no caso da Uber. Conceitualmente acho sua proposta muito interessante, mas ela parece “estar fazendo água”, particularmente no Brasil. Vocês devem se lembrar como a empresa chegou prometendo revolucionar a mobilidade urbana, como um substituto vantajoso ao transporte público, com suas corridas baratas e a possibilidade de se ganhar dinheiro dirigindo.

Foi um sucesso instantâneo: muita gente chegou a vender seu carro! Mas, para aquilo ser possível, a empresa queimava milhões de dólares em subsídios. Quando os investidores se cansaram de perder dinheiro e exigiram lucros, o modelo ruiu, com a consequente queda enorme na qualidade do serviço, que agora sentimos.

Porém o mais educativo desse exemplo é mostrar que nunca se propôs resolver o verdadeiro problema social, no caso as deficiências no transporte público. Substituía-se uma “gestão governamental ineficiente” por uma “solução tecnológica mágica”, cujo verdadeiro objetivo era sedimentar a dominância da empresa em seu setor. Quando a realidade bateu à porta, ficamos sem nada!

O grande desafio da nossa geração é tomar consciência de que somos cada vez mais dependentes da tecnologia e das empresas que as criam. Elas têm suas próprias agendas e narrativas de como estão melhorando e até “salvando” o mundo com seus produtos. Mas às vezes a sua necessidade de lucrar chega antes de salvarem qualquer coisa.

Não nos enganemos: como qualquer outra empresa, seu objetivo real é aumentar seus lucros, e, a princípio, não há nada de errado nisso. Mas esse objetivo não pode ser atingido às custas do desmantelamento das instituições da sociedade e dos mecanismos de proteção dos interesses da população.

Não estou propondo a interrupção do avanço tecnológico: ele é essencial para melhorarmos nossas vidas. Mas precisamos parar de acreditar candidamente que a tecnologia resolverá todos nossos problemas e melhorará magicamente a sociedade. Temos que ter consciência de como isso será feito e qual será o verdadeiro o custo social que pagaremos.

Tudo isso deve acontecer preservando os legítimos interesses das pessoas, o que muitas vezes conflitam com os dessas empresas. É por essas e outras que elas precisam ser reguladas. Elas não podem ser mais poderosas que os governos eleitos no mundo todo, nem mesmo substituir suas instituições.

 

A Bruxa dá a maçã envenenada à Branca de Neve, no primeiro longa-metragem animado da história (1938) - Foto: reprodução

Quem matou a veia criativa da Disney?

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Desde que lançou “Branca de Neve e os Sete Anões” em 1938, Walt Disney elevou o conceito das animações a um patamar altíssimo, sendo responsável por algumas das maiores obras-primas do gênero. Seu sucesso se deve a sua obsessão pela excelência.

Infelizmente não dá para manter a barra no alto o tempo todo: de vez em quando, o estúdio fazia algo que não fosse tão incrível. Mas isso é diferente do que se observa agora: uma aparente decisão de trocar a qualidade pela quantidade.

Já faz muito tempo que a Disney não faz nada que seja realmente memorável. A empresa está se especializando em “live actions” –filmes com atores humanos que reproduzem antigos sucessos de animações– sem nenhuma criatividade, até piorando a história para que fique mais palatável ao mercado. Um exemplo disso foi o remake de “Mulan” (2020).

A mais recente vítima da nova política é a recém-lançada animação da outrora brilhante Pixar, “Elementos”, que teve a pior bilheteria de estreia da história do estúdio. Depois de custar US$ 200 milhões, rendeu “míseros” US$ 29,5 milhões nos EUA no fim de semana de estreia. Para comparação, “The Flash”, da Warner Bros, que também está decepcionando, rendeu US$ 55,1 milhões na estreia por lá.

Esse resultado é emblemático, porque a Pixar foi comprada pela Disney em 2006, em uma época em que a última passava por uma seríssima crise criativa, com lançamentos como os pavorosos “Nem Que a Vaca Tussa” (2004) e “O Galinho Chicken Little” (2005). Naqueles anos, a Pixar lançava os fabulosos “Os Incríveis” (2004) e “Carros” (2006).

A compra provocou uma transferência de cérebros para a casa do Mickey, especialmente de John Lasseter, que havia sido demitido da própria Disney em 1983 por querer apostar em animação computadorizada. Voltou como diretor criativo da Pixar e da Walt Disney Feature Animation (depois rebatizada como Walt Disney Animation Studios). Aquilo foi um sopro de inteligência e criatividade, gerando bons títulos para a Disney, como “Enrolados” (2010), “Detona Ralph” (2012) e “Frozen” (2013).

A empresa fez outras duas mega-aquisições para seu portfólio nos anos seguintes: comprou a Marvel (2009) e a Lucasfilm (2012), duas marcas que pareciam ter um “toque de Midas”, produtoras de enormes sucessos em sequência.

E então a coisa começou a desandar de novo.

 

Sai a qualidade, entra a quantidade

Sou um fã histórico de “Star Wars”, daqueles que faz citações dos filmes no cotidiano. Ou fazia: sob o comando da Disney, a saga da família Skywalker pariu filmes enlatados de consumo fácil e qualidade sofrível.

Quando o primeiro deles saiu em 2015, “Episódio VII: O Despertar da Força”, trouxe ideias interessantes: uma protagonista jedi, um stormtrooper negro que mostrava o rosto (literalmente) e com crise de identidade, o resgate dos velhos heróis e cenários mais realistas. Infelizmente pouco disso foi bem desenvolvido, sofrendo ainda com um vilão fraco e um roteiro com buracos. Era o prenúncio para o catastrófico “Episódio VIII: Os Últimos Jedi” (2017) e o fraco “Episódio IX: A Ascensão Skywalker” (2019).

Como resultado, aconteceu o inimaginável: perdi o interesse que tinha em “Star Wars”.

Algo semelhante aconteceu com a Marvel. Depois de anos com uma enxurrada de sucessos, começando pelo “Homem de Ferro” (2008) e culminando em “Vingadores: Ultimato” (2019), o selo tem lançado títulos que não empolgam a base de fãs como antes.

Várias coisas levaram a essa relativa queda da Pixar, da Lucasfilm, da Marvel e da própria Disney. Em primeiro lugar, há um êxodo de cérebros da empresa, que a deixam reclamando de más condições de trabalho. Os prazos ficaram tão exíguos, que os artistas estão tendo que piorar a qualidade dos efeitos especiais, pois não há tempo para os computadores gerá-los como gostariam.

Mas há claramente a política da quantidade a qualquer custo. E aí entra um outro fator determinante: o serviço de streaming Disney+, lançado em 2019. Sua principal força é também seu calcanhar de Aquiles: ele possui todo o conteúdo da Disney, da Pixar, da Marvel, de Star Wars e da National Geographic. E só!

Ele chegou tarde a um mercado amplamente dominado por rivais estabelecidos, liderados pela Netflix. Com força bruta, cavou o seu espaço entre eles. Mas, para isso, precisou iniciar uma corrida frenética de produção de filmes e principalmente séries dessas marcas, muitas delas descartáveis.

Outra decisão polêmica tem afastado o público que não assina a Disney+: a decisão de lançar longas-metragens apenas no streaming, ignorando as salas de cinema. Foi o caso de três títulos da Pixar seguidos: “Soul: Uma Aventura com Alma” (2020), “Luca” (2021) e “Red: Crescer É uma Fera” (2022).

De todas as marcas da casa, a Pixar é justamente a que vem se esforçando mais para manter o nível. Tanto que, apesar da bilheteria decepcionante, “Elementos” conseguiu do público uma nota A nas pesquisas do CinemaScore e ficou com 91% no índice Rotten Tomatoes, na manhã de domingo de estreia. É bom, mas está abaixo do índice na estreia de grandes sucessos da Pixar. E precisamos verificar se se manterá quando o público “menos fã” começar a votar.

O mercado cultural e até Wall Street estão preocupados com essas decisões da Disney. O primeiro lamenta a queda na qualidade média das produções a um nível abaixo da crítica. Já a turma dos investimentos quer saber como isso impactará os negócios desse colosso do entretenimento.

Walt Disney criou seu império apostando na qualidade e fazendo o que os outros não conseguiam para encantar o público. Deve estar se revirando no túmulo ao ver que as ainda existentes boas ideias vêm sendo diluídas em um oceano de filmes e séries de fórmulas fáceis e decisões de negócios que afastam o público de suas produções.

Para uma empresa que nasceu com histórias baseadas em contos de fadas, seus gestores deveriam prestar atenção na fábula de Esopo sobre a “galinha dos ovos de ouro”. Ela conta a história de um casal de camponeses que tinha uma galinha que diariamente botava um ovo de ouro! Movidos pela ganância e achando que no interior do animal haveria grande quantidade do metal, eles a matam. Só para descobrir que, nas entranhas, era como qualquer outra galinha, ficando sem sua dose diária de ouro.

Do jeito que está, sinto que os executivos da Disney já estão amolando a faca…

 

“Montanha russa virtual” da Rilix: equipamento possui vibração e até gerador de vento para aumentar a imersão - Foto: divulgação

Evento mostra como a tecnologia pode levar setor de festas a um novo patamar

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Esqueça as decorações caseiras improvisadas! O setor de festas já usa há anos a alta tecnologia, não apenas para a produção de itens para celebrações de todo tipo e porte, como também no que é oferecido aos clientes finais. A ideia é transformar esses encontros, sejam pessoais ou corporativos, em momentos memoráveis.

Na semana que vem, o maior evento do setor promete mostrar tudo isso em São Paulo. A Celebra Show acontecerá entre 31 de maio e 3 de junho no Expo Center Norte. Contará com a participação de 180 fabricantes, importadores, exportadores e distribuidores de um setor que representa 4,32% do PIB Nacional, segundo a ABCasa (Associação Brasileira de Artigos para Casa, Decoração, Presente, Utilidades Domésticas, Festas e Flores), organizadora da feira.

A associação calcula que o setor deve movimentar algo como R$ 40 bilhões nesse ano. Isso é 62% a mais que em 2019, o último ano antes da pandemia de Covid-19.

“O nosso objetivo é reunir todos os segmentos que compõem o setor de celebrações em um único evento e que este seja uma referência no mercado nacional e Internacional e onde os visitantes possam verificar tendências, fazer contatos importantes e conhecer novos fornecedores”, explica Eduardo Cincinato, presidente da ABCasa.

Resultado da união das antigas ABCasa Natal e Festas e Expo Festas e Parques, a Celebra Show receberá expositores dos segmentos de Natal, festas, Halloween, eventos sociais, confeitaria, balões, parques e outros. Além de itens mais tradicionais e já conhecidos do público nesses setores, os visitantes poderão ver produtos inovadores, como partes mecânicas e diferentes sensores, que criam verdadeiros efeitos especiais nas celebrações.

A tecnologia também gera oportunidades de negócios novas no setor. É o caso de usos criativos da realidade virtual. Um dos expositores do evento, a Rilix, oferece equipamentos de “montanhas russas virtuais”, que podem ser instaladas em festas ou em espaços públicos (como shoppings) para clientes que queiram pagar para “fazer um passeio”.

O sistema possui uma estrutura em que até duas pessoas podem se sentar. Graças aos óculos de realidade virtual, elas podem olhar para qualquer lado durante a simulação. Para aumentar o envolvimento, o equipamento ainda possui vibração e gerador de vento.

Para a Celebra Show, a empresa prepara um novo recurso que é a captura da posição das mãos dos clientes. “Antes, a pessoa colocava os óculos e fazia um passeio em algum dos 12 cenários”, explica Rafaela Sedlacek, gestora comercial da Rilix. “Agora teremos interação com as mãos, com alvos para atirar durante o passeio, gerando uma pontuação no final.”

A ABCasa tem incentivado seus associados na adoção de tecnologia para incrementar os setores de produção, comercialização e distribuição. Para o evento, a inteligência artificial está sendo usada na logística, garantindo o suprimento e o abastecimento de tudo o que for necessário. Também foram criados microsserviços na nuvem, que oferecem informações em tempo real, podendo ser acessados por computadores, tablets e smartphones.

 

Colaboração entre decoradores

O evento oferecerá, logo na sua entrada, um espaço “instagramável” construído de maneira colaborativa por grandes decoradores e influenciadores brasileiros e da América Latina: o Collab Celebra.

O espaço ocupará mais de 2.500 metros quadrados. O investimento em sua execução se aproximou de R$ 2 milhões. Serão representados os segmentos de confeitaria, festas, Natal, eventos sociais, Halloween e balões.

A feira oferecerá ainda diversos tipos de conteúdos sobre os mercados que representa, incluindo palestras, estudos de caso, workshops e até um seminário para profissionais e apaixonados por balões, o Baloon Meeting Brazil. O credenciamento para participar da Celebra Show é gratuito.

 

Anúncio da Bauducco na Times Square, em Nova York: empresa precisou explicar o que é panetone aos americanos – Foto: divulgação

Internacionalizar marca traz benefícios, mas exige cuidados

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Todo mundo sabe o que é um panetone, certo? Talvez isso seja verdade no Brasil, mas não é nos Estados Unidos, onde esse tradicional bolo não faz parte do cardápio de Natal. Por isso, quando a Bauducco decidiu atuar no mercado norte-americano, ela não podia simplesmente fazer propaganda de seu produto: ela precisava explicá-lo à população.

Esse é um desafio típico de um processo de internacionalização de uma marca. Em um mundo globalizado, muitas empresas tentam repetir em outros mercados o sucesso que detêm no seu país de origem. Mas fórmulas consagradas ali podem simplesmente não funcionar em outros locais.

“Em 2014, ninguém sabia o que era panetone nos Estados Unidos, então tivemos que desenvolver a categoria, torná-lo conhecido e cair no gosto do americano”, explica Valter Klug, CEO da agência Samba Rock, especialista em expansão internacional de marcas. “Era um desafio muito maior do que simplesmente comunicar uma marca em um outro mercado.”

Atuar em outros países pode trazer muitos benefícios. O mais óbvio é a abertura de novos mercados para a marca, especialmente quando o país de origem estiver com a categoria saturada. Além disso, a diminuição da dependência de um único mercado protege o negócio de sazonalidades e instabilidades econômicas locais. Um negócio internacional também ganha reputação e experiência, tonando-se mais moderno, competitivo e sustentável

Além disso, desbravar uma categoria em um novo mercado pode ser muito atraente, pois, caso a operação seja bem-sucedida, a marca pode ficar sozinha nela por um bom tempo, consolidando sua imagem e vendendo sem concorrência. Isso dura até que outras empresas consigam se organizar. Foi o caso da Bauducco com seus panetones nos EUA: hoje é a principal marca associado ao produto no país, mas agora enfrenta concorrência.

A internacionalização não é para qualquer um. É preciso ter em mente que mesmo uma marca estabelecida e bem-sucedida em seu país de origem precisa de planejamento para entrar em um novo mercado. É um investimento de longo prazo, não servindo para “aventureiros”.

“A grande maioria das marcas que vai para os Estados Unidos acaba quebrando no primeiro ano, porque não planejaram direito ou porque não havia mercado para elas”, explica Klug. “Às vezes você tem até que adaptar o seu produto”, acrescenta o executivo.

O planejamento também envolve alinhar expectativas. Gestores de grandes empresas precisam entender que, ao chegar a um novo mercado, eles serão praticamente startups. A maturação do negócio e o retorno do investimento inicial pode levar meses ou até alguns anos.

“O pessoal vem para cá e acha que, em um mês, vai sair vendendo tudo, vai colocar na Amazon e todo mundo vai comprar”, exemplifica Klug. Como isso não acontece, muitos acabam cancelando a operação no novo país, perdendo dinheiro. “Não é algo do dia para a noite!”

Contar com a visão de alguém que conheça bem o novo mercado ajuda muito no processo de internacionalização. Trabalhando junto com a equipe da empresa, que conhece seu produto, esses profissionais podem fazer ajustes nas ofertas, criando uma estratégia global de comunicação que seja consistente. Saber das particularidades de cada local pode fazer o negócio ser um sucesso ou um fracasso.

Quando se pensa em expandir o negócio para além das fronteiras, o mercado americano costuma ser a escolha preferida, seja pelo seu tamanho, grandes oportunidades, menos impostos e menos burocracia. Muitos empresários também conhecem o país. Mas uma experiência pessoal, por exemplo como turista, mesmo que recorrente, é muito pouco para dar certo empresarialmente.

Isso reforça a importância do apoio de profissionais com experiência nas peculiaridades locais. É preciso atéestar preparado até para o sucesso, no caso de receber um grande pedido (lembrando que os EUA são um país de consumo muito maior que o Brasil). Se a empresa não for capaz de atender a um primeiro grande pedido, “queima a largada” e talvez nunca mais venda para aquele varejista.

Outro exemplo emblemático de diferenças culturais é o uso do WhatsApp para se relacionar com os clientes. Plataforma digital onipresente nos smartphones dos brasileiros e canal de relacionamento preferido de muitas empresas e consumidores no país, o comunicador é pouco usado nos EUA. Lá os clientes preferem o Facebook Messenger e até o velho SMS. O empresário que não se atentar a essa diferença pode ter sérios problemas de relacionamento com seu novo público.

“Não basta ter um bom produto, é preciso conhecer o mercado, estudá-lo e criar um plano de negócios para sustentar a viabilidade do projeto”, conclui Klug. “Não é só fazer a tradução do que dá certo no Brasil.”

 

Enquanto big techs e e-commerce demitem aos milhares, livrarias vivem renascimento

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De um lado, “unicórnios”, big techs e gigantes do varejo digital demitem sem parar. Do outro, livrarias físicas, para muitos condenadas, mostram sinais de um inusitado ressurgimento. Naturalmente não são todas, mas o fato de algumas estarem com esse vigor merece uma análise. Afinal a raiz desse sucesso pode ser replicado em outros negócios: oferecer uma boa experiência ao cliente e uma administração responsável.

O cenário do primeiro grupo é desolador. Os demitidos nas empresas de tecnologia nos últimos 12 meses giram em torno de 100 mil em todo mundo, inclusive no Brasil. Entre as causas, acabou o “dinheiro fácil” de investidores, usado para crescer rapidamente: a crise global moveu esses recursos para negócios mais estáveis. Há também um realinhamento após volumosas contratações durante o distanciamento social, para dar conta da repentina digitalização de nossas vidas. Por fim, essas empresas estão efetivamente fazendo menos dinheiro no pós-pandemia.

Algumas livrarias, por outro lado, colhem os frutos de mudanças em seus modelos de negócios e na própria visão do que fazem, atualizando empresas com muita história. Com isso, não apenas estão fazendo dinheiro, como estão crescendo.


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Talvez o caso mais emblemático seja o da cadeia de livrarias americana Barnes & Noble. Fundada em 1886, em 2008 chegou a ter 726 lojas em todos os estados do país. O setor já vinha sofrendo forte concorrência do e-commerce e dos leitores de livros digitais, e isso só aumentou de lá para cá. Ainda assim, em meio a concorrentes tradicionais fechando as portas, a empresa conseguiu se segurar e terminou o ano passado com 600 lojas. Mas o sinal mais interessante é que pretende abrir 30 novos endereços em 2023.

O “bicho-papão” do setor, a quem se atribui grande parte dessa quebradeira, é a também americana Amazon, com sua máquina de vender de tudo –inclusive livros, aliás sua origem– e seu leitor eletrônico Kindle. Ela provocou grandes mudanças no comportamento do consumidor. As pessoas estão lendo mais, com o digital ganhando mais espaço, tanto no formato, quanto na forma de comercialização. Livrarias e editoras que não conseguiram se adaptar a isso foram colocadas para fora do mercado.

As 600 lojas das Barnes & Noble podem passar a falsa impressão de que os problemas da rede não são tão grandes. Eles são e cresceram à medida que a empresa tentou bater a Amazon em seu terreno. Chegou até a lançar seu próprio leitor de livros eletrônicos, o Nook, em 2009. Mas em 2018 a empresa perdeu US$ 18 milhões e demitiu 1.800 funcionários, inclusive seu CEO, Demos Parneros, sob acusações de assédio sexual.

A virada aconteceu com James Daunt, um britânico conhecido por fazer “mágica” no setor de livros, que assumiu o posto de CEO em agosto de 2019. Ao chegar lá, disse que as lojas eram “crucificantemente chatas”. E então começou seu trabalho, que, de mágico não tem nada, apesar de contrariar o que executivos do setor defendem.

Ele eliminou descontos, com a crença de que diminuem o valor percebido dos livros. Além disso, não aceita dinheiro das editoras para promover títulos, pois não quer ser forçado a empurrar obras ruins goela abaixo dos leitores. Pelo contrário, faz questão que seus vendedores sejam amantes da literatura, e ofereçam livros realmente bons para cada cliente, mesmo que não sejam best-sellers.

Na pandemia, com lojas fechadas, Daunt determinou que vendedores reorganizassem as lojas segundo critérios que achassem que favoreceriam livros e leitores, eliminando espaço de produtos “concorrentes”, como brinquedos e bugigangas. Agora, ironia das ironias, algumas das novas Barnes & Noble podem ocupar lojas onde recentemente a Amazon tentou sem sucesso vender livros nos EUA.

Para muitos, Daunt pode apenas ter sorte. Mas não é nada disso e não está sozinho!

 

Respeite o cliente

Essa mudança bem-sucedida sugere o fim das megalivrarias, que reuniam incontáveis serviços para atrair o público, desde café até eventos musicais. Era como se os livros não fossem mais suficientes para atrair clientes.

Quando isso se alastrou pelo mundo há 30 anos, muitas boas livrarias sucumbiram àquele novo poder impulsionado pelo dinheiro. Isso aparece no filme “Mensagem para Você” (1998), em que Tom Hanks interpreta o dono de um conglomerado (que poderia ser a Barnes & Noble da época) que quebra uma livraria de bairro, sem saber que a dona, vivida por Meg Ryan, era a mulher por quem havia se apaixonado online.

Se são necessários café e brinquedos para vender livros, talvez o negócio não seja… livros. Como em qualquer caso, a boa venda acontece quando se conhece o produto e o cliente, e quando se é capaz de se oferecer o produto certo para cada necessidade, sem forçar a “bola da vez”. Por mais que exista “dinheiro de incentivo”, a longo prazo as pessoas comprarão mais daqueles que os atenderem genuinamente bem.

Esse é o segredo da Amazon. Sim, é de amplo conhecimento que a empresa tem práticas consideradas abusivas contra fornecedores e funcionários, problemas que precisam ser resolvidos. Mas seus algoritmos e seus atendimento focam no cliente.

Na época em que a Amazon se preparava para operar no Brasil, eu trabalhava para uma grande editora nacional. E ficava chocado quando, nas reuniões semanais da diretoria, a preocupação era buscar mecanismos para atrapalhar ao máximo a chegada da gigantesca concorrente. Em nenhum momento eram propostas soluções para a experiência dos clientes passar ser melhor que a oferecida pela Amazon.

Resultado: hoje a Amazon está bem estabelecida no Brasil, enquanto aquela marca nacional é uma pálida sombra do que era há uma década.

Muitas livrarias brasileiras, outrora fantásticas, também tiveram destino semelhante, como a Cultura e a Saraiva. Por outro lado, é uma alegria ver que muitas outras, como a Livraria da Vila, a Travessa e a Curitiba, escolheram caminhos mais alinhados com o de Daunt. Elas estão crescendo, mesmo com a crise, mesmo com a pandemia, mesmo em um país conhecido por ter cidadãos que leem pouco. E elas conseguem isso porque atendem bem o público no seu negócio, que é vender livros.

Isso é respeito e até uma forma de amor pelas pessoas e pelo que se faz. A ideia pode ser aplicada a qualquer negócio. Não há nada de errado em querer diversificar, desde que isso não o tire do seu foco e o afaste de seu público. Eu tenho muitas atividades, mas amo jornalismo, e por isso estou aqui “conversando” com vocês, e espero fazer isso sempre bem.

Talvez seja o caso de gestores perguntarem o que amam.