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Como matar um jornal –ou seu negócio– com pílulas para emagrecer

By | Jornalismo, Tecnologia | No Comments

Foto: Petr-Kratochvil / Creative Commons

De uns tempos para cá, ao final de notícias que eu leio na Internet, aparecem sugestões de “conteúdos relacionados” sobre “pílulas que zeram a fome e secam a gordura”. Não importa se a página é sobre política, economia, cultura ou até mesmo os meus próprios artigos publicados no Estadão: as malfadadas fórmulas do emagrecimento estão lá! Como não acredito em coincidências nos meios digitais, comecei a achar que o Estadão, Exame e outros veículos sérios estavam me chamando de gordo. Claro que não era isso! Só que esse comportamento bizarro pode ensinar algo a todos nós: temos que identificar e nos proteger das ameaças escondidas a nossa reputação.

Os responsáveis pelas infames chamadas são as “plataformas de descoberta de conteúdo”, basicamente o Taboola e o Outbrain. Sua proposta é gerar chamadas de conteúdos semelhantes ao da página em que o usuário estiver. Esse conteúdo pode ser do próprio veículo ou de terceiros. No último caso, os veículos que exibem as chamadas são remunerados pela plataforma, como se elas fossem anúncios, de maneira semelhante a programas como o Google AdSense. A diferença é que, ao invés de entregar banners, servem chamadas editoriais.

A ideia dessas plataformas, portanto, é legítima e muito boa: o usuário receberia conteúdo adicional do qual já demonstrou interesse, e os veículos ganhariam dinheiro por essas chamadas. Por isso, o Outbrain e o Taboola cresceram rapidamente, conquistando alguns dos maiores grupos de comunicação do mundo como clientes. Só que, na prática, não é bem isso que anda acontecendo.

O problema é que tais plataformas começaram a entregar todo tipo de porcaria como se fosse conteúdo relevante. Além disso, de relacionados à página atual, essas chamadas não têm nada! Logo, para que tenham chance de ser clicados, começaram a usar títulos e fotos apelativos (os caça-cliques), e a coisa virou um grande mercado persa, onde vale-tudo. Veja abaixo alguns exemplos de títulos de reportagens e artigos, e os “conteúdos sugeridos” associados a cada um:



Como se pode ver, não interessa sobre o que trata a página. O que o usuário recebe é sempre a mesma coisa: links para páginas comerciais apelativas, totalmente em desacordo com a própria linha editorial do veículo.

O Taboola e o Outbrain possuem regras claras sobre o que pode ser veiculado em sua rede. Além disso, possuem equipes editoriais que zelam pela qualidade do material que oferecem. Afinal, as duas empresas afirmam querer melhorar o nível geral da Internet com o seu serviço. Só que claramente algo não está dando certo.

Para piorar a situação, os veículos que distribuem essas chamadas têm, a sua disposição, mecanismos das próprias plataformas para banir conteúdos que considerem inadequados. Pela onipresença e irrelevância das chamadas nos exemplos acima –que já caracterizam um novo tipo de spam– e pelo nível rasteiro de seu conteúdo, todas elas já deveriam ter sido banidas pelos veículos. Mas isso não acontece, pois são justamente essas chamadas as que pagam mais. Logo, bloquear esse conteúdo seria como devolver um gordo cheque enquanto se passa fome.

É aí que a porca torce o rabo!

 

Faça o que mando, mas não faça o que faço

Acontece que os usuários não são otários! Apesar de, em um primeiro momento, parecer que as chamadas levam a conteúdo do próprio veículo, logo fica claro que aquilo é uma verdadeira arapuca. E aí as reclamações dos usuários começam a jorrar!

Uma ótima reputação é crítica para qualquer veículo de comunicação, de qualquer mídia. A credibilidade é a matéria-prima do jornalismo, pois, sem ela, as pessoas não consomem esse produto. E, sem público, não há receita alguma para essas empresas. Portanto, quando um veículo se presta a fazer qualquer coisa para ganhar uns cobres, inclusive publicar conteúdos que atentem contra a sua reputação, desaparece sua razão de existir. É um tiro na cabeça!

Ironicamente, isso acontece em um momento em que os próprios veículos querem assumir um papel de protagonismo na luta contra a chamada “desinformação”, conteúdos propositalmente falsos, mas criados e “plantados” nas redes sociais para que pareçam verdadeiros, para que seus autores atinjam objetivos questionáveis (e até criminosos). As grandes empresas de comunicação têm se posicionado como a solução contra esse conteúdo mentiroso, pois prezariam pela qualidade do que produzem e veiculam.

Mas se isso fosse verdade, como ficam então as suas promoções de pílulas de emagrecimento?

 

Ladrões de reputação no nosso cotidiano

Essas infames chamadas corroem a credibilidade que o veículo de comunicação construiu com muito esforço, alguns ao longo de muitas décadas de trabalho duro. Por evitar isso, importantes veículos internacionais, como Slate e The New Yorker, antes clientes dessas plataformas, deixaram de usar seus serviços.

Acho difícil acreditar que os responsáveis por empresas de comunicação sérias não percebam que trouxeram para dentro de casa um ladrão de reputação –o que torna tudo isso ainda mais inaceitável. Mas, no nosso cotidiano, às vezes cruzamos com obscuros processos, atitudes ou até mesmo produtos que podem minar a reputação de nossas empresas ou de nós mesmos, como profissionais.

Reputação não é algo que pode ser simplesmente comprada. Ela precisa ser continuamente cultivada com boas práticas. Fazendo bem o nosso trabalho, entregando produtos de qualidade, tratando respeitosamente nossos clientes, interagindo com nosso público e com a sociedade construímos a nossa imagem. E isso é fundamental para o nosso sucesso.

Entretanto um bom trabalho no passado não garante que nossa boa reputação continuará intacta no futuro. Esse é um processo contínuo, e precisamos estar atentos a “mancadas”, mesmo as mais obscuras, pois elas acontecem. Isso é absolutamente normal: ninguém acerta o tempo todo. A questão é o que você faz diante do problema. E, em tempos de redes sociais, em que o que fazemos certo aparece bem, mas o que fazemos errado aparece ainda mais, nossa reputação depende de como lidamos com o problema.

Não entrarei no mérito de gestão de grandes crises, o que renderia outro artigo. Eu me refiro aos pequenos roedores que vão comendo nossa reputação continuamente. Podem ser pequenas falhas no nosso produto, atendimento ruim aos clientes, comentários desastrosos em redes sociais, processos questionáveis para aumentar os lucros, entre outros.

A primeira coisa a se fazer é aceitar que esses problemas existem. Se não tivermos essa postura, muitas vezes nem percebemos que eles estão ali, comendo nossos pés. Em seguida, temos que lhes dar a devida importância, pois, se acharmos que eles são só “coisinhas”, sempre deixaremos a sua solução para depois, até que seja tarde demais. O problema deve ser corrigido imediatamente, e o público deve receber uma satisfação o mais rapidamente possível, pois estamos sob constante escrutínio dos nossos clientes e até mesmo da sociedade.

Uma vez identificados esses ladrõezinhos, precisamos lidar com eles, principalmente quando eles foram “convidados” para entrar. Em outras palavras, cuidado com o dinheiro fácil, pois ele sempre cobra depois seu real custo.

Portanto, não venda “pílulas de emagrecimento” no meio de seus verdadeiros produtos ou serviços. As fotos das moças de biquíni podem parecer sedutoras hoje, mas elas não duram para sempre. Quando elas forem embora, você estará sozinho e com sua reputação abalada. E, nessa hora, será muito mais difícil se reerguer.

O seu real valor está naquilo que você faz bem. Confie nisso e invista nas suas fortalezas.


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Como a conquista das crianças pelo YouTube pode impactar empresas e a educação

By | Educação | 5 Comments

Foto: Tobyotter/Creative Commons

Pergunte a uma criança onde ela vê seus programas preferidos. Há uma grande chance de o YouTube ser a resposta. Ele caiu de vez no gosto dos pequenos. Ótimo para o Google, dono da plataforma! Mas isso abre algumas interessantes questões educacionais e de negócios.

Um recente levantamento da ESPM Media Lab, conduzido pela pesquisadora Luciana Corrêa, jogou luz sobre isso. Suas observações combinam com o relatório “Children and Internet use: a comparative analysis of Brazil and seven European countries”, produzido a partir de estudos comparáveis dos países participantes. No Brasil, os dados foram levantados pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).


Vídeo relacionado:


Para crianças e adolescentes, o YouTube já é muito mais que uma simples plataforma de vídeos: é a sua principal ferramenta de busca para qualquer assunto, ocupando o espaço que o próprio Google tem para os adultos. Tanto que a empresa lançou o YouTube Kids, um versão do serviço com recursos especiais para crianças (ainda não disponível no Brasil).

Naturalmente os vídeos de entretenimento são o principal atrativo da plataforma. Corrêa identificou que, dos 100 canais com mais audiência do YouTube, 36 abordam conteúdo direcionado a crianças de 0 a 12 anos. E, de 110 canais brasileiros analisados (que já renderam 20 bilhões de visualizações), a categoria mais comum é a de “games”, seguida pela de “programação infantil também disponível na TV”. Apenas um canal era “educativo”.

A segunda categoria me chamou muito a atenção. Para as crianças, não existe diferença entre o conteúdo no YouTube, em serviços pagos de vídeo sob demanda (como Netflix) ou nas TVs por assinatura ou aberta: tudo é vídeo! E isso acende uma grande luz vermelha para o negócio das emissoras de TV.

As crianças estão vendo TV fora da TV!

 

Tela do passado

Acontece que os pequenos cada vez menos usam o aparelho de TV. Para elas, a programação “nativa” na telona é uma coisa anacrônica com três características muito indesejáveis: existência de uma grade de programação (que as obriga a assistir aos programas em horários específicos), programação continuamente interrompida por comerciais e impossibilidade de ver o conteúdo com privacidade. Não é de se estranhar, portanto, que o dispositivo preferido para assistir a vídeos seja o celular, e a plataforma seja o YouTube: a combinação elimina, de uma só vez, esses três incômodos.

Esse comportamento também pôde ser observado em uma outra pesquisa, realizada no ano passado pela comScore e pela IMS, com latino-americanos que veem vídeos online, uma realidade cotidiana para 81% do público pesquisado, contra apenas 70% da TV aberta (no Brasil, os números foram 82% contra 73% respectivamente). E os mais jovens eram os que mais preferiam vídeos online à TV.

Chegamos a debater neste espaço como o lançamento do Globo Play não deve cativar os mais jovens. O produto tem um formato técnico e um modelo de negócios semelhantes aos da Netflix, mas falha ao se manter atrelado à grade de programação da emissora. Não é, portanto, suficiente para estancar a sangria desatada do público.

Os fabricantes de TV, que já perceberam os ventos da mudança há alguns anos, estão transformando os aparelhos em poderosos computadores, capazes de rodar todo tipo de aplicativo, inclusive o YouTube e a Netflix (não por acaso os mais populares em suas plataformas). Resta saber o que as emissoras de TV farão para evitar que seu negócio mingue por falta de público.

Até o momento, não vejo grande coisa.

 

YouTube babá?

Mas há outro aspecto importante a se analisar nesse fenômeno: as crianças estão ficando tempo demais no YouTube?

Curiosamente, há uns 20 anos, essa pergunta recaía sobre a própria TV, chamada pejorativamente então de “babá eletrônica”. As crianças passavam horas a fio assistindo à sua programação, e depois seus pais acusavam-na de “deformar” seus filhos. A bola da vez para esse “cargo” é a tecnologia digital, com o YouTube em destaque.

Quando uma criança deve ter acesso à tecnologia é um debate que parece não ter fim. Existem bons argumentos a favor e contra. Particularmente acho um grande erro querer privá-las disso por princípio, pois vejo falhas conceituais no que diz a “turma do não”. Além disso, vivemos em um mundo em que a tecnologia digital é cada vez mais ubíqua, e, por isso, as crianças devem aprender, desde cedo, a se apropriar dessas ferramentas em seu favor.

O que não quer dizer abandonar as crianças à sua própria sorte com seus gadgets. Pais que acusavam a TV e, depois dela, a Internet, os videogames, os smartphones, o YouTube por problemas com seus filhos estão tentando jogar em outro a culpa que é, na verdade, sua!

Como explica muito bem a psicóloga Katty Zúñiga, do NPPI (Núcleo de Pesquisas da Psicologia e Informática) da PUC-SP, os pais não devem vetar o acesso à tecnologia para seus filhos, pois eles acabarão encontrando maneiras de burlar a proibição, eliminando a chance de os pais construírem algo juntos com os filhos nesse ambiente. Por outro lado, os responsáveis devem oferecer e incentivar outras atividades aos pequenos, como livros, brincadeiras, atividades manuais, passeios, para que as ferramentas digitais sejam apenas “mais uma” das atividades disponíveis para a criança. Pois, se ela não tiver alternativa, usará o que estiver à mão, no caso, literalmente, o smartphone. Além disso, os pais devem se envolver e demonstrar interesse genuíno pelo que seus filhos fazem nos meios digitais. Tudo isso é o que pode ser considerado um uso consciente e construtivo da tecnologia pelas crianças.

Sim, o cotidiano é difícil, todos têm que trabalhar, estão sempre na correria, sobra pouco tempo para lazer. Mas –sinto muito– nada disso serve de desculpa para não dispensar às crianças o tempo e a atenção que elas necessitam e merecem. Isso é ser pai e mãe.

Portanto, antes de o uso intensivo do YouTube pelos pequenos ser a causa de algum problema, ele é um sintoma. A plataforma pode ser muito interessante por si só. Não há nada de errado nas crianças gostarem dele, desde que não seja por falta de alternativas ou orientação. Muito mais que as emissoras de TV, são os pais que devem estar atentos a isso.


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