Porta dos Fundos

Quanto vale a palavra de um influenciador digital?

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Cena do vídeo “Influenciadora”, do Porta dos Fundos - imagem: reprodução

Cena do vídeo “Influenciadora”, do Porta dos Fundos

Resposta rápida à pergunta do título: vale muito! Mas, se você estiver pensando em usar um deles para uma campanha publicitária, muita calma nessa hora: é preciso separar o joio do trigo. Milhões de seguidores não significam necessariamente um discurso que possa emprestar credibilidade a sua marca. Mas, se bem usado, é um recurso que pode trazer ótimos resultados. Então como saber se vale a pena contratar um influenciador digital?

Essa discussão surgiu a partir do vídeo Influenciadora, lançado no dia 22 de maio, e que pode ser visto abaixo. Várias pessoas me enviaram o tal vídeo, perguntando o que eu achava daquilo. Nele, o grupo Porta dos Fundos ironiza dois tipos de influenciadores digitais: aqueles que, apesar de ter milhões de fãs, aparentemente não tem nada de útil a dizer, e os que se dedicam a produzir conteúdo apenas para promover escancaradamente produtos de empresas que os contratam.

Pode parecer bizarro, e o Porta dos Fundos naturalmente carrega um pouco nas tintas para reforçar o aspecto humorístico do vídeo, mas a Internet está cheia de exemplos reais disso. Mas não foi sempre assim.

A certa altura, o vídeo menciona que a tal celebridade promove todos os presentes que ganha de empresas, destacando maquiagens. Isso não foi por acaso: uma das primeiras categorias de influenciador que surfou nessa onda foi justamente as youtubers maquiadoras. A primeira geração delas construiu sua reputação com vídeos que ensinavam boas técnicas do assunto.

As marcas de cosméticos identificaram ali uma incrível oportunidade: se essas youtubers construíram credibilidade sobre o tema junto a um enorme público que consome esses produtos, por que não pagar a elas para fazer seus programas usando (e elogiando) produtos do patrocinador?

Essas parcerias começaram a dar certo! Tão certo que abriram a porta para uma segunda, uma terceira geração de youtubers que não estavam assim tão preocupados com a qualidade do seu material: a ideia era só criar um canal para despejar uma propaganda escandalosa sobre a base de fãs. Às favas com a seriedade e questões éticas!

Desnecessário dizer que isso corroeu a credibilidade do modelo, pois os próprios seguidores começaram a perceber que eles estavam sendo enrolados. Mesmo assim, muitas marcas continuam insistindo no formato.

Mas como esses influenciadores conseguem essa legião de fãs, se “não têm nada útil a dizer”?

 

É tudo identificação

Para entender esse fenômeno, precisamos nos despir de alguns preconceitos e aceitar que algo que consideramos a mais bela porcaria pode ser bastante relevante para outras pessoas.

Ninguém chega a milhões de fãs por acaso: alguma coisa certa esses megainfluenciadores fizeram. E, de uma maneira geral, todos eles se destacam em um ponto: eles conhecem muito bem seu público. Eles sabem quem são essas pessoas, do que elas gostam, como elas falam, sobre o que estão querendo saber, onde estão. Além disso, usam muito bem os recursos do meio digital para se promover.

Isso explica o surgimento dos youtubers teens e mirins, inclusive fenômenos como Kéfera ou Christian Figueiredo. Possivelmente você ache o que eles falam uma perda de tempo. Talvez você reprove a linguagem que eles usam. Se duvidar, você nunca ouviu falar deles! Sem problemas: você não é seu “target”. Mas seus milhões de fãs pensam de outra forma. Pois essas pessoas se identificam com esses ídolos digitais. E, por isso, tudo o que eles dizem faz um enorme sentido!

Mas há também youtubers teens que se preocupam genuinamente em produzir conteúdo de qualidade. A sua maneira, claro. O vídeo abaixo, do youtuber Cauê Moura, traz uma curiosa crítica aos influenciadores com discurso “vazio”. Ele explica a escalada histórica desse tipo de ídolo e termina o vídeo conclamando seus “colegas youtubers” a produzir conteúdo de qualidade. Alerta: se você não gosta de palavrões, não veja esse vídeo!

Recentemente assisti a um vídeo (abaixo) de Felipe Castanhari que era um belo exemplo de conteúdo relevante para seu público. Ele explicou nada menos que o conflito na Síria de uma maneira que qualquer adolescente é capaz de entender, melhor que qualquer veículo de comunicação ou livro.

Como se pode ver, existe de tudo nesse mundo, e não seria diferente com os youtubers. Portanto, se você quiser fazer uma campanha com um influenciador, vale a pena avaliar, primeiramente, se ele é capaz de produzir um conteúdo de qualidade, e se esse conteúdo (incluindo sua linguagem) combina com o produto a ser promovido.

Mas existem outros cuidados a serem tomados.

 

O valor de uma reputação

Infelizmente as marcas usam muito mal os influenciadores digitais. Na maioria dos casos, eles contratam o sujeito para emprestar seu rosto e a sua base de fãs para uma campanha pontual. E é fácil de se entender esse comportamento, pois a publicidade sempre usou pessoas famosas, especialmente astros da TV, para vender qualquer coisa, inclusive produtos que eles jamais usariam.

Mas influenciadores digitais são diferentes: eles são o seu próprio veículo! A sua base de seguidores vai com eles a todo lugar, não se restringindo a um meio.

Além disso, um bom influenciador digital normalmente construiu uma reputação em torno de algum tema, que pode ir desde mecânica aeroespacial até comportamento adolescente. E nisso reside o grande potencial de campanhas com eles.

Uma campanha publicitária é tão melhor quanto mais eficientemente sua ideia é “plantada” no público. E a melhor maneira de se fazer isso é disseminá-la de maneira consistente, subliminar e por um longo período de tempo. Nessa hora, os bons influenciadores se destacam, pois, por terem uma grande reputação junto a seu público, podem realizar esse trabalho com maestria!

Claro que isso só dará certo se houver um alinhamento entre o produto a ser promovido e o próprio influenciador digital. Se você quer vender material cirúrgico de alta precisão, um youtuber teen não poderá lhe ajudar muito. Da mesma forma, se o produto for para consumo de adolescentes, não adiante fazer a campanha com um influenciador acostumado a falar sobre mercado financeiro.

O motivo é simples: se eles fizessem isso, essa mudança de discurso abalaria a sua credibilidade, justamente o que eles têm de mais valioso. Seu público perceberia que aquilo se trataria de conteúdo pago, e não apenas desconfiaria da mensagem, como ainda poderia abandonar sua base de fãs.

O mesmo acontece quando a promoção do produto é muito escandalosa, o que nos leva de volta às youtubers maquiadoras satirizadas pelo Portas dos Fundos. Vão com tanta sede ao pote, que sua credibilidade escorre pelo ralo.

 

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Por isso, em muitos casos, influenciadores “menores”, com milhares de seguidores ao invés de milhões, são mais eficientes que as grandes celebridades digitais para promover algo com essa eficiência máxima. Pois eles são mais focados nos seus valores e estão mais próximos de seu público.

Então, respondendo a pergunta do primeiro parágrafo: sim, vale muito a pena contratar um influenciador digital para promover qualquer tipo de coisa. Desde que isso seja feito de maneira criteriosa, com inteligência. Reduzi-lo a um mero garoto-propaganda não apenas reduz a efetividade da iniciativa, como pode até queimar a imagem do produto.


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Cena da paródia “Qual é a senha do WiFi”, de Whindersson Nunes – Imagem: reprodução

Cena da paródia “Qual é a senha do WiFi”, de Whindersson Nunes

No dia 4, Whindersson Nunes destronou o Porta dos Fundos da posição de maior canal brasileiro do YouTube, coroa que ostentava desde abril de 2013. O novo rei da montanha era um completo anônimo até havia pouco tempo, e sua história é muito parecida com a de milhares de youtubers que buscam o estrelato, além de um sem fim de empreendedores que tentam dar certo com todo tipo de negócio. Mas então por que temos tão poucos Whinderssons e empreendedores de sucesso?

A história do youtuber, que faz paródias musicais e comenta descontraidamente o seu cotidiano, fica ainda mais interessante por ser um sucesso completamente improvável. E disso qualquer um de nós pode aprender algo útil.

Originário de Bom Jesus, que fica a 635 Km de Teresina (PI), ele sequer tinha uma câmera ou acesso à Internet quando começou há cinco anos: andava três quilômetros até a casa de uma amiga para emprestar o equipamento e depois ainda subia o vídeo com sua conexão. Tampouco tinha cenário, iluminação ou técnica: gravava tudo em seu quarto desarrumado. E, durante dois anos, fez isso para os pouquíssimos gatos pingados que o assistiam.

Até que, nos primeiros dias de 2013, publicou a paródia abaixo, “Alô vó, tô reprovado”, gravado modestamente em uma escola:



Nas primeiras horas, parecia ser apenas mais um vídeo que não daria em nada, mas, da noite para o dia (literalmente), o vídeo teve 300 mil visualizações. Em um mês, chegou a 5 milhões de visualizações e o canal ganhou 30 mil inscritos, tornando-se o maior do Nordeste.

Foi quando Whindersson teve a sua conta invadida e o canal apagado. Perdeu todos os seus vídeos e, o que era pior, todos os seus inscritos e outras métricas importantes para o YouTube. Entretanto, apesar de todo o seu desgosto, ele insistiu: recriou o canal e conseguiu seguir o caminho que tinha começado a trilhar do ponto em que tinha sido interrompido.

Muita gente torce o nariz para Whindersson e questiona como alguém que “nem fala direito” pode fazer tanto sucesso!

Certamente não foi por acaso.

 

Dedicação e um bom produto

A primeira coisa que digo a esses incrédulos é que primeiramente eles precisam se despir de seus preconceitos. Eles podem ter um monte de argumentos legítimos para achar que Whindersson Nunes só faz porcaria, e que, portanto, seu sucesso seria indevido.

Essas pessoas precisam aprender (ou aceitar) que ele é bom no que faz e que seu produto é bom. Talvez apenas não seja para eles. Mas é para muita (aliás muitíssima) gente que se identifica e se diverte com o youtuber.

Ninguém chega a 13 milhões de inscritos no YouTube (valores do momento em que estou escrevendo esse artigo) à toa. Poderia me resumir a dizer que isso só aconteceu pela sua dedicação, mesmo diante de um duro golpe (como quando seu canal foi excluído), ou por acreditar em seu sonho. Mas isso seria simplificar demais a coisa, e ficaria parecendo mais um daqueles textos de autoajuda do tipo “sim, você também pode se acreditar!”

Claro que isso tudo é ingrediente do seu sucesso! Mas não é tudo. Whindersson sabe qual é seu talento e o empacota muito bem em um produto. Em nenhum momento, ele tenta agradar a todos, mesmo porque isso é impossível, especialmente em um produto cultural.  Além disso, com o tempo, foi refinando sua técnica, investiu em equipamentos e hoje pode até se dar ao luxo de contratar equipes para fazer vídeos muito bem produzidos, como “Qual é a senha do WiFi”, seu maior sucesso (mais de 38 milhões de visualizações até agora), que pode ser visto abaixo:



Mas Whindersson não está sozinho nisso.

 

Conheça seus clientes

O YouTube está cheio de outros exemplos de “gente como a gente” que ficou famosa. Garanto que nunca foi “sem querer”.

Gosto muito do exemplo da Kéfera Buchmann, quase 10 milhões de inscritos, dois livros publicados e, atualmente, fazendo sucesso no cinema. Ela também começou bem devagar, há seis anos, com o vídeo abaixo:



Assim como acontece com Whindersson, muita gente fica incomodada com o sucesso dela. E, assim como no outro caso, isso demonstra uma enorme miopia.

Kéfera sabe muito bem quem é seu público: meninas adolescentes. Ela também sabe o que elas querem, do que gostam, como falam, onde estão. E, com isso, conseguiu formatar o seu produto –ela mesmo– para que seus clientes –as meninas– se identifiquem totalmente com ele.

Por isso, ela fala para as meninas! Não fala para os meninos, nem para os namorados das meninas, nem para a mãe das meninas. Claro que todos eles também assistem a seus vídeos, mas isso é circunstancial: Kéfera foca sua produção para seus clientes.

Além disso, apesar de o Youtube ser o seu principal local de exposição, ela está presente em todas as redes sociais. Mais que isso: ela sabe aproveitar o que cada uma tem de melhor, suas características particulares, para maximizar seus resultados. Com o tempo, aprendeu a fazer isso também em outros pontos de contato, inclusive na mídia tradicional.

Portanto, não tem nada de acaso nessas histórias. E não há só humor, dedicação ou persistência dos protagonistas. Isso é marketing de primeiríssima qualidade.

Há ainda um último grande ensinamento que Whindersson e Kéfera podem dar a qualquer um: eles falam com seus clientes.

A imensa maioria das empresas são guiadas por um pensamento tacanho de que não precisam se relacionar com quem consome seus produtos. Seguem a cartilha escrita no século passado que diz que basta ter um bom produto e fazer uma boa campanha de marketing para as pessoas saberem de sua existência e compararem sua produção. E acham que o trabalho acaba quando a venda é feita.

Bem, as coisas não são mais assim. Os consumidores hoje querem se relacionar com quem produz aquilo que compram. Querem falar e receber resposta. E não pode ser qualquer uma: assessoria e SACs com respostas padronizadas já não funcionam tão bem.

Whindersson, Kéfera e muitos outros empresários dessa nova forma de economia, que vai muito além de vídeos no YouTube, demonstram uma empatia genuína com seus clientes. Esse é um sentimento que, cada vez mais, resulta em relações comerciais mais duradouras e eficientes.

Como se pode ver, não há sucesso por acaso.


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