ódio

Elon Musk, CEO do Twitter, que relaxou o controle de conteúdo quando comprou a rede social - Foto: Daniel Oberhaus / Creative Commons

A marcha da insensatez nas redes sociais e a falência da sociedade

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Na última semana, um dos debates mais intensos no país foi a apuração da culpa das redes sociais no crescimento de ataques em escolas. Se já não bastasse a incredulidade diante de alunos e professores brutalmente assassinados, o posicionamento do Twitter em uma reunião de representantes das principais plataformas com o ministro da Justiça na terça provocou revolta. Entretanto, apesar daquela pavorosa declaração, precisamos olhar o problema sem simplificações.

Especialistas de educação e de saúde mental afirmam que a explosão de conteúdo nas redes sociais que menciona e até glorifica esses crimes serve como catalisador para novos atentados. Neste mesmo espaço, destrinchei o tema na semana passada. Mas como expliquei, apesar da contribuição dessas publicações para esses crimes, eles não podem ser atribuídos apenas a isso.

Ao longo da semana, conversei com profissionais de diferentes áreas sobre o caso. É um consenso que as redes sociais fazem muito menos do que poderiam e deveriam para o combate a esses crimes, como quando o Twitter disse naquela reunião que fotos de assassinos e de vítimas em posts não violariam as regras da rede ou sequer seriam apologia a crimes.

Muitos afirmam que retirar esse ou qualquer outro conteúdo seria censura. Alguns vão além e sugerem que esse movimento encobriria o interesse de um governo que, na verdade, estaria usando essa comoção para controlar a mídia.

São argumentos fortes, e eu até concordaria com isso, se as redes sociais fossem meios de comunicação tradicionais. Mas elas não são: sua gigantesca capacidade de nos convencer de qualquer coisa concentra o núcleo dessa discussão.


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Houve uma época em que eu era muito mais liberal sobre o que poderia ser publicado nas redes sociais. Eu as via como ferramentas que garantiam uma liberdade inédita ao cidadão para expor ideias em pé de igualdade com veículo de comunicação. Em 2015, cheguei a discordar publicamente do escritor e filósofo italiano Umberto Eco, quando ele disse que as redes sociais haviam dado voz a uma “legião de imbecis”, e que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”

Quando alguém argumentava que essas plataformas deveriam ter alguma responsabilidade sobre o que seus usuários publicavam nelas, eu comparava isso com culpar o fabricante de um carro se ele fosse usado em um assalto a banco. Porém, à medida que fui estudando mais os algoritmos das redes sociais, fui percebendo que essa analogia era muito errada. Se os carros fossem como redes sociais, eles eventualmente convenceriam seus donos a roubar o banco!

A minha “fase mais liberal” com as redes sociais vinha do fato de usar essas plataformas desde suas primeiras aparições, como o Friendster e o Orkut, há cerca de duas décadas. Elas eram quase pueris, feitas para encontrar velhos amigos e conhecer gente nova. Todo mundo “brincava” ali, sem ofensas, sem medo, sem ódio.

E tudo isso porque tampouco existiam algoritmos de relevância, popularizados pelo Facebook em 2014. São eles que escolhem o que seus bilhões de usuários veem nas redes. Mais que isso, para que as pessoas se sintam “confortáveis”, exibem apenas conteúdos de que elas gostem, prendendo cada um de nós nas infames “bolhas”.

Ao fazer isso, as redes sociais se transformaram nas ferramentas perfeitas de convencimento de qualquer coisa, até mesmo para se cometer um crime bárbaro.

É nessa hora que “o carro pode induzir seu dono a roubar o banco”.

 

A responsabilidade de cada um

As redes sociais estão na berlinda. Diante de sua apatia, o governo quer que as empresas criem canais para rápida remoção de conteúdo ligado a esses crimes, e ameaça com multas e até bloqueios a quem não colaborar.

“O governo tem na lei os limites aos quais suas ações podem chegar, e não pode haver liberdade para multar ou banir sem a devida previsão legal”, explica Márcio Chaves, sócio da área de Direito Digital do Almeida Advogados. No caso brasileiro, há o Marco Civil da Internet, que prevê que uma plataforma digital seja responsabilizada por um conteúdo apenas se não o remover após uma ordem judicial. “Esse limite foi imposto justamente para evitar a censura prévia e não jogar para o provedor essa obrigação”, acrescenta.

Mas Chaves acredita que a legislação dificilmente dará conta de todas as situações em que a segurança da sociedade seja ameaçada por uma suposta “liberdade de expressão”. Segundo ele, “por isso é tão importante estimular um ambiente não de imposição, mas de cooperação entre as empresas e a administração pública, no qual ferramentas tecnológicas, conselhos de supervisão, e autoridades judiciais possam endereçar situações sensíveis como a que estamos passando agora com os ataques nas escolas, em uma velocidade mais compatível com a que estamos sujeitos com o uso das tecnologias digitais”.

O debate sobre mais responsabilidade para as redes sociais acontece há alguns anos no Brasil. Ele está, por exemplo, no Projeto de Lei conhecido como “PL das Fake News” e em sugestões de atualização do Marco Civil da Internet. No geral, pede-se que essas plataformas sejam mais atuantes e efetivas na identificação de discurso de ódio, desinformação e outros crimes em suas páginas, removendo esse conteúdo sem necessidade de uma ordem judicial, mesmo não sendo obrigadas a isso.

O grande risco é se criar uma espécie de “censura algorítmica”, com essas plataformas eliminando equivocadamente conteúdos legítimos. É verdade que a tecnologia para essas identificações vem progredindo a passos largos, inclusive com o apoio da inteligência artificial, mas ela ainda não é garantida.

Precisamos encontrar mecanismos eficientes para coibir a escalada de crimes incentivados nas redes sociais, sem criar outros problemas. O que não pode acontecer é uma empresa não remover um conteúdo de ódio “porque não violaria seus Termos de Uso”, como disse o Twitter. Chaves lembra que eles “são contratos entre a plataforma e o usuário, e só há liberdade contratual se não for contrária à lei”.

Sobra o temor de o governo usar isso para controlar a mídia. Todos governantes desejam isso, em alguma escala. Antes se restringia à imprensa, mas ela, ainda que independente, obedece a leis. Além disso, o jornalismo profissional segue um Código de Ética, que faz com que sua produção, ainda que às vezes falha, tenha um mínimo de qualidade. Já as redes sociais parecem ser guiadas apenas pelos seus interesses.

Por fim, isso não pode virar uma discussão político-partidária, como muitos já têm feito. Tampouco há espaço para deixar tudo como está, pois o discurso de ódio nas redes agrava o problema de fato. Essas empresas devem abandonar sua complacência, para evitar medidas mais drásticas. E a sociedade precisa ficar vigilante para que nenhum governo use o pânico para controlar qualquer mídia.

 

Escolas se tornaram alvo porque abordam questões que podem alimentar o extremismo - Foto: Max Klingensmith / Creative Commons

Como as redes sociais influenciam os ataques a escolas

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Na quarta passada, o Brasil vestiu luto mais uma vez diante do ataque à creche Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau (SC). Ela foi invadida por um homem de 25 anos que, de maneira brutal e imotivada, assassinou quatro crianças. O delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, afirmou que não há indícios de que o crime tenha sido coordenado por meio de redes sociais ou games. Mas apesar de ele estar correto ao dizer que não existe vínculo direto no caso, o papel do meio digital em ataques como esse não pode ser ignorado.

A declaração me fez lembrar de um crime semelhante. No dia 13 de março de 2019, dois ex-alunos invadiram a escola estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP). Eles mataram estudantes e funcionários e depois se suicidaram. Autoridades, ainda no local do atentado, sugeriram que a culpa seria do game que os assassinos jogavam.

Especialistas descartam a relação entre jogos digitais e a violência, mas o mesmo não pode ser dito das redes sociais. O aumento de grupos de ódio em suas páginas incentiva pessoas a praticar esses atos bárbaros. A sociedade precisa entender suas dinâmicas, para buscar soluções sustentáveis e eficientes.


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O crescimento desses grupos e dos ataques não é uma coincidência. Nove dias antes do atentado em Blumenau, um aluno de 13 anos assassinou uma professora de 71 anos em uma escola na Vila Sônia, na capital paulista. Em 2021, um homem de 18 anos matou duas funcionárias e três bebês em uma creche na também catarinense cidade de Saudades.

Até 2002, não havia relatos de atentados em escolas brasileiras. De lá para cá, 40 pessoas morreram em casos assim. O primeiro aconteceu em Salvador, em 2002. Depois dele, houve um caso em 2003, dois em 2011, um em 2012, 2017 e 2018, dois em 2019 e um em 2021. Já em 2022 foram seis ocorrências. Em 2023, estarmos ainda em abril, e já aconteceram três atentados, um deles felizmente sem vítimas.

“As escolas se tornaram alvos porque abordam questões que podem alimentar o extremismo, como educação sexual, diversidade, racismo e violência de gênero”, explica Evelise Galvão de Carvalho, mestre em Psicologia Forense e especialista em comportamento antissocial na Internet. “Dessa maneira, é necessário considerar esses ataques como crimes de ódio”, afirma.

Quando atentados assim acontecem, os participantes de um movimento online conhecido como “True Crime Community” se agitam, repercutindo os ataques como se fossem grandes feitos. Eles destacam os nomes dos autores e, quando disponíveis, distribuem fotos e vídeos da ação. Por isso, muitos desses participantes buscam essa perversa “fama”, por mais fugaz e doentia que seja.

O problema fica ainda mais preocupante quando se observa que esses grupos agora podem ser encontrados facilmente nas redes sociais, inclusive naquelas preferidas por adolescentes, como o TikTok. Até pouco tempo atrás, eles trafegavam apenas em áreas restritas nas redes sociais a na chamada “Dark Web”, em que são necessárias ferramentas e autorizações especiais para entrar, o que a torna ideal para criminosos.

Essa nova “liberdade” amplia o efeito de “contagiar” pessoas para que outras ações sejam realizadas. É o que aconteceu em 15 março de 2019, quando um supremacista branco matou 51 pessoas em duas mesquitas na Nova Zelândia. A ação foi transmitida ao vivo pelas redes, sendo massivamente compartilhada depois.

 

Redes de intolerância

Tais grupos são motivados por crenças de superioridade racial, étnica, religiosa ou nacionalista, e consequente inferioridade de quem é diferente. Alguns visam proteger valores tradicionais que consideram ameaçados. Frequentemente promovem suas ideias por desinformação e violência, e chegam a propor uma sociedade em que os outros sejam subjugados ou excluídos.

Esses ataques não são atos terroristas convencionais. As pessoas que os praticam costumam agir sozinhas, incentivadas pelo que veem na Internet, mas não se pode atribuir seus atos exclusivamente a esses grupos.

Os agressores seriam predispostos a cometer os atentados pois viveriam em ambientes violentos. Fatores como agressividade em casa, bullying nas escolas e insucesso em relacionamentos podem contribuir. Vale dizer ainda que a sociedade se tornou muito mais intolerante e radicalizada nos últimos anos, com grupos de poder desvalorizando o afeto, pregando o ódio e até desumanizando quem pensa de forma diferente. Por fim, a pandemia agravou problemas de saúde mental na população.

“Alguns grupos podem enxergar meninos como futuros líderes e tentar doutriná-los desde cedo, para garantir seu engajamento contínuo à medida que envelhecem”, explica Carvalho. “Os meninos são frequentemente socializados para valorizar a força e a agressão, e grupos de ódio podem tentar explorar essas normas culturais para recrutar novos membros.”

Não se trata, portanto, apenas de casos de polícia. Detectores de metal e até policiais das escolas podem reduzir esses ataques, mas não resolvem a violência, que se manifestará de outras formas.

A escola deve ser fortalecida, como um espaço de diversidade e de debate. Professores precisam ser valorizados e pais e mães devem se unir nesse esforço, ao invés de combatê-los por não concordar com algo. Também é um problema de saúde pública, com as autoridades precisando ficar atentas ao crescimento de isolamento social e problemas de saúde mental. As famílias também precisam de apoio para que consigam construir relacionamentos positivos com seus filhos, minimizando o desejo de se unir a esses grupos, por exemplo, por falta de afeto.

A mídia pode contribuir ao não divulgar nomes e imagens dos crimes, dificultando a sua promoção nas redes de ódio, que é o “prêmio” desses criminosos. No atentado de quarta passada, grandes veículos de imprensa agiram assim.

Da mesma forma, as redes sociais precisam fazer mais. Para Carvalho, “é de extrema importância que sejam regulamentadas, e indivíduos e empresas que permitem que esses grupos se organizem e disseminem o ódio e desinformação sejam penalizados”.

Caímos no tema da regulamentação das redes sociais, que tanto debate vem provocando. Qualquer que seja seu desfecho, casos como esses escancaram o tamanho do estrago que essas plataformas causam por se portar apenas como inocentes “mensageiros”: ao não serem responsabilizadas pelo que seus usuários publicam, continuam oferecendo os caminhos para fake news e o ódio destilado.

Se a desinformação política já não fosse ruim o suficiente, a fluidez digital do discurso de ódio agora está literalmente matando crianças.

 

Congresso Nacional ao amanhecer

Como diminuir o discurso de ódio

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A eleição passou, a apuração foi concluída e todas as autoridades (cada uma a sua maneira) reconheceram os resultados. Isso seria mais que suficiente para que o processo democrático prosseguisse normalmente. Mas, em um cenário inédito desde a redemocratização do país, parcelas da população se recusam a aceitar os vencedores e ocupam espaços públicos e as redes sociais, exaltados em um ódio que não pode ser ignorado como se fosse birra infantil.

Esse descontentamento tem um considerável potencial de destruição da sociedade. Ele está instalado nesses corações, que entendem que, em nome de sua liberdade e de seus valores, podem, por exemplo, obstruir estradas ou fazer uma perseguição na rua empunhando uma arma. Submete-se, assim, a ordem pública ao que consideram “certo”.

Leis existem para manter a sociedade funcionando, por isso não podem ser ignoradas por conveniência pessoal. O discurso de ódio, disseminado pelo meio digital, é o combustível dessa anarquia. E isso se agrava porque aqueles que se indignam com essas ações inconscientemente aumentam a fervura desse caldeirão, ao usar as mesmas plataformas digitais para distribuir muita ironia e mais ódio.

As redes sociais servem assim a uma “espiral da morte” que traga o Brasil para um caos que só beneficia uns poucos, que vivem dessa desunião. Por isso, se desejamos reencontrar o crescimento, temos que desarmar todos os lados desse conflito.


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Nada disso aconteceu de uma hora para a outra. Tudo é resultado de um processo consistentemente construído ao longo de anos, um storytelling político eficiente que criou uma conexão genuína entre essa parcela da população e diferentes grupos de poder. Os valores e crenças dessas pessoas foram usados para que, sem se darem conta, fossem transformadas em soldados que defendem cegamente seus líderes.

O storytelling é um recurso amplamente usado no marketing e na construção de roteiros de filmes, séries e livros. Essa técnica cria estruturas narrativas com elementos intrínsecos da cultura de um grupo social para construir um vínculo tão forte, que as pessoas compram essas ideias como se fossem suas.

Uma campanha de marketing pontual não tem tempo para criar uma conexão muito forte. Mas, quando o público é bombardeado continuamente por uma mensagem consistente ao longo de anos, essa ligação pode se tornar inquebrantável, manifestando-se nos mais diferentes aspectos da vida do indivíduo.

Além dos casos já citados, ao longo da semana passada assistimos a muitas outras atitudes que beiram o bizarro, até mesmo na educação, onde deveria primar o debate sadio e o domínio da ciência. Por exemplo, um dia após a eleição, uma professora doutora em química da Unifap (Universidade Federal do Amapá) enviou mensagens a dois alunos dizendo que eles deveriam buscar outro orientador, pois ela “não queria esquerdistas no laboratório”, concluindo que “ou estão comigo ou contra mim”. Depois de a reitoria da instituição repudiar a postura da professora, ela pediu desculpas publicamente, dizendo que “no calor das eleições, se excedeu nas palavras”.

Isso afeta também adolescentes e até crianças. Vários casos de agressões verbais e físicas, assédio e racismo foram relatados nessa semana. Os jovens replicam o posicionamento de seus pais, muitas vezes sem compreender o que estão fazendo.

Em um caso de grande repercussão, na noite de domingo, alunos do Colégio Porto Seguro de Valinhos (SP) criaram um grupo de WhatsApp chamado “Fundação Anti Petismo”, que chegou a reunir 30 adolescentes. Nele compartilharam mensagens de ódio contra petistas, nordestinos, negros e mulheres, além de fazer apologia ao nazismo. Ainda propuseram uma “reescravização do Nordeste”, e fizeram ofensas racistas e ameaçaram um colega negro que havia declarado apoio ao candidato Lula. A escola acabou expulsando oito alunos envolvidos no caso.

Que país podemos esperar no futuro, quando suas crianças são criadas com ódio já na mamadeira?

 

A Jornada do “Herói”

Outro recurso amplamente usado por roteiristas também foi adaptado pela política: a “Jornada do Herói”. Trata-se de um conceito apresentado pelo mitólogo americano Joseph Campbell em 1949, em seu livro “O Herói de Mil Faces”. Após estudar diversas culturas em diferentes regiões e épocas, ele concluiu que existem elementos comuns a todas elas na maneira como as pessoas contam histórias. Logo, conteúdos construídos dessa forma têm muito mais chance de convencer o público, pois aquilo faz parte de um inconsciente coletivo.

Mas nem sempre o “herói” da jornada é mesmo um herói. Políticos e seus marketeiros descobriram como usar esse recurso, extremamente amplificado pelas redes sociais, para convencer grande parte da população de que eles são aqueles que os “salvarão”.

Nessa “Jornada do Herói” distorcida, em um mudo dominado pelo conflito, quando nos deparamos com alguém que pense diferentemente de nós e daqueles em quem acreditamos, ela serve para reforçar como “estamos no caminho certo”. E o resultado disso é ainda mais conflito, retroalimentando o processo.

Cria-se um “vilão” a ser destruído, em uma eterna narrativa de “luta do bem contra o mal”. Elementos masculinos, como a força, a virilidade e a violência se sobrepõem aos femininos, como a empatia, o cuidado e a visão do todo. Não há espaço para informações que contradigam o “herói”, e vozes dissonantes devem ser silenciadas.

Não adianta substituir um desses “heróis” por outro. Temos que tirar esse caldeirão do fogo, e isso implica em todos pararem de atacar, ironizar ou desprezar os demais. Entendo que seja isso complicado, pois pode ser entendido como “baixar a guarda” para novos ataques e crescimento dos oponentes. Além disso, os diferentes grupos políticos precisam criar líderes com propostas construtivas, afastando os “salvadores da pátria”. Esses são desafios que a sociedade precisa abraçar, sob o risco de nunca conseguir romper esse ciclo destrutivo.

As redes sociais, como via de disseminação do discurso de ódio, têm um papel central nesse processo. Elas precisam se engajar efetivamente nele, encontrando maneiras automáticas ou manuais de eliminar de suas páginas ataques e fake news. Por isso, preocupa a aquisição do Twitter por Elon Musk, que disse que afrouxará esses controles na plataforma, em nome de uma “liberdade de expressão” liberticida.

A escola também é peça fundamental nesse renascimento da nação. É um grande equívoco dizer que o ambiente escolar não deve falar de política. Pelo contrário: o debate construtivo e com ideias diversas deve fazer parte do currículo. Países europeus que fazem isso estão criando jovens mais conscientes de deveres e diretos, tolerantes e autônomos. Exatamente o contrário do que vemos hoje no Brasil, especialmente em escolas particulares que bloqueiam a política por medo de perder alunos.

Se quisermos resgatar um país digno para todos, precisamos reaprender a conviver com o outro em todas as esferas da sociedade. Não há espaço para essas agressões mútuas.

 

Tomamos decisões racionais o tempo todo, mas elas são fortemente influenciadas por emoções, como sugere a animação “Divertida Mente”

Somos escravos de nossos desejos e medos

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Passamos pela eleição mais tensa de nossa história, com uma polarização radical que fraturou a sociedade brasileira. Apoiadores de ambos os lados ainda se perguntam como alguns de seus familiares, amigos e colegas, que “consideravam razoáveis”, defendem ideias “do outro lado”. Mas tentar entender isso com argumentos racionais é uma tarefa inglória, pois esses alinhamentos são emocionais, por mais que os próprios indivíduos não tenham consciência disso.

Somos guiados pelos nossos sentimentos! Estudo da Faculdade de Psicologia da Universidade da California em Berkeley (EUA) sugere que temos 27 tipos deles. Entre emoções dessa lista, como alegria, ansiedade, empatia, tédio e excitação, duas são fundamentais para compreender esses tempos complexos: o desejo e o medo.

Desejar não é apenas querer algo ou alguém. É algo muito mais intenso e visceral! É um sentimento extremamente poderoso, que nos impulsiona e nos faz tomar decisões. Já o medo funciona em sentido contrário. Ele nos paralisa e impede de fazer escolhas.

Políticos sempre tentaram manipular as populações para conseguir votos. Entretanto, de uns anos para cá, descobriram que, se conseguissem se concentrar nesses dois sentimentos, trocariam eleitores por soldados dispostos a defender seus ideais contra tudo e todos. Essa é uma prática extremamente perigosa, pois pode estraçalhar o tecido social. Ainda assim, fizeram isso sem pestanejar! E o resultado é o que vivemos hoje e ainda viveremos por muitos anos.


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Em 2015, a Pixar lançou sua memorável animação “Divertida Mente”, construída sobre esse conceito. Na história, todos os seres vivos teriam, em seus cérebros, cinco “pequenos indivíduos”, cada um deles representando uma emoção: a Alegria, a Tristeza, o Medo, a Raiva e o Nojo. Lá, teriam acesso a um “painel de comando”, que determinava como cada pessoa agia.

Nosso cérebro é fabuloso! Com ele, tomamos nossas decisões. Entretanto, por mais racional que uma escolha seja, ela pode ser profundamente influenciada por emoções, como se os sentimentos fossem ingredientes dela. Esse é, aliás, o princípio dos “gatilhos mentais”, recursos dos quais equipes de marketing vêm abusando nos últimos anos, para que consumidores “escolham racionalmente” produtos a partir de emoções “plantadas” em suas cabeças pelas campanhas publicitárias.

De volta à realidade um tanto distópica em que estamos imersos, as redes sociais desempenham papéis fundamentais para que os políticos manipulem as massas. O primeiro deles é ajudá-los a descobrir o que as pessoas desejam e do que elas têm medo em dado momento. Afinal, não é possível construir qualquer narrativa visando o controle de mentes se não souberem isso.

A outra função dessas plataformas é servir de veículo para disseminar, em gigantesca quantidade, suas mensagens. Elas são cuidadosamente produzidas para que as pessoas vejam, em determinado candidato, aquele que viabilizará seus desejos e os protegerá de seus medos. E seus algoritmos de relevância se prestam cinicamente a esse serviço sujo, pois as redes sociais lucram com a polarização.

Logo, quem domina o meio digital tem mais chance de transformar suas ideias em “verdades”.

 

O campo de batalha online

Faz todo sentido, portanto, que “pós-verdade” tenha sido escolhida como a palavra do ano de 2016 pelo renomado Dicionário Oxford. Pela sua definição, o termo é “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais”. Ou seja, as pessoas hoje preferem acreditar naquilo que esteja em linha com seus desejos, por mais que seja uma invenção escandalosa.

Disso vêm as fake news. Elas deliberadamente mentem para que determinado grupo atinja seus objetivos, manipulando as emoções da população. E não se trata de simples boatos, pois são produzidas com método, impactando primeiro aqueles que gostariam que aquilo fosse verdade: isso aumenta seu engajamento inicial, o que leva os algoritmos das redes sociais a distribuir a mentira em grande quantidade.

A série “The Boys”, da Amazon Prime Video, ilustra isso muito bem. Nessa paródia das histórias de super-heróis, superseres fazem ações heroicas midiáticas nas redes sociais apenas para que a população os ame e, assim, compre todo tipo de produtos com suas marcas. Mas, em sua segunda temporada, surge uma personagem que percebe que obter o amor das massas é cada vez mais difícil e pouco produtivo. Ao invés disso, descobre que é mais eficiente manipular o ódio da sociedade. Para ela, é muito melhor ter soldados que fãs, e que cinco milhões de pessoas movidas pelo ódio são mais efetivas que cinquenta milhões com amor. Ela entendeu que não vivemos mais no mundo da cultura de massas, e sim da “viralização”.

Políticos que usam esse método trabalham com o medo da população, pois ele é capaz de travar as pessoas e deixá-las cegas. E, uma vez que elas ultrapassem determinado limiar de ódio e de medo, são facilmente controláveis, até mesmo pelo mecanismo do “apito do cachorro”: comandos que as demais pessoas não percebem, mas que são eficientes para agitar os “comandados” para executar as ordens de seus líderes. Basta observar como costumam seguir ações de maneira coordenada.

Dessa forma, chegamos ao atual cenário de uma nação devastada pelo ódio. Mas há esperança, e ela vem dos mais jovens. O estudo internacional “A nova dinâmica da influência”, divulgado em 22 de setembro pela consultoria americana Edelman, mostra que a Geração Z (pessoas hoje entre 14 e 26 anos de idade) é movida –e não paralisada– pelo medo. Isso demonstra uma percepção mais madura sobre essa poderosa emoção, que existe para nossa autopreservação. Por isso, 70% deles estão envolvidos em causas sociais ou políticas.

Os mais jovens querem resgatar a política como uma ferramenta de transformação social para um mundo mais justo e igualitário, com relações mais transparentes e honestas. Segundo o estudo, eles se preocupam com temas ligados à natureza, saúde, direitos humanos, justiça racial e igualdade de gênero. Esperam ainda que as empresas atuem como parceiras para que esses objetivos sejam atingidos.

Costumo dizer que a melhor maneira de anteciparmos o futuro é olhando para os jovens. Nesse sentido, é reconfortante observar esse comportamento da Geração Z.

Nossas emoções nos definem! Precisamos ter consciência de nossos sentimentos para aprender e crescer com eles, e não ser dominados a partir deles. Os mais jovens já estão fazendo isso. Você consegue também?

 

Cena do filme “Morango e Chocolate” (1993), em que um estudante que espionava um artista acaba se aliando a ele ao conhecê-lo melhor

Eu só quero um pouco de paz!

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As redes sociais não nos deixam em paz!

Não falo da característica essencial de seus algoritmos, que nos mantêm continuamente estimulados para que compremos todo tipo de quinquilharia. Estou me referindo ao permanente bombardeio ideológico que cria dispostas a importunar, humilhar e deliberadamente prejudicar desconhecidos, apenas porque pensam de maneira diferente.

Quem faz isso não são os sistemas: são as pessoas que os usam! Poucas delas comandam o processo; a imensa maioria serve de massa de manobra.

Todos nós potencialmente somos vítimas, em maior ou menor escala. Isso acontece desde aquele primo que vota em outro candidato e por isso fala mal de você no “grupo da família”, até manadas que atacam, com processos orquestrados de destruição de reputação, quem pensa de outro jeito.

A vítima não fez nada de errado! Em muitos casos, é agredida justamente por fazer bem o que se espera dela. Isso acontece porque, enquanto um democrata convive e aprende com as diferenças, um totalitário tenta calar e, se possível, destruir qualquer voz dissonante.

Mas, como diz o ditado, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Quem hoje pratica esse horror e pede a cabeça de quem está no coliseu amanhã pode virar comida de leão. Não dá para acalmarmos a alma desse jeito!


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Um exemplo tristemente emblemático aconteceu na terça passada, quando o deputado Douglas Garcia (Republicanos-SP) agrediu a jornalista Vera Magalhães, durante o debate da TV Cultura entre os candidatos ao governo de São Paulo. Já há bastante tempo, ela vem sendo atacada não por ter cometido algum erro, mas justamente por estar fazendo bem o seu trabalho de fiscalizar o governo.

Todo governante comete erros: alguns mais, outros menos. Uma as funções da imprensa é identificar, investigar e apresentar isso à população. Dessa maneira, o jornalismo protege a sociedade dos abusos dos poderosos. Quem se dedica a enaltecer governantes não pode ser chamado de jornalista.

Não deixa de ser curioso que aqueles que hoje atacam a imprensa há bem pouco tempo a aplaudiam por fazer o seu trabalho expondo os malfeitos dos governos anteriores. E não será surpresa se voltarem a aplaudir esses profissionais, caso aconteça uma alternância de poder nas próximas eleições presidenciais.

É muito triste que os agressores de Vera Magalhães não consigam conviver com seus erros sendo expostos. Ao invés de aprender algo com isso, tentam “matar o mensageiro”, como se, ao silenciar aqueles que expõem os fatos, seus pecados deixassem de existir.

Trazendo para a realidade cotidiana de quem não tem a visibilidade de uma das mais importantes jornalistas políticas do país, o processo de destruição de reputação também acontece. Nesse caso, ele se dá pelo nefasto “cancelamento” nas redes sociais, em que pessoas incentivam que grande quantidade de usuários ofenda e bloqueie quem lhes incomoda, mesmo que a vítima esteja certa.

Nesse cenário, pensar livremente se transformou em um campo minado difícil de ser transposto. Quaisquer que sejam nossas ideias, elas sempre desagradarão algumas pessoas. Mas, se antes isso não causava nenhum problema, em tempos de redes sociais, seus algoritmos usarão esse desalinhamento para atrair grande quantidade de indivíduos dispostos a nos agredir.

Como resultado, muita gente boa, que poderia contribuir positivamente com a sociedade, deixa de se expor, pelo medo de ser atacada em seu altruísmo.

Nessa hora, todos perdem!

 

O ódio de uma nação

Esse comportamento destrutivo de manada foi antecipado pelo episódio “Odiados Pela Nação” (“Hated in the Nation”), o sexto da terceira temporada da série de ficção científica britânica Black Mirror, lançado em outubro de 2016. Na história, pessoas começam a morrer misteriosamente após sofrerem ataques no Twitter de quem não gostava de suas ideias ou posicionamentos. Entretanto, no final, todos que tuitaram contra as vítimas também acabam sendo assassinadas.

A sociedade é naturalmente plural. Mesmo em ditaduras, em que líderes políticos ou religiosos tentam impor um pensamento único, as diferenças entre as pessoas continuam existindo. Quando muito, elas são sufocadas pelo medo da força bruta ou da truculência ideológica. Ainda assim, a diversidade não morre. Quando há espaço e oxigênio, ela germina.

A “manada” precisa ser impedia de ver o “outro lado”, pois, ainda que não goste de suas ideias, pode perceber que é possível conviver em harmonia com as diferenças e até construir com o outro. Isso aparece em outra ficção, o filme cubano “Morango e Chocolate” (1993). Nele, as autoridades de uma Cuba de 1979 determinam que um estudante universitário se aproxime de um artista descontente com a atitude do governo contra a comunidade LGBT e com a censura cultural. O objetivo é que o primeiro espione o segundo para a máquina de repressão estatal. Mas, no final, ao conhecer e entender o lado do artista, o estudante se torna seu amigo e o apoia.

Somos muito mais parecidos que diferentes dos que têm outras visões de mundo. Quando esquecemos ou somos estimulados a ignorar isso, engrossamos a coluna do “nós contra eles”, que vem crescentemente deformando a sociedade brasileira há uns 20 anos.

As redes sociais não podem se transformar em novos tribunais da Santa Inquisição, pois a fogueira pode ser acesa para qualquer um. Do lado de todos nós, devemos abandonar o hábito de “cancelar” aqueles que pensam de outra forma e passarmos a ver o que essas pessoas têm de bom.

Essas plataformas digitais, por sua vez, precisam melhorar suas regras e seus sistemas, para impedir que a “política de cancelamento” continue a fazer vítimas, cujo direito de defesa é simplesmente eliminado pela massa transloucada pelos algoritmos. Do jeito que funcionam hoje, todos parecem ter o direito de ser sumários juízes e algozes de qualquer caso, o que corrói os princípios básicos de convivência.

E ainda se dizem “redes sociais”!

Quanto aos “intolerantes de carteirinha”, precisam entender que as pessoas com pensamentos diferentes dos seus ajudam a desenvolver a sociedade, justamente porque enxergam o que eles não são capazes de ver, assim como veem a mesma coisa de maneira diversa.

A paz se materializa por uma divergência respeitosa e construtiva.

 

Frances Haugen, ex-gerente de integridade cívica do Facebook, afirma que a empresa coloca os lucros à frente do bem-estar dos usuários

As redes sociais que nos afastam uns dos outros

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Estamos a dois meses da eleição presidencial mais estranha de nossa história. Apenas dois candidatos têm chance de ir ao segundo turno. A vitória deve ser decidida por quem as pessoas não querem no cargo ao invés de quem elas querem. E ela representará o clímax da influência das redes sociais em nossas escolhas, um movimento global iniciado há cerca de uma década.

Esse poder das redes sociais sobre o que e como pensamos vai muito além de aspectos políticos, e vem deformando a sociedade. Essas plataformas têm uma capacidade sem precedentes de identificar nossas preferências e nos empurrar para extremos que, na prática, nos afastam das outras pessoas. E isso é tão mais verdade, quanto mais o assunto mexe com nossas paixões e valores, como política, religião e até futebol.

No limite, podemos chegar a um ponto em que nos tornaremos seres antissociais, graças à influência de sistemas que se dizem “sociais”, uma ironia digna de George Orwell. Sua obra-prima “1984” vira “café pequeno” diante da distopia que essas redes oferecem ao mundo.


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Esse efeito nocivo do meio digital talvez não tenha sido previsto pelos criadores dessas plataformas, mas não se pode dizer que ele aconteceu por acaso. O sucesso das redes sociais depende de ficarmos mais tempo nelas, aumentando a chance de clicarmos nos anúncios que elas trazem, sua principal fonte de receita.

Para isso, elas precisam nos proporcionar um fluxo infinito de conteúdo que nos agrade e nos inspire a nos engajar com ele. O “engajamento”, conceito cunhado pelo Facebook nos seus primeiros anos, é o motor dessa sofisticada máquina. Curtidas, comentários e compartilhamentos servem para o sistema nos conhecer melhor, além de funcionar como uma curadoria feita continuamente por bilhões de pessoas para informar aos algoritmos o que deve ser entregue a cada uma. É uma ideia verdadeiramente genial!

O problema é que, como já detalhado em incontáveis artigos e vídeos, inclusive nesse espaço, isso rapidamente nos “aprisiona” em bolhas de pensamento único. Como somos expostos apenas àquilo que gostamos, deixamos de ser impactados pela necessária diversidade social, o que acaba reforçando nossas visões de mundo, para o bem e para o mal.

Para agravar a situação, nossa natureza humana faz com que sejamos atraídos por conteúdos extremos, como aquilo que nos emociona, nos dá medo, nos excita ou nos dá raiva. Trata-se de um mecanismo evolutivo para aumentar a chance de sobrevivermos.

Isso foi detalhado na entrevista que Frances Haugen concedeu ao jornalista Pedro Bial na quinta passada. A ex-gerente da equipe de integridade cívica do Facebook ficou famosa em outubro passado, quando veio a público para dizer que a empresa conscientemente coloca seus lucros à frente do bem-estar de seus usuários. Para corroborar suas acusações, ela vazou milhares de documentos da empresa, em um escândalo que ficou conhecido como “Facebook Papers”.

“Se você criar uma conta nova em folha, sem amigos e sem interesses, e seguir interesses bem corriqueiros, um pouco à esquerda ou um pouco à direita, você será empurrado para a extrema-esquerda ou a extrema-direita em poucas semanas”, disse Haugen na entrevista.

“Quando recompensamos o engajamento ao invés de comunicação construtiva, ao invés de colaboração, acabamos dando mais alcance às ideias mais extremas”, acrescentou a cientista de dados.

 

“Isso nunca acontecerá comigo!”

Há uma falsa ideia de que apenas pessoas com menos instrução ou predispostas a comportamentos extremistas seriam vitimadas por esse controle das redes sociais. Mas o fato é que, em maior ou menor escala, essas plataformas conseguem nos convencer sobre os mais variados assuntos.

Como pesquisador, cansei de ver pessoas dizendo que elas jamais seriam vítimas desse controle das redes sociais. Elas tentam se “proteger” seguindo fontes de diferentes naturezas, misturando, por exemplo, conteúdos políticos de esquerda e de direita, para “furar as bolhas”.

Ter um comportamento mais democrático na rede e um consumo de informações mais equilibrado e de fontes confiáveis certamente ajudam nesse processo. Mas infelizmente não são suficientes. Por mais que tomemos esses cuidados, os algoritmos têm uma incrível capacidade de descobrir do que realmente gostamos e passar a privilegiar publicações, falas e argumentos que reforcem nossas ideias.

Os brasileiros têm um agravante, que é o enorme tempo que gastamos nas redes sociais. Segundo a edição 2022 da pesquisa Global Digital Report, organizada pelas consultorias Hootsuite e We Are Social, estamos entre os líderes mundiais nessa métrica: 3 horas e 41 minutos nas redes todos os dias, contra uma média global de 2 horas e 27 minutos.

Se quisermos melhorar esse quadro, precisamos entender e aceitar que estamos sendo moídos por essa engrenagem. Se alguém tiver alguma dúvida, basta olhar a sua volta e verificar o inevitável crescimento da intolerância, que ainda por cima é incentivada por grupos de poder que se beneficiam disso. E eles usam esses mesmos recursos digitais para atingir seus objetivos.

Sempre fomos um povo conhecido pela cordialidade, união e alegria. Infelizmente, esses traços de nossa cultura parecem ter sido soterrados por um discurso de ódio e de exclusão generalizado e até de uma eugenia praticada por alguns. Se nada for feito, chegaremos a um ponto em que a cor da camisa usada ou o escudo do time no peito poderão colocar literalmente em risco a sua vida ao sair na rua. Isso não é um exagero, diante de casos recentes de violência exacerbada.

“Sem a construção do consenso, sem recompensar o centro, não conseguiremos seguir adiante juntos”, explicou Haugen, que concluiu: “a maneira como as mídias sociais funcionam atualmente, os modelos de negócios, as escolhas de produto dificultam muito uma democracia construtiva.”

Quero crer que, mesmo em seus maiores devaneios de poder, Mark Zuckerberg e os criadores de todas as redes sociais jamais pensariam que elas causariam isso na sociedade. Mas aquelas plataformas, que surgiram com objetivos pueris de encontrar velhos amigos, se tornaram ferramentas para neutralizar novos inimigos.

Por isso, elas não podem se furtar de sua responsabilidade e atuar ativamente na anulação do mal que causaram. Estão fazendo muito pouco nisso! Por outro lado, cada um de nós precisa se policiar para não cair nessa armadilha cotidianamente.

 

Anitta, Nubank e a irracionalidade das redes

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Na semana passada, um dos assuntos mais comentados nas redes sociais foi Anitta assumindo uma cadeira no conselho de administração do Nubank. Infelizmente a maior parte dos comentários não tratava das estratégias envolvidas, e sim de ofensas generalizadas contra o banco e principalmente a cantora.

Muitos detratores não são fãs de Anitta ou clientes do Nubank. Ainda assim, se dão o direito de fazer críticas muito pesadas a ambos. E isso não é a causa de um problema maior, e sim o sintoma de um cenário autodestrutivo de nossa sociedade: a cultura do ódio, impulsionada pelas redes sociais, impactando carreiras e empresas.

Os argumentos desses críticos têm a profundidade de um pires, mas eles fazem muito barulho, o que pode arranhar a imagem do Nubank, ainda que apenas momentaneamente. Tanto que a empresa decidiu cancelar, de última hora, uma coletiva de imprensa que faria na semana passada para apresentar sua nova conselheira e explicar os motivos da escolha.


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Para melhor entender o caso, vale explicar o próprio funcionamento e composição de um conselho de administração. Esse órgão não tem função executiva e seus membros são pessoas de notório saber em suas áreas de atuação, que se reúnem de tempos em tempos para ajudar a empresa a tomar decisões sobre que caminhos deve seguir para ampliar e melhorar seus negócios.

Os integrantes de um conselho de administração não precisam ser oriundos do mesmo segmento de mercado da empresa. Aliás, cresce o conceito de que conselhos devem apresentar diversidade de ideias e de valores, o que potencialmente torna suas decisões mais eficientes e representativas para atender clientes que são igualmente diversos.

Além disso, apesar de existirem “conselheiros profissionais”, formados em cursos desproporcionalmente caros, isso não é uma profissão. Na verdade, não raro os conselheiros exercem outras atividades e têm carreiras bem diferentes dessa função, o que tende a aumentar o valor de suas observações. Em outras palavras, o que faz de alguém um bom conselheiro não são essas formações, e sim a excelência na sua área profissional.

Isso descontrói um dos principais argumentos dos detratores do caso Anitta-Nubank, que atacam a instituição por colocar alguém “que não sabe nada de finanças” no conselho. Ela não foi convidada por seu conhecimento nessa área, e sim no que ela faz inegavelmente bem, que é o marketing, especialmente digital. Além disso, com milhões de seguidores em diferentes plataformas, ela tem uma inegável conexão com o público mais jovem e de diferentes classes sociais.

Ainda assim, vemos pessoas dizendo nas redes sociais que encerrarão suas contas no Nubank por causa de Anitta no conselho de administração. Muitos dos que dizem isso sequer são correntistas, mas sentem prazer em “jogar lenha na fogueira”.

Não se trata, portanto, de não entender o funcionamento de um conselho de administração. A origem desse problema é mais grave e permeia a nossa sociedade.

 

O bom e o ruim da exposição

Além do que Anitta pode contribuir com o Nubank pelos seus conhecimentos e sua popularidade, é inegável que há aí uma jogada de marketing envolvida. Afinal, muita gente a admira, até mesmo pessoas que não gostam da sua música.

Esse não é um caso isolado. Vários artistas têm sido convidados, no exterior e no Brasil, para integrar conselhos de administração ou assumir diretorias de empresas. A própria Anitta acumula o cargo de chefe de criatividade e inovação da Beats, na Ambev, desde setembro de 2019. Nesse papel, ela já assinou os lançamentos de vários produtos, como a Skol Beats 150 BPM e a linha Beats Zodiac.

Mas ter uma celebridade em seus quadros pode trazer problemas, especialmente em um cenário de polarização exacerbada na sociedade, como o que vivemos há alguns anos. Afinal, ninguém agrada todo mundo! Sempre foi assim, mas, graças aos algoritmos das redes sociais, o amor e o ódio aparecem agora com muita força. E o pessoal que odeia parece ter uma incrível disponibilidade de demonstrar esse sentimento, mais que os que amam.

Ninguém chega ao patamar de sucesso e admiração de Anitta sem fazer muitos desafetos. E seu estilo passa por responder aos críticos, o que alimenta a polêmica (que retroalimenta seu sucesso).

Além disso, a cantora não esconde suas opiniões políticas, bastante críticas ao grupo que está no poder agora. Mas os seguidores desse grupo são reconhecidos pela sua truculência digital e por fazer o que a manada manda. São especialistas em destruir reputações e causar alvoroço prejudicial a qualquer um que não se submeta a sua “seita”.

Anitta é vítima de ataques dessas hordas há tempos, e aparentemente convive bem com isso. Agora, assumindo a cadeira no conselho do Nubank, esse tsunami de ódio acertou o banco, que normalmente é um “queridinho” nas redes sociais, com incontáveis manifestações de apoio de seus clientes.

O Nubank sabe o que faz. Com 40 milhões de clientes em apenas sete anos de vida, já rivaliza com bancos centenários e que despejam milhões de reais em publicidade, em um segmento absurdamente consolidado, monolítico até.

No início do mês, a empresa recebeu um aporte de US$ 1,15 bilhão, US$ 500 milhões deles vindos do megainvestidor americano Warren Buffett. Com isso, não se tornou apenas a principal startup da América Latina, mas a sétima startup mais valiosa do mundo, segundo um ranking da consultoria CBS Insights.

Isso não é resultado de “sorte”: eles sabem o que fazem. Entendo que, da mesma forma, a empresa sabia do bônus e do ônus de chamar Anitta ao seu conselho. Por isso, não deixa de ser estranho terem cancelado a coletiva na semana passada diante da enxurrada de críticas.

 

Abandonar o barco?

Não é hora de encerra a conta no Nubank!

Por mais que Anitta eventualmente traga ideias muito absurdas, que prejudiquem a operação do Nubank (o que acho absolutamente improvável de acontecer), ela não estará sozinha no conselho. Suas outras cadeiras são ocupadas por Anita Sands (ex-UBS), Jacqueline Reses (presidente do conselho consultivo econômico do FED, o Banco Cental americano), Daniel Goldberg (ex-Morgan Stanley), Luiz Alberto Moreno (ex-BID), Doug Leone (da Sequoia) e David Vélez, fundador e CEO do próprio Nubank.

Em outras palavras, as características que fazem do Nubank um sucesso de público e de crítica devem continuar existindo normalmente. Todo esse barulho nas redes sociais resulta muito mais do fenômeno de intolerância da nossa sociedade atual, viabilizado pelo megafone de alcance global das redes sociais.

Com tudo isso, Anitta no conselho de administração do Nubank deve trazer muito mais coisas boas que ruins para a empresa e seus correntistas. O tempo e os clientes do banco dirão isso.

Até lá, como diz o ditado, “os cães ladram e a caravana passa”.

 

O toque do ódio nas redes e seus “comunistas”

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Em uma época em que a destruição de reputações nas redes sociais se transformou em uma política de Estado, dois acontecimentos recentes me chamaram a atenção, pois as vítimas foram envolvidas em tramas que não pediram para entrar. E isso é algo que, cada vez mais, pode atingir qualquer um de nós.

Na quarta passada, a médica infectologista Luana Araújo depôs na CPI da Covid. Sua fala na comissão foi brilhante pela qualidade técnica e pela didática cristalina.

Apesar disso (e talvez justamente por isso) e de ser formada em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-graduada pela prestigiadíssima universidade Johns Hopkins (Estados Unidos), ela passou a ser atacada nas redes sociais por pessoas que querem desqualificar sua fala, até mesmo questionando sua formação acadêmica.

Também na semana passada, os jogadores da seleção brasileira de futebol disseram ser contrários à mudança recente da sede da Copa América, que agora será realizada no Brasil, depois da Colômbia abrir mão do torneio pela crise política que passa, e da Argentina fazer o mesmo pela piora dos números da pandemia no país.

A revolta da equipe foi defendida pelo técnico da Seleção, Tite. Apesar de comedido, ele vem sendo “fritado” nas redes sociais pelos mesmos motivos obscuros que tentam desqualificar Luana Araújo.

São duas pessoas muitos diferentes, mas vítimas de um mesmo sistema nefasto.


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Apesar de esses ataques serem extremamente cruéis, pela sua virulência e por não dar às vítimas qualquer espaço de defesa, eles acontecem cada vez mais e atingem qualquer um que cruze os interesses do governo federal, ainda que sem nenhuma intenção. As redes sociais são as ferramentas para esse grosseiro atentado à democracia e essas plataformas têm feito quase nada para evitá-lo.

Fico impressionado também com a prostituição do termo “comunista”. Na mente doentia dessas patrulhas ideológicas, ele se transformou em uma espécie de insulto generalista e acéfalo aplicado naqueles que desagradem as pautas desses grupos, que, aliás, variam ao sabor do vento ou de interesses de seus representantes máximos.

Entre os que já foram classificados como “comunistas” pelas hordas desmioladas nas redes sociais, estão o multibilionário e fundador da Microsoft Bill Gates, o megainvestidor e filantropo George Soros, o economista conservador Francis Fukuyama, os cantores Roger Waters e Madonna, o ator Leonardo DiCaprio e até –pasmem!– a política de extrema-direita francesa Marine Le Pen. Entre as empresas “comunistas”, estão o Facebook, o Twitter, The New York Times, a revista Economist e a Rede Globo. Nem a ONU ou a OMS escaparam do rótulo. Fico pensando que, se Peter Drucker, o pai da administração moderna, ainda estivesse vivo, ele também seria um “comunista”.

Não sei o que mais me espanta: o desconhecimento básico do significado do termo (até mesmo ao aplicá-lo a qualquer uma dessas pessoas ou organizações) ou sua transformação em um xingamento. Falta a esses agressores o mais básico conhecimento de História, que, diga-se de passagem, parece ter se tornado uma “disciplina de comunistas”.

 

Como chegamos a isso?

Há uma década, o ativista digital americano Eli Pariser cunhou o termo “filtro bolha”. Ele explicava, já naquela época, que esse mecanismo deriva dos algoritmos de relevância das redes sociais, que impedem que as pessoas vejam pontos de vista diferentes dos seus. Como resultado, os indivíduos vão se tornando cada vez mais limitados intelectualmente, abrindo espaço para o controle ideológico que enfrentamos hoje.

Ele não estava sozinho em pensamentos como esse. Em 2015, quando recebeu o título de doutor honoris causa em Comunicação e Cultura na Universidade de Turim (Itália), Umberto Eco discursou dizendo que as redes sociais haviam dado voz a uma “legião de imbecis”, antes restrita a “um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade.” O escritor e filósofo italiano afirmou ainda que “eles eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel” e que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”

Sem dúvida nenhuma, as redes sociais estão no centro dessa destruição do tecido social. Ironicamente, tornaram-se reféns do que viabilizaram. Por criarem mecanismos para tentar combater a desinformação e o discurso de ódio, agora são paradoxalmente atacadas por aqueles que delas dependem para continuar manipulando as massas, que as rotulam de “comunistas”.

Parte da inspiração para esse artigo foi um outro, que publiquei na quinta passada no LinkedIn, onde analisei por que o Twitter, que completou 15 anos em março, passa por uma séria estagnação em sua base de usuários há muito tempo. E isso coincide com a ascensão do ex-presidente americano Donald Trump, que deve grande parte da sua popularidade à plataforma, que sempre deixou que ele a usasse para disseminar suas ideias, atacar seus desafetos e destilar seu veneno.

Isso transformou uma das redes sociais mais inovadoras e democráticas já criadas em um monstrengo perigoso, um espaço tóxico e insalubre de troca de insultos, assassinatos de reputação e disseminação de todo tipo de mentira. Quando o Twitter e as outras redes resolveram reagir, já era tarde demais. Suas plataformas já haviam sido tomadas de assalto pelas hordas da desinformação e do ódio.

Trump e outros presidentes semelhantes ao redor do mundo começaram a ter suas publicações removidas ou marcadas como mentirosas, mas isso não foi suficiente. Depois que deixou a Casa Branca, em janeiro, ele foi banido das principais redes sociais. Mas o estrago já estava feito: esses políticos já haviam mostrado a seus apoiadores como usar as sementes da intolerância para atingir seus objetivos.

Isso me lembra do curta-metragem “For the Birds”, lançado pela Pixar no ano 2000. Antes da criação do LinkedIn (2002), do Facebook (2004), do YouTube (2005) e do Instagram (2010), e muitos anos antes da consolidação das “fake news”, os pássaros da Pixar explicaram, de maneira bastante didática, como os intolerantes rejeitam e isolam gratuitamente quem não se alinha a suas crenças. Eles se organizam e agem em torno do pensamento único e culminam com atitudes agressivas contra seus desafetos.

Pelo menos na animação, os intolerantes acabam se dando muito mal. Não podia ser diferente: a Pixar deve estar tomada por “comunistas”!

Eu riria dessa ignorância monstruosa, se ela não fosse, na verdade, uma terrível ameaça para a nossas vidas. Caminhamos para o cadafalso que pode decapitar a própria democracia, jogando o Brasil de vez em um abismo moral do qual demoraremos muitos anos para nos reerguer.

A maioria da população, os “comunistas”, vem levando seus dias com um misto de incredulidade, de revolta e de impotência diante do show de horrores cotidianos. A outra parte, minoritária porém extremamente barulhenta, por se sentir incentivada e protegida pela desinformação, segue em uma espécie de Carnaval-zumbi, carregando seu Rei Momo e escolhendo novos desafetos a cada dia, para atacar gratuitamente sua reputação.

Lamentavelmente as redes sociais continuam sendo palco dessa barbárie ideológica, que tenta destruir pessoas e instituições que deveriam ser premiadas por sua inteligência, integridade e ética. Essas plataformas e a sociedade precisam reagir, para que vejamos um final contra a intolerância pelo menos semelhante ao do curta-metragem da Pixar.

O que dá para comemorar nos 15 anos do Twitter?

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O Twitter completou 15 anos recentemente. Mas será que há muito a se comemorar?

Tudo começou em 21 de março de 2006, com a histórica mensagem “estou apenas configurando meu Twitter”, de Jack Dorsey, fundador da empresa. O mundo e as redes sociais eram muito diferentes então.

A política global era mais civilizada, a sociedade não era irracionalmente polarizada e as redes sociais eram um espaço para reencontrar amigos de infância, se divertir e trocar ideias construtivas. O Facebook tinha apenas dois anos; o LinkedIn, quatro; o Instagram ainda nem existia. O iPhone ainda não havia sido lançado e o melhor smartphone era o BlackBerry. Para ficar online, as pessoas ainda dependiam de se sentar à frente de um computador, o que limitava a experiência profundamente.

A rede social do passarinho azul nasceu naquele mundo, como um jeito rápido de as pessoas exprimirem seus pensamentos e dizerem o que estavam fazendo. Não havia fotos, vídeos e as mensagens eram limitadas a 140 caracteres. Bastante bom para um mundo em que a banda larga era uma novidade para poucos.

Fui um sucesso! E a coisa só melhorou com o surgimento de iPhones e Androids, pois as pessoas nunca mais ficaram off line.

De lá para cá, o Twitter permaneceu fiel a seus princípios e mudou pouco. Enquanto isso, outras redes sociais fizeram mudanças profundas, tornando-se espaços complexos e cheios de recursos. De uns anos para cá, todas foram, em maior ou menor escala, tomadas pela polarização política, o que tornou as conversas menos saudáveis e interessantes.

No Twitter, essa última característica aconteceu com mais força, em grande parte pelo exemplo do ex-presidente americano Donald Trump, que usava o Twitter o tempo todo para expor suas ideias, atacar desafetos e destilar seu veneno. A estratégia foi tão eficiente, que se pode creditar parcialmente à rede a eleição do mandatário americano em 2016 e sua quase reeleição no ano passado.

Trump foi imitado por outros políticos no mundo, inclusive pelo atual presidente brasileiro. Se, por um lado, isso concentrou o foco político das redes sociais no Twitter, aumentando pesadamente a troca de mensagens, por outro representou um custo terrível para a plataforma. Como se pode ver no gráfico abaixo, que traz o crescimento de usuários da plataforma na última década, a ascensão de Trump coincide com um abrupto achatamento na curva de usuários ativos na plataforma.

O Twitter se transformou em uma plataforma encharcada e dominada pelo ódio e pela polarização. Isso afastou usuários antigos e reduziu o ingresso de novos. Além disso, a rede foi acusada de fazer “vista grossa” para os abusos dos políticos, que teriam levado à polarização sem precedentes da sociedade.

Tanto que, quando ainda era presidente dos EUA, Trump sempre foi tolerado por lá. Ele teve alguns de seus tuítes mais grotescos apenas indicados como “falsos” pela rede, já no seu último ano de mandato. Quando deixou a Casa Branca, o Twitter o baniu definitivamente da rede, movimento semelhante ao de outras plataformas, mais notoriamente o Facebook.

 

Caminhos para retomada

O Twitter tenta reencontrar o bom caminho e voltar a crescer com força. Hoje a plataforma tem cerca de 340 milhões de usuários ativos, bem atrás de seus principais concorrentes, como o LinkedIn (760 milhões), o Instagram (1 bilhão), o YouTube (2 bilhões) e o Facebook (2,7 bilhões). O passarinho azul come poeira até de um rival bem mais jovem: o TikTok, que já tem 800 milhões de usuários ativos.

De certa forma, sua vontade de se manter fiel a seus princípios, algo louvável, pode atrapalhar essa retomada. Desde o lançamento de seu formato inusitado e único, há 15 anos, a plataforma não traz nenhuma inovação.

Nos últimos anos, ele tentou incorporar recursos que já existiam em concorrentes. Isso quase sempre se deu pela compra de empresas que tinham tais recursos. Foi o caso da Vine, plataforma de vídeos curtos comprada em 2012 e descontinuada em 2016, e do Periscope, uma plataforma de lives adquirida em 2015 e encerrada em março.

No início de maio, a plataforma lançou o Espaços, um recurso de criação de salas de áudio ao vivo que é basicamente uma cópia do Clubhouse. Mas aparentemente a coisa não está “pegando”.

Na quinta passada, “vazou” a informação de uma versão paga do Twitter, batizada de Twitter Blue. Ela deve permitir a edição de tuítes publicados, a criação de pastas para guardar publicações por assunto, a mudança de cor da plataforma (azul, verde amarelo, vermelho, roxo e laranja) e um modo de leitura para reunir, em um único texto, threads (grupos de tuítes). A assinatura deve sair por R$ 15,90 no Brasil e US$ 2,99 nos Estados Unidos.

Isso pode trazer algum caixa adicional, mas resta saber se conseguirá atrair novos usuários para a plataforma, o seu grande problema hoje. Ela ficou envelhecida: muitos de seus usuários são pessoas que se apaixonaram pela rede há muitos anos, e conseguem conviver com a enorme piora na qualidade das conversas e na deterioração do ambiente, pelos discursos de ódio.

Possivelmente fosse muito mais interessante que o Twitter resolvesse esse problema, para que voltasse a ser um lugar para as pessoas se divertirem de maneira saudável e trocar ideias interessantes. Mas o descuido com isso deixou o passarinho crescer como um adolescente monstruoso, uma espécie de senhor Hyde, da obra “O Médico e o Monstro”. Resta saber se ele consegue voltar a ser o agradável doutor Jekyll antes de completar 18 anos.

Sinto informar, mas o mundo não existe para lhe servir

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O meio digital nos deu poderes com os quais talvez não estejamos prontos para lidar, e isso pode estar destruindo nossa humanidade!

Costumo dizer que quando algo aparece em novelas ou reality shows, a coisa definitivamente já está integrada na vida da maioria da população. E uma coisa que vejo representado nesses programas, nos últimos anos, é o poder de observar, influenciar e até destruir a vida alheia com as redes sociais.

Vivemos uma época de crescente tirania digital, em que muitos acham que o mundo tem a obrigação de lhes agradar. Caso contrário, agem como se tivessem o direito de punir severamente quem quisessem.


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No Big Brother Brasil, maior reality show do país, a presença nas redes já é critério de escolha dos participantes há algumas edições. Na que está acontecendo agora, uma palavra não sai da boca de alguns deles: “cancelamento”, esse comportamento nefasto de uma multidão abandonar e criticar pesadamente alguém nas redes ao mesmo tempo, na tentativa de calar suas ideias.

Oras, como alguém entra no BBB, o ambiente de maior exposição do país, com medo de ser “cancelado”? Até mesmo porque uma coisa é certa: ninguém agrada todo mundo!

Por outro lado, será que alguém merece ser “cancelado” ou qualquer coisa do tipo? Essa punição me parece severa demais, especialmente porque a condenação vem sempre da cabeça de uma pessoa ou de um grupo, que pode estar errado. Mais que isso: uma ação impensada e às vezes até gratuita dessas pode destruir a vida de alguém! E, se hoje o indivíduo é algoz, amanhã mesmo pode se tornar vítima.

Para entendermos de onde veio essa aberração comportamental, precisamos conhecer a história dos relacionamentos on line.

 

A origem das conversas on line

Quando surgiram os primeiros serviços na Web, existiam apenas as salas de bate-papo dos portais para conhecermos outras pessoas, e aquilo já parecia incrível: a chance de falar com muitas pessoas ao mesmo tempo, onde quer que estivessem, era inebriante! Depois vieram os sites de namoro, cada vez mais segmentados, e finalmente os aplicativos “de pegação”.

Lá atrás, existia a falsa ideia de que a vida on line e a off line eram separadas. Isso era parcialmente explicado por que a tecnologia era precária: até para nos conectarmos, tínhamos que estar diante de um computador, on line por uma lenta conexão telefônica. Esse ritual criava uma ruptura que sugeria que nossa presença nas redes era dissociada de quem somos.

Para quem procurava conhecer novas pessoas ou até explorar novas possibilidades, isso era muito interessante: o aparente anonimato digital permitia que fôssemos quem quiséssemos! Além disso, se algo não saísse como planejado, bastava deixar de falar com a outra pessoa. Eventuais danos ficariam restritos àquele caso.

Entendo que o fim de um relacionamento pode ser doloroso, não desprezo isso. Mas infelizmente isso evoluiu para algo muito mais abrangente e pior, à medida que nossa vida se tornou cada vez mais ligada e dependente do meu digital. Com os smartphones, estamos permanentemente on line e muitas, muitas coisas que fazemos passam pela Internet, seja trabalho, lazer, estudos, compras e até relacionamentos.

Aquele mecanismo pueril de que, se algo não desse certo, bastaria excluir o outro também evoluiu e ficou mais poderoso, resultando nos infames “cancelamentos”, com seus danos crescendo na mesma escada. Nesse ponto, surgem os tiranos digitais, que podem ser restritos ao grupo da família no WhatsApp ou atingir escala global. Em qualquer caso, “brincam de deus”, exercitando alguns de seus piores sentimentos.

Sua humanidade desce pelo ralo quando são incapazes de demonstrar o menor sinal de empatia com o outro: se não me servir, não fizer o que desejo ou simplesmente pensar de maneira diferente, então se decreta que deve ser varrido de sua própria existência ou que, pelo menos, sofra muito.

Essa ilusão de onipotência chega às raias da loucura ao se manter pessoas em “cativeiros digitais”: quando não se quer falar com o outro, ele é bloqueado. Quando, por qualquer motivo, precisa-se dele novamente, o bloqueio é desfeito.

Isso é insano! A outra pessoa também tem sentimentos, desejos, uma vida, enfim. Não está nesse mundo para servir a ninguém. Insistir nessas ações pode indicar uma psicose que nos foi “presenteada” pelo meio digital.

 

Devastando a psique

O que mais me preocupa é que não há indícios de que as pessoas possam melhorar nesse ponto. Pelo contrário, vejo cada vez mais gente disposta a brincar em seu fantasioso “Olimpo digital”.

Temo que cheguemos a um cenário de exclusão digital como o visto no episódio “Natal”, da série “Black Mirror”, disponível na Netflix. A exemplo do que se faz hoje nas redes sociais, nessa história, os indivíduos podem efetivamente bloquear outros na sua realidade. Graças a sinistros implantes que todas as pessoas lá têm, ao se bloquear um indivíduo, ele não será mais capaz de ver ou ouvir quem o bloqueou (e vice-versa), mesmo que estejam frente a frente. Sua imagem será substituída por uma silhueta animada cinza e sua voz ficará incompreensível.

Se essa tecnologia já estivesse disponível, receio que muita gente a adotaria alegremente. O problema é que, quando existe uma grande demanda reprimida no mercado, eventualmente um produto acaba se tornando realidade.

Quando teremos algo assim? Apesar do que acabei de dizer, espero que nunca!

Isso não é engraçado e muito menos inofensivo. “Apagar alguém da existência” de outras pessoas a seu redor pode ter efeitos psicológicos devastadores para a vítima. Quem me conhece sabe que sou um entusiasta e um grande defensor no mundo digital, mas isso não pode jamais matar a nossa humanidade.

Infelizmente, aqueles sistemas primitivos e quase inocentes de relacionamento dos anos 1990 foram a semente para esse comportamento nocivo que temos hoje. As pessoas se tornaram brutalmente intolerantes. Não aguentam frustrações em qualquer área de sua vida. Estão prontos a “cancelar” quem quer que seja por questões sentimentais, sexuais, políticas, religiosas e até esportivas.

Isso precisa ser revertido o quanto antes! Infelizmente parece que o mundo caminha justamente rumo ao que se vê naquele episódio, pois muitos indivíduos e grupos descobriram que manipular o outro pode ser um grande negócio. E, usando outra referência a séries, no caso “The Boys”, disponível no Amazon Prime Video, muitos percebem que manipular o ódio das multidões pode trazer mais dividendos que manipular seu amor.

Corremos o risco de estagnar no nosso desenvolvimento como espécie. Crescemos quando somos confrontados com as diferenças e a sociedade só se desenvolve com o trabalho conjunto para o bem de todos, e não de apenas um grupo.

Se não se gosta de alguém ou de algo, basta não comprar aquilo. Não é preciso destruí-lo para que ninguém mais o consuma.

O mundo não existe para nos servir: vivemos em constantes trocas. Sempre foi assim e sempre será! As pessoas devem reaprender que não são o centro do universo e que precisam do outro.

Me engana, que eu gosto!

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Será que chegamos em um ponto em que o fim justifica os meios, qualquer meio? Vivemos em um mundo de aparências em que só se consegue vender algo “dourando a pílula” além do limite da responsabilidade?

Felizmente a resposta é não. Mas, se você, como eu, acredita ser possível vencer falando a verdade e fazendo o bem, precisa entender os mecanismos desse novo mundo, para não ser soterrado por ele.

Existe um ditado que diz que “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Isso talvez servisse na Roma Antiga. Na atualidade, esse conceito se transformou em outra coisa.

Agora, para muita gente, não é preciso ser honesto: basta parecer honesto. E as redes sociais depois legitimam qualquer pecado. O problema é que, com isso, estamos perdendo a capacidade de diferenciar verdade de ficção, ou simplesmente da mais deslavada mentira.


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Estou terminando de assistir à segunda temporada da série “The Boys”. Apesar de ser uma história de ficção, com pessoas comuns enfrentando seres superpoderosos, ela embute uma feroz crítica ao mundo real.

A princípio, seu roteiro se baseia em uma paródia de super-heróis da DC: eles têm suas versões do Super-Homem, do Batman, da Mulher Maravilha, do Flash, do Aquaman e muitos outros. Mas o que seria a Liga da Justiça, nesse universo é representado por uma empresa, chamada Vought, que agencia os tais personagens para faturar bilhões de dólares com a exploração de sua imagem. E os “supers”, de heróis, não têm nada: são indivíduos de fato incrivelmente poderosos, mas egoístas, extremamente violentos e narcisistas.

A opinião pública continua, entretanto, vendo esses personagens como maravilhosos, graças a uma cuidadosa estratégia de marketing, ações judiciais intimidatórias e um uso eficientíssimo das redes sociais.

E aí a coisa começa a se parecer a nossa realidade.

Hoje podemos vender qualquer coisa a qualquer um. É só apresentar isso do jeito que as pessoas desejam.

O pacote chega a ser mais importante que o produto!

Não por acaso, “pós-verdade” foi escolhida como a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford. Pela sua definição, o termo é “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais”. Em outras palavras, as pessoas hoje acreditam muito mais em uma historinha bem contada, que as emocione por reforçar o que elas acreditam ou desejam.

Os superseres de “The Boys” são muito mais supervilões que super-heróis. Entretanto, graças à construção cuidadosa de sua imagem, a população os vê como seus benfeitores e protetores.

Já percebe semelhanças com o nosso mundo atual?

O ódio vende mais que o amor?

A série também se apropria de outra profunda mudança cultural do nosso mundo, que é a manipulação do ódio das pessoas para se atingir objetivos individuais.

Na sua primeira temporada, observa-se como a Vought investe milhões de dólares para fazer com que a população ame seu produto, ou seja, seus heróis. É uma estratégia de massificação da idolatria para se vender todo tipo de coisa, de filmes no cinema a copos dos personagens.

Ou seja, o bom e velho marketing, mais velho que bom.

Na segunda temporada, uma nova superser aparece, muito mais “antenada” com a sociedade. Ela percebe que não é mais possível conquistar toda um povo, e que obter o amor e a admiração das massas é cada vez mais difícil e pouco produtivo. Ao invés disso, descobre que é muito mais eficiente manipular o ódio de uma parcela menor da sociedade.

Como ela explica, é muito melhor ter soldados que fãs, que cinco milhões de pessoas com raiva são mais eficientes para vender qualquer coisa que cinquenta milhões que amam. Ela entendeu que não vivemos mais no mundo da cultura de massas, e sim da “viralização”.

Percebe alguma relação com a nossa realidade?

Trazendo para um produto real, que é consumido anualmente por milhões de pessoas, temos o Big Brother. Quando o programa estreou, há 20 anos, ele era dramaticamente diferente do que é hoje. Existia uma inocência quase pueril dos participantes das primeiras edições. Ela contrasta com movimentos friamente calculados dos atuais personagens. Sim, porque o que os competidores das edições mais recentes mostram, na “casa mais vigiada do Brasil”, não é o que eles realmente são, e sim imagens construídas para manipular o público.

Aliás, um dos critérios mais importantes para a Globo selecionar quem entra na casa nos últimos anos é justamente a capacidade que o jogador tem de trabalhar seu público nas redes sociais. Isso ficou escancarado na edição desse ano.

Eu me pergunto até quando essa manipulação pela pós-verdade é sustentável.

Difícil dizer.

Por um lado, as pessoas dão sinal de que estão cansadas dessas “formulinhas de lançamento”, que ficam “empurrando qualquer porcaria” sempre do mesmo jeito. Esse modelo começa a dar sinais de desgaste. Mas normalmente quem usa essas fórmulas são amadores, pessoas que têm um produto (na melhor das hipóteses) mediano e capacidade de comunicação limitada.

Aqueles que realmente dominam a capacidade de “viralização” de suas ideias e produtos estão muito à frente disso. Esses não param de crescer, o que demonstra que seu formato continua entregando o que as pessoas desejam ouvir, ressoando na parte mais primitiva de seus cérebros, aquela que cuida, por exemplo, de sua autopreservação. E isso não apresenta nenhuma indicação de enfraquecimento.

A única exigência é o “produto” conseguir sustentar sua imagem e suas ideias, porque, quando “a máscara cai”, o prejuízo é devastador e normalmente não tem volta. Então é preciso manter, o tempo todo, seus “soldados” aquecidos. É necessário estar em constante estado de alerta para manter o personagem vivo e seus ideais ativos junto ao seu público.

Pessoas de bem

Mas o que fazer se você não é nada disso, se você não topa fazer esse jogo sujo, se você quer vencer na vida dizendo apenas a verdade?

A narrativa das redes e seus algoritmos de relevância parecem invencíveis e inevitáveis, por isso são tão sedutores. O grande desafio de profissionais e de empresas que querem vencer sem usar esses métodos sórdidos é encontrar o seu caminho nessa realidade, para usar esses recursos para atender seu público.

Em primeiro lugar, é preciso ser honesto consigo mesmo. Ter apenas um produto incrível pode não ser mais suficiente para se ter sucesso: é preciso que esse produto atenda a necessidades de seus clientes.

Você conhece mesmo seus clientes, sabe quais são seus desejos e seus medos?

As mesmas redes sociais podem ajudar incrivelmente no processo de descoberta disso. E estou aqui falando de usos éticos e legais dessas plataformas.

Com essa informação, podemos saber onde as pessoas colocam valor no que fazemos: pode ser surpreendente descobrir que é em algo que nunca havíamos pensado. Com isso, podemos atualizar o nosso produto e criar comunicações mais eficientes.

Não estou dizendo para “abraçar o diabo”, e sim para aprender a jogar o jogo!

Não espere que as pessoas comprem de você apenas pelos seus lindos olhos. Isso não vai acontecer!

Você pode ter um produto incrível e morrer na praia com ele! Não cometa esse erro! Conquiste pela sinceridade e pela qualidade, mas também por uma entrega alinhada a seus clientes e uma comunicação eficiente. Então pare de olhar tanto para si mesmo, e comece a olhar para quem realmente importa, que é o seu público.

Você consegue fazer isso?

A cultura do ódio não vem de hoje, mas só aumenta

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Desde 1º de julho, quase 700 empresas, entre elas algumas das marcas mais importantes do mundo, não anunciam mais no Facebook e em outras redes sociais. Elas pressionam essas plataformas a combater com mais afinco o discurso de ódio em suas páginas, nos bilhões de posts feitos diariamente pelos seus usuários.

Mas o problema transcende as postagens. Graças ao poder que as redes sociais têm sobre nós, esse império do ódio que se instalou nelas já transformou nosso comportamento. Hoje somos uma sociedade de gente raivosa, intolerante e vingativa.

O que podemos fazer para melhorar isso?


Veja esse artigo em vídeo:


Os executivos das redes sociais se defendem dizendo que eles não têm como verificar tudo que se publica ali. Foi o que Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, disse no Senado americano em abril de 2018, sobre o escândalo da empresa Cambridge Analytica, que roubou dados de 87 milhões de usuários da plataforma para ajudar a eleger Donald Trump.

Eu posso até concordar com isso. De fato, essa é uma tarefa surreal! Mas essas plataformas precisam fazer muito mais que estão fazendo, seja com sistemas automatizados, sejam com equipes dedicadas a combater o ódio em suas páginas. E o motivo é que a sua onipresença na vida de todos está transformando as pessoas em seres humanos piores!

Houve uma época em que, quando não gostávamos de alguém, simplesmente ignorávamos a pessoa. Depois a coisa piorou: as pessoas começaram a falar mal dos desafetos. E agora chegamos a um ponto horrível, em que o outro deve ser silenciado ou até destruído, pelo menos sua reputação. Surgem comportamentos hediondos, com os de “cancelamento” de pessoas ou de “exposed”, para usar termos da rede.

O “exposed”, como sugere o nome, expõe amplamente algo ruim que uma pessoa fez –ou pior, que alguém disse que fez– para um apedrejamento digital, que pode ter desdobramentos legais. Já o “cancelamento” cria um movimento para que um grande número de pessoas cancele o vínculo com a vítima e a bloqueie, em uma tentativa de fazer com que suas ideias não sejam mais ouvidas por ninguém.

Isso é cruel! É desumano! Onde vamos parar?

A chance de podermos expressar amplamente nossa opinião que as redes sociais nos deram é algo incrível! Mas o discurso de ódio que se instaurou de uns tempos para cá criou uma sociedade que adora falar, mas detesta ouvir.

Criou-se um culto de que “a minha opinião vale muito e é ela que tem que prevalecer”. E isso se esconde covardemente debaixo do manto da liberdade de expressão, que não tem nada a ver com isso.

Em um tempo de imediatismo, as pessoas tomam ações sem refletir, um convite ao desastre. Logo, “se você não está comigo, você está contra mim!” Isso é perigosíssimo, pois a vida não é preta e branca: tem incontáveis nuances de cinza, e é ali que estão a beleza da vida e a verdade.

As pessoas nem verificam se aquela acusação que estão repassando é verdadeira. Contribuem para destruir a imagem de uma pessoa só porque ouviram alguém falar algo que não gostaram, e jogam gasolina na fogueira da Inquisição digital. Agem como testemunhas, juízes e algozes, em ritos sumários!

Daí entram em cena os algoritmos de relevância das redes, que ampliam ainda mais a destruição, pois, pela sua lógica computacional, “se tem muita gente batendo em alguém, isso deve ter valor e precisa ser disseminado ainda mais”.

Intolerância e autoritarismo

Sabe aquela história do bullying, que algumas crianças praticam com colegas na escola? Agora o bullying é feito em escala global, e muitas vezes é criado ou incentivado por pessoas famosas e até autoridades.

Aliás, trata-se de uma característica de regimes autoritários, que não toleram quem pensa diferentemente. Isso se viu pela primeira vez com força na ascensão do nazismo, em que Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolph Hitler, calava todas as vozes dissonantes do regime, começando pela imprensa. É por isso que os valores pregados pelo partido pareciam então legítimos e corretos, por mais que hoje eles nos soem como absurdos!

Isso me lembrou um caso que aconteceu em janeiro de 2018. Naquela ocasião, a francesa Catherine Deneuve, uma das atrizes mais respeitadas do mundo e ícone de sua geração, publicou no prestigiado Le Monde, junto com outras 99 mulheres artistas e intelectuais da França, uma carta em que criticavam o “puritanismo” de campanhas contra assédio sexual.

Elas defendiam o que chamaram de “liberdade de importunar” dos homens, considerada pelo grupo como “indispensável para a liberdade sexual”. Elas disseram textualmente no manifesto: “O estupro é crime. Mas o flerte insistente ou desajeitado não é um delito, nem o cavalheirismo uma agressão machista”. Também disseram que “não se sentem representadas por esse feminismo que, além das denúncias dos abusos de poder, adquire uma face de ódio aos homens e sua sexualidade”.

Resultado: as signatárias do documento foram apedrejadas nas redes sociais, sendo inclusive acusadas de fazer apologia ao estupro.

Oras, elas disseram exatamente o contrário disso na carta! Mas a massa raivosa fica cega a quem não pensa exatamente igual a ela.

O conceito foi brilhantemente explorado no episódio “Odiados pela Nação”, o último da terceira temporada da série “Black Mirror”. Na história, pessoas passam a ser misteriosamente mortas depois que seus nomes são associados à hashtag #DeathTo no Twitter. A pessoa com mais “votos” no dia acabava morta. Criou-se então um perverso jogo em que qualquer um podia literalmente determinar a morte de alguém que não gostasse, qualquer que fosse o motivo, simplesmente twittando seu nome.

Metaforicamente falando, é o que estamos vivendo hoje. Mesmo que a pessoa tenha uma vida imaculada –o que não existe– ela pode ser vítima de um “cancelamento”.

Eu pergunto: quem somos nós para acusar e destruir alguém?

Como diz aquela passagem bíblica, “quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra”.

Não podemos entrar nessa onda de ódio e intolerância! Isso é uma afronta e um seríssimo risco a uma sociedade organizada! Se todo mundo que se sentir incomodado tiver o poder de um canhão para alvejar seus desafetos, viveremos um cenário de caça às bruxas!

As redes sociais deram voz a todos, e isso é maravilhoso! Mas não podemos usar esse direito para criar uma nova versão dos tribunais da Santa Inquisição. Ou em breve estaremos queimando mulheres em praça pública apenas por serem ruivas. E, assim como acontecia naqueles tempos sombrios, quem em um dia condena poderá ser queimado no dia seguinte.

Basta um desafeto lançar uma suspeita.

Ao invés disso, fico com o que cantavam os Beatles: “all you need is love!”

E convido você a fazer o mesmo.

Querem calar suas redes sociais

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Uma nova batalha ocupa as redes sociais, afetando profundamente o cotidiano de todos nós, pela importância que elas ocupam em nossas vidas. Dessa vez, ela vem de políticos, que usam seus apoiadores nas mesmas redes, robôs e a força do cargo para tentar piorar o nível das discussões e até censurar essas plataformas.

O exemplo mais recente desse embate aconteceu na semana passada, porque o Twitter começou a marcar publicações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, limitando as suas visualizações, por enaltecerem a violência.

Isso deixou Trump furioso!


Veja esse artigo em vídeo:


O Twitter sempre fez vista grossa aos impropérios de Trump e de outros líderes mundiais em sua plataforma, mesmo quando violavam seus termos de uso. Na avaliação da empresa, apesar dessa violação frequente, essas mensagens tinham valor como notícia, então as toleravam.

Só que, por muito menos, usuários comuns eram banidos da plataforma!

Agora a empresa resolveu mudar e endurecer contra esses políticos. Em represália, Trump assinou, na quinta passada, uma ordem executiva que poderia, na prática, regular as redes sociais e intervir no que se publica nelas. Em outras palavras, para combater o que ele chama de censura a suas publicações, Trump promete censura e outras retaliações contra as redes sociais, e não apenas o Twitter.

O presidente americano diz que quer eliminar o viés político nas redes. Na verdade, quer eliminar o que for contra ele nesse ano em que tenta a reeleição, deixando o caminho livre para continuar falando o que quiser.

As regras das redes sociais são claras sobre o que se pode postar ali: não aceitam “fake news”, incentivo a violência, terrorismo, racismo, ações contra a vida e a saúde.

Especialistas afirmam que Trump não pode fechar empresas que não estejam violando a lei. E mesmo a censura que ele quer fazer não deve passar, pois bate de frente com a chamada Primeira Emenda, que protege a liberdade de expressão nos Estados Unidos.

Sem falar que ele depende totalmente dessas redes para governar e se reeleger. Trump só está onde está graças ao contato que ele tem com seus apoiadores via Twitter.

No Brasil, a história é muito parecida. Nas últimas semanas, Bolsonaro teve várias mensagens apagadas pelo Twitter por violar as suas regras, com notícias falsas sobre o Covid-19. Antes dele, isso só tinha acontecido com chefes de governo nos casos de Nicolás Maduro, da Venezuela, e do aiatolá Khamenei, do Irã. Outros políticos brasileiros também já tiverem conteúdos removidos, como Flávio Bolsonaro, Ricardo Salles e Osmar Terra. Bolsonaro também já teve conteúdos eliminados no Facebook e no Instagram, segundo a empresa por “causar danos reais às pessoas”.

Bom, daí surgem as grandes perguntas! Será que essas ações das redes sociais são um ataque à liberdade de expressão? Se forem, será que governantes podem promover represálias contra as redes sociais porque seus conteúdos estão sendo eliminados? E como ficamos todos nós, os usuários das redes, no meio disso tudo?

O fato é que as redes sociais, e o Twitter principalmente, são essenciais para a eleição dessas pessoas, além da sua própria manutenção no governo.

A política dessas plataformas de até então tolerar as publicações incendiárias desses grupos permitiu que essas pessoas crescessem em popularidade e atingissem seus objetivos. Por conta disso, agora as redes têm que lidar com suas plataformas terem se tornando oceanos de desinformação e de ódio, em um nível que representa uma ameaça à sociedade organizada.

Esses grupos sabem usar e abusam desses recursos como ninguém. Combinam “fake news”, discursos de ódio e um incrível entendimento dos algoritmos de relevância das diferentes redes para espalhar seus conteúdos com o uso de robôs e de influenciadores. Por isso, qualquer coisa que ameace essa operação é uma ameaça real a seus planos de poder.

Sem as redes sociais, eles não são nada!

Ao assinar a ordem executiva na quinta passada, Trump disse que estava fazendo aquilo para “defender a liberdade de expressão”. Isso, por si só, já são “fake news”! Liberdade de expressão não implica poder falar o que quiser, atacar pessoas, grupos ou instituições, disseminar informações que coloquem em risco a saúde da população ou até a democracia.

“Fake news” não são liberdade de expressão: são crimes!

A desinformação é uma das maiores mazelas do planeta atualmente, com potencial de destruir a sociedade e matar pessoas, como literalmente está acontecendo na pandemia do Covid-19. Basta ver as ações e os resultados no combate à doença no Brasil e nos Estados Unidos comparados a, por exemplo, a Nova Zelândia, que já praticamente eliminou o vírus em seu território ao seguir rigorosamente as indicações da ciência. E só agora o país da Oceania está flexibilizando as regras de distanciamento, e de maneira bem lenta.

Portanto, liberdade de expressão não prevê que o indivíduo possa falar absolutamente qualquer coisa, pois muitas coisas que são faladas constituem crimes definidos no Código Penal. E, em tempos de redes sociais em que os algoritmos de relevância se tornaram gigantescas caixas de ressonância de qualquer ideia, isso se torna ainda mais grave!

Por isso, as redes sociais podem e devem -sim- coibir essa prática! Isso inclui eliminar ou limitar publicações de qualquer pessoa, mesmo de presidentes, que violem seus termos e o próprio conceito de civilidade.

E uma última ressalva, que precisa ser feita: os grupos conservadores acusam as redes sociais de perseguição política, pois são os que têm mais publicações eliminadas. Só que o combate às “fake news”, a desinformação, ao discurso de ódio deve ser feito igualmente contra todos que pratiquem isso. Se há mais publicações do grupo A sendo eliminadas que as do grupo B, é porque o primeiro abusa muito mais dessas práticas.

Assim sendo, nenhum governante ou grupo de poder pode legitimamente tentar cercear as redes sociais por elas eliminarem suas publicações que promovem esses atos nocivos à sociedade. Isso é uma intimidação digna de uma ditadura, usando recursos ilegítimos e prejudicando toda a população.

E nós, os usuários, o que podemos fazer para ajudar?

Em primeiro lugar, precisamos parar de acreditar em tudo o que vemos nas redes sociais. Por mais que apoiemos um político, devemos ser críticos ao que ele publica, pois muitos fazem qualquer coisa para se manter no poder.

Nós somos a chave para combater as “fake news”. Se não interagirmos com elas e principalmente se não as compartilharmos, elas perdem a força! Verifique meios de comunicação sérios, consulte agências checadoras de fatos antes de espalhar qualquer coisa. Uma notícia falsa raramente resiste a uma busca bem feita no Google.

Esse é o nosso papel para garantirmos que as redes sociais não apenas continuarão funcionando, como ainda se tornarão um ambiente melhor para todo mundo.

Videodebate: a mentira tem perna curta

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Hoje é o DIA DA MENTIRA. Mas a história abaixo é verdadeira. Ironicamente, sobre uma mentira, que pode ensinar algo a todos nós.

Talvez você nunca tenha ouvido falar da Rawvana, mas essa influenciadora , a rainha dos crudiveganos, está passando por um momento bem complicado. Tudo porque ela enganou o seu público.

Aparentemente ela teve seus motivos… Mas os tribunais das redes sociais não querem saber disso. Para eles, Rawvana tem que queimar em praça pública, aos olhos dos haters.

Cuidado antes de sair destilando ódio e apontando dedos por aqui. Você pode ser a próxima vítima! E isso pode acontecer com qualquer um.

Veja como evitar que isso afete você, assistindo ao meu vídeo abaixo.

E você, já foi vítima desse tipo de ataque? Compartilhe sua experiência aqui conosco.



Ajude a NÃO transformar as redes sociais na nova Inquisição: pode existir uma fogueira reservada para cada um

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Catherine Deneuve no filme “A Bela da Tarde” (1967); a atriz francesa assinou o manifesto de mulheres defendendo a “liberdade de importunar dos homens” - Foto: divulgação

Catherine Deneuve no filme “A Bela da Tarde” (1967); a atriz francesa assinou o manifesto de mulheres defendendo a “liberdade de importunar dos homens”

No dia 14, William Waack publicou na Folha de S.Paulo um artigo onde conta a sua versão dos fatos que levaram a sua saída da Globo. Foi a única vez que li sua posição, desde que o escândalo de racismo inundou as redes sociais no dia 8 de novembro, culminando em sua demissão da emissora, no dia 22 de dezembro. Longe de ser uma curiosidade entre jornalistas, esse desequilíbrio entre acusação e defesa me chamou a atenção, pois é reflexo de um preocupante comportamento impulsionado pelos meios digitais: todos ganharam o direito de ser juízes e algozes de qualquer caso, mas também podem se tornar vítimas num piscar de olhos.

O caso acima começou quando um ex-funcionário da Globo vazou um vídeo em que Waack aparece cochichando ao comentarista Paulo Sotero uma frase racista, quando estavam fora do ar. A gravação se espalhou feito rastilho de pólvora, tanto pelas redes sociais, quanto pela própria imprensa. No mesmo dia, a emissora afastou o jornalista de suas funções e publicou uma nota dizendo ser “visceralmente contra o racismo”. Seis semanas depois, Waack foi demitido. Poucas pessoas se posicionaram em sua defesa, e essas também foram veementemente desqualificadas nas redes.

Waack errou? Sim. Sua punição foi adequada? Há controvérsias. Ele merecia ter sua reputação jogada na lama por um julgamento sumário nas redes sociais? Certamente não!

Analisemos um outro caso recente: o dia 9 de janeiro, a francesa Catherine Deneuve, uma das atrizes mais respeitadas do mundo e ícone de sua geração, publicou no prestigiado Le Monde, junto com outras 99 mulheres artistas e intelectuais do país, uma carta em que criticam o “puritanismo” de campanhas contra assédio sexual, e defendem o que chamaram de “liberdade de importunar” dos homens, considerada pelo grupo como “indispensável para a liberdade sexual”.

“O estupro é crime. Mas o flerte insistente ou desajeitado não é um delito, nem o cavalheirismo uma agressão machista”, afirmaram no manifesto. Elas também disseram que “não se sentem representadas por esse feminismo que, além das denúncias dos abusos de poder, adquire uma face de ódio aos homens e sua sexualidade”.

Resultado: as signatárias do documento foram apedrejadas nas redes sociais, sendo inclusive acusadas de fazer apologia ao estupro. Oras, elas disseram exatamente o contrário disso na carta! Mas, em um mundo cada vez mais intolerante, viabilizado pelas redes sociais, “se você não está comigo, você está contra mim”.

Isso é perigosíssimo, pois a vida não é preta e branca: tem incontáveis nuances de cinza.

 

Não misturemos os canais

De forma alguma, estou aqui defendendo racismo, assédio sexual ou moral, ou qualquer outra forma de crime, contravenção ou atitude condenável. Mas não podemos entrar nessa onda de ódio e intolerância que vem tomando as redes e a sociedade como um todo, em que pessoas são acusadas, julgadas, condenadas e executadas em ritos sumários, sem a menor possibilidade de defesa. Especialmente porque, em muitos casos, a origem é apenas a palavra de uma pessoa que se sentiu, de alguma forma, ofendida ou desprestigiada pelo suposto agressor, sem qualquer prova, ou porque discorda de algo que alguém disse de forma legítima.

Isso é uma afronta e um seríssimo risco a uma sociedade organizada! Se todo mundo que se sentir incomodado tiver o poder de um canhão para alvejar seus desafetos, viveremos um cenário de caça às bruxas! Mas como prevê a Constituição Federal (e o bom senso), todos são inocentes até que se prove o contrário.

Fico muito preocupado com o fato de estarmos iniciando um ano eleitoral. Com base no que vi há dois anos, nas eleições para prefeitos e vereadores, temo que as redes sociais se transformem em um banho de sangue, cheias de insultos, destruições de reputação, “fake news” e amigos de longa data se tornando inimigos viscerais. Apenas porque agora todos podem emitir suas opiniões e os algoritmos de relevância agruparão os que tiverem os mesmos preconceitos em uma mesma bolha de ódio.

Que caminho estamos trilhando?

 

Poder sem responsabilidade

Todo fã de histórias de super-heróis conhece a icônica frase “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, dita por Ben Parker, tio de Peter, o Homem-Aranha, pouco antes de ser assassinado, na gênese do herói mais amado da Marvel.

É tudo o que não temos visto nas redes sociais!

O conceito foi brilhantemente explorado no episódio “Odiados pela Nação”, o último da terceira temporada da série “Black Mirror”. No roteiro, pessoas passam a ser misteriosamente mortas depois que seus nomes são associados à hashtag #DeathTo no Twitter. A pessoa com mais “votos” no dia acabará morta. Cria-se então um perverso jogo em que qualquer um pode literalmente determinar a morte de alguém que não goste, qualquer que seja o motivo, simplesmente twittando seu nome.

(AVISO: se não quiser saber o fim dessa história, pule para o parágrafo seguinte). As investigações acabam descobrindo que as mortes estão sendo causadas por abelhas-robôs espalhadas por todo Reino Unido, que foram hackeadas para encontrar e atacar a vítima do dia. Mas a grande surpresa que a história reserva para o final é que, quando um comando for acionado, todas as pessoas que participaram do jogo, votando em alguém para ser morto, acabarão também assassinadas pelas abelhas. Isso resulta na morte de mais de 300 mil pessoas em poucas horas, no melhor estilo de que “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

Ou seja, as palavras têm grande poder, por isso, precisamos usá-las com critério. Reitero: coisas como racismo, assédios e outras práticas criminosas ou imorais são condenáveis e devem ser combatidas. Mas não se pode usá-las como desculpa ou cortina de fumaça para se atingir outros objetivos, alguns igualmente condenáveis.

Quando a massa ganha um poder sem limites para expor suas insatisfações, legítimas ou não, resultando em condenações sumárias que lhes agradam, rumamos para o fascismo. O exemplo máximo disso foi o nazismo! Apesar de ter surgido de mentes doentias, ele só prosperou porque a população alemã da época o abraçou e praticou. Não fizeram isso por alguma espécie de surto psicótico coletivo, mas sim porque -por mais absurdo que fossem- os valores pregados pelo partido pareciam então legítimos e corretos. E porque todas as ações tomadas em seu nome, mesmo as mais irracionais, eram apoiadas amplamente.

As redes sociais deram voz a todos, e isso é maravilhoso! Mas não podemos usar esse direito para criar uma nova versão dos tribunais da Santa Inquisição. Ou em breve estaremos queimando mulheres em praça pública apenas por serem ruivas. E, assim como acontecia naqueles tempos sombrios, quem em um dia condena poderá ser queimado no dia seguinte. Basta um desafeto lançar uma suspeita.

E os inquisidores nem tinham as redes sociais ao seu dispor.


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