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Você acha que os escândalos vão matar o Facebook?

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A capa de junho de 2011 da edição americana da revista Mad já satirizava “as 50 piores coisas do Facebook”, muito antes das “fake news” - Foto: reprodução

A capa de junho de 2011 da edição americana da revista Mad já satirizava “as 50 piores coisas do Facebook”, muito antes das “fake news”

Neste sábado, a hashtag #FacebookPodeAcabar era “trending topics” no Twiter, ou seja, um dos assuntos mais debatidos na rede naquele momento. É verdade que o Facebook está sendo alvejado por todos os lados, suas ações estão caindo, está perdendo usuários, ex-executivos estão criticando publicamente a empresa. Mas dizer que ele vai acabar por causa disso é, no mínimo, uma baita inocência! Mas deve, sim, sofrer grandes transformações. E isso pode ser uma boa notícia para cada um de nós. Mas também temos que ficar mais espertos!

O Inferno se instalou na vida de Mark Zuckerberg e seus amigos quando o Facebook foi acusado de ajudar a eleger Donald Trump, na campanha à presidência dos EUA em 2016. Na época, Zuckerberg disse que as acusações eram “loucura”. Mas a situação se agravou ao longo de 2017, com as “fake news”, as infames notícias falsas, tomando o seu reino de assalto.

No dia 11 de janeiro, o Facebook anunciou mudanças em seu sistema para tentar combater as “fake news”, que desagradaram muita gente e levantaram ainda mais dúvidas sobre a sua capacidade de resolver o problema. Mas o caldo entornou de vez no dia 17 de março, quando The New York Times publicou que a empresa Cambridge Analytica havia usado, sem autorização, dados de 50 milhões de usuários do Facebook para favorecer a campanha de Trump. Escândalo total!

Zuckerberg demorou cinco dias para se pronunciar sobre o caso, o que aumentou ainda mais a desconfiança. As ações despencaram 6,7% no primeiro dia. Foi a maior queda diária da história do Facebook, gerando uma perda de US$ 35 bilhões em valor de mercado. As ações continuaram caindo, arrastando também outras empresas do setor. Isso é particularmente perigoso para uma empresa que vale cerca de US$ 453 bilhões (valor de 2 de abril), dos quais “apenas” US$ 14 bilhões são de ativos físicos.

Governos europeus e dos EUA, que já vinham tentando regular as atividades do Facebook, vieram à carga. O Congresso dos EUA convocou Zuckerberg para depor em vários comitês, entre os quais o Comitê Judiciário do Senado, o que deve acontecer nos próximos dias.

Mas o que isso tudo significa para você?

 

Como você dá dinheiro ao Facebook

Charge dos porquinhos

O Facebook é a maior rede social do mundo, com mais de 2,1 bilhões de usuários ativos (que se conectam a ele pelo menos uma vez por mês). Você provavelmente é um deles, e talvez faça parte do contingente de 1,4 bilhão de pessoas que acessam a rede todos os dias.

Especialmente graças ao seu aplicativo para smartphones, tem muita gente que, na prática, nunca sai da rede. Isso permite também que uma infinidade de aplicativos de terceiros use o Facebook como ferramenta de autenticação para seus próprios sistemas.

O negócio do Facebook se sustenta no tripé de manter os usuários vidrados em suas telas, na coleta de seus dados e no seu uso para vender publicidade altamente direcionada a esses mesmos usuários. Portanto, quanto mais as pessoas usam a plataforma, mais pegadas digitais deixam, o que é ótimo para o negócio.

Além da publicidade, o Facebook compartilha esses dados com empresas que desenvolvem os aplicativos que rodam em sua plataforma, para seus próprios fins. Isso tem um valor inestimável, e está na essência do negócio de redes sociais e de sistemas operacionais, como iOS, Android e até Windows. Mas esses dados só são compartilhados com os desenvolvedores se o usuário explicitamente autorizar.

É aí que mora o problema!

 

Como se constrói um escândalo

A Cambridge Analytica conseguiu acesso aos dados dos 50 milhões de usuário graças a esse recurso e à infeliz característica de as pessoas concederem acesso a seus dados sem ler o aviso que lhes é mostrado antes de usarem um aplicativo. Esses avisos detalham tudo que será compartilhado com os desenvolvedores, mas o pessoal prefere clicar no botão “concordo” sem ler.

Os dados desse escândalo foram coletados por um aplicativo chamado “This Is Your Digital Life” (“Esta É a Sua Vida Digital”), aparentemente uma brincadeira inofensiva, mas que levava embora um caminhão de informações dos usuários e também de seus amigos. Esses dados eram depois organizados seguindo uma metodologia criada pelo Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge (Reino Unido), capaz de traçar o perfil psicológico de uma pessoa em apenas um segundo, a partir de seus passos em redes sociais.

Como o instituto se recusou a trabalhar com a Cambridge Analytica, a empresa contatou os serviços do pesquisador Aleksandr Kogan, que na época trabalhava na universidade e conhecia aquele algoritmo. Kogan, que também desenvolveu o aplicativo, afirma estar sendo agora usado como bode expiatório pela Cambridge Analytica e pelo Facebook: ele garante que não sabia que a sua extração e classificação de dados seriam usadas na campanha de Trump.

O fato é que a Cambridge Analytica foi antiética e talvez criminosa pelo uso que fez dos dados coletados e por ferir os termos de uso do Facebook. Esse, por sua vez, criou um sistema que permite essa violação e rompeu o elo de confiança com seus usuários. Esses, por último, compartilharam alegremente suas informações sem prestar atenção no aviso que o próprio Facebook lhe dava.

Ou seja, todos têm uma parcela de culpa.

 

Como isso afeta você

A verdade é que o Facebook não tem como controlar o que as empresas fazem com os dados dos seus usuários depois que eles são extraídos de sua base. E isso é crítico, pois é bastante razoável supor que um monte de outros desenvolvedores também faça usos indevidos dessas informações, por mais que isso contrarie as regras do próprio Facebook.

A empresa está preocupada, claro. Zuckerberg chegou a citar as eleições do Brasil como um dos grandes eventos desse ano em que darão atenção redobrada, para evitar que manipulações de dados e “fake news” comprometam os resultados. Várias medidas estão saindo da “sala de guerra” em Menlo Park (Califórnia), sede da empresa. Entre elas, o Facebook vem prometendo, cada vez mais, auditar aplicativos, restringir o acesso dos desenvolvedores aos dados dos usuários e ajudar esses últimos a controlar como empresas acessarão suas informações.

Fica pergunta: o Facebook tem como verdadeiramente proteger seus usuários afinal?

A resposta: claro que não!

O elo fraco nessa história somos todos nós, que ficamos à mercê desse ecossistema digital em que estamos enfiados até o último fio de cabelo. E a nossa exposição para fins comerciais está na essência disso. Portanto, isso não mudará!

Os diversos atores nesse emaranhado contam com a inocência ou descuido das pessoas para atingir os seus fins. Basta ver o abrangente estudo sobre “fake news” que foi capa da revista Science, a melhor revista científica do mundo, na edição de 9 de março. Entre outras conclusões dos pesquisadores, as notícias falsas só “pegam” porque nós -e não sistemas automatizados- nos engajamos verdadeiramente com elas. Segundo a equipe, as “fake news” alcançam mais pessoas, são mais replicadas e fazem isso tudo mais rapidamente que as notícias verdadeiras. Como? As pessoas espalham as notícias falsas porque elas parecem trazer mais novidades que as verdadeiras. E isso mexe com nossas emoções.

Ou seja, caímos como patos!

Portanto, a melhor maneira de reduzir o crescimento das “fake news” e o roubo de nossas informações para fins criminosos é a conscientização das pessoas. Nós somos, em última instância, os detentores do poder para evitar que esses cânceres se espalhem ainda mais.

Essa consciência deve ser exercitada em cada atividade diária, em cada compartilhamento, em cada aplicativo iniciado. Não estou dizendo que nos tornemos uns chatos, que cancelemos nossas contas nas redes sociais ou paremos de usar smartphones. É claro que não! Mas, por favor, prestemos mais atenção e sejamos menos “bobinhos” em acreditar em tudo que nos dizem ou nos ofereçam.

Caso contrário, continuaremos contribuindo para uma sociedade pior e mais falsa para todos. E ninguém quer isso, não é mesmo?


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Quais são (ou deveriam ser) os limites da publicidade invasiva?

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Outdoor interativo e com realidade aumentada no filme “Blade Runner 2049”: a realidade já se aproxima da ficção – Foto: divulgação

Outdoor interativo e com realidade aumentada no filme “Blade Runner 2049”: a realidade já se aproxima da ficção

Os meios digitais provocaram uma incrível revolução na publicidade. É verdade que, para alguns casos, uma grande, cara e indiferenciada campanha de marketing de massa, daquelas que passam no break da novela e do Jornal Nacional, ainda faz sentido. Entretanto a publicidade migra continuamente para peças criadas para cada indivíduo, a partir do cruzamento das pegadas digitais que deixamos cada vez mais por toda parte, conscientemente ou não. Isso é bacana para o anunciante e para o consumidor, pois as peças trazem, em tese, produtos do interesse de ambos. Mas você já sentiu que às vezes esse negócio está invadindo a sua privacidade?

Se sentiu, você não está sozinho! E, de certa forma, é isso mesmo que acontece. O fato é que a privacidade, como nós conhecemos há alguns anos, morreu! Mas isso não é necessariamente algo ruim. A novidade é que isso está extrapolando os limites das redes sociais, dos buscadores e dos smartphones, as principais ferramentas para essa arapongagem digital, sobre as quais muita gente já está ciente. A coleta de informações sem aviso prévio vem acontecendo também, por exemplo, em TVs e até em outdoors!


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Peguemos como exemplo o tradicional telão publicitário em Piccadilly Circus. Essa verdadeira atração turística de Londres, lançada em sua primeira versão em 1908, foi reinaugurada na semana passada (como pode ser visto na reportagem no vídeo acima).  Ele agora funciona com uma impressionante tela Ultra HD de 790 metros quadrados, que exibe campanhas de diferentes marcas. O telão ainda oferece WiFi grátis para a região. Mas a grande novidade são câmeras escondidas na estrutura, que continuamente capturam as imagens das pessoas e dos carros que passam a sua frente, assim como as condições climáticas.

Essas imagens são usadas para personalizar as peças exibidas na tela em tempo real. Por exemplo, se um tradicional ônibus londrino de dois andares vermelho passa por ali, todas as peças podem adotar esse tom. Se ele for seguindo por um carro amarelo, as peças passam a ser amarelas. Divertido, né?

As peças também refletem as pessoas que estiverem ali na hora! O sistema continuamente verifica o gênero e a faixa etária dos pedestres. Mais que isso, tenta identificar a emoção dos indivíduos fazendo uma análise de suas expressões. Tudo isso para que a publicidade se adapte ao público.

A Landsec, empresa responsável pelo sistema, afirma que as informações não são armazenadas e nem cruzadas com outros bancos de dados para identificar as pessoas ali. Mas em uma cidade conhecida por ter a maior quantidade de câmeras em ambientes públicos do mundo, usadas, por exemplo, pela polícia para procurar automaticamente suspeitos a partir de algoritmos de reconhecimento facial, a única coisa que a impede de fazer isso é o respeito a questões éticas.

Afinal, ao contrário de redes sociais e smartphones, em que as pessoas ainda precisam aceitar “termos de uso” desses produtos, com os quais autorizam (quase sempre sem ler) o uso de suas informações pessoais para fins comerciais, isso não acontece com o telão.

Para andar na rua, ninguém assina termo algum, certo?

 

“Mi casa, tu casa”

Ninguém assina tampouco termo algum para assistir televisão. Mas as nossas smart TVs também podem estar nos espionando.

Não se enganem: as TVs atuais que compramos para nossas casas são poderosos computadores conectados permanentemente à Internet. E, ao contrário do que parecem, elas nunca estão totalmente desligadas. Tanto que muitos modelos podem ser ligados a partir de comandos de voz. Em outras palavras, mesmo com suas telas apagadas, as TVs com microfones estão nos ouvindo o tempo todo. E as que têm câmeras também podem estar nos vendo.

Acontece que, ao contrário do que é feito em smartphones e especialmente em computadores, não tomamos providências de segurança com nossas TVs. Ou alguém instala antivírus ou firewalls nelas? Os fabricantes tampouco parecem se preocupar muito com isso, pois as informações capturadas pela TV sequer são criptografadas antes de serem transmitidas.

Nada impede que um hacker invada a nossa TV e acione esses recursos para coletar informações pessoais. Muito mais provável é o próprio fabricante coletar informações dos usuários para decisões comerciais. E isso não acontece só em casa.

Por exemplo, as TVs expostas no varejo podem tentar identificar, a partir de sua câmera, o gênero e a faixa etária das pessoas que ficam diante de cada tela. Ou seja, enquanto as pessoas estão analisando a qualidade da imagem do modelo, a TV está analisando a pessoa, tentando identificar que tipo de público é atraído por cada modelo em cada loja específica. Essa informação é muito valiosa para definir o mix ideal de produtos para cada ponto do varejo, e até mesmo o volume de produção nas fábricas.

Portanto, antes de fazer na frente da TV algo que possa se arrepender depois, pense duas vezes: ela pode estar vendo tudinho!

 

O que nos resta?

Não estou pintando aqui nenhum futuro (ou presente) apocalíptico. Quem me conhece sabe que eu sou um entusiasta da tecnologia e do uso criativo de informações pessoais para criar produtos e ofertas que sejam benéficas para todos, especialmente para o dono dessas informações, o consumidor.

Já fui executivo de várias multinacionais que coletam informações de seus consumidores das mais diferentes formas. E sempre notei um uso ético delas.

Aliás, ética é uma palavra que ganha importância a cada dia que passa. Justamente porque as empresas têm, cada vez mais, recursos para coletar tais informações, e tirar conclusões impressionantes sobre cada um de nós, graças a algoritmos mais e mais sofisticados e capacidade de processamento gigantescas e crescentes.

Logo, a tentação para cruzar o limite do razoável é imenso! Até onde podem ir? Até onde disseram que iriam quando iniciaram o relacionamento com cada um de nós. E que tenhamos explicitamente concordado (mesmo não lendo os termos).

Sendo bem sincero, quem tem tanto poder nas mãos só não avança o sinal se não quiser. E se sua ética (e seu “compliance”) não permitir (e for obedecida). Mas honestamente não precisam disso! Os benefícios para as empresas e para o consumidor já serão incríveis fazendo apenas um uso ético do que já têm.

Quanto a cada um de nós, claro que não vamos deixar de usar nenhum desses produtos. Não dá para ser feliz tomado eternamente pela paranoia, e a vida seria praticamente inviável no mundo atual sem todos esses serviços digitais. Mas precisamos, pelo menos, ser conscientes do que estamos entregando e principalmente a quem.

Tem muito picareta por aí.


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Já que sua privacidade morreu, como tirar algo de bom disso?

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De algumas semanas para cá, tenho visto pessoas andando pelos corredores do supermercado com o olhar fixo no celular. Lembram até a febre do Pokémon Go, quando, há um ano, multidões de jogadores invadiram as ruas para caçar os monstrinhos virtuais. Mas, dessa vez, não são pokémons: estão procurando ofertas criadas para elas, resultantes de algoritmos que trouxeram a análise de consumo dos usuários para o varejo físico. Sim, em um tempo em que a privacidade zerou no estoque, até as lojas nos rastreiam. Mas, longe de ser motivo de preocupação, essa pode ser uma boa notícia.

O responsável por isso é o Pão de Açúcar, que lançou no dia 29 de junho aplicativos para suas duas bandeiras: Extra e Pão de Açúcar. A ideia é trazer, para o celular dos clientes que fazem parte dos seus programas de fidelidade, ofertas criadas sob medida para cada indivíduo. Se o cliente colocar no carrinho um desses produtos, o desconto acontece automaticamente quando passar pelo caixa.


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Mas o funcionamento do programa vai muito além de simplesmente dar descontos em produtos que o consumidor está acostumado a comprar. Isso seria só uma evolução linear do modelo de descontos convencional, em que varejista e fornecedor abrem mão de parte de suas margens para ganhar no volume.

Na nova proposta, o fabricante ou distribuidor cria ofertas associadas a regras diretamente no sistema. Elas são executadas em cima das informações dos clientes. Por exemplo, é possível pedir ao algoritmo para dar um desconto a clientes que sempre compram produtos de uma dada categoria, mas nunca o da sua marca. Ou então para quem está acostumado a comprar um produto mais popular do fornecedor, na expectativa que passe a adquirir uma versão premium. E até oferecer algo que o Big Data sugira ser de interesse do cliente. É possível definir ainda características demográficas e a quantidade de clientes que devem ser impactados pela promoção.

As ofertas entram no ar imediatamente, pois não dependem de intermediação ou aprovação do Pão de Açúcar. Isso só é possível porque, ao contrário do modelo tradicional, todo o desconto sai do bolso do fornecedor, que pode acompanhar em tempo real a aceitação da sua oferta. E o desconto só é aplicado nos itens que forem efetivamente comercializados. Ou seja, se o fornecedor quiser “promocionar” 50 mil itens de um dado produto, mas apenas 15 mil forem comprados pelo consumidor-final, os outros 35 mil que ficaram no estoque do varejista continuarão com o preço “cheio”.

No final das contas, é um jogo em que todos ganham: o cliente pode ter um desconto apreciável na conta final; o varejista aumenta as suas vendas e o “wallet share” (os consumidores passam a comprar mais nele e menos nos concorrentes), sem prejudicar sua margem; o fornecedor tem acesso a uma base riquíssima para criar ofertas mais assertivas, criando um marketing muito mais eficiente, com um controle refinado dos custos. Vale dizer que o Pão de Açúcar garante que os dados dos consumidores não são repassados aos fornecedores, pois todas as regras são executadas dentro de seu próprio ambiente.

Sabe o que é mais incrível nessa história? Esses dados estão lá “desde sempre”. O programa Pão de Açúcar Mais existe há 17 anos. Mas faltavam duas coisas para que isso acontecer: um poder computacional imenso e a cultura de que nossos dados têm valor e podem ser convertidos em benefícios para nós mesmos.

Agora temos tudo.

 

Dados do consumidor em toda parte

Principal concorrente do francês Casino, controlador do Pão de Açúcar, o Carrefour também trouxe novidades nesse segmento para o Brasil.

Depois de surpreender o mercado brasileiro e encerrar seu e-commerce no final de 2012, o site nacional do gigante francês do varejo foi relançado em julho do ano passado, desenvolvido pela também francesa Keyrus. Agora a empresa começa a venda online de produtos perecíveis, algo que traz desafios adicionais.

O e-commerce do Carrefour também trabalha na análise de comportamento do consumidor, valendo-se dos recursos da plataforma SAP Hybris Marketing Cloud em que foi construído. Conversei com Stephan Samouillhan, vice-presidente de comércio digital na Keyrus, e ele me falou da importância disso para realizar ofertas mais assertivas para cada consumidor. Mais que isso, Samouillhan explicou que o grande desafio do varejo hoje é ter o acesso aos dados do consumidor e dos produtos a toda hora e em todo lugar, para incrementar as vendas.

Em outras palavras, a expectativa é que o vendedor de uma loja física tenha acesso a todo o perfil de compra de alguém que esteja atendendo para que possa fazer as melhores ofertas para aquele cliente. Seria quase como se o vendedor fosse o algoritmo, só que em carne e osso. Pois, com toda essa integração de sistemas, fica cada vez mais difícil aceitar que uma venda seja perdida porque o vendedor não tinha informação sobre o cliente, sobre o produto ou sobre as ofertas que poderiam ser oferecidas para aquela pessoa especificamente.

Foi-se o tempo em que essas decisões precisavam ser autorizadas por um gerente, com base apenas em sua intuição.

 

Produtos que ajudam na venda

As informações sobre o consumo das pessoas podem vir também dos próprios produtos, enquanto são usados! Elia Chatah, especialista em varejo da SAP, me falou sobre a experiência da fabricante de produtos esportivos Under Armour. A empresa desenvolveu um aplicativo capaz de coletar informações de diferentes “wearables” (equipamentos “vestíveis”, como relógios inteligentes) para rastrear padrões de consumo das pessoas, além de seus níveis de atividade física, qualidade de sono, entre outras métricas.

Graças a um sistema desenvolvido pela empresa com a SAP, a fabricante consegue, por exemplo, identificar o momento em que um dado consumidor precisa trocar seu tênis, pois ele já percorreu mais de 650 km com ele, distância em que o calçado já não protege mais o organismo do atleta adequadamente. Dessa forma, o consumidor pode ser informado que está na hora de comprar um novo.

Da mesma forma, o sistema pode identificar alterações no comportamento esportivo de uma dada população, tomando decisões de negócios a partir disso. Por exemplo, se a prática de corrida aumenta muito em uma dada cidade, a Under Armour saberá que precisa aumentar a venda de tênis de corrida para as lojas dessa região, pois mais pessoas procurarão por esse produto.

Como se vê, corremos a passos largos para um mundo em que nossos dados dizem muito sobre nós.

 

E a privacidade?

Diante de tudo isso, a pergunta natural é: como fica a nossa privacidade? Bom, o que posso dizer é: aceita que dói menos.

Não estou dizendo que temos que ser displicentes com nossos dados. Já escrevi aqui sobre a importância de cuidarmos muito bem das nossas informações pessoais, especialmente porque existem um monte de pilantras tentando nos enganar para práticas condenáveis e até criminosas usando nossas informações. Portanto, não podemos dar mole com isso.

Mas isso é diferente de inciativas com as descritas acima e tantas outras que já fazem parte do nosso cotidiano. Ou alguém aqui vai parar de usar o Facebook só porque ele nos conhece mais que nós mesmos, e usa essa informação para vender anúncios assertivos que aparecem no nosso feed de notícias? Ou vamos abandonar o Waze, só porque ele informa ao Google onde nós estamos em tempo real, não apenas para o próprio sistema funcionar, mas também para nos mandar ofertas baseadas em geolocalização?

Claro que não, certo?

O fato é que vivemos em uma época em que temos produtos e ofertas cada vez mais personalizados. Temos acesso a serviços que nos oferecem descontos no supermercado, fugir de congestionamentos, encontrar as informações que precisamos, falar rapidamente com qualquer pessoa, promover nossos serviços, e uma infinidade de outras coisas. Facilidades simplesmente inimagináveis há apenas dez anos, e que parecem nos ser ofertadas de graça.

Só que não existe almoço grátis. Pagamos, sim, por tudo isso. Mas a moeda são as nossas informações. E achamos isso uma troca justa!  Todos esses avanços tecnológicos estão promovendo, portanto, não apenas mudanças culturais maiúsculas, mas redefinindo alguns pilares do próprio capitalismo.

Precisamos apenas ficar atentos se o uso de nossas informações continua dentro daquilo que foi combinado. Se for assim, esse é realmente um jogo em que todos podem ganhar.


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Você não sai mais da Internet… ou é a Internet que não sai de você?

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Cena de “Matrix”: ao contrário do filme, a “vida online” é a nossa própria “vida real”, e isso pode ser bom! – Imagem: divulgação

Cena de “Matrix”: ao contrário do filme, a “vida online” é a nossa própria “vida real”, e isso pode ser bom!

Talvez você já tenha passado por isso: está animadamente conversando com alguém, quando, de repente, seu celular “acorda” sozinho. Na tela, o Google está esperando o seu comando de voz para pesquisar algo. Longe de ser um “bug” –afinal, você não invocou o dito cujo– isso reflete uma nova maneira de nos relacionarmos com o meio digital: mais que estarmos o tempo todo online por opção, está muito difícil nos desconectarmos, mesmo se quisermos. E isso é uma mudança maiúscula na vida de todos nós!

Eu me lembro que, lá nos primórdios da Internet comercial, em meados dos anos 1990, eu tinha um fetiche de estar online o tempo todo, pois eu achava que isso me daria uma sensação de onipresença e até de onisciência. Mas isso era impossível naquela época, pois não havia tecnologia de comunicação para tanto.


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Mas, de alguns anos para cá, isso é perfeitamente viável! Os principais responsáveis são nossos celulares, que carregamos o tempo todo e se tornaram computadores poderosíssimos, recheados de sensores e permanentemente pendurados na Internet.

Portanto, agora se vive um dilema contrário àquele meu desejo antigo: ficou muito difícil ficar off line, mesmo de vez em quando. Pois, além de estarmos conectados o tempo todo, estamos permanentemente produzindo –na maioria das vezes de forma involuntária e inconsciente– todo tipo de informação sobre nós mesmos. E esses dados vão direto para um número crescente de empresas, governos e instituições.

Em troca disso, recebemos uma infinidade de serviços que deixam nossas vidas mais fáceis, produtivas e divertidas. O problema é que, na prática, não temos nenhum controle do que farão com essas nossas pegadas digitais. E nem falei de cybercriminosos, que também podem estar nos monitorando.

Ficou preocupado? É melhor ir se acostumando, pois a tendência é que isso se acentue ainda mais.

Mas então não bastaria desligar o computador e deixar o celular em casa para ficarmos off line?

 

“Vigiados” o tempo todo

É verdade que os computadores foram a nossa primeira porta para a Internet, e os celulares nos mantêm conectados o tempo todo. Mas hoje eles estão longe de ser os únicos pontos de contato com o mundo digital. Cada vez mais, temos equipamentos a nossa volta permanentemente online e nos “monitorando”, prontos para nos fornecer todo tipo de serviço –e para coletar nossas informações.

Quer testar? Se você tiver um celular Android, experimente falar, do outro lado da sala, “Ok, Google”. Se seu celular for um iPhone, diga “E aí, Siri“. Esses comandos disparam os assistentes pessoais dos aparelhos, que ficam prontos para ouvir seus comandos por voz, quaisquer que sejam. E eles tentarão nos atender da melhor maneira possível.

Para que isso aconteça, o telefone está literalmente nos ouvindo o tempo todo. Mas o que mais ele está captando além de nossos comandos? Não estou sugerindo que Google ou Apple estejam violando a privacidade de seus clientes. Mas e quanto àqueles incontáveis aplicativos de terceiros que você instalou no celular: dá para confiar totalmente neles?

Outro aparelho presente em praticamente todos os lares vem ganhando espaço nessa arapongagem doméstica: a televisão. As smart TVs são verdadeiros computadores o tempo todo online. Muitas delas vêm equipadas com câmeras e podem ser controladas por voz. Dá até para ligar a TV falando com ela! Ou seja, assim como os smartphones, muitas das TVs também estão permanentemente nos escutando.

Portanto seria razoável perguntar o que impede que um hacker invada a sua TV e passe a ver e ouvir o que acontece na sua casa. Por isso, alguns fabricantes de TV sugerem que não façamos em frente à TV algo que possamos nos arrepender depois.

Entenda isso como quiser.

 

Incansáveis assistentes

O mais curioso dessa história toda é que as pessoas não veem nenhum problema nisso. Na verdade, os incríveis serviços que recebemos aparentemente fazem tudo valer a pena.

Tanto é assim que, nos EUA, a Amazon está puxando a fila de uma nova categoria de produtos: os assistentes digitais domésticos. Tratam-se de pequenos equipamentos de mesa que combinam microfone e alto falante conectados à Internet. Funcionam da mesma forma que os assistentes dos celulares, sempre prontos para ouvir nossos comandos e nos dar respostas imediatas instantaneamente.

Amazon Echo e Google Home

O produto da Amazon é o Echo, um pequeno cilindro negro de 23,5 cm de altura. O Google também já lançou o seu, o Home, ainda mais discreto: apenas 14 cm. Nenhum dos dois ainda é vendido no Brasil, mas funcionam se trazidos para cá.

Já há muitos outros aparelhos que se conectam à Internet para expandir seus recursos, como geladeiras e até carros! A tendência é que todos passem a ter funções controladas por voz, e coletem algum tipo de informação sobre os usuários. Possivelmente chegará a hora em que a nossa mobília estará online para nos brindar com algum recurso adicional!

Há ainda os “dispositivos vestíveis”, os “wearables”, normalmente lembrados pelos relógios smart e óculos de realidade aumentada. Mas eles vão muito além disso, como uma nova pulseira que mede, sem necessidade de coleta de sangue, o nível de glicose de diabéticos, ou um tênis que ajuda atletas a corrigir suas passadas. Tudo integrado com aplicativos no celular e, portanto, com dados prontos para serem compartilhados.

Isso é o que os analistas chamam de “terceira onda digital”, ou “era pós-digital”: um mundo em que a tecnologia está tão presente e tão integrada ao nosso cotidiano, que nos beneficiamos dela o tempo todo, sem mesmo nos darmos conta da sua existência.

Então não tem volta?

 

Simbiose digital

Quando penso que alimentamos uma enorme quantidade de sistemas de diferentes empresas com nossas informações, garantindo-lhes gordos lucros e troca de serviços, eu me lembro do filme Matrix (1999), das irmãs Wachowski. Mas felizmente a nossa realidade é muito menos terrível: nada de uma máquina que escraviza a humanidade, reduzindo-a a meros fornecedores de energia, em troca de uma ilusória “vida normal”.

Mas essa nossa vida online cada vez mais ubíqua se tornou, de fato, a nossa vida. Não existe mais separação da “vida presencial”. Na verdade, entendo que nunca houve isso, pois as duas são apenas diferentes representações de nossa única vida real.

A diferença é que agora estamos integrados, imersos, vinculados com o ciberespaço. Toda essa integração funciona como extensões do nosso próprio ser, dando-nos “poderes” que efetivamente expandem nossos limites.

Portanto, esse é um caminho que não tem volta. Conceitos de privacidade precisam ser revistos, diante da nossa tolerância o compartilhamento de nossa vida. Assim, não há solução para esse “problema”, pelo simples fato de que não há problema afinal. Então, se você é daqueles que tenta resistir a tudo isso, receio que sua tarefa ficará cada vez mais difícil.

Precisamos apenas ser conscientes dessa nossa realidade, para não passarmos por trouxas. Tudo isso pode mesmo ser muito legal e útil! Mas, da próxima vez que assistir à TV, lembre-se que talvez ela também esteja assistindo a você.

E daí curta a programação numa boa!


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Seus clientes estão lhe gritando o que fazer, mas você está ouvindo?

By | Jornalismo | 6 Comments

Imagem: Pixel Pro Photography South Africa / Creative Commons

Nesses tempos de “farinha pouca, meu pirão primeiro”, a concorrência está sempre em nosso encalço, e mesmo as ideias mais inovadoras parecem já estar sendo feitas para um monte de gente quando chegam ao mercado. Sobrevive quem encontra o caminho meio escondido para se destacar de maneira consistente no mar de mesmice. Isso lhe parece familiar?

Apesar de poucos terem sucesso nessa empreitada, todos nós temos excelentes consultores que nos ajudam nessa tarefa, e eles estão cada vez mais poderosos: nossos clientes. Infelizmente poucos são capazes de tirar proveito de suas dicas, porque não sabem, não conseguem ou simplesmente não querem fazer isso. E, por “ouvir o cliente”, não me refiro a se submeter àquela baboseira fundamentalista de “o cliente sempre tem razão” ou “o cliente é o rei”.


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Claro que o cliente deve ser bem tratado, mas isso não quer dizer que tudo o que ele pede deve ser lei, inclusive porque –infelizmente– muitos abusam dessa prerrogativa para todo tipo de exagero. Ao invés disso, devemos lhe oferecer um serviço cada vez mais personalizado e de alto valor agregado.

A boa notícia é que, graças à tecnologia digital onipresente, está cada vez mais fácil fazer essa entrega, fugindo dos eventuais abusos. Os clientes estão o tempo todo gritando o que devemos fazer, graças à enxurrada de informações que nos oferecem, que podem ser usadas para melhorar o nosso contato com eles, e lhes oferecer os produtos acima. O resultado são empresas faturando mais e clientes mais felizes e mais bem atendidos.

No final, é tudo relacionamento.

 

Use a tecnologia, mas seja humano

A ironia -e a beleza- disso tudo é que, apesar de devermos usar cada vez mais a tecnologia digital –Google, Facebook, aplicativos, entre tantos outros– para obtermos informações dos nossos clientes e estreitarmos nossos laços com eles, isso não quer dizer que podemos nos dar ao luxo de ser frios e impessoais. Na verdade, é exatamente o contrário: temos que tratar pessoas como pessoas, e não como números.

Apesar da aparente contradição, isso acontece porque as informações que os clientes nos fornecem permitem que os conheçamos mais que suas próprias mães! Conseguimos saber do que gostam, o que consomem, como, onde e de que forma compram, como se divertem e se informam, com quem se relacionam. Consegue-se saber onde os usuários estão, como no serviço Location History do Google Maps. Pode-se até traçar o perfil psicológico de alguém usando apenas as suas “curtidas” no Facebook, como no serviço Apply Magic Sauce,do Psychometrics Centre da Universidade de Cambridge (Reino Unido).

Nessas horas, muita gente fica de cabelo em pé, pensando nos riscos à privacidade do indivíduo. Sim, é claro que esse risco existe., e isso esbarra em limites éticos seríssimos. Se as empresas têm acesso a tanta informação do usuário, poderiam adotar práticas bastante questionáveis.

Felizmente não é necessário ultrapassar nenhum limite legal ou moral para criar um relacionamento personalizado e próximo com cada consumidor. Primeiramente porque as pessoas compartilham conscientemente (ou quase isso) grande quantidade de informação pessoal na esperança de receber serviços em troca.  Depois, graças ao “machine learning”, a capacidade de os sistemas aprenderem a conhecer melhor cada pessoa de maneira automatizada, pode-se criar e enviar ofertas incríveis e personalizadas sem comprometer a privacidade de ninguém.

Que tipo de ofertas incríveis e personalizadas podemos pensar? Inúmeras!

 

Falando sem abrir a boca

O cliente está indo à praia e seu protetor solar acabou? Envie uma boa oferta a seu celular no dia anterior da viagem, com um botão para compra imediata e entrega no mesmo dia. E, se tiver filhos, inclua também o produto infantil!

Outro exemplo: o casal vai ter um bebê? É menino ou menina? É o primeiro filho? Ajude os pais a montar o enxoval e, se necessário, comprar os móveis do quarto da criança e adaptar a casa para o futuro morador. E, quando estiver chegando o chá de bebê, participe desse momento tão importante fornecendo informações e tudo mais que for necessário.

São apenas dois exemplos simples de uma infinidade de casos associados a literalmente todo tipo de negócio. Entretanto o mais interessante disso tudo é que o cliente não precisaria ter contado isso a nenhuma empresa: as informações poderiam ter sido obtidas de diferentes bancos de dados e postagens públicas espalhadas pela Internet. É apenas uma questão de saber captar e processar todos esses dados.

Ou seja, o cliente pode lhe dizer muitíssimo sem dirigir a você uma mísera palavra. E onde isso pode chegar?

Sabe aquela sensação boa de ser atendido pelo dono da lojinha do bairro, que conhece cada um de seus clientes tão bem, que sempre acerta no que lhes oferece? Com a tecnologia digital, isso pode ser feito para milhares, milhões de consumidores: os sistemas podem indicar a cada um deles algo que realmente lhes seja relevante, no momento que eles precisam, no canal que lhe seja mais conveniente. Busca-se a situação ideal de ter o produto certo, para o cliente certo, no momento certo e no canal certo, o sonho do CRM!

Assim, não podemos ter milhares de vendedores, mas pessoas de verdade podem ensinar a máquina a tratar os clientes com empatia. Chegamos à época dos sistemas capazes de simular o dono da lojinha do bairro, com sua sabedoria e simpatia.

Se fizerem isso direito, podem até despertar emoções genuínas e positivas em pessoas de verdade.

 

Segurando o pulso do cliente

Isso não é ficção científica, nem conversinha mole de guru. Está acontecendo aqui, agora, possivelmente sendo usado pelo seu concorrente.

O excesso de oferta e essa mesma tecnologia criaram pessoas que querem tudo com melhor qualidade, mais barato, mais rapidamente e da maneira mais conveniente para as suas necessidades individuais. Mais que isso, os clientes estão menos tolerantes a falhas, e menos suscetíveis a ofertas que não se encaixem no seu perfil.

E eles fazem isso simplesmente porque podem! Então, se os clientes mudaram dramaticamente, por que as empresas, seus produtos e seu marketing continuariam os mesmos?

E-mail marketing, segmentação e clusterização de clientes, remarketing e outras bossas são ferramentas úteis e que trazer bons resultados. E pareciam tão modernas… até ontem!

A digitalização da nossa sociedade está abrindo enormes portas para que cada interação entre pessoas e pessoas, pessoas e empresas, pessoas e ideias seja valorizada e gere uma informação útil, pronta para ser usada. Hoje fazer as “perguntas certas” pode oferecer, a qualquer um, ideias para conquistar mentes e principalmente corações. Para empresas, isso significa criar ofertas mais assertivas e deixar a concorrência comendo poeira.

Não se trata de substituir pessoas por máquinas: as primeiras continuam comandando o processo. Mas os sistemas lhes permitem ganhar escala e dar a milhares de pessoas a mesma atenção que seriam capazes de dispensar a apenas algumas dezenas.

É um incrível momento em que marcas podem se conectar emocionalmente a pessoas, mantendo contato com elas desde que acordam até quando forem dormir. E isso de uma maneira leve, agradável, ética e útil para todos os envolvidos.

Que tal começar a ouvir os seus clientes agora mesmo?


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Você vai abandonar o PC em 2017? E a sua empresa?

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Imagem: reprodução

No dia 4, a Qualcomm lançou o Snapdragon 835, o mais poderoso processador para celulares já criado. Mais que simples curiosidade tecnológica, a novidade coloca mais um prego no caixão dos PCs e deve impulsionar ainda mais o poder de smartphones. Não é de se estranhar, portanto, que tanta gente esteja literalmente trocando seus computadores por celulares! Mas e as empresas (inclusive a sua), estão preparadas para lidar com essa mudança de hábito dos consumidores? Resposta: a esmagadora maioria não!

A substituição de computadores por smartphones está tão consolidada, que até já aparece nas estatísticas do IBGE. No fim de 2016, o órgão divulgou resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios que demonstraram que, pela primeira vez na história, a quantidade de residências brasileiras com computador diminuiu de um ano para o outro. Em sentido contrário, o número de domicílios com internet cresceu 20% em dois anos.


Vídeo relacionado:


Até há alguns anos, essas duas conclusões seriam contraditórias. Hoje fazem todo sentido. Isso porque a imensa maioria dos computadores comprados para residências no pais destinam-se a atividades simples, como pesquisas na Internet, conversas online e produção de textos. Até bem pouco tempo atrás, um computador era a única possibilidade de se fazer isso. Hoje os celulares cumprem essas tarefas tão bem ou até melhor que os PCs e trazem duas vantagens inegáveis: não precisam ser compartilhados com outros membros da família e estão conectados e prontos para uso o tempo todo, onde quer que estejamos.

Nossa vida está de tal forma integrada aos celulares que, se esquecemos nossa carteira em casa, damos um jeito para passar o dia sem ela, mas, se esquecemos o celular, voltamos para buscá-lo. Afinal de contas, as tarefas que desempenhamos com ele estão cada vez mais diversificadas e essenciais. Tanto que a GM usou esse comportamento no comercial abaixo, ainda em abril 2014:



É uma propaganda de carro, mas a coisa mais importante parece ser o celular! Ou seja, a capacidade de se conectar ao seu smartphone se transformou em um argumento de venda do Ônix, “um carro feito para os dias de hoje”.

E como ficam os PCs diante desse avanço dos celulares?

 

Agonia lenta

Não estou dizendo que o PC vai sumir totalmente ou que isso vai acontecer de uma hora para outra. Mas até um cego vê que as vendas de computadores despencando. Segundo o IDC, no Brasil, elas caíram 35% no terceiro trimestre de 2016 em relação ao mesmo período de 2015. Nas residências, o tombo foi de 38%.

O que ainda garante uma sobrevida aos computadores? Existem muitas tarefas que ainda são difíceis de ser executadas em dispositivos móveis, como smartphones e tablets.

Os empecilhos podem ser agrupados em três grandes grupos: interface (um mouse é muito mais preciso que nosso dedo), tamanho da tela e capacidade de processamento. Mas os primeiros vêm sendo resolvidos criativamente pelos designers de interface, enquanto que, para os segundos, as telas estão ficando cada vez maiores. Quanto ao poder da máquina, lançamentos como o da Qualcomm minimizam continuamente a vantagem dos PCs, até que ela desapareça por completo

Mas, como dito acima, para a imensa maioria das pessoas, os celulares atuais já dão conta do recado. Para elas, a conectividade é a coisa mais importante que existe.

Mas então o que as empresas estão fazendo para tirar proveito disso?

 

Primeiro no celular

Quando eu trabalhava no Estadão, lá pelos idos de 2010, começou a ficar popular o conceito de “digital first”, especialmente entre os veículos de comunicação (talvez para tentar compensar o seu imperdoável atraso nisso). Ele preconizava que as empresas, ao pensar em seu negócio, deveriam considerar, desde o primeiro momento, que ele deveria funcionar bem nos meios digitais. Na verdade, se fosse para escolher entre o online e o off line, o primeiro deveria ser privilegiado.

De lá para cá, o “digital first” foi substituído pelo “mobile first”. Ou seja, não basta funcionar bem nos meios digitais: tem que funcionar bem nos celulares. E aí a coisa fica feia.

As empresas já sabem, por exemplo, que precisam ter um bom site. Mas a maioria continua pensando nos computadores quando produzem seus sites. Então possuem uma ótima presença online na Web, mas apenas quando o site é visto em PCs. Se for aberto em um celular, muitas vezes fica inutilizável.

Um erro clássico é insistir em tecnologias ultrapassadas, como, por exemplo, o Flash. É verdade que ele foi fundamental para tornar a Web muito mais bonita e interativa há uns 20 anos, mas se tornou pesado e inseguro, acabando sendo banido dos celulares. Além do mais, hoje é possível fazer a mesma coisa com HTML 5, mais estável e leve. Então por que insistir no Flash?

O negócio é tão sério, que o Google penaliza sites que não aparecem bem em celulares, jogando-os para baixo nos resultados de seu buscador. Outro bom exemplo é The New York Times, que bloqueia o próprio site nos computadores da empresa. O objetivo: forçar os funcionários a usar os produtos nos celulares, para terem a mesma experiência que a maioria dos clientes.

Mas há ainda um outro tipo de erro comum na presença das companhias nos celulares.

 

Use bem a plataforma

Smartphones e tablets são equipamentos incríveis, que permitem aos desenvolvedores criar soluções inovadoras e muito úteis aos usuários, graças a uma enorme quantidade de sensores (como geolocalização), ao fato de se integrar com muitas bases de dados do proprietário (como informações do Facebook e do Google) e por estar continuamente online. Então por que muitas empresas insistem em oferecer aplicativos que se limitam a transpor para a telinha o que eles oferecem na Web?

Fazer isso é muito desperdício de potencial tecnológico! É como ter uma Ferrari e usá-la apenas para ir à padaria da esquina!

Aplicativos de e-commerce são um mau exemplo disso. A maioria não oferece nada além do que está em seu site. Francamente, para que desenvolver um app então?

Mas peguemos o exemplo da Amazon. Seu aplicativo tem um recurso bastante interessante:  quer comprar um produto que você está vendo na sua frente ou em uma imagem? Basta fotografá-lo com o aplicativo! Afinal, todos os celulares têm uma câmera. Em segundos ele o reconhecerá o item e dará o link direto para comprá-lo. Há ainda o caso da Amazon Go, as novas lojas físicas da empresa, em que o consumidor pega os produtos que quer e sai sem precisar passar pelo caixa, discutido aqui recentemente. Nelas, o celular tem um papel essencial na identificação do usuário.

Algumas empresas já aprenderam a se aproveitar da geolocalização –a capacidade do smartphone de saber onde o usuário está em tempo real. Dessa forma, sempre que o cliente se aproximar de uma loja física do varejista –ou de um concorrente– o celular pode jogar na tela uma oferta convincente, com base no perfil de compras do indivíduo.

Esses são apenas alguns exemplos mais óbvios de como qualquer negócio pode tirar muita vantagem dos celulares, mas poderíamos ficar aqui horas debatendo possibilidades para cada caso. Na maioria delas, nem é preciso um grande investimento. Cada vez mais, o único limite fica sendo a criatividade do dono do negócio e do desenvolvedor.

Portanto, pergunte a você mesmo e responda com sinceridade: o seu negócio já abraçou para valer os smartphones? Pois você e seus clientes já fizeram isso! Não dá para descolar uma coisa da outra.


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O que acontecerá quando o supermercado lhe entregar a compra que você NÃO fez?

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Homeplus, sistema da Tesco na Coreia do Sul, que permite que os consumidores façam compras na plataforma do metrô com seus celulares, apenas fotografando as imagens dos produtos, que são depois enviados a suas casas – imagem: divulgação

Homeplus, sistema da Tesco na Coreia do Sul, que permite que os consumidores façam compras na plataforma do metrô com seus celulares, apenas fotografando as imagens dos produtos, que são depois enviados a suas casas

Há alguns dias, a Amazon fez outro daqueles anúncios com potencial de chacoalhar o varejo: a Amazon Go, uma loja em que o consumidor simplesmente pega os produtos que quiser e sai, sem precisar passar por um caixa. Mas apesar de ser algo incrivelmente inovador, está longe de ser a única tecnologia que impactará profundamente a nossa maneira de fazer compras em um futuro próximo. E isso dá espaço a uma série de questionamentos éticos pela forma como afeta algo tão essencial a todos nós.

Para quem não sabe do que se trata, Amazon Go é o nome de uma cadeia de lojas físicas da gigante do e-commerce, cuja principal característica é a inexistência de caixas: o consumidor pega o que quer e vai embora. Ele é identificado por um aplicativo em seu smartphone e uma grande combinação de sensores da loja verifica o que o consumidor pega e quanto pega. Caso desista da compra, é só devolver o item à gôndola. Quando terminar, basta sair da loja e todos os produtos serão automaticamente cobrados no seu cartão de crédito.

O vídeo oficial abaixo demonstra bem o conceito:



A Amazon pretende abrir 2.000 lojas como essa. A primeira está prevista para o início de 2017 em Seattle (EUA), onde fica sua sede.

Para alguém que adora tecnologia, como eu, a Amazon Go é de encher os olhos. A princípio, o que se vê é uma incrível simplificação do ato de fazer compras, e uma grande agilidade no processo. Mas a iniciativa traz muito mais que isso, inclusive potenciais riscos de invasão de privacidade.

Foi-se o tempo que varejo era movido pela intuição do gerente da loja e pela lábia do vendedor. Há anos, já se guia por uma ciência própria, que embute cada vez mais tecnologia. Inúmeras variáveis são consideradas para escolher quais produtos oferecer em uma loja e como fazer isso, como o perfil do negócio, local onde está a loja, faixa etária, classe social e nível educacional de seus compradores, época do ano, entre tantos outros.

É por isso que não existem, por exemplo, duas Lojas Americanas iguais no mundo, apesar de todas pertencerem a uma mesma empresa. Os produtos oferecidos e sua distribuição podem variar dramaticamente de uma loja para outra, seguindo critérios como os indicados acima.

O objetivo de tudo isso: maximizar a receita e os lucros. E isso só é possível conhecendo muito bem seus clientes.

E aí a Amazon Go começa a mostrar a que veio.

 

Quer pagar quanto?

Não é de hoje que a Amazon é um incrível case sobre como obter informações de todo tipo de seus consumidores e as combinar de maneiras inteligentes, para criar ofertas muito mais atraentes. As pessoas acabam comprando lá, mesmo quando o preço não é o mais baixo. Tudo porque as ofertas são as mais assertivas, mais adequadas a cada cliente individualmente.  E isso graças à tecnologia.

Então chega a Amazon Go.

Para que funcione, ela precisa obrigatoriamente rastrear em detalhes tudo que o consumidor faz enquanto estiver dentro da loja. Isso não apenas evita furtos, como também garante que produtos selecionados sejam cobrados e que, por outro lado, o consumidor não pague por algo que não levou.

Só que, ao mesmo tempo, a Amazon coleta informações valiosíssimas sobre os hábitos de consumo dos usuários: o que compram frequentemente, o que compram eventualmente, qual a sequência de compras, o que é adquirido sem pestanejar e o que só acontece depois de alguma reflexão ou relutância, combinação de produtos adquiridos, frequência com que cada item é comprado, entre muitas outras coisas.

Para uma empresa que é conhecida como “a loja que vende de tudo” (apesar de que isso obviamente não será verdade nas lojas da Amazon Go), essa informação é valiosíssima, não apenas para organizar a oferta de produtos e de preços em cada ponto de venda e o estoque nos depósitos, como também para criar uma experiência de compra mais eficiente para cada consumidor.

Costuma-se dizer que existe uma Amazon para cada cliente, e isso não é um exagero. Transpondo isso para as lojas físicas desse projeto, o consumidor poderia ser avisado que está chegando a hora de reabastecer alguns itens de sua despensa. Mais que isso: supondo que as etiquetas de preço na loja fossem compostas por pequenas telas de cristal líquido, seria possível alterar dinamicamente o preço de acordo com o consumidor que estivesse olhando para cada produto.

Como? Se se tratar de um item que o consumidor sempre compra, exibe-se o preço “cheio”; se for algo que exige dele um pouco mais de reflexão, pode-se oferecer um desconto, “para fechar negócio”. Isso já acontece no e-commerce, mas agora pode começar a acontecer também no varejo físico.

Não será mais conversa fiada de vendedor quando ele disser que “esse preço é só para você!”

 

Conhecendo o consumidor como ninguém

No final das contas, a turma de Jeff Bezos faz tudo para não perder um negócio, abusando de toda a tecnologia disponível para isso. A entrega em até 30 minutos por drones, que já vem sendo anunciada há anos, literalmente decolou no início deste mês, com os primeiros testes de entregas reais na Inglaterra, como pode ser visto abaixo:



Como já foi dito antes, nem sempre o preço será o mais baixo, mas receber um produto tão rapidamente –às vezes mais que a ida a uma loja no bairro– é um atrativo inegável. E as empresas de comércio eletrônico sabem que o prazo de entrega pode ser o fator de desempate para o consumidor comprar de uma loja e não de um concorrente, que oferece o mesmo produto pelo mesmo preço.

Nesse sentido, tão ou mais ousado que a entrega por drones é o conceito de “remessa antecipada”, patenteada pela mesma Amazon no final de 2013. Funciona da seguinte maneira: os servidores da empresa tentam “adivinhar” compras de seus consumidores antes que elas tenham sido sequer feitas –e sem qualquer garantia que elas sejam efetivadas. De posse dessa informação, eles verificam se o produto está disponível no centro de distribuição da companhia mais próximo da residência do comprador em potencial. Caso não esteja, ele é enviado para lá antes que o pedido seja concretizado. O objetivo: ganhar alguns dias no prazo de entrega para cada caso e, dessa forma, vencer a concorrência nesse quesito.

Parece exagerado? Jeff Bezos acha que não. Se a informação para até mesmo antecipar o que o consumidor deseja existe, e a tecnologia para extraí-la está disponível, por que não aproveitar isso para fechar vendas?

Um outro exemplo tecnológico no melhor estilo “de grão em grão a galinha enche o papo” é o da Kiva Systems, uma empresa americana que cria robôs e sistemas de organização inteligente de grandes centros de distribuição.

No modelo tradicional desses depósitos, metade do tempo dos funcionários se consome com o pessoal literalmente andando até as prateleiras para buscar os itens que serão entregues. A Kiva criou um sistema inovador que, ao invés disso, robôs trazem as prateleiras inteiras com os produtos até os funcionários responsáveis pelo despacho, economizando muito tempo.

Mas o mais surpreendente é a devolução das prateleiras: o sistema está constantemente reorganizado o lugar delas no depósito com base no volume de pedidos de cada item individualmente. Como exemplo, se o Dia dos Namorados está chegando, as prateleiras de produtos de grande saída nessa data vão sendo, aos poucos, reposicionadas pelos robôs perto das esteiras de despacho. Tudo para ganhar preciosos minutos. Passado esse dia, tais produtos voltam a ser colocados mais para o fundo do centro de distribuição, abrindo o “espaço nobre” para outros itens, com mais demanda no novo período.

O vídeo abaixo ilustra bem isso:



O sistema traz benefícios tão claros que, em 2012 a empresa foi comprada por US$ 775 milhões. Adivinham o comparador? Uma dica: seu nome começa com “A” e termina com “mazon”. E a Kiva foi rebatizada de Amazon Robotics.

 

Case brasileiro na Copa do Mundo

No Brasil, também temos exemplos muito criativos –e ousados– do uso de tecnologia para vendas. E a Netshoes puxa essa fila.

Na Copa do Mundo no Brasil, a empresa ganhou destaque na imprensa e nas redes sociais com uma inusitada campanha. Pouco antes da competição, um grupo muito bem selecionado de clientes recebeu uma caixa especial da empresa contendo uma camisa oficial da Seleção Brasileira do tamanho de cada um desses clientes e com seu nome estampado atrás, além de uma Brazuca, a bola oficial daquela Copa.

Um detalhe interessante: nenhum dos clientes tinha pedido aquilo, e não era um presente. Junto com os produtos, foram instruções para pagar pelo pacote, uma conta que se aproximava de R$ 500. Caso o cliente não o quisesse, a empresa buscava a caixa, sem nenhum custo para o consumidor.

Qualquer um diria que se tratava de uma operação extremamente arriscada pela alta chance de rejeição e os custos associados. Advogados arrancariam os cabelos, pois, pelo Código de Defesa do Consumidor, o envio de produtos não solicitados configura uma amostra grátis.

Mas a campanha foi incrivelmente bem-sucedida! Uma porcentagem bastante alta dos consumidores não apenas topou pagar por aquilo, como ainda ficou extremamente feliz com o fato de “a Netshoes ter se lembrado deles”. Muitos chegaram até mesmo a viralizar a campanha, gravando vídeos e postando nas redes sociais. Apenas uma pessoa ficou muita brava com aquilo: acabou ficando com os produtos de graça, “em nome do bom relacionamento com a marca”.

Assim como nos casos acima da Amazon, o sucesso da Netshoes só aconteceu por um uso criativo e criterioso de tecnologia e de informações coletadas dos clientes: eles sabiam exatamente para quem estavam enviando sua caixa, e que existia uma grande chance de eles aceitarem a oferta.

 

Questões éticas

Vendo tudo isso, o futuro parece brilhante para consumidores e varejistas. E quero acreditar que, no final das contas, os resultados serão mesmo positivos. Mas há algumas coisas a serem considerados.

Se o varejo sabe tanto sobre nós a ponto de nos enviar produtos não solicitados (e as pessoas acharem isso o máximo), quanto falta para que as nossas compras sejam feitas automaticamente? E, por isso, eu quero dizer que não tenhamos mais que nos preocupar com isso: os próprios varejistas identificarão nossas necessidades, selecionarão os produtos, enviarão a encomenda a nossas casas e debitarão tudo em nosso cartão de crédito. Sem nenhuma intervenção nossa.

Certamente essa é uma comodidade e tanto! Mas o que impediria o varejista de, por exemplo, começar a oferecer não exatamente o que seria mais interessante ao consumidor, e sim o que fosse mais conveniente para ele? Só para ficar em exemplos simples, seleção de marcas que estejam com estoque muito alto ou que lhe paguem pela “seleção preferencial”.

Honestamente entendo que isso acontecerá inevitavelmente: é apenas uma questão de tempo. Mas, quando isso acontecer, seremos capazes de perceber essa eventual manipulação? Já que estamos caminhando para isso –e tudo isso pode nos trazer muitos benefícios reais– precisamos estar atentos.

Afinal, todo tipo de informação nossa, inclusive de consumo, já está “voando” por aí. E pensar que ainda tem gente que não quer informar o CPF para emitir a nota fiscal, com medo de que o governo descubra o que ele está comprando…

“Sabe de nada, inocente!”


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As crianças enterraram a TV. E daí?

By | Educação, Tecnologia | One Comment
A youtuber Kéfera Buchmann, do canal 5incominutos, que faz gigantesco sucesso  entre as adolescentes – Imagem: divulgação

A youtuber Kéfera Buchmann, do canal 5incominutos, que faz gigantesco sucesso entre as adolescentes

Nunca as crianças consumiram tanto vídeo quanto agora. O formato está cada vez mais consolidado, valendo também para os adultos. Só que, ao contrário do que acontece com eles, para os pequenos, ver vídeo virou sinônimo de YouTube. E, longe de ser apenas uma questão de mídia, isso é algo que também deve preocupar pais, educadores e profissionais de marketing e de negócios, pois traz questionamentos muito sérios e diversos.

Afinal, tanto YouTube pode alienar ou viciar as crianças? É a nova “babá eletrônica”? O serviço pode ameaçar as emissoras ou até mesmo os fabricantes de TV? Isso pode disfarçar publicidade infantil?

O fato é que, até setembro, crianças de zero a 12 anos brasileiras viram impressionantes 52,2 bilhões de vídeos no YouTube, considerando-se os 230 canais mais populares nessa faixa etária. Os números foram revelados pela segunda edição da pesquisa “Geração YouTube”, divulgada no dia 5 pelo ESPM Média Lab. Desde a sua primeira edição, publicada em novembro passado, o aumento nessas visualizações foi de 184%. Isso em um espaço de menos de um ano!

Nesta sexta, participei do JC Debate, da TV Cultura, onde pude conversar sobre isso com a jornalista Andresa Boni e com o advogado Márcio Mello Chaves. A íntegra do programa (30 minutos) pode ser vista abaixo:


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Além da audiência e do seu crescimento espantosos, o fenômeno inclui outra característica muito relevante: apesar de as crianças adorarem vídeos, elas simplesmente não os assistem no aparelho de televisão. Aquela tela enorme, normalmente na sala ou no quarto, não faz muito sentido para elas. E o mesmo vale para as emissoras.

Para as crianças, vídeo é vídeo, seja ele da TV aberta, da TV por assinatura ou de qualquer serviço digital. Mas todos eles, qualquer que seja sua origem, são vistos no YouTube. E o equipamento preferido é, de longe, o smartphone.

Isso explica em parte esse crescimento explosivo: as crianças, cada vez mais, têm acesso a esse aparelho, muitas vezes de sua propriedade (e não mais dos pais). Dessa forma, carregam o dito cujo para todo lugar e a todo momento, inclusive longe da supervisão paterna. E ver os vídeos passa a ser uma atividade constante, especialmente diante do aumento e da profissionalização dos tipos de canais preferidos: games, youtubers mirins  e youtubers teens.

É tudo uma questão de identificação!

 

“Eu falo como você fala!”

Todos nós consumimos conteúdos com os quais nos identificamos. Com as crianças funciona do mesmo jeito.

No caso dos canais de games, as crianças querem ver como outras crianças jogam os seus títulos preferidos, seja como um passatempo, seja para aprender a jogá-los melhor ou superar fases difíceis. E nada melhor que outra criança para explicar isso.

A identificação de linguagem e assunto é o que impulsiona os canais dos youtubers mirins e teens. Essa turma grava vídeos aparentemente sem uma pauta muito clara: falam para a câmera sobre suas experiências pessoais, alegrias, angústias, dúvidas relativas à idade. Sem filtros e, muitas vezes, até sem planejamento. Esse estilo despojado e natural, e os temas que também fazem parte das vidas do público são o segredo do sucesso. Alguns youtubers teens nem pertencem mais a essa faixa etária, mas continuam se relacionando muito bem com adolescentes, pois sabem como e o que falar com eles.

Portanto essa identificação confere a esses youtubers uma credibilidade que pais e educadores simplesmente não conseguem ter, o que muitas vezes deixa esses adultos de cabelo em pé, por desaprovarem o linguajar e o conteúdo dos vídeos.

E essa credibilidade pode ser usada também para objetivos questionáveis.

 

Publicidade eficiente e polêmica

A pesquisa do ESPM Media Lab também indicou um surreal crescimento de 975% nos canais da categoria “unboxing” desde a última pesquisa, de longe a que mais evoluiu. Para quem não sabe do que isso trata, são canais em que crianças e adolescentes, acompanhadas ou não por adultos, tiram produtos (normalmente brinquedos) das suas caixas diante das câmeras (daí o nome em inglês).

A atividade surgiu em canais estrangeiros de tecnologia, em que youtubers faziam análises técnicas de produtos, orientando compras de seu público. Mas rapidamente caiu no gosto das crianças, pois mostrar seus brinquedos aos amigos é uma atividade que os pequenos fazem naturalmente, desde sempre. A diferença é que, se antes a audiência dessas demonstrações ficava restrita a coleguinhas em casa ou na escola, com os vídeos digitais ela passa a ser potencialmente global.

Até aí, nenhum problema. Mas a coisa começou a complicar quando algumas empresas começaram a perceber que poderiam começar a “presentear” os youtubers mirins com seus produtos, para que eles fizessem seu “unboxing”. Trocando em miúdos, as crianças, que são formadoras de opinião nesse meio, passaram a fazer uma eficientíssima propaganda, o que caiu como uma luva para as companhias, especialmente em tempos de grande restrição à publicidade direcionada a crianças.

Isso tem gerado um caloroso debate. Apesar de alguns desses canais serem obviamente patrocinados, dada a incrível qualidade na sua produção, como diferenciar uma criança que está legitimamente exercendo seu direito de mostrar brinquedos de outra que está sendo usada como ferramenta de marketing? A BBC fez uma ótima reportagem sobre isso há alguns meses, para a qual fui entrevistado.

As crianças estão rompendo paradigmas. E a TV pode ser a próxima vítima.


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Adeus TV! Olá YouTube!

Nessa combinação incrível de YouTube com smartphones, a antiga dupla dinâmica formada pelas emissoras e pelos aparelhos de TV pode estar com os dias contados. Pois os adolescentes e especialmente as crianças, que deveriam ser seus futuros consumidores, simplesmente as ignoram. Para eles, aquilo é uma caixa anacrônica e pouco atraente.

O principal desalinhamento acontece em um ponto central do modelo de negócio das emissoras: a grade de programação. Os jovens não conseguem entender porque têm que esperar o “horário certo” para assistir um determinado programa. Para eles, o horário certo é aquele em que eles querem ver o programa, qualquer que seja.

As emissoras estão se mexendo, ainda que muito tardiamente, só porque sentiram a água gelada em seus fundilhos. A maioria delas já tem aplicativos para computadores e dispositivos móveis em que se pode ver a programação a qualquer momento. Mas é uma solução mambembe, pois o programa só é liberado online depois de ter passado na telona. Ou seja, não resolve o problema da grade. Por que preciso esperar uma semana para, por exemplo, assistir a um novo episódio de Game of Thrones no HBO Go, se a temporada inteira já está pronta?

Sei que não dá para fazer isso com uma novela, que chega a ter 200 capítulos, e o nível de liberação dos novos acontece apenas poucos dias após sua gravação. Mas para, por exemplo, séries de 10 ou 20 episódios, não faz o menor sentido. E justiça seja feita, a Globo tem feito alguns experimentos interessantes com o seu aplicativo Globo Play, mas ainda insuficientes para atender às demandas de um público cada vez mais exigente.

Outro ponto de discórdia entre a TV e os jovens é a interrupção dos programas para comerciais. Eles estão acostumados a novas formas de monetização, inclusive com um controle enorme sobre os próprios comerciais. E esse é outro ponto que bate de frente com o modelo de negócios cristalizado das emissoras.

Por fim, há ainda a questão da privacidade. Crianças e adolescentes querem assistir a seus vídeos em paz. Leia-se: sem que seus pais fiquem controlando o que consomem. Os smartphones são perfeitos para isso. Já as TVs, que estão, aliás, cada vez maiores, se tornam inadequadas.

Como se pode ver, é uma situação delicadíssima e muito difícil de ser resolvida, pois a TV atender essas demandas significaria matar um negócio que, a despeito de uma contínua queda na audiência, ainda vai muito bem, abocanhando mais de metade de todo o bolo publicitário entre todas as mídias.

Mas um dia essas crianças crescerão. E seus pais não estarão mais aqui para continuar vendo TV. Para elas, quem está mandando muito bem e indicando o caminho a seguir, desde já, é o YouTube.

E é como eu sempre digo: quer prever o futuro? Olhe para as crianças agora.


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Sua privacidade já era: acostume-se a isso!

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Até James Bond se rendeu aos recursos dos smartphones em seus últimos filmes  - imagens: divulgação

Até James Bond se rendeu aos recursos dos smartphones em seus últimos filmes

No meio do noticiário olímpico onipresente, o pessoal achou espaço para mais uma teoria da conspiração: o Pokémon GO, game que virou febre, seria uma forma de a CIA espionar todo mundo, até fotografar nossas casas. Claro que é uma bobagem! Mas é fato que muita gente sabe muita coisa sobre todos nós. E isso deve piorar! A questão é: dá para escapar disso?

Foi-se o tempo que as empresas conheciam apenas nosso nome e endereço para mandar mala-direta. É possível que, por exemplo, algumas dezenas de empresas saibam exatamente onde você está nesse momento. E provavelmente estão tirando proveito comercial disso! Seu smartphone e os aplicativos instalados são os mecanismos para esse eficientíssimo “Big Brother”, mas somos nós mesmos que graciosamente entregamos nossa informação de bandeja.

Por que fazemos isso? Será que ficamos todos malucos?


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Claro que não!

Vivemos, entretanto, em uma nova realidade em que empresas e governos estão descobrindo maneiras criativas de coletar o que temos de mais caro: nossas informações. Não estou me referindo a nome, CPF e endereço, informações básicas que podem ser compradas de bancos de dados piratas há muitos anos. Nesse novo cenário mundial, coisas muito mais valiosas são coletadas e atualizadas continuamente: onde estamos (e estivemos), o que fazemos, do que gostamos, com quem nos relacionamos, o que consumimos, e uma infinidade de preferências pessoais. E tudo isso em um amplo espectro pessoal, profissional e social.

Há ainda uma diferença fundamental entre os bancos de dados piratas e a coleta digital: se antes o fato de descobrirmos que empresas tinham nossas informações gerava desconforto e até desconfiança, agora nós lhes entregamos tudo sobre nós, felizes e de maneira voluntária. Mas não necessariamente consciente.

Essa aparente contradição no que acontece bem debaixo do nosso nariz (ou dos nossos dedos) existe porque, em troca de nossos dados, as empresas nos oferecem uma infinidade de serviços, alguns deles muitos bacanas, outros de interesse duvidoso. Tudo sob a falsa premissa de que são gratuitos.

Não são: estamos pagando com nossas pegadas digitais. E achamos isso uma troca justa.

 

Você é o que você gosta

O truque é simples. Por exemplo, para poder jogar Pokémon GO, o usuário precisa permitir que o jogo acesse, em seu smartphone, o GPS (para a geolocalização o encaminhar aos monstrinhos virtuais), a câmera (para a realidade aumentada), o conteúdo de mensagens e o monitoramento das atividades no app (para a dinâmica do jogo), além do IP e do modelo do smartphone. O bloqueio do acesso a qualquer um deles faz o jogo não funcionar. E ninguém parece estar disposto a fazer isso e ficar de fora do mais recente fenômeno dos games.

Assim, para jogar, todo mundo entrega essas informações aos seus desenvolvedores. Só que, além de servir para o jogo, esses dados podem ser usados para outros fins. E está tudo descrito nos termos de uso do serviço, aquele enorme documento que ninguém lê.

A Nintendo e a Niantic, donas do game, agradecem a gentil colaboração.

O pior é que o Pokémon GO nem é o aplicativo que mais coleta dados do usuário. Ok, é mais bisbilhoteiro que, por exemplo, o WhatsApp (que exige apenas acesso ao número do telefone e a sua lista de contatos), mas perde do Instagram (que capta GPS, câmera, contatos, IP, número do celular, mensagens e atividades do app) e do Facebook (que coleta tudo isso, mais operadora de telefonia e modelo do aparelho).

Mas o mesmo Facebook vai muitíssimo além do que o smartphone lhe informa. Seu grande trunfo está no rastreamento e análise de tudo que o usuário faz dentro de seus próprios produtos. Até os prosaicos botões de “curtir”, que você clica dezenas de vezes ao dia na própria rede social ou em sites que o incorporam, são suficientes para o Facebook conhecer você talvez melhor que sua mãe.

Isso foi escancarado no site Apply Magic Sauce, criado pela Psychometrics Centre da Universidade de Cambridge (Reino Unido). Analisando apenas suas curtidas no Facebook, o site cria um surpreendente perfil psicológico do usuário em poucos segundos. Agora pense: se um site independente é capaz disso, imagine o que a própria rede de Mark Zuckerberg, detentora de toda essa informação, consegue fazer?

E nem falamos do Google, uma empresa que pode fazer tudo isso parecer brincadeira de criança…

 

Caminho sem volta

Longe de ser apenas uma grande sacada técnica e de negócios, essa troca de serviços por dados íntimos que alimentam algoritmos cada vez mais eficientes de análise do Big Data é um fenômeno social impressionante. Somos monitorados continuamente por uma quantidade crescente de agentes e somos levados a crer que isso é a coisa mais normal do mundo.

Nossa privacidade já era! Empresas estão prontas para antecipar nossos movimentos e necessidades e, claro, nos vender produtos e serviços que, por isso mesmo, deixam nossas vidas mais fáceis e divertidas. A coisa está tão bem amarrada, que fica difícil dizer que, afinal, há algo de ruim nessa nova ordem mundial.

Uma premissa, entretanto, jamais poderia ser desrespeitada: essas ofertas sempre deveriam focar naquilo que fosse o melhor para o usuário, e não para os interesses das companhias. Caso contrário, corremos o risco de nos tornarmos zumbis consumistas controlados por grandes corporações. Nosso livre arbítrio seria colocado em risco, pois passaríamos a viver em uma versão filtrada do mundo.

Será que estamos seguros contra isso?


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Existe uma ética verdadeira nas redes sociais?

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Foto: reprodução

Quais os direitos e deveres que uma empresa tem sobre as informações que seus clientes lhe confiam? Em tempos em que as redes sociais ocupam um papel central em nossas vidas, essa pergunta é fundamental e serve como base para outras, como até que ponto ela pode se recusar a ajudar a Justiça, alegando proteção à privacidade dos seus usuários? Mais que isso: um sistema pode manipular as pessoas?

As empresas podem dizer que tudo está descrito nos seus “termos de uso”, documentos com os quais todos nós concordamos ao começar a usá-las. Mas sejamos sinceros: ninguém lê aquilo! E, caso leia, nem sempre fica claro o que está escrito ali. Por exemplo, você sabia que, de acordo com os termos do Facebook, ele tem direito a usar qualquer coisa que publiquemos na sua rede (incluindo fotos e vídeos), sem nos pagar nada?


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Há alguns dias, o WhatsApp anunciou que toda a comunicação entre seus usuários passou a ser criptografada de ponta a ponta. Em tese, isso significa que ninguém, além dos próprios interlocutores, podem entender o que está sendo dito, mesmo que a informação seja interceptada.

A empresa afirma que, com isso, nem ela mesma é capaz de decodificar essa informação. É um álibi técnico muito interessante contra as constantes determinações judiciais para informar às autoridades o conteúdo de conversas entre usuários que estão sendo investigados. O Facebook, dono do WhatsApp, tradicionalmente se recusa a cooperar, alegando respeito à privacidade dos usuários. E isso regularmente evolui para batalhas jurídicas, como a que tirou o WhatsApp do ar no Brasil por 12 horas, em dezembro passado.

O cuidado com a privacidade e a integridade dos dados de usuários é mais que bem-vinda: é fundamental! Então, se as empresas estão cumprindo a promessa de não os compartilhar com ninguém, nem mesmo com o governo, isso deve ser comemorado!

Entretanto, sem entrar no mérito de que podemos supor que nem todas fazem isso, é razoável perguntar: o que as próprias empresas fazem com tanta informação pessoal, inclusive muitas intimidades, que lhes entregamos graciosamente?

 

Apaixonando-se pelo sistema

Psicólogos diriam que qualquer relação em que apenas um dos lados sabe muito do outro é desequilibrada, e potencialmente condenada por isso. Mas é exatamente assim que nos relacionamos com as redes sociais, que provavelmente nos conhecem melhor que nossas próprias mães.

Isso foi brilhantemente ilustrado no filme “Ela” (“Her”, 2013), de Spike Jonze. Para quem não viu o filme (que recomendo fortemente), ele conta a história, que se passa em um futuro próximo, do romance entre o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) e Samantha (voz de Scarlett Johansson).

Acontece que Samantha não é uma pessoa: é o sistema operacional que controla o computador e o smartphone de Theodore, tendo acesso a todo tipo de informação dele. O humano se apaixona pelo sistema de inteligência artificial, e é correspondido por ela! Alguns podem achar isso impossível ou até mesmo uma perversão. Mas, ao assistir ao filme, é muito difícil não se apaixonar também! E não pense que Samantha faz tudo que Theodore queira: ela também diz não e demonstra sentimentos como insegurança, ciúmes e raiva. Mas tudo isso é feito de acordo com o que Theodore espera de uma mulher.

Pobre Theodore! Samantha sabe tudo sobre ele, e ele não sabe nada sobre ela.

 

Não é pessoal, são apenas negócios

De volta ao mundo real, várias empresas são candidatas a nossas “Samanthas”. Facebook e Google são, de longe, as que mais sabem sobre nós, mas Apple e Amazon não fazem feio nesse pelotão de elite. E há uma infinidade de outras empresas que também são capazes de traçar nossos perfis psicológicos e de consumo a partir de nossas pegadas digitais, que, cada vez mais abundantemente, deixamos por aí.

Essas empresas certamente podem nos influenciar para, por exemplo, comprar um produto, em uma nova e eficientíssima forma de marketing. E são capazes até de manipular algumas emoções nossas. Não como Samantha! Mas o Facebook já fez algo nessa linha.

Em 2012, Adam Kramer, pesquisador da empresa, demonstrou ser possível “transferir estados emocionais” a pessoas simplesmente manipulando o que elas veem online. Por análise semântica, os feeds de notícias de 689.003 usuários foram manipulados pelo sistema por uma semana. Metade deles ficou sem receber posts negativos; a outra metade não viu nada positivo. Ao final, o cientista concluiu que pessoas expostas a posts positivos tendiam a fazer posts mais positivos, enquanto as expostas a posts negativos tendiam a fazer posts mais negativos! Ou seja, Kramer atuou decisivamente no humor de quase 700 mil pessoas, apenas manipulando o que viam no Facebook! O estudo foi publicado na prestigiosa “Proceedings of the National Academy of Sciences of USA”.

Mas as empresas não querem que nos apaixonemos por elas: querem apenas que compremos os produtos e serviços que elas promovem.

Como diz o ditado, “não existe almoço grátis”. Todas essas empresas nos oferecem uma infinidade de produtos incríveis aparentemente sem nenhum custo. Mas não se engane, se você não está pagando, você não é o cliente: você é o produto!

Somos influenciados, conduzidos, e sabemos disso. Mas continuamos cedendo nossa informação e usando os produtos, pois não dá mais para imaginar a vida sem eles. Ou alguém deixará de usar o seu smartphone, a mais perfeita máquina de coleta de dados pessoais, que carregamos conosco o tempo todo?

Tais empresas estão erradas em fazer isso? Provavelmente não. Elas realmente nos oferecem produtos e serviços incríveis (e um outro tanto de quinquilharias) sem que tenhamos que explicitamente pagar por eles. Mas isso tem um custo. Pagamos contando-lhes o que somos.

Se existe realmente uma ética, tudo tem limite. E é esse limite que diz se o que elas fazem é certo ou errado. Não há problema em fazer uma publicidade muito assertiva. O que não é aceitável é a manipulação das pessoas.

Então, da próxima vez que estiver usando seu smartphone ou a sua rede social preferida, tente manter o controle da sua experiência e não acredite piamente em tudo que vir. Será que você consegue?


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Como a guerra entre Apple e o FBI pode acabar de vez com a sua privacidade

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Composição de imagens de divulgação/Apple e Federal Bureau of Investigation

Tim Cook, CEO da Apple (à esquerda), e agente do FBI:

No dia 16, a Justiça americana determinou que a Apple ajudasse o FBI a invadir um iPhone para recuperar informações nele, mas a empresa se recusou formal e publicamente. Pode parecer um pedido simples e uma recusa tola, mas o desenrolar desse caso pode abrir caminho para questões técnicas e judiciais que afetariam severamente a vida de qualquer pessoa no mundo com um celular, e não apenas iPhones. Isso inclui você!


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Para quem não sabe do que trata o caso, o telefone em questão pertencia a Syed Farook, um dos dois terroristas que mataram 14 pessoas na cidade americana de San Bernardino, no dia 2 de dezembro. O FBI acredita que os terroristas tinham ligações com o grupo Estado Islâmico, e que o telefone pode conter informações importantes para a investigação.

Um pouco de tecnicismo necessário: acontece que o iPhone, modelo 5C, está protegido por senha. E o iOS, sistema operacional dos iPhones e iPads, possui quatro importantes características de segurança a partir da sua versão 8, exatamente a que controla aquele aparelho: ele apaga todo o conteúdo no smartphone após dez tentativas de digitação de senha erradas em seguida, a senha só pode ser digitada manualmente na tela, toda a informação ali guardada é criptografada (ou seja, “embaralhada” a ponto de ficar ilegível sem a senha) e, talvez a mais importante de todas, a Apple afirma não ter nenhuma “chave” que lhe permita abrir um iPhone.

Colocando em termos simples, o FBI está com medo de forçar a fechadura e perder toda a informação do aparelho, e a Apple afirma que ela não tem meios para ajudar.

Na verdade, a coisa não é tão simples: trata-se de uma batalha tecnológica, jurídica e de marketing, com poder para impactar todo mundo.

O FBI exige que a Apple crie uma nova versão do iOS, que funcione apenas naquele iPhone e que derrube todos os entraves descritos acima, para que ele conecte o telefone a um supercomputador e, usando força bruta de processamento, acabe descobrindo a senha, sem correr riscos de perder os dados do aparelho. Especialistas em tecnologia afirmam que a empresa seria capaz de fazer isso. Portanto o FBI tem pontos válidos.

A Apple, por sua vez, diz que não, e que tais recursos de segurança foram incluídos para justamente nunca ser obrigada a atender a pedidos como esse. Mas a empresa vai mais longe! Afirma que não consegue atender ao pedido, mas que, caso conseguisse, isso criaria um “backdoor” (termo técnico para um sistema que permite invasão e controle de um computador à distância), e que não teria como garantir que o sistema não fosse depois usado a bel prazer pelo governo ou por hackers. A empresa também argumenta, com razão, que isso abriria um perigosíssimo precedente legal para que governos de todo o mundo começassem a exigir, de empresas de tecnologia, a invasão da privacidade de seus usuários. Tim, Cook, CEO da Apple, chegou a publicar uma carta aberta, em que termina afirmando que a exigência “poderia prejudicar a independência e a liberdade que nosso governo deve proteger.”

Em um mundo em que todos nós, cada vez mais, usamos nossos smartphones para realizar as mais diversas tarefas e guardar as informações mais íntimas e preciosas, um sistema que potencialmente permitisse a governos ou criminosos invadir qualquer telefone no mundo teria o mesmo efeito devastador da abertura da mitológica Caixa de Pandora.

Segundo a mitologia grega, sua abertura deixou escapar todos os males do mundo, permanecendo guardada nela apenas a esperança.

 

Duelo de titãs

Os dois lados têm, portanto, argumentos sólidos e válidos. A Apple possui, todavia, um supertrunfo que, na minha opinião, liquida todos os demais: o compromisso de manter a privacidade de seus usuários.

Não sejamos inocentes: a própria Apple, o Google, o Facebook e muitas outras empresas de tecnologia nos rastreiam cada vez mais, obtendo informações o tempo todo sobre quem somos e o que fazemos para ganhar dinheiro das mais diferentes formas com tais dados. Ainda assim, a Apple está se posicionando como uma defensora da privacidade de seus consumidores (na verdade, quase que se coloca como uma porta-voz de todas essas companhias) e, de quebra, escancara para o mundo que teria um celular tão seguro que nem o governo dos EUA conseguiria invadir. Jogada de mestre de marketing!

Mas o fato é que qualquer governo adoraria ter uma ferramenta de rastreamento e controle de seus cidadãos. E não me refiro apenas a ditadores, como o norte-coreano Kim Jong-un, ou ao governo chinês. Isso também acontece nas nações que se dizem as mais democráticas, como os próprios Estados Unidos em análise aqui, que sempre se colocam como os bastiões da liberdade e dos direitos civis. Está aí o Edward Snowden que não me deixa mentir!

E se você acha que isso acontece só longe de você, nos EUA, na China ou na Coreia do Norte, saiba que está acontecendo agora bem debaixo dos nossos narizes brasileiros. Como já foi discutido aqui nesse espaço, o Congresso Nacional se esforça continuamente para criar leis para nos rastrear e ampliar os privilégios de políticos, inclusive usando a tecnologia.

E você achando que o Big Brother era o máximo da arapongagem…

Sabemos que aquelas empresas estão o tempo todo ganhando dinheiro com as nossas informações continuamente coletadas, e que ainda não foi inventado nada melhor que os smartphones para essa tarefa. Mas recebemos delas uma infinidade de serviços em troca, que tornam nossas vidas muito mais fáceis e mais divertidas. E por isso, conscientemente ou não, pelo jeito achamos essa uma troca justa. Por isso ninguém vai abandonar seu smartphone.

Mas permitir que governos (sem falar no crime organizado) transformem os smartphones em máquinas de espionagem e controle a seu serviço, isso é inaceitável!

Acalento a esperança, justamente aquela que foi a única coisa que sobrou dentro da Caixa de Pandora, de que eles nunca ponham as mãos nesses códigos, pois sua voracidade faz o uso de nossos dados por empresas parecer coisa de criança.


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Na China, dedurar o vizinho pode virar um bizarro game da vida real

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Foto: Jonathan Kos-Read/ Visual Hunt/Creative Commons

A partir de 2020, todo cidadão chinês terá o seu “crédito social”, um número constantemente atualizado que identificará quanto cada indivíduo se alinha ao que o governo considera “boas práticas de um cidadão confiável”. Quem tiver bons números será recompensado; os de escore baixo serão punidos.

Essa ferramenta de controle social parece saída do livro “1984”, de George Orwell, mas é muito mais sofisticada que os sonhos mais sórdidos do Big Brother. A faceta mais cruel do sistema é que, em nome de ter uma boa pontuação, as pessoas serão tentadas a controlar seus familiares e amigos, para que “andem na linha”. O motivo: o placar de um indivíduo poderá influenciar no do outro. Assim, se você se relacionar com um “mau cidadão”, perderá parte dos seus pontos, que conseguiu dando duro ao seguir a cartilha chinesa.

O sistema funcionará de maneira semelhante aos sistemas de análise de crédito usados pelos bancos: se o indivíduo tem um trabalho estável, um bom salário, um bom histórico de pagamentos, os bancos tendem a considerá-lo uma pessoa confiável para lhe conceder crédito, pois o risco de dar o calote tende a ser menor. Pessoas com números ruins nesses indicadores têm menos acesso a crédito.

A ideia chinesa teria surgido justamente do fato de aquele país ter um sistema de análise de crédito frágil, com uma parcela imensa da população sem histórico no assunto. A diferença é que a proposta evoluiu rapidamente para uma análise muito mais profunda do indivíduo.

Por exemplo, comprar ferramentas sugere que o indivíduo é “trabalhador”, o que aumentaria o seu placar; comprar videogames pode indicar um “comportamento desleixado”, derrubando o índice. Republicar noticiário oficial é positivo; mencionar o “Massacre da Praça da Paz Celestial” é horrivelmente negativo. Pagar os impostos corretamente é muito bom; levar multas de trânsito nem tanto. Participar de programas de controle de natalidade é legal; ler mangás é subversivo.

Mas ao contrário das análises de crédito ocidentais, que costumam ser restritas ao sistema financeiro, a proposta chinesa será pública e os cidadãos serão encorajados a escancarar os seus números, que variarão de 350 a 950. Isso porque, com essa informação, poderão ter acesso a benesses no seu cotidiano.

A China está “gamificando” a obediência do cidadão!

 

Serve até para namorar

Um indivíduo que tiver um escore de 650 poderá, por exemplo, alugar um carro sem deixar um depósito. Já alguém com 700 pontos poderá “furar a fila” na burocracia para viajar para fora do país. Placares mais altos ainda serão exigidos para se conseguir os melhores empregos. Já quem tiver um escore baixo pode ser impedido de comprar alguns produtos e ter a velocidade da sua Internet reduzida.

O sistema governamental ainda não existe, mas os políticos chineses autorizaram oito companhias a criar programas que caminham nessa direção. O que tem conseguido mais repercussão é o Sesame Credit, criado pelo braço financeiro da gigante Alibaba, o maior varejista online do mundo, que se baseia no histórico de itens adquiridos e pagamentos em dia.

Aliás, “Sesame” vem do personagem Ali Babá. “Abre-te, Sésamo!” Lembram disso?

Esses escores já estão sendo usados para fins no mínimo curiosos. O Baihe, maior serviço online de encontros da China, com 90 milhões de clientes, já exibe o Sesame Credit daqueles que o informarem. Zhuan Yirong, vice-presidente do site, explicou à BBC que “a aparência de uma pessoa é muito importante, mas é mais importante ela ser capaz de se sustentar”. Pois é.

Esses oito sistemas privados não pretendem ter a abrangência do futuro programa oficial, mas certamente funcionam como projetos-pilotos para ele. Apesar de ainda não existir, o projeto já está bem documentado pelo próprio Partido Comunista. Ele traz frases como “estabelecer a ideia de uma cultura de sinceridade e levar adiante sinceridade e virtudes tradicionais” e “gratificar a sinceridade e punir a falta de sinceridade”. Bom, estão sendo sinceros.

Ativistas de liberdades individuais e defensores de privacidade estão em polvorosa. Afinal, além de o sistema invadir a privacidade do indivíduo de uma maneira sem precedentes e ainda tornar o placar público, é capaz de fazer com que as pessoas passem a não se importar tanto com isso. Tudo porque a sensação repugnante de estar sendo controlado e punido é substituída pelo conceito de valorizar e presentear aqueles que “fazem tudo direitinho. Ou seja, o medo é substituído pelo afago. Mas, no final, é tudo a mesma coisa.

 

Dedos-duros

Tenho que admitir: isso é uma ideia de gênio! O Estado não apenas deixa de ser visto como o vilão da história, como ainda passa todo o trabalho de espionar os cidadãos aos próprios cidadãos! Que NSA nada! Isso dá trabalho, custa caro e ainda o governo fica péssimo na foto quando aparece um Edward Snowden para botar a boca no trombone e contar todos os podres.

Deixe que os próprios indivíduos coloquem amigos e familiares na linha! Afinal, quem vai querer ver sua família prejudicada por se associar a um “subversivo”? Se não for possível “convertê-lo”, então que seja relegado ao ostracismo. Assim, no seu isolamento, não incomoda os “cidadãos de bem” nem tampouco (e principalmente) o governo.

Assustador, não é?

Por outro lado, como ninguém pensou nisso antes?

Opa! Facebook e Google têm uma quantidade indescritível de informações sobre nós, que cedemos graciosa e alegremente toda vez que usamos os seus produtos. E continuaremos usando, pois deixam nossas vidas mais divertidas e gostosas.

Provavelmente já são muito mais eficientes que o monstro digital que o governo chinês imporá aos seus cidadãos em 2020. Mas, justiça seja feita, os propósitos dessas empresas são outros.

Certo?

Como dito, o sistema chinês ainda não existe. Talvez nem chegue a se materializar dessa forma. Mas essa possibilidade já está servindo para gerar uma importantíssima discussão sobre como empresas e governos podem extrapolar gigantescamente os limites do razoável graças à tecnologia e como ela é apresentada. E esse debate é fundamental para fortalecer a cidadania!

E –não– isso não acontece apenas na China. Neste espaço, temos discutido como empresas e políticos vêm tentando derrubar, aqui no Brasil, alguns dos maiores ganhos sociais garantidos pelo Marco Civil da Internet, como a “neutralidade da rede”.

Só espero que nenhum deputado espertinho em Brasília fique inspirado pelas ideias vindas da China.

 

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A Internet conhece você melhor que sua mãe

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Foto: Adam Mancini / Creative Commons

Nessa semana, fui apresentado a mais um sistema online que parece conhecer meus amigos melhor que eu mesmo, e é capaz de detectar traços da minha personalidade que talvez nem minha própria mãe saiba. Isso tudo sem responder a nenhuma pergunta, em poucos segundos. Quando me deparo com algo assim, sempre penso que vivemos na era do fim da privacidade, liquidada pela combinação de algoritmos astutos, enorme capacidade de processamento e nossa vida cada vez mais online.

Não se trata do primeiro serviço que faz isso. Facebook e Google, só para ficar nos mais óbvios, detêm uma quantidade inimaginável de informações parametrizadas sobre cada um de nós, que sabem como transformar em dinheiro. Nesse mesmo espaço, já discuti também sobre o Apply Magic Sauce, criado pela da Psychometrics Centre da Universidade de Cambridge (Reino Unido), capaz de realizar uma impressionante análise psicológica do usuário, tendo, como base, apenas suas “curtidas” no Facebook.

O que me chamou a atenção sobre o novo serviço, chamado Crystal, é que ele não precisa ter acesso à conta do Facebook, Google, Twitter, LinkedIn ou qualquer outra do indivíduo. Na verdade, você pode saber como a pessoa é sem sequer ser amigo dela. Basta digitar o seu nome e identificá-la entre possíveis homônimos. A “mágica” se dá pela análise de conteúdos públicos na Internet atribuídos ao indivíduo.

O sistema oferece uma estimativa de precisão, que cresce à medida que encontra mais informações na rede sobre o pesquisado. Se encontrar pouca coisa, informa que o relatório pode não ser confiável. Por outro lado, se atinge um patamar mínimo, ele sugerirá como você deve se comportar quando estiver conversando com a pessoa, enviando-lhe um e-mail ou trabalhando com ela. Ainda dirá o que é natural ou não para o pesquisado.

Sobre mim, o Crystal lembra que, ao falar comigo, não se deve perder o foco no todo, enquanto é aceitável usar emoticons em e-mails. Também é bem-vindo, por exemplo, usar tempo para explorar novas ideias quando trabalhar comigo. Acerta quando diz que falo sem rodeios e que não me ofendo com piadas de gosto duvidoso.

Tudo isso só a partir de um nome.

 

Somos livros abertos

Nunca a expressão “minha vida é um livro aberto” foi tão verdadeira. Só não é perfeita porque as informações hoje não são mais tão coletadas dos livros, e sim da Internet.

O problema é que nem sempre o “dono do livro” gostaria que ele estivesse assim escancarado. Mas, verdade seja dita, é um problema cada vez menor, pois as pessoas vivem um momento de deliberadamente se expor ao mundo, especialmente nas redes sociais, muitas vezes de maneira exagerada e até perigosa.

Mais sensível que isso é o fato de que aparentemente falta à população a consciência da amplitude desses seus atos. Embarcamos na superexposição por diferentes motivos: para “fazer parte do grupo”, para nos sentirmos queridos (ou vistos), para expressar nossos sentimentos e crenças (boas e ruins). Há também o compartilhamento de informações, às vezes íntimas, com aplicativos nos celulares ou nas redes sociais: abrimos mão da nossa privacidade pelo simples desejo de usar algo novo, desde uma incrível inovação, até um simplório brinquedinho.

Conscientemente ou não, espalhamos nossas pegadas digitais o tempo todo. Essa é a realidade posta, e não há volta disso. Crystal, Apply Magic Sauce e todos os recursos do Google e do Facebook são exemplos de como alimentamos o sistema, e dele recebemos algo em troca.

Não é tão ruim quanto as ficções distópicas de “1984” ou de “Matrix”, mas estamos sendo sempre vigiados nessa nossa relação simbiótica com o sistema. Mas nem mesmo Neo ou o Grande Irmão pensaria em algo tão complexo e eficiente.

A liberdade não pode ser vítima da guerra ao terror

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"A Liberdade Guiando o Povo", de Eugène Delacroix - Imagem: reprodução

“A Liberdade Guiando o Povo”, de Eugène Delacroix

O jornal Le Figaro divulgou ontem uma pesquisa que indica que 84% dos franceses estariam dispostos a aceitar restrições a sua liberdade para se sentirem mais seguros. Claramente impulsionados pelo medo causado pelos atentados terroristas de sexta passada, esses números escondem o enorme risco de uma população abrir mão de seus direitos em um momento de crise e isso se perpetuar depois.

A França é tradicionalmente um dos países que mais defendem as liberdades e a privacidade do indivíduo. Mas agora está ferida por um inimigo que ninguém sabe quando, onde ou como atacará de novo. Essa sensação de impotência é terreno fértil para o crescimento de abusos de toda natureza. Na mesma pesquisa, 74% se disseram favoráveis à prisão de suspeitos de terrorismo, enquanto a retirada da nacionalidade francesa desse grupo é aceita por 53% de integrantes da esquerda e por assustadores 94% da direita radical. Vale ressaltar que se tratam de suspeitos, não de casos confirmados. Por fim, 62% dos franceses se dizem contrários à entrada de imigrantes no país (eram 47% há um mês).

Naturalmente a tentativa de controle de tudo que trafega na Internet também está na pauta do dia. Afinal, os terroristas usam os meios digitais para se comunicar, de maneiras bastante criativas (cheguei a ouvir –não-confirmado– que estariam até mesmo usando o inocente game Super Mario Maker para distribuir coordenadas de ataques).

Esse controle é um desejo antigo de políticos, principalmente dos mais sujos e medíocres, que não vira lei em países que prezam o indivíduo justamente pela enorme rejeição da sociedade. Mas o que impedirá isso na França em um momento como esse?

A Internet finalmente será controlada?

 

Não devemos deixar a coisa ainda pior

Não seria a primeira vez que o medo do terror patrocinaria a tentativa de se controlar as vidas digitais dos cidadãos. Principalmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, o governo americano tentou emplacar várias leis que legitimariam a espionagem online do governo (e conseguiu algumas), como o PATRIOT Act.

Claro que o governo americano usou largamente a Internet para se intrometer nos negócios de pessoas, empresas e governos do mundo todo. As revelações de Julian Assange e de Edward Snowden estão aí para documentar isso largamente. Mas o fato de isso permanecer no campo da ilegalidade pelo menos dificulta que a prática se dissemine para qualquer nível de poder, até os mais medíocres.

Já usei este espaço para discutir anteriormente os riscos de governos controlarem a Internet. Mencionei, inclusive, projetos de lei que tramitavam no Congresso Nacional e que permitiriam a qualquer “autoridade competente” arbitrariamente censurar publicações que lhe desagradassem e punir seus desafetos.

Hoje mesmo uma aluna me questionou como fica a liberdade de expressão em um momento como esse. Mais que isso, terroristas poderiam usar, por exemplo, o YouTube para fazer a sua odiosa propaganda? Respondi que a liberdade de expressão é um direito inalienável do ser humano, mas que, na prática, isso é algo bem difícil de se manter e de se exercitar. Defendo-a por princípio e tenho certeza que ela nos traz muito mais benefícios que perdas, por mais que, em muitas ocasiões, seja usada para propagar ideias das quais discordemos ou até mesmo abominemos. Mas essa é a regra do jogo.

Nesse exemplo, o próprio YouTube deve remover o vídeo, pois ele viola os seus termos de uso. Mas e no caso de o vídeo estar hospedado em um servidor dos próprios jihadistas? Além disso, como a imprensa deve tratar esse material? Ele é notícia? Deve ser usado em uma reportagem? Mais ainda: a imprensa tem o direito de querer publicar isso?

Isso nos leva a outro ponto: o exercício de liberdades, inclusive de expressão, está sujeito a critérios morais de cada um. Portanto, do meu ponto de vista, sim, a imprensa tem o direito de reportar as barbaridades, assim como tem o direito de editar o conteúdo para preservar o seu público dos momentos mais crus da exibição (que, diga-se de passagem, seriam desnecessários para as pessoas compreenderem o que estava acontecendo). Da mesma forma, as pessoas têm o direito de serem informadas, mesmo de coisas horrendas.

É uma situação muito delicada, sem dúvida. “Na guerra, a verdade é primeira vítima.” A frase, atribuída ao dramaturgo grego Ésquilo, poderia ser complementada perfeitamente por “seguida pela liberdade”. Os terroristas têm, pela natureza de sua ação furtiva, uma vantagem sobre os Estados que combatem. A esses últimos, cabe o dever de enfrentar o agressor da melhor maneira possível, a despeito de tal vantagem. Mas não podemos permitir que, em nome desse combate, os governos firam seus próprios cidadãos ainda mais, tirando-lhes a liberdade e a privacidade.

Você é o que você gosta

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Home page do serviço "Apply Magic Sauce" - Imagem: reprodução

Home page do serviço “Apply Magic Sauce”

Seus pais provavelmente lhe falavam: “diga-me com quem andas e eu te direi quem és”. Mas em tempos de tecnologia ubíqua, o ditado, além de velho, parece ultrapassado. Para saber quem é você, o melhor é prestar atenção no que você gosta ou, mais especificamente, no que você “curte”.

Deixamos, o tempo todo, nossas pegadas digitais por aí, e elas são cada vez mais profundas e reveladoras. Há duas semanas, comentei aqui a crise causada pelo vazamento de informações dos assinantes do Ashley Madison, recomendando que pelo menos tentemos cuidar das informações pessoais que publicamos na Internet. O problema é que inadvertidamente fazemos pequenas ações que dizem muito sobre nós.

Quantas vezes você clica, todos os dias, no botão “curtir” do Facebook, seja nas páginas da própria rede social, seja naqueles que estão espalhados pelos mais diferentes sites? Não se sinta constrangido se a resposta for um número alto: essa ação inocente está tão integrada ao nosso cotidiano, que talvez nem saibamos responder a essa pergunta.

Mas não se engane: de inocente ela não tem nada. Mesmo quando “curtimos” uma pueril foto de gatinho ou uma piada tosca de um amigo, estamos afirmando um pouco do que somos. E a soma disso tudo pode ser surpreendente.

O Psychometrics Centre da Universidade de Cambridge (Reino Unido) criou, já há algum tempo, uma interessante ferramenta para demonstrar isso. Batizada de Apply Magic Sauce (algo como “Aplique o Molho Mágico”), o site faz, em poucos segundos, uma análise psicológica do usuário, incluindo os principais itens de sua personalidade, gênero, idade percebida, orientação sexual, inteligência, satisfação com a vida, orientação política e religiosa, educação e status marital. Detalhe importante: a única fonte de informação analisada são as suas “curtidas” no Facebook, nada mais. Nem mesmo o que você posta é considerado. E, mesmo o sistema estando calibrado para o idioma inglês, seus resultados têm uma precisão impressionante, quase assustadora.

Não é de se espantar que o nome da versão anterior da ferramenta era “You Are What You Like” (“Você é o que você gosta”).

 

Fazenda de dados

Imagem: reprodução

Se um instituto independente consegue tirar conclusões assim apenas a partir das “curtidas” do sujeito, que dizer então do verdadeiro “dono” da informação: o Facebook?

Mas a rede de Mark Zuckerberg está longe de ser a única empresa com esse poder. Seu maior rival, o Google, conseguiu colocar, no bolso da maioria de nós, um “rastreador” que carregamos alegremente. O Android, sistema operacional que dá vida à maioria dos celulares do mundo, é uma pequena maravilha na coleta de informações pessoais, de maneira quase inconsciente.

O “quase” acontece porque nós, de fato, autorizamos explicitamente essa coleta (e isso vale para qualquer sistema, não apenas o Android). Ao configurar um novo aparelho, respondemos afirmativamente várias perguntas que, na verdade, sequer entendemos do que tratam. E reafirmamos esse nosso “desprendimento” quando baixamos novos aplicativos. Eles invariavelmente listam toda informação pessoal a que terão acesso (muitas delas completamente desnecessárias para seu funcionamento). E nós graciosamente concedemos isso, ao clicar no botão “aceito”, quase sempre sem sequer ler a relação do que lhes repassaremos. A ânsia por baixar o novo aplicativo é tão grande, que o “aceito” do botão poderia ser perfeitamente substituído por um “me dá logo!”

É um fenômeno social maiúsculo o que vivemos. Grupos de proteção à privacidade pressionam governos para tentar limitar o acesso das corporações às informações pessoais. Por outro lado, as pessoas estão cada vez mais lenientes com o compartilhamento de seus dados em troca de serviços que efetivamente tornam suas vidas mais eficientes e divertidas.

Estou absolutamente certo que ninguém deixará de usar seu celular ou o Facebook só pelo que eu disse acima. Eu não deixarei! Mas precisamos estar cientes de que as empresas nos conhecem muito mais que nossas mães, talvez mais que nós mesmos! E, quem sabe, passar a ler a lista do que estamos dando antes de clicar “aceito”.