Sam Altman

Sam Altman, CEO da OpenAI, durante o Fórum Econômico Mundial 2024, que aconteceu em Davos (Suíça), em janeiro - Foto: reprodução

Quem deve ser o “dono” da inteligência artificial?

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A inteligência artificial generativa é uma tecnologia diferente de tudo criado antes dela. Ao contrário de ferramentas mecânicas ou digitais, que nos ajudam a realizar melhor as mais diversas tarefas, ela se propõe a “entregar o trabalho pronto”. Se por um lado isso é realmente incrível, por outro exige que sejamos muito criteriosos sobre o criador das plataformas que usarmos e sobre suas produções.

Tudo porque essa tecnologia pode efetivamente, a longo prazo, alterar a maneira como pensamos e encaramos o mundo! O problema é que as pessoas não têm consciência disso, e usam essas plataformas despreocupadamente.

Não proponho que os responsáveis por esses sistemas tenham uma motivação maquiavélica de domínio do mundo. Mas as respostas da IA generativa não apenas trazem o conteúdo das fontes usadas em seu treinamento: também refletem a maneira de falar, a cultura e até os valores dos países que mais contribuíram para tal treino. No momento, isso cabe à Europa Ocidental e principalmente aos Estados Unidos, pelo simples fato de a maior parte do conteúdo na Internet ter essas nações como origem.

Isso pode mudar em pouco tempo! Países do Oriente, especialmente a China, investem pesadamente e com regras muito mais frouxas para criarem suas próprias inteligências artificiais generativas, treinadas com seu conteúdo e sua visão de mundo.

No último dia 25, Sam Altman, cofundador e CEO da OpenAI (criadora do ChatGPT), publicou um artigo no The Washington Post (reproduzido em português no Estadão) questionando qual país deve controlar o futuro da IA. Apesar do tom desbragadamente ufanista em favor dos Estados Unidos, ele faz provocações válidas.

Afinal, a nação que dominar a IA dominará o mundo! E isso não pode ser ignorado.


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Não concordo com tudo que Altman escreve em sua publicação, a começar pelo seu ímpeto em apresentar os Estados Unidos como um defensor ilibado da liberdade e dos direitos individuais. Sim, isso faz parte dos valores fundamentais daquele país, mas repetidos escândalos de espionagem digital de seus governos e de abusos de poder econômico de empresas americanas, por manipulação e usos indevidos de dados de seus clientes, desqualificam essa premissa de Altman.

Por outro lado, obviamente os Estados Unidos e principalmente a Europa estão muito mais bem-posicionados na defesa da democracia e de liberdades individuais que nações autoritárias, como a China e a Rússia. E a primeira vem forte na corrida da IA.

“Estamos diante de uma escolha estratégica sobre o tipo de mundo em que viveremos”, escreveu Altman. Considerando o poder sem precedentes de influência e até de dominação cultural que a IA generativa cria, essa é uma preocupação legítima. “O ditador russo Vladimir Putin avisa que o país que vencer a corrida da IA ‘se tornará o governante do mundo’, e a China diz que pretende se tornar o líder global em IA até 2030”, completa.

Ele adverte que, se isso acontecer, empresas do mundo todos seriam obrigadas a compartilhar os dados de seus usuários, o que criaria formas de espionagem e recursos para armas cibernéticas sofisticadas. Novamente o temor é válido, mas, em alguma escala, isso já vem sendo feito com as big techs americanas.

O CEO da OpenAI elenca pontos que considera essenciais para se manter a liderança na inteligência artificial: segurança cibernética, infraestrutura física robusta, investimento substancial em capital humano, diplomacia comercial para a IA, e normas para o desenvolvimento seguro dessa tecnologia. É interessante notar que, nesse ponto, ele defende que se conceda mais protagonismo para países do sul global, tradicionalmente deixados para trás nas decisões econômicas e tecnológicas.

Mas isso implica em trazer a China para a mesa.

 

Dominação pela IA

Desde a Antiguidade, as nações mais avançadas dominam as outras. A Grécia, apesar de ter sido anexada ao Império Romano, influenciou fortemente a cultura do invasor, até em seus deuses! No século XIX, a Inglaterra difundiu suas ideias, seguida pela França. E desde o fim da 2ª Guerra Mundial, o Ocidente é fortemente influenciado pelos Estados Unidos.

O principal mecanismo da dominação cultural dos Estados Unidos é o cinema, a televisão e a música. Basta olhar ao redor e ver como nos vestimos, comemos e até nos comportamos.

A IA pode levar a dominação cultural a um patamar inédito, ao incorporarmos suas respostas diretamente e sem filtros a nossas ações. De uma tacada só, passamos a consumir e a disseminar conceitos e valores de outro país.

A própria interface dessas plataformas favorece isso. Pela primeira vez na história, algo que não é humano consegue conversar consistente e convincentemente, como se fosse outra pessoa. Isso favorece a antropomorfização da IA, ou seja, passamos a atribuir características humanas a uma máquina, e assim absorvemos o que ela nos dá de maneira ainda mais direta, sem questionamentos.

De uma forma bastante ampla e talvez nociva, a IA pode nos aproximar da “aldeia global” do filósofo canadense Marshall McLuhan, que propôs em 1962 o fim de fronteiras geográficas e culturais. Ele acreditava que isso aconteceria pela influência dos meios de comunicação, o que aconteceu apenas timidamente. Agora, com a IA, isso pode finalmente acontecer, com o que tem de bom e de ruim.

Altman sabe disso! Seu artigo defende abertamente que os Estados Unidos liderem uma coalização internacional para manter sua hegemonia contra a ascensão de valores de nações autoritárias, graças à IA.

Para aqueles, como nós, que estão muito mais em posição de dominados que de dominadores, esse alerta serve para entendermos como a nova ordem mundial será construída nos próximos anos.

Qualquer que seja o vencedor dessa corrida, é preciso que existam leis em todos os países que exijam responsabilização no uso e desenvolvimento da inteligência artificial, seja pelas empresas, pelos governos e pelos usuários. Não podemos repetir o erro cometido com as redes sociais, que racharam a sociedade ao meio por não se sentirem responsáveis pelo que acontece em suas páginas.

Quanto a nós, resta investirmos pesadamente em letramento digital das pessoas, para que elas possam aproveitar consciente e criativamente os recursos dessa incrível tecnologia, tentando evitar tal dominação cultural. E essa não é uma tarefa fácil!

 

O CEO da OpenAI, Sam Altman, que ganhou a briga contra o antigo conselho da empresa - Foto: Steve Jennings/Creative Commons

Como a confusão na OpenAI determinará nossas vidas

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Nessa quarta (30), o lançamento do ChatGPT completa seu primeiro aniversário. É bem pouco tempo para um produto que mudou a maneira como fazemos muitas coisas em nossas vidas. Isso se deu não por seus próprios recursos, limitados a escrever textos (ainda que de maneira surpreendente), mas por ter iniciado a corrida da inteligência artificial generativa, que invadiu todo tipo de ferramenta de produtividade.

Por uma infame coincidência, a OpenAI, criadora do sistema, quase deixou de existir na semana passada. Na sexta anterior (17), Sam Altman, fundador e CEO da empresa, foi sumariamente demitido, pegando o mundo da tecnologia –e aparentemente ele mesmo– de surpresa. A OpenAI só não desapareceu por uma cinematográfica sequência de eventos, que puseram Altman de volta na sua cadeira em apenas cinco dias.

Isso já tornaria essa história incrível, mas pouco se sabe e menos ainda se fala dos elementos mais suculentos em seus bastidores. Afinal, o que faria o conselho de administração da OpenAI mandar embora a estrela mais brilhante do Vale do Silício no momento, em plena ascensão?

A resposta é profundamente mais complexa que uma simples “quebra de confiança”, apresentada na justificativa. O real motivo são visões conflitantes sobre como o desenvolvimento da inteligência artificial deve continuar acontecendo. De um lado, temos uma maneira mais lenta e cuidadosa, até para se evitar que ela “saia do controle” e ameace a humanidade. Do outro, há os que defendam que isso aconteça de forma acelerada, criando freneticamente novos e fabulosos produtos com ela.


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Sam Altman faz parte do segundo grupo. Os agora ex-membros do conselho de administração da OpenAI fazem parte do outro.

No fim de semana seguinte a sua demissão, Altman tentou sem sucesso reassumir o cargo. Então a Microsoft, que é a principal investidora da OpenAI, anunciou na segunda (20) a sua contratação para liderar um novo centro de pesquisa de inteligência artificial. Disse ainda que aceitaria qualquer profissional da OpenAI que quisesse acompanhar Altman.

No dia seguinte, em um movimento ousado, cerca de 700 trabalhadores da startup publicaram uma carta aberta exigindo a readmissão de Altman e a renúncia dos membros do conselho. Caso contrário, todos se demitiriam, o que na prática acabaria com a empresa. Na quarta, Altman estava de volta e os conselheiros se demitiram.

A Microsoft não tinha nenhum interesse no fim da OpenAI, portanto contratar Altman foi uma jogada de mestre, por forçar a reação das suas equipes. Depois de investir US$ 13 bilhões na startup, seus produtos estão sendo gradualmente integrados aos da gigante, como o pacote 365 (antigo Office) e o buscador Bing. Além disso, a OpenAI está pelo menos seis meses à frente da concorrência, como Google e Meta, o que é um tempo enorme nas pesquisas de IA, e isso não pode ser jogado no lixo.

A confusão na OpenAI não se trata, portanto, se Altman estava fazendo um bom trabalho. Segundo o New York Times, ele e os antigos conselheiros já vinham brigando há mais de um ano, pois o executivo queria acelerar a expansão dos negócios, enquanto eles queriam desacelerar, para fazer isso com segurança.

Vale dizer que a OpenAI foi fundada em 2015 como uma organização sem fins lucrativos, para construir uma superinteligência artificial segura, ética e benéfica à humanidade. Mas a absurda capacidade de processamento que a inteligência artificial exige levou à criação de um braço comercial do negócio, em 2018.

 

A “mãe de todas as IAs”

Altman sempre disse que buscava o desenvolvimento de uma inteligência artificial geral (IAG), um sistema capaz de realizar qualquer tarefa por iniciativa própria, até mesmo se modificar para se aprimorar. Isso é muito diferente das IAs existentes, que realizam apenas um tipo tarefa e dependem de serem acionadas por um usuário.

Alguns pesquisadores afirmam que a IAG, que superaria largamente a capacidade cognitiva humana, jamais existirá. Outros dizem que já estamos próximos dela.

Na semana passada, a OpenAI deu mais um passo nessa busca, com o anúncio da Q* (lê-se “Q-Star”, ou “Q-Estrela”, em tradução livre), uma IA ainda mais poderosa que as atuais. Esse sistema pode ter contribuído para a demissão de Altman.

Nada disso é um “papo de nerd”. Se chegaremos a ter uma inteligência artificial geral ou até com que agressividade a IA transformará todo tipo de ferramentas já impacta decisivamente como vivemos. E isso vem acontecendo de maneira tão rápida, que mesmo os pesquisadores estão inseguros sobre benefícios e riscos que isso envolve.

Há ainda preocupações geopolíticas: se as grandes empresas ocidentais não fizerem isso, regimes autoritários e fundamentalistas podem chegar lá, com consequências imprevisíveis para a ordem mundial. Mas também não podemos ver candidamente o Vale do Silício como um campeão da liberdade e da ética. Eles querem dinheiro, e casos como o da OpenAI e de muitas redes sociais ilustram isso.

Mesmo uma “IA legítima” pode ser usada de forma antiética e abusiva. Acabamos de ver isso na eleição presidencial argentina, com os candidatos usando essas plataformas para se comunicar melhor com seus eleitores, mas também para criar imagens depreciativas dos concorrentes. O mesmo deve acontecer aqui nas eleições municipais de 2024. Tanto que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já busca como coibir a bagunça. A inteligência artificial deve, portanto, nos preocupar desde um improvável extermínio da humanidade até problemas pelo seu uso incorreto em nosso cotidiano.

Os robôs têm “leis” para que não se voltem contra nós, propostas pelo escritor Isaac Asimov, em 1942. São elas: “um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal”, “um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei” e “um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.” Mais tarde, ele acrescentou a “Lei Zero”: “um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal.”

Elas parecem suficientes, mas são apenas uma ideia, enquanto a IA é uma realidade. E mesmo que sejam implantadas no âmago de uma inteligência artificial geral, que garantia temos de que ela não encontre maneiras de alterar seu código para desobedecê-las se assim achar necessário?

Por tudo isso, as decisões do novo conselho da Open AI nos próximos meses, que a devem tornar mais capitalista, afetarão não apenas a empresa, mas o futuro de todos nós. Com tanto dinheiro envolvido, era pouco provável que um grupo de acadêmicos conseguisse desacelerar o desenvolvimento da IA por questões éticas.

No final das contas, estamos fazendo uma aposta entre produtividade e segurança. Uma goleada da primeira começa a se formar. O problema é que aparentemente não temos capacidade de antecipar com certeza o que acontecerá. Temos que estar monitorando a cada momento essa evolução e ter uma tomada física para simplesmente puxar e desligar a coisa toda, se assim for necessário.