Uber

Muitos motoristas não querem se contratados como CLT pela Uber - Foto: Paul Hanaoka/Creative Commons

Decisão contra a Uber escancara o envelhecimento das leis trabalhistas

By | Tecnologia | No Comments

No último dia 14, a Justiça Trabalhista de São Paulo determinou que a Uber contrate todos os motoristas ligados à plataforma pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e pague R$ 1 bilhão por danos morais coletivos. A decisão vale para todo o Brasil e a empresa tem seis meses após o fim de recursos para implantar as medidas.

A Uber já disse que não pretende cumprir a decisão! Em nota, a empresa afirma que não vai adotar nenhuma medida antes que todos os recursos estejam esgotados. A grande pergunta é: o que acontecerá se a decisão for mantida após isso?

Suprema ironia, associações de motoristas se manifestaram dizendo que eles não querem ser contratados pela CLT! Mas isso não quer dizer que estejam satisfeitos com as atuais condições de trabalho.

Qualquer que seja o resultado desses recursos, o caso serve para debatermos a aplicabilidade das leis trabalhistas brasileiras ao mundo atual. A Uber e diversas empresas que fazem parte de nossas vidas seguem os conceitos da economia compartilhada. Ela prevê o engajamento de vendedores e prestadores de serviço com seus clientes, viabilizado por plataformas digitais.

O problema é que esse modelo se choca com a CLT em muitos pontos. Em um momento em que o Governo Federal busca resgatar elementos como o imposto sindical, é de se questionar qual formato regerá as relações trabalhistas de milhões de brasileiros em um futuro próximo.


Veja esse artigo em vídeo:


A legislação brasileira é uma das que mais protege o trabalhador no mundo. Entre muitos itens de segurança social, benefícios como férias remuneradas de 30 dias (e ainda com um adicional de um terço) já a partir de um ano de admissão são luxos inimagináveis em outros países. Tudo isso tem um custo, pago pelos próprios profissionais e principalmente pelas empresas. Via de regra, para cada real pago em salário ao funcionário, a empresa gasta outro com os encargos trabalhistas.

“Essa é uma decisão feita para não ser cumprida”, afirma José Isaías Hoffmann, diretor de Controladoria da Corporate Consulting. “Operacionalmente, como a Uber vai admitir via CLT mais de um milhão de motoristas”, questiona. Ele acredita que, se ela for obrigada a fazer isso, acabará saindo do país, deixando um rastro de desemprego.

O peso dos encargos e de outras obrigações trabalhistas já provoca mudanças no perfil de contratações no Brasil há cerca de duas décadas. Cada vez mais, empresas procuram, sempre que possível, trocar o modelo da CLT por terceirizações de empresas com um único funcionário, os famosos “PJ”. Com isso, os empregadores se livram de encargos e burocracia, e têm o profissional à disposição.

Alguns trabalhadores também preferem esse formato, principalmente quando isso lhes proporciona flexibilidade, com destaque ao horário. É o caso dos profissionais por aplicativos, como motoristas e entregadores. “As pessoas querem uma vida flexível”, afirma a estrategista de carreira Ticyana Arnaud. “Se for para trabalhar CLT, então eles voltam a procurar emprego, vão ser motoristas numa empresa”, sugere.

O principal conflito entre as regras da CLT e as da economia compartilhada é que a primeira considera o profissional um empregado, enquanto a segunda o tem como um autônomo e às vezes nem isso: atua como um prestador informal, que pode trabalhar ao mesmo tempo para incontáveis contratantes. Essa flexibilidade tornou-se tão valorizada por trabalhadores de diferentes áreas (afinal, há uma enormidade de serviços na economia compartilhada), que muitos abrem mão da proteção e dos benefícios generosos da CLT por ela.

Apesar disso, é preciso ter cuidado, pois nem tudo que brilha é ouro!

 

Bondades podem esconder abusos

Não há dúvida que a economia compartilhada é um fenômeno consolidado e que traz muitos benefícios a prestadores e a clientes. A Uber é um exemplo tão didático quanto popular, por ter redefinido a mobilidade urbana e por ser usada por uma porcentagem considerável das populações das grandes cidades. Mas há muitos outros ótimos nomes, como Airbnb, Mercado Livre, iFood ou Rappi. Fica difícil pensar a vida moderna sem eles, e a pandemia deixou isso ainda mais evidente.

Ainda assim, não se pode deixar deslumbrar por suas inegáveis vantagens. O Laboratório de Pesquisa DigiLabour investiga continuamente o impacto das plataformas e de tecnologias disruptivas (como a inteligência artificial) no mundo do trabalho. Eles criticam, por exemplo, essas plataformas chamarem os motoristas de “parceiros” ou de “autônomos”, quando, na verdade, não têm autonomia nem para definir o valor das corridas ou a porcentagem que receberão por elas. Afirmam também que o “empreendedorismo de si mesmo” mascara uma relação de trabalho desigual, em que o profissional assume todos os riscos de um empreendedor, mas atua como um empregado, porém sem nenhum benefício ou proteção.

Já o Instituto Fairwork, ligado à Universidade de Oxford (Reino Unido), criou cinco princípios que seriam necessários para um trabalho decente: remuneração justa, condições justas de trabalho, contratos justos, gestão justa e representação dos funcionários na operação. Em uma pesquisa realizada por eles em 2021, as plataformas no Brasil ficaram entre as piores do mundo: em uma escala até 10 pontos nesses quesitos, iFood e 99 marcaram 2, Uber ficou em 1, enquanto Rappi, GetNinjas e UberEats não saíram do zero. Os resultados são semelhantes aos de outros países da América Latina, mas ficam atrás dos de operações na África, Ásia e Europa.

É importante lembrar que, quando a Uber começou a operar no Brasil, em 2016, dirigir para ela parecia um bom negócio: a empresa ficava com apenas 7% das corridas (hoje pode chegar a 50%) e oferecia muitos bônus aos motoristas. As corridas eram baratas e o serviço de alta qualidade.

Isso explica a “economia compartilhada que dá certo”: ela precisa ser boa para todos os envolvidos, ou seja, o cliente, o vendedor ou prestador, e a plataforma. Quando os motoristas da Uber passaram a receber muito pouco, tudo desmoronou!

“Precisa, de fato, de uma atualização na legislação para entender essa nova dinâmica de mundo”, afirma Hoffmann. “Ela requer que seja justo para quem faz o serviço, para quem recebe, para a economia, que ninguém seja prejudicado com isso”, conclui.

“É preciso tentar uma negociação para reduzir essas taxas e ser uma coisa que valha a pena para todos, e não só para um lado”, explica Arnaud. Para ela, “se a Uber for forçada a aderir à CLT, outras empresas também terão que fazer o mesmo”.

É um momento de mudança de paradigma na maneira como trabalhamos. Insistir na rigidez da CLT, criada em 1943, pode ir contra os interesses de muitos trabalhadores. Por outro lado, deixar tudo na mão das plataformas seria “pedir que a raposa tome conta do galinheiro”. É preciso buscar esse equilíbrio perdido, pois a economia compartilhada, sim, funciona. E nós, como clientes, precisamos pressionar para que essa solução seja encontrada.

 

Sempre que chega a uma cidade, a Uber sofre grande resistência dos taxistas, que a acusavam de “pirataria”, como aconteceu no Rio

Nova crise na Uber reabre questionamentos sobre a economia compartilhada

By | Tecnologia | No Comments

No dia 10, o jornal britânico “The Guardian” publicou uma série de reportagens que exibem, de maneira sem precedentes, práticas condenáveis da Uber para consolidar seu negócio em cerca de 40 países, entre 2013 e 2017. Batizada de “Uber Files”, elas foram feitas a partir de mais de 124 mil documentos vazados pelo ex-executivo Mark MacGann.

Não seria exagero dizer que a empresa praticamente criou e popularizou o conceito de transporte por aplicativo. Ela é também um dos principais expoentes da chamada “economia compartilhada”, que vem revolucionando diversos mercados desde os primeiros anos deste século.

Mas, pela lógica de mercado, se alguém estiver ganhando desproporcionalmente, alguém pode estar perdendo. Por isso, muita gente crítica a “economia compartilhada”, chegando a chamá-la de “concorrência desleal” e até de “pirataria”. No caso da Uber, quem perdeu muito foram os taxistas. Ganharam os motoristas de aplicativo, os passageiros e naturalmente a companhia.

Com isso, a Uber se tornou uma empresa “queridinha” dos clientes. Agora os “Uber Files” colocam em questão se ela teria tido o mesmo sucesso se não se valesse desses subterfúgios.


Veja esse artigo em vídeo:


Um dos principais destaques dos “Uber Files” é o trabalho de representantes da empresa junto a autoridades de diversos países, para que eles flexibilizassem leis locais trabalhistas e de transporte, para que a Uber pudesse operar sem problemas, especialmente frente aos protestos de taxistas e à não-regulamentação da “economia compartilhada”. Pelo menos 233 autoridades foram envolvidas, incluindo o então vice-presidente americano Joe Biden (hoje presidente dos Estados Unidos), o chanceler alemão Olaf Scholz, quando era prefeito de Hamburgo, o primeiro-ministro de Israel na época, Benjamin Netanyahu, e o então ministro da Economia da França, Emmanuel Macron (hoje presidente do país).

Alguns deles teriam resistido aos apelos dos lobistas. Foi o caso de Scholz, que sugeriu um salário-mínimo aos trabalhadores, e que, por isso, foi rotulado como “um verdadeiro comediante” por um executivo da Uber. Outros apoiaram a ideia explicitamente, como Macron. Por isso, a oposição francesa agora quer instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Assembleia Nacional francesa.

Os “Uber Files” trazem ainda acusações mais graves. Em uma delas, Travis Kalanick, um dos criadores da Uber e CEO na época, rejeitou as preocupações de outros executivos de que enviar motoristas para um protesto na França os colocaria em risco diante de taxistas furiosos. No documento, ele diz: “acho que vale a pena, a violência garante o sucesso, e esses caras (os taxistas) devem ser confrontados”. No lançamento do serviço na Índia, Kalanick disse aos executivos locais que “abraçassem o caos”, pois isso “fazia parte do negócio da Uber”, em referência a eventuais protestos.

Ao “The Guardian”, um porta-voz de Kalanick disse que o ex-CEO nunca quis tirar vantagem da violência. Ele deixou o cargo em 2017, por relatos de uma cultura corporativa antiética, incluindo assédios sexuais e morais. Ele ainda ficou no conselho de administração até 2019, quando vendeu 90% de suas ações por cerca de US$ 2,5 bilhões.

Os arquivos também documentam ferramentas criadas especificamente para atrapalhar investigações. Uma delas, chamada “Greyball”, consistia em uma versão do aplicativo criada para usuários específicos, como policiais, que mostrava carros falsos, que jamais chegariam se fossem chamados. Outro, a “Kill Switch”, bloqueava o acesso a dados, se estivessem sendo realizadas batidas de órgãos reguladores nos escritórios da companhia.

Os “Uber Files” ainda indicam que a empresa manteria dinheiro em paraísos fiscais, para pagar menos impostos. O material mostra também  como executivos debochavam das autoridades e se consideravam “piratas”. Em um deles, um executivo diz: “somos ilegais para caramba!”

 

Os limites da legalidade

Sobre a Uber ter tentado influenciar autoridades, é importante que fique claro que fazer lobby não é crime e, de certa forma, faz parte da própria sociedade. Empresas, instituições e até indivíduos podem tentar convencer agentes públicos a abraçar seus interesses, desde que legítimos, e eles podem concordar ou não. A prática só se torna corrupção se o agente público receber algo para decidir em favor da causa.

Os outros pontos são bem mais delicados. Mas fica a pergunta: a Uber precisaria ter feito isso tudo para ter sucesso?

Sempre que a empresa chegava a um país, os passageiros a abraçavam efusivamente. Afinal, ela supria demandas de transporte reprimidas há muito tempo: oferecia um transporte público individual confortável, rápido e confiável, com um preço justo e transparente, uma combinação inexistente em táxis, ônibus, metrôs ou trens até hoje. Para os motoristas, era uma oportunidade de se ganhar dinheiro com o próprio carro.

Essa é a essência da “economia compartilhada”. Ela substitui a necessidade de se possuir algo pela chance de se usar aquilo quando necessário. Diminui-se a compra de muita coisa que se usaria apenas eventualmente. Por outro lado, quem já tiver aquilo pode ganhar dinheiro alugando-o por um tempo limitado, ou prestando um serviço com ele.

A tecnologia é essencial nesse processo para se criar um ecossistema digital que combine os interesses de todos os envolvidos. As companhias que criam essas plataformas são remuneradas por isso, mas os fornecedores e vendedores não têm qualquer vínculo empregatício com essas empresas.

Esse é um movimento positivo e sem volta, que hoje ocupa um espaço enorme em nossas vidas e na economia. Além de transporte, incontáveis exemplos de “economia compartilhada” podem ser encontrados no varejo, na alimentação, na hospedagem, em finanças, na saúde e na prestação de todo tipo de serviço.

Nem todo mundo gosta disso. Assim como os taxistas sofreram com a Uber, hotéis perderam hóspedes para Airbnb, e lojas convencionais perderam vendas para Mercado Livre, só para citar alguns exemplos óbvios. Mas, apesar do ranger de dentes de alguns, não há nada de errado nisso, desde que as operações estejam regulamentadas e impostos sejam pagos. Trata-se apenas de uma nova maneira de se fazer negócios, que subverteu modelos cristalizados há muito tempo, amplamente aprovado pelos respectivos clientes.

Tentei contato com a Uber para falar sobre isso tudo. A empresa se limitou a enviar uma nota global em inglês, em que admite que foram cometidos erros e explica o que tem feito nos últimos cinco anos para que aquilo não se repita. Ela termina dizendo que “não demos e não daremos desculpas para comportamentos passados ​​que claramente não estão alinhados com nossos valores atuais”.

Parece pouco e até soberbo diante da gravidade dos fatos, como se pudessem ser ignorados. Por mais que tenha mudado seus valores, ainda é a mesma empresa e deve responder por erros passados, ainda que não os cometa mais.

A “economia compartilhada” revolucionou o mundo e a tendência é que ela ocupe espaços cada vez maiores em nossas vidas. A Uber é uma das grandes responsáveis pela sua popularização. Que os tais “erros do passado” sirvam de lição do que não deve ser feito em qualquer negócio: ele pode dar certo sem nada disso!

 

Passageiros e motoristas colocam em xeque modelo de aplicativos de transporte

By | Tecnologia | No Comments

Quando a Uber chegou ao Brasil em 2014, trouxe um novo modelo de transporte, que combinava preços baixos e alta qualidade para os passageiros, e ganhos expressivos a motoristas, que poderiam trabalhar sem burocracia. Mas isso ficou no passado: hoje passageiros e motoristas questionam o formato, que vive seu pior momento.

De um lado, clientes reclamam de uma queda enorme na qualidade, com preços altos, demora para conseguir um carro e seguidos cancelamentos, gerando muita frustração. Do outro, motoristas se debatem para conseguir algum ganho diante de aumentos explosivos nos combustíveis, no aluguel de carros e da taxa cobrada por essas empresas.


Veja esse artigo em vídeo:


Com a popularização do formato, muita gente chegou a vender o próprio carro, pois era mais econômico se locomover dessa forma que comprar e manter um veículo. Além disso, o modelo atraiu dezenas de milhares de motoristas em várias cidades do Brasil, como uma alternativa para complementar a renda ou até se tornar sua ocupação principal.

Mas algo parece ter dado errado. Na semana passada, realizei uma pesquisa com 9.315 pessoas questionando como estava sendo a sua experiência com aplicativos de transporte. O resultado foi acachapante: 88% disseram que a experiência piorou nesse ano, enquanto 9% não sentiram diferença. Apenas 3% observaram uma melhora. Tão ilustrativos quando esses votos, foram os quase 300 depoimentos, tanto de pessoas preocupadas com a deterioração da experiência do passageiro, quanto daquelas solidárias à situação ruim dos motoristas.

Os passageiros reclamam de incontáveis cancelamentos por parte dos motoristas, especialmente no caso de corridas curtas ou quando a origem for em locais como supermercados. Há relatos de motoristas que cancelam a corrida diante do passageiro, antes de ele entrar no carro, dependendo do destino.

Em outubro, a advogada Nathália Andrade “viralizou” nas redes quando teve que dirigir até o próprio casamento, com vestido branco e véu! Depois de ter mais de 20 corridas canceladas no Uber, ela fez o percurso de 25 km, em Brasília, chegando com uma hora e 20 minutos de atraso para a cerimônia civil.

Ou seja, um serviço que já foi considerado de excelência tornou-se fonte de frustração!

Os motoristas argumentam, com razão, que, se aceitassem todas as corridas hoje, praticamente pagariam para trabalhar. Seus ganhos têm ficado cada vez mais magros, e algumas corridas mal pagam o combustível. Por isso, estima-se que, só na cidade de São Paulo, 30 mil dos 120 mil motoristas registrados tenham desistido da atividade.

Dessa forma, aceitam apenas as corridas que consideram mais lucrativas. Por exemplo, se a distância para pegar o passageiro for superior a dois quilômetros, muitos o rejeitam, pois esse trajeto não será remunerado pela plataforma.

É difícil exigir excelência de um trabalho precarizado. E aí chegamos ao ponto de inviabilidade do próprio conceito.

 

A história da Uber

Na noite de 31 de dezembro de 2008, Travis Kalanick e Garrett Camp não conseguiam um táxi em uma Paris debaixo da neve. Para voltar ao seu hotel, aceitaram pagar US$ 800 a um táxi executivo que se dispôs a fazer o serviço quando ninguém mais queria. Dessa experiência, os dois colegas decidiram criar uma empresa que juntasse motoristas e passageiros, com vantagens para ambos.

O serviço entrou em teste em março de 2009 em San Francisco (EUA) e foi lançado oficialmente em julho de 2010. A Uber nasceu como uma maneira de oferecer transporte executivo de maneira relativamente econômica, apenas com carros de luxo e motoristas bem preparados.

Com o tempo, foi se expandindo e versões cada vez mais populares foram sendo incorporadas ao serviço. Com isso, o preço caiu muito, democratizando o transporte público individual, mas arrastando a qualidade para baixo. De qualquer forma, a população em geral encontrou uma maneira de se ver livre do transporte público coletivo –visto como barato, porém demorado e desconfortável– e dos táxis –considerados caros e com a reputação manchada por alguns maus motoristas.

Mas com esse barateamento, o modelo executivo originalmente bem desenhado começou a ficar muito dependente de preços baixos. Criou-se um equilíbrio instável, sem espaço para elementos desorganizadores. Por isso, a pandemia desestruturou o serviço quando os passageiros desapareceram. Com a retomada da economia, a demanda voltou a crescer, mas já não havia tantos motoristas disponíveis.

Some-se a isso a bagunça que se tornou a economia brasileira, com inflação e desemprego muito altos, juros galopantes e –o que é particularmente crítico aqui– preços dos combustíveis aumentando explosivamente. Assim, o equilíbrio do negócio foi comprometido. E isso não se aplica apenas à Uber, mas ao próprio modelo. Não é de se estranhar, portanto, que a concorrente espanhola Cabify, apesar de continuar operando em outros países, tenha encerrado a operação brasileira em junho.

Suprema ironia, a população vem trocando a Uber pelos táxis, pois a qualidade do seu serviço agora é vista como superior. Pelo menos, não cancelam as corridas.

 

O que poderia ser feito

Quando a Uber chegou ao Brasil, ficava com uma parcela fixa de 7% do valor da corrida. Com o tempo, isso foi aumentando, chegando a 25%. Mas, desde 2018, a porcentagem fixa não é mais aplicada, com um desconto variável em cada caso. Segundo os motoristas, isso pode passar de 40% do valor da corrida!

Tentei falar com um representante da empresa para esclarecer melhor esses pontos, mas o que consegui foi apenas uma nota oficial. Ela reconhece o problema dos cancelamentos, mas não oferece nenhuma solução. Sobre a dificuldade dos motoristas, explica que a empresa lhes oferece parcerias para descontos em planos de saúde, academias, escolas e outros estabelecimentos.

Mas claramente evita tocar no ponto crítico do ganho dos motoristas. A única parceria que ajuda nisso é um sistema de cashback de 4% para abastecimentos em uma rede específica de postos. Muito pouco para esse cenário desesperador!

A “solução” recai, portanto, sobre a tarifa dinâmica, em que o passageiro paga mais quando há poucos motoristas dispostos a aceitar sua corrida. Mas isso é quase uma perversão do sistema, pois essa tarifa deveria acontecer apenas em uma situação de grande procura, e não como fórmula regular para motoristas terem ganhos dignos.

Claro que, como toda empresa, a Uber e seus concorrentes precisam manter a operação e ter lucros. Mas, em um cenário de crise como a que o Brasil enfrenta hoje, todos precisam colocar de sua parte, até mesmo reduzindo sua parcela nos ganhos ou pagando mais pelo serviço, se for necessário.

Não se trata de uma visão “romântica” ou simplista da economia. A proposta dos aplicativos de transporte está sendo alvejada pelos seus dois clientes: os passageiros e os motoristas.

Se nenhum movimento que vise realmente resolver o problema for feito, o modelo, que foi tão brilhantemente construído e revolucionou a mobilidade urbana mundial, pode se tornar inviável muito em breve, pelo menos aqui no Brasil. E aí, todo mundo –exceto os táxis– perderá: a própria empresa, os motoristas e os passageiros.

Cresce a quantidade de pessoas que não querem falar com outras pessoas

By | Tecnologia | No Comments

Assisto com curiosidade e uma certa apreensão a uma profunda mudança cultural: o aumento de pessoas que parecem não gostar de falar com outras pessoas. Ao consumir serviços das mais diferentes naturezas, preferem interagir com sistemas a conversar com atendentes em carne e osso.

Experiências ruins, que todos nós temos com esses atendimentos, encabeçam os motivos para isso. Mas há também mudanças comportamentais provocadas pelos meios digitais: estamos nos tornando uma geração de pessoas ansiosas e intolerantes, que querem tudo do seu jeito e no seu tempo.

Somos cada vez menos capazes de lidar com frustrações e rejeições. E isso é um problema muito sério, pois a vida sempre foi repleta disso. Na verdade, o confronto com esses dissabores nos ajuda a desenvolver resiliência e tolerância, duas habilidades cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho. Coincidência?

De olho nessas mudanças comportamentais, várias empresas lançam produtos que atendem essas “demandas” de seu público. A mais recente foi a Uber, que anunciou, no dia 4, seu serviço Comfort. Entre outros benefícios, as pessoas poderão controlar, pelo aplicativo, que o motorista fale apenas o indispensável com elas.

Será que precisamos de um aplicativo para isso? Se não pudermos ou não quisermos conversar com o motorista, não podemos simplesmente explicar e pedir isso a ele quando entrarmos no carro?

Para muitos, a novidade chega a ser bizarra; para outros, é muito bem-vinda. Em qual grupo você se encaixa? Assista a meu vídeo abaixo para entender melhor por que isso tudo está acontecendo. E depois explique o seu ponto de vista para todos nos comentários.



Se você quiser ver o artigo sobre o estudo das universidades de Stanford e do Novo México sobre a evolução nas maneiras como as pessoas se conhecem, mencionado no vídeo, ele está disponível em https://web.stanford.edu/~mrosenfe/Rosenfeld_et_al_Disintermediating_Friends.pdf


Quer ouvir as minhas pílulas de cultura digital no formato de podcast? Basta procurar por “O Macaco Elétrico” no Spotify, no Deezer ou no Soundcloud. Se preferir, pode usar seu aplicativo de podcast preferido. É só cadastrar nele o seguinte endereço: http://feeds.soundcloud.com/users/soundcloud:users:640617936/sounds.rss

A inteligência artificial só roubará o seu emprego se você deixar

By | Tecnologia | No Comments
“Harry Potter”: fãs traduziram livro em apenas 45 horas há 13 anos; hoje isso poderia ser feito instantaneamente por um software - Foto: divulgação

“Harry Potter”: fãs traduziram livro em apenas 45 horas há 13 anos; hoje isso poderia ser feito instantaneamente por um software

Em julho de 2005, milhares de fãs usaram a Internet para traduzir para o alemão as mais de 600 páginas do livro “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” em apenas 45 horas e 22 minutos após o lançamento do original em inglês. Isso enfureceu a Carlsen, detentora dos direitos dos livros do bruxinho na Alemanha, que precisou de três meses para fazer a mesma coisa para a edição oficial. Hoje, 13 anos depois, a mesma tradução talvez fosse feita quase instantaneamente e sem cansar nenhum fã: um sistema com recursos de “machine learning” se encarregaria da tarefa.

Quer dizer que o trabalho dos tradutores está com os dias contados? E o seu trabalho –qualquer que seja– também está ameaçado pela inteligência artificial?

Calma: não precisa entrar em pânico! Mas não dá para ficar deitado em berço esplêndido.


Vídeo relacionado:


O fato é que, em uma janela de três anos, diversas tecnologias emergentes ganharam o mercado em velocidade galopante. Estão incrivelmente poderosas (especialmente quando combinadas) e muito acessíveis. “Machine learning”, “Internet das Coisas”, “big data”, “análises preditivas” saíram dos laboratórios e dos roteiros de ficção científica, graças a enormes avanços nos equipamentos e no software.

Há ainda outro fator absolutamente determinante nessa mudança que vivemos: o público. Graças ao crescente poder de escolha e ao acesso ubíquo à informação, viabilizado pelos smartphones e pelas redes sociais, todos nós estamos nos tornando mais exigentes e, de certa forma, mais ansiosos. Assim queremos que produtos e serviços sejam, cada vez mais, personalizados para nossas necessidades particulares, oferecidos do nosso jeito e no nosso tempo.

Como lidar com esse nível de demanda inédito? Valendo-se justamente das tecnologias acima. Isso nos leva à questão que dá títulos esse artigo: como se manter relevante no mercado profissional, se a tecnologia se faz cada vez mais necessária para as empresas atenderem as novas demandas do público?

Durma com um barulho desse!

 

Substituindo o que uma pessoa pode fazer

Uma verdade é inevitável: o que puder ser automatizado será.

É por isso que algumas profissões correm mais risco que outras: quanto mais mecanizadas e repetitivas as tarefas do profissional, mais delicada é a sua situação em um futuro próximo. É o caso, por exemplo, dos motoristas.

Carros autônomos já vêm sendo desenvolvidos e testados há anos por gigantes como Google e Uber, além da própria indústria automobilística. A tecnologia já está madura e a expectativa é que eles se tornem um produto comercial em apenas cinco anos. O fato é que a tarefa de dirigir, por si só, é bastante automatizável. Com o avanço da capacidade de processamento, do software e dos sensores embarcados nesses veículos, eles acabam ficando mais seguros que um carro dirigido por uma pessoa.

Isso não quer dizer que eles sejam a prova de acidentes. Em março desse ano, um carro autônomo do Uber em testes matou uma mulher nos EUA. Assistindo às imagens do acidente, nota-se que a vítima atravessou em um local escuro e que provavelmente também teria sido atropelada por um motorista. Mas também é verdade que o carro aparentemente não tentou frear nos dois segundos anteriores ao choque, quando a vítima ficou finalmente visível.

A culpa é do carro? Mais que isso: dá para imputar culpa a um carro?

Apesar dessa fatalidade e de uns pouco acidentes, todas as estatísticas demonstram que os carros autônomos são incrivelmente mais seguros que os dirigidos por pessoas. Além disso, a possibilidade de o carro nos levar aonde quisermos, enquanto nos dedicamos a outras tarefas no trajeto, é tentador, especialmente em cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, em que as pessoas perdem muitas horas todas as semanas dirigindo no trajeto de casa ao trabalho.

A inteligência artificial também brilha em atividades mais analíticas, como na avaliação de riscos. É o caso de documentos jurídicos, que já estão sendo automatizados, inclusive no Brasil. Por exemplo, a Urbano Vitalino Advogados, de Recife, contratou o IBM Watson para tarefas repetitivas do escritório a fim de concluir processos com mais eficiência e com maior índice de vitória. Já o banco JPMorgan está usando o sistema COIN (Contract Intelligence) para analisar acordos de empréstimos, que antes sobrecarregavam batalhões de seus advogados.

 

Vamos conversar?

As tecnologias emergentes também estão popularizando outro recurso que, até havia bem pouco tempo, era ficção científica: a linguagem natural, ou seja, a possibilidade de dar comandos e receber respostas como se estivéssemos conversando com uma pessoa.

No ano passado, um homem foi preso no Novo México (EUA) por bater em sua namorada e ameaçar matá-la. O crime só foi descoberto porque o Alexa, um equipamento da Amazon que fica sobre a mesa aguardando comando para tarefas simples, ligou para a polícia durante a agressão. Os policiais ouviram o que estava acontecendo e foram até o local, prendendo o homem.

Acha que estou exagerando? Faça um teste agora mesmo. Fale ao assistente do Google em seu celular o seguinte: “quando é o próximo jogo do Timão”. O sistema entenderá que “jogo” se refere a uma partida de futebol e “Timão” se refere ao Corinthians. E lhe dará a resposta correta, também por voz.

Ah, você é palmeirense? Tudo bem: pergunte ao Google “quando é o próximo jogo do Campeão do Século” e se surpreenda.

Mas a tecnologia de linguagem natural já pode fazer muito mais! Veja o exemplo no vídeo abaixo, do Google Duplex, apresentado em maio na conferência Google I/O, em que o sistema liga para estabelecimentos comerciais e conversa com atendentes humanos para realizar agendamentos. E o outro lado não percebe que está falando com um sistema impulsionado por “machine learning”:


Vídeo relacionado:


Ironicamente (e espantosamente), na segunda conversa, o sistema demonstrou mais habilidade na fala que a pessoa com quem estava interagindo!

 

Entregando o que uma pessoa não pode fazer

No começo de junho, estive no Sapphire Now, o maior evento mundial da gigante de software SAP, nos EUA. E lá vi soluções baseadas em inteligência artificial surpreendentes e que estão à disposição de empresas, mesmo pequenas.

Um deles estava em um estande que simulava uma loja de produtos esportivos. Se qualquer pessoa pegasse um tênis ou uma mochila das prateleiras, a loja identificava o produto e mostrava informações sobre ele em uma tela ao lado. Vale dizer que não havia qualquer sensor na mercadoria: a loja estava efetivamente “vendo” o produto na mão do cliente.

Mas a mágica realmente acontecia se a loja também fosse capaz de identificar o cliente, por reconhecimento facial. Nesse caso, a partir de informações de compras anteriores ou até mesmo coletadas do “big data”, a loja poderia inferir se aquele produto era o ideal para aquela pessoa, e, caso contrário, sugerir outro item da loja.

Na conferência, também vi Michael Voegele, CIO da Adidas, demonstrando como a empresa está tomando decisões sobre suas novas coleções a partir de tendências identificadas por “machine learning” em milhares de fotografias de diferentes partes do mundo. O sistema deduz quais as cores, que tipo de roupas, entre outras informações, as pessoas estão preferindo em cada cidade que lhes interessa. Ou seja, a máquina faz a leitura e a análise massiva das informações de maneira totalmente automatizada, em velocidade e volume que pessoas jamais conseguiriam. E com resultados mais eficientes.

Na área da saúde, uma solução da SAP com a gigante farmacêutica Roche monitora continuamente informações médicas, como o nível de glicose, de pessoas diabéticas ou com risco de desenvolver a doença. Esses indicadores são coletados por um “wearable” e transmitidos ao sistema central pelo smartphone do paciente. Isso oferece às equipes médicas análises qualitativas sobre a doença e sobre as populações atendidas, permitindo a criação de programas de saúde mais assertivos. Mas talvez o ganho mais incrível seja o sistema identificar alterações nos indicadores de cada indivíduo para que seus médicos sejam avisados a tempo de agir contra uma eventual crise. O controle da doença fica muito mais eficiente em cada indivíduo e pode até mesmo evitar seu surgimento em quem ainda não a desenvolveu.

 

Quando todos ganham

Tradutores, motoristas, advogados, secretários, vendedores, pesquisadores de mercado, médicos… Todos eles e todos nós, não importa qual seja nossa profissão, já estamos sendo impactados pela tecnologia digital e a inteligência artificial em maior ou menor escala. E a coisa só tende a aumentar! Mas longe de isso ser algo que vai nos tirar o emprego, pode ser uma tremenda oportunidade. Mas temos que sair da nossa zona de conforto.

É… A mudança dói, mas traz evolução.

A tecnologia impacta decisivamente o mundo do trabalho pelo menos desde a Revolução Industrial. Todos nós estudamos como ela provocou, em um primeiro momento, graves problemas sociais, com categorias profissionais inteiras sendo extintas e exploração abusiva de mão de obra. Mas, apesar disso, alguém ousaria dizer que a Revolução Industrial não trouxe avanços inestimáveis para a humanidade?

Voltando à nossa realidade cada vez mais inundada de inteligência artificial, esses sistemas, muito mais que ameaças, são incríveis ferramentas para melhorar o trabalho. Até mesmo em funções que devem ser inteiramente automatizadas, como a dos motoristas, isso pode provocar o surgimento de outras atividades, como a de uma espécie de “comissário de bordo” para melhorar ainda mais a experiência do cliente em um táxi autônomo.

Além disso, a automação de tarefas repetitivas ou a possibilidade de oferecer subsídios inimagináveis de outra forma, para que profissionais realizem bem seus trabalhos, abre possibilidades para que se dediquem a atividades mais nobres e interessantes.

Para profissionais e empresas que estiverem dispostos a usar criativamente tudo isso que a tecnologia já nos oferece, vejo um belo caminho adiante, em que poderão entregar produtos mais adequados às necessidades individuais de cada consumidor superexigente, com um custo de produção menor e resultados mais satisfatórios para todos.

Aqueles que insistirem em fazer as coisas do jeito antigo, receio que –esses sim– serão substituídos pelas máquinas. Como luditas do século 21, perderão seu espaço, não para a tecnologia, mas para sua própria falta de visão.

Em qual grupo você ficará?


E aí? Vamos participar do debate? Role até o fim da página e deixe seu comentário. Essa troca é fundamental para a sociedade.


Artigos relacionados:


A inovação não vem da tecnologia: vem das pessoas (e o que você faz sobre isso?)

By | Educação, Tecnologia | No Comments

Imagem: Visual Hunt (Creative Commons)

“Inovação” é uma dessas palavras que está na boca de todo bom profissional e de qualquer empreendedor que se preze. Em tempos em que a concorrência é imensa e o consumidor tem cada vez maior poder, isso verdadeiramente deixou de ser um luxo para se tornar uma questão de sobrevivência. Então eu lhe pergunto: você sabe o que precisa para inovar?

A pergunta é legítima: na prática, vemos poucas empresas inovadoras. Essa escassez se deve a algumas ideias equivocadas, como a de que a inovação depende de grandes investimentos em tecnologia, que não passa de uma ferramenta. Verdade seja dita, uma ferramenta cada vez mais poderosa e acessível, mas ainda só uma ferramenta. O que realmente faz a inovação acontecer são as pessoas.


Vídeo relacionado:


Nós nascemos com todas as habilidades necessárias para inovar. Além disso, a tecnologia digital onipresente faz com que hoje quase todo mundo tenha pelo menos uma noção do que pode fazer para usar essa ferramenta criativamente.

Isso ficou muito claro em dois grandes eventos de tecnologia do qual participei nas últimas semanas: o Red Hat Forum e o SAP Forum, do qual fui Mentor de Conteúdo. Apesar de o melhor da tecnologia estar presente em toda parte ali, nada daquilo adiantaria sem a fagulha que nasce em cada um de nós. Tanto que o slogan do Red Hat Forum era “o impacto do indivíduo”. Perguntei a Gilson Magalhães, presidente de Red Hat Brasil, o porquê dessa frase. E ele explicou que a inovação depende de dois ingredientes básicos: a criatividade e a liberdade.

A primeira das duas é o que transforma necessidades em ideias, em produtos! Foi assim que a dificuldade para se conseguir um táxi deu origem ao Uber ou o desejo de compartilhar vídeos com amigos criou o YouTube, por exemplo. Hoje são duas operações multimilionárias, mas surgiram de necessidades muito simples, que todos nós temos, que foram conduzidas criativamente e com liberdade para se tentar. E veja só onde chegaram!

Todos nós temos necessidades não atendidas como essas o tempo todo. Então por que não temos muito mais exemplos assim por aí?

 

Os riscos da zona de conforto

Acontece que as pessoas e, ainda mais, as empresas têm medo da inovação.

Todos nós buscamos a nossa “zona de conforto”, um espaço em que temos a sensação de que dominamos todas as variáveis e onde não somos ameaçados. Nesse lugar, somos os senhores absolutos da situação.

Pena que isso não passe de uma ilusão.

Nunca somos os senhores absolutos do castelo: sempre algo está além do nosso controle, da nossa visão. Por isso, ao contrário de ser uma fortaleza, a “zona de conforto” é uma tremenda vulnerabilidade, pois, quando achamos que estamos “tranquilos”, ficamos cegos ao que está acontecendo a nossa volta. Perdemos a chance de identificar novas tendências e novos concorrentes. Ou pior: identificamos, mas não damos a devida atenção, até que seja tarde demais, e já estejamos sendo chutados para fora do mercado.

Mas o grande problema da “zona de conforto” é que ela inibe a inovação.

Sabe aquele ditado que diz que “em que que está ganhando não se mexe”. Profissionais e empresas que pensam assim estão condenados a desaparecer. Pois vejamos ou não, queiramos ou não, a concorrência sempre está se mexendo. Nosso próximo concorrente pode estar sendo criado nesse exato momento na mesa de um café qualquer. Essa nova empresa, inovadora e disposta a correr riscos, chegará ao mercado com potencial de destronar negócios consolidados há décadas, pelo uso criativo da tecnologia e modelos de negócios ousados.

Não podemos nos dar ao luxo de não correr riscos. Temos que estar prontos para isso o tempo todo, pois o mercado já não comporta quem quer ficar sempre igual. Não se enganem: a inovação chegará mais cedo ou mais tarde.

A questão que fica é: você estará no grupo inovador ou no que foi colocado para fora dos negócios?

 

A delícia de se correr riscos

Sim, temos medo de inovar, de correr riscos. É o nosso instinto de autopreservação gritando em nossos ouvidos, tentando evitar que quebremos a cara. Mas a única maneira de ter essa garantia é não tentando nada.

Oras, mas, se não tentarmos, nunca chegaremos a lugar nenhum. Nunca progrediremos. Nunca atingiremos o sucesso. Nunca conseguiremos sair do lugar medíocre em que a vida tende a colocar aqueles que ficam imobilizados por muito tempo.

Em resumo: nunca inovaremos.

Como disse o presidente da Red Hat Brasil, a inovação depende da criatividade e da liberdade. A primeira delas é mais fácil de entender. Precisamos pensar coisas novas, mas também pensar de um jeito diferente coisas que já existem, como nos exemplos do Uber e do YouTube. Já a liberdade é um conceito ainda mais nobre.

Liberdade não é a porta da gaiola aberta. É ter a garantia de poder ser criativo, sem que possíveis falhas no percurso da inovação sejam punidas. Como as empresas não conseguem garantir isso aos funcionários (mas ainda querem se dizer inovadoras), elas criam os famigerados “departamentos de inovação”. Esse é um jeito bonitinho de colocar a inovação dentro de quatro paredes, deixando-a bem controlada.

Nada mais equivocado!

A inovação não pode ser controlada, não pode ser parametrizada, não pode jamais ser restrita! Todos os funcionários de uma empresa devem ser incentivados a inovar, inclusive naquilo que não faz parte do seu trabalho. Pois a criatividade mais brilhante pode brotar nos lugares mais inesperados, como uma flor que escolhe nascer na rachadura de uma parede de concreto.

Querer restringir isso aos poucos escolhidos do “departamento de inovação” não faz o menor sentido. Da mesma forma, cabe a cada um querer ampliar os seus horizontes e fazer esses movimentos. Isso o tornará um profissional e uma pessoa melhor.

Em tempos de grande desemprego, isso pode ser decisivo.

 

Continue faminto!

Vivemos um momento riquíssimo em que a tecnologia digital está barata e fácil de usar como nunca, inclusive tecnologia de ponta! Felizes aqueles que conseguem aproveitar isso com criatividade e liberdade para criar produtos que podem redefinir o mercado. Precisamos resgatar aquela mente livre com a qual todos nascemos, mas que, com o passar dos anos, vai sendo aprisionada, primeiramente por um sistema educacional tacanho, depois por empresas acovardadas, ambos intolerantes a falhas e contrários à colaboração genuína.

Isso me lembra do histórico discurso de Steve Jobs para a turma de formandos de Stanford em 2005 (que pode ser visto na íntegra abaixo). O fundador da Apple, uma das pessoas mais inovadoras da história, termina sua fala com uma recomendação: “stay hungry, stay foolish’.


Vídeo relacionado:


Em uma tradução livre, isso poderia significar algo como “continue faminto, continue inocente”. Jobs não sugeria ser inocente para ser feito de bobo, mas sim para continuar acreditando em suas ideias, mesmo quando todo mundo diz que é ruim ou que simplesmente você não pode querer inovar. E ser faminto no sentido de que nunca saberemos o suficiente: sempre há espaço para aprender mais, para querer mais, para crescermos e sermos ainda melhores.

Portanto, se você é um executivo, não crie “departamentos de inovação” na sua empresa: dê liberdade para que todos os seus funcionários queiram -e sejam- criativos. Não tenha medo de correr riscos, ou você matará seu negócio. E, se você é um profissional de qualquer área, de qualquer nível, mantenha essa chama acesa dentro de você.

Em outras palavras, “continue faminto, continue inocente”.


Artigos relacionados:

A tecnologia pode acabar com conselhos profissionais e sindicatos

By | Tecnologia | One Comment

Imagem: Visual Hunt/Creative Commons

Você sabia que, como passageiro, você também tem uma nota no Uber, dada pelos motoristas? Longe de ser uma firula do serviço, essa “reputação” está transformando dramaticamente, ainda que de maneira sorrateira, a maneira como compramos produtos e contratamos profissionais. E, nessa nova ordem mundial, sindicatos e conselhos profissionais podem estar rumando para o mesmo fim dos dinossauros.

Tudo por causa de fundamentos da economia compartilhada! Com eles, profissionais, produtos e serviços são escolhidos por seus clientes a partir da experiência que outros consumidores tiveram antes com tais fornecedores. Quem atende bem, é brindado com uma boa nota, e assim ganha destaque nos sistemas.


Vídeo relacionado (de 17/5/16):


O critério de reputação foi criado por essas empresas como uma maneira de dar alguma proteção tanto ao consumidor, quanto ao fornecedor. Afinal, quando você chama um carro pelo Uber, quando faz uma compra pelo Mercado Livre, quando se hospeda pelo Airbnb (apenas para ficar em alguns exemplos óbvios), você está comprando algo que não é da empresa, e sim fornecido por uma legião de desconhecidos que usam essas plataformas para viabilizar os seus micronegócios. Por isso, a nota que outros clientes já lhes atribuíram é fundamental para saber se esses fornecedores prestam um bom serviço.

Quem tiver uma boa nota, acaba sendo privilegiado pelo sistema, e faz mais negócios. Já quem tiver uma nota ruim, pode acabar sendo expulso dele! Da mesma forma, o cliente também tem sua nota, atribuída pelos profissionais com quem já fez negócio anteriormente. Um cliente ruim também pode ser recusado! Afinal, você alugaria o seu apartamento pelo Airbnb para um “ogro”, que pode estragar tudo lá dentro?

O efeito colateral disso é que as empresas de economia compartilhada não dão muita bola para convenções sindicais ou resoluções de conselhos profissionais.  Quem pode oferecer seu serviço na plataforma, quem é considerado um bom profissional, a maneira como o serviço é prestado atende os seus próprios critérios, e não o que dizem as entidades de classe.

Em muitos casos, isso gera conflitos seríssimos. Talvez o caso mais emblemático seja justamente o do Uber, que entrou em choque frontal com sindicato dos taxistas do Brasil (e do mundo) todo. Afinal, qualquer um que atenda seus critérios pode virar seu motorista. Isso passa por cima das regras dos sindicatos e até das prefeituras, que regulam a atividade.

Mas advinha de que lado fica o consumidor?

 

Cabo de guerra

O cliente não dá a menor bola para as convenções sindicais ou resoluções de conselhos, que, aliás, normalmente desconhece. O que interessa para ele é ser bem atendido, com um profissional competente, com um serviço focado em suas necessidades e a um preço justo. Mas essas regras existem por bons motivos. E aí surge o grande dilema.

Os sindicatos foram criados com a Revolução Industrial, como uma maneira de proteger os interesses dos trabalhadores, que não tinham nenhum direito e eram explorados além do limite da irresponsabilidade. Têm, portanto, um papel essencial na construção de uma sociedade mais justa. As resoluções e códigos de ética dos conselhos profissionais, por sua vez, regulamentam como os profissionais devem exercer seus ofícios, inclusive protegendo interesses dos clientes.

O problema é que, como se pode imaginar, tais regras sofrem atualizações muito, muito lentamente, inclusive porque qualquer mudança precisa ser muito debatida e até embasada em pesquisas científicas, em muitos casos. Mas o mercado não topa mais esperar por isso, pois seu ritmo é muito mais acelerado, e isso só tem aumentado com a introdução de novas tecnologias digitais e a entrada de empresas com modelos de negócios totalmente disruptivos.

Não estou dizendo que a tecnologia vai acabar com categorias profissionais inteiras. Aliás, a tecnologia jamais destrói coisa alguma! Ela promove transformações, propondo alternativas mais vantajosas para as pessoas. Quem tira uma categoria profissional, um produto, um modelo de negócios da jogada é justamente seu consumidor, quando ele encontra essa tal alternativa que lhe atende melhor.

Para piorar ainda mais a situação das entidades de classe, muitas têm fortíssimos interesses políticos, que, muitas vezes até se contrapõem aos dos seus representados. Outras tantas se encontram envolvidas em escândalos de corrupção. Como resultado, não apenas o público, como também muitos profissionais da categoria começam a achar tudo aquilo um atraso de vida.

E advinha só onde todos acabam caindo?

 

Alternativa também para o profissional

Apesar da importância das regras das entidades de classe explicadas acima, o que se vê são cada vez mais profissionais acompanhando seus clientes para as novas plataformas, inclusive contrariando determinações de suas categorias. E o motivo é muito simples: as demandas do público são claras e vão nessa direção.

Oras, pode chegar uma hora em que, se o profissional não embarcar nessas novidades, ficaria sem clientes! O que lhe restaria então?

Um bom exemplo é o que acontece com os psicólogos. Segundo resolução do Conselho Federal de Psicologia, não é permitido fazer terapia online. O máximo que é permitido é uma orientação psicológica pontual, limitada a, no máximo, 20 sessões.

Só que os pacientes não entendem isso! Em uma sociedade totalmente conectada, em que cada vez mais coisas podem ser feitas pelo telefone celular (desde paquerar até a declaração do Imposto de Renda), por que não é possível fazer terapia online? O questionamento ganha ainda mais força quando, por exemplo, o paciente muda de cidade e gostaria de continuar sendo atendido pelo mesmo profissional, à distância. Mas isso não pode acontecer, pois fere a resolução do CFP.

Por mais bem-intencionada que seja a resolução, fica cada vez mais difícil defender essa restrição, especialmente se considerarmos que pesquisas já estão sendo feitas nessa área há 15 anos! Como resultado, o que se vê no mercado são cada vez mais psicólogos ignorando a resolução e encontrando suas maneiras de atender as demandas de seus clientes, mesmo colocando em risco a sua atuação profissional!

Pior que isso: demoras como essa abrem espaço para o surgimento de serviços que ignoram solenemente as regras e chutam a porta com um modelo radicalmente diferente. No mesmo setor da psicologia, no ano passado foi lançado o Fala Freud, um aplicativo que bate de frente não apenas com a resolução acima, mas com o próprio código de ética da profissão. Desde então, ele vem provocando uma acalorada discussão e uma sequência de notas de repúdio de psicólogos.

O aplicativo foi longe demais? Não estou habilitado para afirmar categoricamente que sim ou que não. Mas o fato é que tem um monte de psicólogos cadastrados na plataforma.

Como lidar com essa crise?

 

Foco no cliente e no profissional

Como se pode ver, a tecnologia e as empresas com modelos de negócios (muito) inovadores estão provocando um enorme movimento no mercado. E não quero dizer que estejam promovendo uma bagunça. Mas certamente estão provocando profundas discussões e até indicando alternativas de como uma categoria profissional deve se comportar!

É óbvio que profissões e serviços devem ser regulamentados por entidades competentes, inclusive para proteger o cliente e o profissional: jamais sugeriria o contrário! Mas não é possível que isso continue sendo feito como é hoje.

Ao invés de se posicionarem em lados opostos desse cabo de guerra, empresas e entidades de classe deveriam se unir para se ajudar, cada um oferecendo o que tem de melhor para esse diálogo. Caso contrário, veremos cada vez mais profissionais sérios colocados entre determinações de suas entidades e as demandas de seu público. Se penderem para um lado, podem ficar sem clientes; se forem para o outro, podem ficar sem profissão.

É hora de dar as mãos e construir algo juntos com foco nos clientes e nos profissionais.


Artigos relacionados:

Por que colaborar é melhor que competir, até entre concorrentes

By | Educação, Tecnologia | 3 Comments
Cena de “The Wall”, ópera rock do Pink Floyd: escolas massacrando alunos, matando sua criatividade e colaboração, e promovendo a competitividade – Imagem: reprodução

Cena de “The Wall”, ópera rock do Pink Floyd: escolas massacrando alunos, matando sua criatividade e colaboração, e promovendo a competitividade – Imagem: reprodução

Se você costuma me acompanhar aqui no LinkedIn, provavelmente sabe que estive em Boston (EUA) na semana passada, participando do Red Hat Summit. Quando me perguntam qual foi a coisa mais bacana que vi lá, eu respondo: o conceito de colaboração que permeava o evento. Fiquei impressionado como até mesmo concorrentes podem fazer isso com grande sucesso! Então eu lhe pergunto: você e sua empresa conseguiriam fazer isso hoje?

Não chega a ser uma surpresa ver tanta colaboração em um evento de uma companhia que é a líder mundial em software open source. Mas o que me chamou a atenção é como essa filosofia transcendeu o desenvolvimento de software e está modificando a maneira como empresas de qualquer ramo fazem seus negócios, de uma maneira mais moderna, ágil e eficiente.


Vídeo relacionado:


Para quem não sabe o que open source, trata-se de uma modalidade de desenvolvimento em que alguém baixa um software cujo código-fonte está “aberto” (pronto para ser editado), realiza modificações no produto e o republica para que outros possam fazer outros incrementos a partir dessa versão melhorada. Entre as vantagens disso, estão produtos com mais recursos e muito mais estáveis, pois, ao invés de ser desenvolvido apenas pela equipe de uma empresa, é melhorado por uma boa parte de toda a comunidade de seus usuários. O exemplo mais emblemático dessa modalidade é o Linux, um sistema operacional que rivaliza com o Windows, especialmente em servidores corporativos.

No caso de negócios, a colaboração pode surgir de diferentes maneiras, como, por exemplo, no compartilhamento de recursos. Um exemplo interessante é o do Estadão e da Folha, que entregam seus jornais com os mesmos caminhões já há alguns anos. Concorrentes ferozes nos anos 1990, inclusive para ver quem chegava primeiro às bancas, a crise dessas empresas fez com que elas percebessem que era muito mais vantajoso juntar forças nessa questão operacional e continuar concorrendo naquilo que é realmente o seu negócio: a produção de conteúdo.

Aliás, a concorrência cada vez mais acirrada é hoje uma grande impulsionadora para a colaboração. Mas nem sempre foi assim. O ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro” explica o pensamento ainda dominante no mundo empresarial, que preconiza que, se o mercado está pequeno, se os recursos são escassos, o melhor a fazer é pisar na cabeça do concorrente e, se possível, tirá-lo do negócio.

Nada mais equivocado!

 

Colabore no essencial, concorra no diferencial

Empresas que já aprenderam a surfar nesse novo mundo colaboram até mesmo no desenvolvimento de seus produtos. E, como disse anteriormente, isso é viável até mesmo entre concorrentes! Isso é possível porque produtos semelhantes costumam ter características básicas iguais entre si. O que os diferencia é o refinamento que surge acima disso.

Apesar disso, em muitos casos, a construção desse alicerce comum acaba tomando a maior parte do tempo e dos recursos de desenvolvimento. Oras, se ele é indiferenciado entre concorrentes, por que então não juntarem suas forças nessa etapa?

Os benefícios imediatos são uma considerável redução nos custos e aumento na agilidade no desenvolvimento. Além disso, o produto final será potencialmente melhor que se fosse feito individualmente por cada empresa, pois ele será resultante de companhias diferentes, o que minimiza potenciais vícios empresariais de cada participante, que podem limitar bastante o escopo do produto. Além disso, cresce a base de clientes dessa solução e suas demandas, o que o torna mais atraente do ponto de vista comercial.

Claro que será necessária a criação de mecanismos para evitar que segredos industriais e comerciais vazem. Mas isso já faz parte do negócio, e a criação de processos bem definidos pode eliminar esse risco.

Mas há quem vá ainda além.

 

Negócios abertos e compartilhados

Algumas companhias vão além disso e adotam o conceito de “open business”. Derivado do “movimento open”, essas companhias possuem uma gestão colaborativa, onde funcionários e até mesmo consumidores participam da tomada de decisões em uma escala inimaginável para empresas tradicionais. Até mesmo as finanças são apresentadas de maneiras transparente.

Parte desses conceitos podem ser encontrados em empresas da chamada economia compartilhada, que tem no Uber e no AirBnB algumas de suas maiores estrelas. Essas companhias e seus modelos de negócios disruptivos estão redefinindo alguns pilares do capitalismo.

Talvez a mudança mais dramática que isso promova seja a construção de uma consciência de que não é mais necessário ter algo para usufruir de seus benefícios. O exemplo clássico disso é a furadeira. Quem tem uma em casa sabe que ela é usada muito, muito raramente. Então por que precisamos comprar uma?

O Uber partiu desse princípio para criar um negócio com milhares de pessoas que têm um recurso ocioso (no caso, um carro) e decidem ganhar algum dinheiro com isso. Por outro lado, um número ainda maior de consumidores pode usufruir de um serviço de transporte diferenciado sem precisar comprar um automóvel. Só para ficar no exemplo dos carros, quem quiser conseguir um sem motorista, pode recorrer ao PegCar, em que indivíduos colocam seus veículos para alugar. Bom para os clientes, bom para os donos dos carros. Ruim para as locadoras convencionais.

 

Mundo exponencial

A verdade é que hoje vivemos em um mundo exponencial. Quem tem mais de 30 anos aprendeu a pensar de uma maneira linear: fazemos uma coisa, depois outra, depois outra, todas elas encadeadas e com uma relação de dependência entre si. Fomos educados dessa forma!

É como construir um muro colocando um tijolo ao lado do outro, até completar uma linha, e só então partir para a de cima. Mas o que se vê, cada vez com mais força, são empresas e pessoas (especialmente entre as mais jovens) que descobriram maneiras melhores para se levantar esse muro. E isso acontece de uma maneira que poderia ser considerada anárquica pelos métodos convencionais, pois vários indivíduos trabalham no muro juntos, ao mesmo tempo, cada uma colocando o tijolo onde acha melhor. Em alguns casos, cada um traz o seu próprio tijolo! Mas longe de ser uma bagunça, isso representa a inventividade e a capacidade de colaboração, resultando em um muro melhor e concluído mais rapidamente.

É interessante observar que as crianças nascem colaborativas. Elas gostam de fazer coisas com outras crianças (e até adultos). Mas então por que, quando ficam mais velhas, as pessoas não são mais assim?

A resposta provavelmente está nos bancos escolares. Nosso sistema educacional tem uma estrutura que é essencialmente a mesma desde o século XIX. As escolas ainda formam indivíduos com a cabeça na Revolução Industrial, onde, mais importante que questionar ou inovar, era obedecer e executar. Uma visão digna da ópera-rock “The Wall”, do grupo Pink Floyd, que ilustra esse artigo.

E isso é um crime contra as crianças e contra toda a sociedade!

 

Escolas e iniciativas do futuro

Felizmente, muitas escolas, inclusive no Brasil, estão conseguindo se libertar dessas amarras com o passado e promovendo uma revolução no ensino, formando cidadãos capazes de viver no mundo atual de uma maneira construtiva e colaborativa. Em alguns casos, a mudança é realmente imensa, como no da escola nova-iorquina Quest to Learn, em que todas as aulas acontecem a partir de jogos, com resultados acadêmicos impressionantes! Aqui mesmo, neste espaço, falamos sobre ela, criando um ótimo debate.

Mas não só as escolas podem ajudar a incentivar as habilidades de colaboração e inventividade de crianças e adultos: as empresas também podem fazer isso. Nessa minha visita à Boston, tive a oportunidade de conhecer o projeto Co.Lab, realizado pela mesma Red Hat. Resumidamente, trata-se de uma iniciativa para aproximar meninas da tecnologia e de conceitos de colaboração. Para isso, elas montaram suas próprias câmeras digitais usando um Raspberry Pi, um pequeno computador de apenas US$ 35 que também incorpora o “modelo open” em sua concepção. Depois elas tiveram oportunidade de sair pelas ruas da cidade e fotografar tudo que elas quisessem para, posteriormente, criar colaborativamente uma releitura de um poema de Emily Dickinson. O vídeo logo no início desse artigo traz detalhes dessa bela iniciativa.

Se pensarmos bem, o que estamos fazendo exatamente aqui também é um bom exemplo de colaboração. Um dos maiores prazeres que tenho no LinkedIn é justamente fomentar debates em torno de temas que sejam importantes para a sociedade.

Vejam que eu disse “debate”, pois os artigos e atualizações que publico aqui são modestamente apenas pontos de partida para discussões. Elas são construídas com a colaboração de centenas de pessoas, que generosamente oferecem parte do seu tempo para tecer comentários com informações que enriquecem ainda mais o conteúdo já existente. E o resultado disso fica disponível para todos.

Portanto, diante de tudo isso, se os negócios estão difíceis, eu sugiro fortemente que você considere a possibilidade de trabalhar com outras empresas, mesmo que sejam concorrentes. Essa divisão do fardo pode deixar todos mais ágeis. E aí todo mundo ganha: as próprias empresas, seus funcionários e a sociedade, que fica mais moderna e humana.


Artigos relacionados:

O que todos nós podemos aprender com 2016

By | Tecnologia | One Comment
Cena de “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin: devemos nos apropriar da tecnologia, mas não podemos deixar que ela tire nossa humanidade – imagem: reprodução

Cena de “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin: devemos nos apropriar da tecnologia, mas não podemos deixar que ela tire nossa humanidade

O ano de 2016 dificilmente será esquecido. Mesmo em quem conseguiu surfar na maré brava que ele representou, ele deixou suas marcas. Por isso, escolhi três palavras –tecnologia, resiliência e transformação– que podem ensinar algo para encararmos 2017. E adianto: ele pode ser melhor!

Em um ano em que tivemos a primeira Olimpíada na América do Sul acontecendo no Rio, grandes movimentos sociais espalhando-se pelas cidades, o impeachment de uma presidente, e uma quantidade sem precedentes de políticos e empresários graúdos indo para a cadeia por corrupção, o que mais impactou a população foi mesmo a crise: ela quebrou inúmeras empresas e catapultou o volume de desempregados para além dos 12 milhões, um triste recorde.


Vídeo relacionado:

O vídeo acima é um resumo (10 minutos) da palestra sobre Marketing de Conteúdo e Inbound Marketing, realizada no Campus São Paulo do Google no dia 28 de julho. Você pode assistir gratuitamente a íntegra do evento, incluindo todos os slides da apresentação, nesta página (1 hora e 32 minutos).


Nesse cenário em que “emprego com carteira assinada” virou artigo de luxo, as pessoas se reinventaram. Muitos começaram a olhar a tecnologia com outros olhos, deixando de ser apenas usuários para encontrar nela maneiras criativas para geração de renda e até mesmo para o desenvolvimento em uma nova profissão.

Possivelmente o exemplo mais emblemático disso seja o Uber, que vem crescendo explosivamente. É possível até mesmo que você conheça alguém que dirija seu carro para a empresa. Apesar de não divulgar quantos motoristas têm hoje, eles mesmos estimam que, só na cidade de São Paulo, já devem ultrapassar os 40 mil. Há um ano, antes da regularização do serviço pela prefeitura, esse número girava em torno de 1.500. Se, para o passageiro, esse enorme aumento trouxe vantagens, para os motoristas fez seus ganhos ficarem bem menores. Ainda assim, na média, eles continuam achando que dirigir para o Uber é um negócio interessante.

E isso faz parte do jogo. Já discutimos aqui as belezas e os riscos de se abraçar “trabalhos digitais”. A dica essencial é: conheça as potencialidades e o funcionamento do que pretende fazer, planeje-se e alinhe suas expectativas. Sem isso, dificilmente a coisa vai acontecer bem. Mesmo no Uber: não é só sair dirigindo! Deve-se ter metas, estudar o mercado. Sem isso, perde-se sua grande vantagem sobre o táxi tradicional, que é a oferta de um serviço diferenciado por cima do simples transporte de passageiros.

Há ainda um elemento que jamais deveria ser esquecido (apesar de muitas empresas não darem muita bola pare ele): as pessoas.

 

Acima de tudo, sejamos humanos!

Outra coisa que 2016 escancarou –e com grande ajuda das redes sociais– foi a importância de profissionais e empresas se relacionarem com seu público e seu cliente.  Um relacionamento genuíno, muito além da simples promoção de serviços e produtos. Em outras palavras, as pessoas querem hoje mais que simplesmente consumir: querem ter voz, poder participar, poder compartilhar e até mesmo ajudar!

O marketing tradicional, que se preocupa mais em empurrar produtos goela abaixo do consumidor, perde força diante dessa nova postura do público. Em contrapartida, novas técnicas como marketing de conteúdo e inbound marketing, que propõem a construção de um relacionamento com os consumidores, ganham mais espaço. Apesar dos seus nomes estarem na moda, o conceito está longe de ser novidade: temos exemplos de marketing de conteúdo ainda no século 19! Mas não há dúvida que as mentes mais criativas estão transformando tudo isso em algo incrível, graças a usos inteligentes da tecnologia digital.

Então o que eu quero que fique claro para todos é que, por mais que tenhamos que ser resilientes diante das provações que a crise nos impõe, por mais que a tecnologia nos ofereça incríveis oportunidades de nos transformar, devemos sempre lembrar que lidamos com pessoas, independentemente do que façamos.

Carl Gustav Jung, criador da psicologia analítica, dizia: “conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Ele estava brilhantemente correto.

Portanto, o desejo para 2017 deste entusiasta da tecnologia que lhe escreve é que se apropriem dos recursos digitais que lhes fizerem sentido, de uma maneira consciente e para o seu bem e o das pessoas que o rodeiam. Mas nunca, jamais esqueçam de seu lado humano, pois é isso que nos diferencia das máquinas.

E assim construamos um ano incrível para todos nós!


Artigos relacionados:

“Trabalho digital” vira salvação de muita gente, mas tem “pegadinhas”

By | Tecnologia | 3 Comments
O personagem Quico, da série mexicana Chaves: o “dono da bola”, exatamente como os serviços digitais – imagem: divulgação

O personagem Quico, da série mexicana Chaves: o “dono da bola”, exatamente como os serviços digitais

Fazer o seu próprio horário, gerenciar seus custos e seus ganhos e, acima de tudo, não ter mais chefe: quem não gostaria de um trabalho assim? Pois tem muita gente materializando esse sonho profissional, graças a serviços digitais inovadores. Mas não há negócio mágico, nem garantido. Na verdade, “trabalhos digitais” exigem dedicação e planejamento como qualquer outro, e ainda escondem algumas “pegadinhas” que quebram as pernas de muita gente.

As aspas em volta do “trabalho digital” existem porque, na imensa maioria dos casos, a coisa acontece de forma bastante convencional, sendo apenas viabilizados, de alguma maneira, por recursos digitais. E alguns profissionais caem nas armadilhas justamente por esquecer que as regras do mercado continuam valendo da mesma forma.


Vídeo relacionado:


Um bom exemplo é o Uber. Uso o serviço regularmente desde que ele chegou em São Paulo e sempre “entrevisto” informalmente os motoristas sobre como eles veem a experiência de dirigir o próprio carro para os outros. Com raríssimas exceções, a resposta é sempre positiva: eles gostam e veem naquilo uma maneira de conseguir exatamente as condições que abriram esse artigo. Por outro lado, todos eles também dizem que hoje precisam dirigir muito mais para ganhar o mesmo que ganhavam há alguns meses. Isso, claro, para aqueles que já têm mais de seis meses de volante, o que é a minoria.

A empresa não divulga a quantidade de motoristas que tem em São Paulo, mas eles mesmos estimam que hoje seja algo entre 30 mil e 40 mil. Como consumidor, é fácil notar que há mesmo muito mais carros na rua: se antes eu chegava a esperar mais de 10 minutos por um deles, hoje raramente espero mais que três. Claro! Em tempos de uma gravíssima crise de empregos no país, muita gente teve a mesma ideia, e resolveu dirigir para o Uber. Pela lei de mercado, com o aumento da oferta, os ganhos caem. Sem falar que a porcentagem que o Uber retém aumentou consideravelmente.

Outra coisa que me chama a atenção desde o começo é o nível educacional dos motoristas. Claro que existe de tudo, mas já cansei de pegar engenheiros, advogados médicos e outros profissionais normalmente muito valorizados topando guiar 12 horas por dia para poder pagar suas contas, diante do desemprego explosivo. O nível dos carros também varia bastante, mas há duas semanas fui surpreendido por uma BMW impecável vir me buscar, apesar de ter chamado um carro do Uber X, versão mais barata do serviço. O carrão não se classificava na categoria Black, a mais cara, por ser de 2013, portanto velho demais para os critérios da empresa.  O dono do carro, um homem de cerca de 45 anos, estava ali porque sua empresa havia falido, e não sabia o que fazer.

No final, a corrida deu R$ 16,75, dos quais 25% ficaram com o Uber. E aí está a grande pegadinha.

 

“A bola é minha: brinco como eu quiser”

Como consumidor, eu adoro o Uber! Mesmo me colocando no lugar dos motoristas, ainda acho que ele seja interessante, especialmente porque está sendo a saída de muita gente para ganhar algum dinheiro nesses tempos bicudos.

Mas claramente eles não têm tanta liberdade quanto imaginam, pois precisam trabalhar cada vez mais para garantir um ganho mínimo, e nas condições que lhes são impostas unilateralmente. E, se não são empregados de nenhuma empresa, na prática respondem, sim, para uma companhia, que, como qualquer outra, visa lucros. Por fim, se não há um chefe personificado em alguém, ele existe de fato no aplicativo que determina quem devem transportar, de que forma e a que custo. Mais que isso: pode lhes aplicar punições se não seguirem as regras da empresa.

O aplicativo é, portanto, um chefe insensível e implacável, com quem não se pode argumentar. Assim como dizia o personagem Quico, da série mexicana “Chaves”, a bola é dele, e todos têm que brincar do jeito que ele quer.

Mas é possível se divertir muito com a bola do outro. É só alinhar as expectativas.

 

De salvação a opção de vida

A essa altura, muita gente pode estar pensando que eu acho o “trabalho digital” algo ruim ou que o Uber explora os motoristas.

É exatamente o contrário disso!

Como disse acima, especialmente em tempos de crise, o uso inovador de tecnologia para criar empregos (ou pelo menos trabalho remunerado) é muito bem-vindo! O grande desafio é que isso deixe de ser apenas uma maneira de conseguir algum dinheiro para pagar as contas por falta de alternativa, e passe a ser uma opção de vida.

A primeira coisa a se fazer é parar de achar que existe uma mágica em torno disso tudo. “Não existe almoço grátis”, como diz o ditado. Quem pensa que vai criar uma fan page no Facebook e ganhar muito dinheiro vendendo qualquer coisa está muito enganado.

Como qualquer empreitada, é preciso conhecer bem as regras do jogo para fazer um modelo de negócios confiável. Seja Uber, Facebook, Mercado Livre, Airbnb ou qualquer outro serviço digital que possa virar nosso parceiro no negócio que estejamos nos metendo, temos que saber quais seu funcionamento, exigências, restrições, vantagens e desvantagens. Cada um tem o seu e o que funciona para um cliente pode não funcionar para outro. Portanto, muita calma nessa hora, para avaliar, sem deslumbramento, o que cada um tem a oferecer.

Além disso, deve-se estudar outros fatores, como quem é a clientela, a concorrência, as características do mercado, a legislação aplicável, fornecedores e outros parceiros, custos e riscos, para então descobrir boas oportunidades.  Os “trabalhos digitais” são muito sedutores porque criam oportunidades e abrem portas que muitas vezes sequer existiam no mês passado, e por isso são muito bem-vindos! Mas a maior parte do trabalho é bastante “analógico”, como qualquer outro negócio. Sem isso, corre-se o risco de engrossar a estatística do IBGE que diz que 60% das empresas brasileiras quebram antes de completar cinco anos.

O objetivo, portanto, é fazer todo esse planejamento com calma e detalhadamente. Assim, as expectativas ficarão alinhadas e os projetos serão bem construídos, evitando-se frustrações. E aí os “trabalhos digitais” brilham com força!


Artigos relacionados:

Abrace a tecnologia digital ou ela chutará o seu traseiro

By | Tecnologia | 11 Comments

Cena de "Os Jetsons" - imagem: reprodução

A partir de 2017, o Grammy também premiará artistas com músicas disponíveis apenas em plataformas de streaming, como Spotify e Apple Music. Longe de ser algo interessante só a músicos, todas empresas e profissionais deveriam prestar atenção nesse movimento, pois ele resulta do respeito às mudanças do mercado, e qualquer um pode aprender com isso.

É verdade que aquela máxima que prega que “o cliente sempre tem razão” nem sempre funciona, porque tem muita gente que abusa de sua condição de cliente para exigir coisas descabidas. Por outro lado, não se pode querer continuar fazendo seu trabalho “como sempre”, quando o mercado já abraçou um formato totalmente diferente.


Vídeo relacionado:


Acontece que estamos vivendo justamente uma época de embates de consumidores “empoderados” por novas tecnologias e modelos de negócios revolucionários contra profissionais e corporações entrincheirados em formatos vigentes há décadas, que insistem que as pessoas continuem consumindo seus produtos ou serviços como faziam anteriormente.

Para esses últimos, eu tenho uma péssima notícia: isso não vai acontecer. E o caso da indústria fonográfica é ótimo para explicar o porquê.

Ela talvez tenha sido a primeira grande vítima da popularização dos meios digitais. Quem tem mais de 30 anos deve se lembrar das batalhas de gravadoras e músicos contra serviços de troca de arquivos MP3, como o Napster, onde até os usuários (e, portanto, fãs dos artistas) chegaram a ser processados. Se isso já estava provocando uma queda na venda dos álbuns, o lançamento do iTunes Store pela Apple em 2003 jogou uma pá de cal sobre o modelo de negócios baseado na venda de CDs, transformando-se na maior vendedora de música do mundo, apesar de fazer isso pelo download de faixas isoladas. E agora esse modelo também já está sendo substituído pelo streaming, no qual o usuário pode ouvir quantas músicas quiser diretamente da Internet, pagando um pequeno valor fixo por mês (ou até de graça). Entre os principais representantes dessa categoria, estão o YouTube, o Spotify, a Apple Music, o Tidal e o Pandora.

 

Quanto vale o show?

Qual é a nova realidade desse mercado? As pessoas simplesmente não compram mais CDs, mas elas eventualmente topam pagar R$ 14,90 por mês para ter acesso a uma biblioteca online de música virtualmente infinita. Elas usam o YouTube para ouvir cantores e bandas de graça, mas depois poderão gastar centenas de reais para ir a um show de seus artistas preferidos. Qualquer coisa fora disso não tem mais espaço no mundo.

Se a Academia Nacional de Artes e Ciências da Gravação praticamente chancelou esse novo modelo com a inclusão de músicas disponíveis apenas por streaming no Grammy Awards, era de se supor que ele já fosse um consenso na comunidade artística. Mas isso está longe de ser verdade.

Muitos artistas consagrados se opõem fortemente ao streaming, dizendo que seus ganhos ali são irrisórios. As empresas pagam R$ 0,002 a cada reprodução, e a metade vai para os artistas. No caso de usuários não-pagantes, estipula-se que cada 150 visualizações gratuitas equivalem a uma paga. Por isso, a cantora Adele lançou, em novembro passado seu mais recente álbum, “25”, apenas no formato físico (posteriormente ela o liberou para streaming no Pandora). Já Elton John propôs em 2007 o fim da Internet, pois ela estaria “destruindo a indústria musical e as relações interpessoais”.

Os dois casos demonstram uma enorme miopia. Não dá mais para querer ganhar muito dinheiro vendendo a música porque os consumidores tiraram o valor disso. Não estou dizendo que a música não tenha mais valor, mas os grandes ganhos agora estão nos shows. O streaming, pago ou gratuito, virou uma plataforma de divulgação que, de quebra, também é muito eficiente no combate à pirataria, essa sim a grande inimiga a ser vencida.

Nada será como era antes!

 

Oportunidade de negócios

A indústria da música é só um exemplo de negócios que estão sendo transformados pela tecnologia. O jornalismo também sofre grandes transformações, assim como varejo (Mercado Livre), vídeo (Netflix), hospedagem (Airbnb), mobilidade (Uber), serviços financeiros (Nubank), entre muitos outros.

Em todos esses casos, empresas recém-criadas derrubam conglomerados com décadas de estrada. Tudo porque fazem uso criativo da tecnologia para atender e entender seus clientes, fornecedores, parceiros e funcionários.

Mas não se trata apenas de relacionamento: as possibilidades abertas pela tecnologia transformam completamente o produto ou serviço. Por que as operadoras de cartão de crédito continuam cobrando uma série de taxas se o Nubank não cobra nada? Por que assinar um jornal ou ser soterrado de anúncios, se é possível obter gratuitamente jornalismo de qualidade? Por que se submeter a uma grade de programação ou pagar muito por TV por assinatura, se o Netflix acabou com tudo isso? Por que ser mal atendido por taxistas despreparados, se o Uber oferece mais por menos?

Todas essas empresas e profissionais estão ganhando dinheiro. Em alguns casos, muito dinheiro! E nenhum deles criou novos produtos: apenas oferecem algo que já existia de uma maneira criativa graças à tecnologia, criando modelos que fazem muito mais sentido ao consumidor.

O dinheiro não está fácil de ganhar, por isso as pessoas cada vez mais escolhem pelo que pagar. Mas elas pagam quando encontram algo que lhes valha a pena! Quem continuar insistindo em formatos ultrapassados acabará sendo chutado para fora dos negócios. Por outro lado, para quem souber aproveitar as incríveis oportunidades que se abrem, o mercado será como música aos ouvidos.

Em qual dos dois grupos a sua empresa está?


Artigos relacionados:

Como será quando um robô tomar seu trabalho?

By | Tecnologia | 2 Comments

Foto: Visualhunt/Creative Commons

Podemos estar assistindo à gestação de uma crise de empregos global sem precedente. A troca de pessoas por máquinas na indústria não é uma novidade, mas isso já se observa também em todos os setores da economia, e com uma taxa de adoção cada vez mais intensa. Não se trata só do velho embate “máquina versus humanos”: chegará o momento em que a maioria das atividades produtivas será feita por robôs? Mais dramático que isso: quando isso acontecer, as pessoas ainda terão uma função na sociedade e meios para se sustentar?

Já debatemos aqui o fato de muitos profissionais e empresas estarem se tornando obsoletos diante de novas iniciativas que oferecem produtos ou serviços melhores e mais baratos. O enfoque, naquele outro artigo, era de pessoas ocupando o lugar de outras pessoas, auxiliadas pela tecnologia. E já foi o bastante para muita gente conversar comigo sobre sua preocupação com o tema. Mas a revolução mais comovente deve vir das máquinas, justamente por tirarem o ser humano da equação.


Vídeo relacionado:


Na semana passada, a Foxconn, empresa chinesa que monta os iPhones, substituiu 60 mil postos de trabalho da sua unidade na província de Kunshan por robôs. Mesmo em um país acostumado a quantidades superlativas, é muita gente perdendo o emprego: 55% do total da fábrica.

A empresa diz que, “a longo prazo”, não haverá diminuição de postos de trabalho, pois funcionários poderão passar a fazer atividades mais nobres e menos repetitivas. Esse é o discurso típico de quem automatiza uma linha de montagem. Mas o fato é que, a curto prazo, o pessoal foi para a rua mesmo! Tudo para reduzir custos e atender metas de produção da Apple. E não há nenhuma garantia que essas pessoas sejam reaproveitadas pela empresa. Pior: não se sabe sequer se serão mesmo capazes de aprender as tais tarefas “mais nobres”.

Naturalmente algumas profissões estão mais em risco que outras. A BBC criou um infográfico interativo a partir de uma pesquisa da Universidade de Oxford, que avalia os riscos de automação de 365 profissões nos próximos 20 anos. Apesar de levar em consideração dados do Reino Unido, os resultados podem ser extrapolados para profissionais de todo o mundo. Mais cedo ou mais tarde, a automação impactará quase todos, mas a pesquisa de Oxford demonstra que, para algumas profissões, isso já acontece e de uma maneira absolutamente determinante, forçando categorias inteiras de profissionais a se reinventar.

Impossível não pensar na Revolução Industrial, cujos raízes remontam na Inglaterra do século 18, e os processos industriais acabaram por quase extinguir os artesãos de diferentes segmentos. A transição para um novo formato social e econômico foi traumática, contando até com o surgimento de movimentos que resistiam à automação, como o ludismo.

Porém, apesar de todo aquele drama, o mundo acabou se reorganizando, com uma grande evolução da humanidade. Os artesãos realmente ficaram para trás, mas as pessoas encontraram um novo caminho.

Mas qual será o caminho a seguir agora?

 

Futuro Blade Runner?

A mesma tecnologia que extingue profissões cria outras completamente novas.

Por exemplo, estamos assistindo ao fortalecimento do Movimento Maker, em que pessoas começam a produzir, até mesmo em casa, coisas incríveis e tecnologicamente sofisticadas. Além disso, a tecnologia digital também permite que paradigmas sejam quebrados, subvertendo modelos de negócios consolidados há décadas. O fenômeno dos youtubers, por exemplo, já pode ser considerado uma ameaça à TV, especialmente se olharmos para o público mais jovem. E a economia compartilhada já deixou de ser uma tendência para fazer parte da vida de milhões de pessoas, para desespero de donos de negócios tradicionais, que ganharam novos e eficientíssimos concorrentes (a guerra do Uber contra os táxis é um dos exemplos mais notáveis disso).

Seria ótimo se todo esse pessoal que perdeu o emprego para os robôs conseguisse pular nesse novo barco. Mas sejamos realistas: são poucos aqueles que conseguiriam fazer isso. E haveria mercado para todos? Usando o próprio YouTube como exemplo, existem uns poucos milionários da plataforma, e um mar de microprodutores de vídeos que nunca ganharão dinheiro com isso, nem mesmo sairão do anonimato.

A turma de 40 anos ou mais deve se lembrar do filme Blade Runner, de 1982, em que as ruas de uma Los Angeles decadente de 2019 eram tomadas por engenheiros genéticos que criavam seres artificiais para lucrar ou simplesmente se divertir. É isso que nos espera?

E qual a saída para quem não se encaixa em nada disso?

 

Sobrevivendo à automação

No dia 5 de junho, 78% dos suíços rejeitaram, em plebiscito, uma ideia de renda mínima para todo cidadão do país. Pela proposta, cada adulto receberia mensalmente 2.500 francos suíços (R$ 9.000), estando empregado ou não, enquanto cada criança receberia 625 francos suíços (R$ 2.260). Para quem trabalha, a medida faria diferença apenas para quem ganhasse menos que os R$ 9.000 (o salário médio na Suíça gira em torno de R$ 21.700).

Para os criadores da proposta, ela permitiria que as pessoas pudessem se concentrar em atividades que gostassem, e até mesmo voluntariado. E, de quebra, resolveria o problema de desempregados pela adoção de robôs. Acabou sendo rejeitada porque os suíços preferiram manter outros benefícios sociais que já têm (que seria substituídos pela renda mínima). Além disso, o governo temia que a proposta enfraquecesse o serviço público, aumentasse impostos e prejudicasse o consumo.

É pouco provável que uma proposta como essa seja viável no Brasil. Apesar de já ser lei aqui desde 2004, ainda não está valendo porque não foi regulamentada. Os principais entraves são caixa para se pagar um valor que permita um bem-estar efetivo aos eventuais beneficiados, o tamanho da população brasileira e a nossa corrupção endêmica.

Então, já que a renda mínima não passou nem na rica Suíça, os profissionais precisam dar seu jeito para fazer frente à invasão dos robôs no mercado de trabalho. E ironicamente a melhor maneira de se fazer isso é ser cada vez mais humano.

Os robôs são imbatíveis em tarefas que exigem precisão, repetição e montagens complexas. Mas eles são muito fracos em qualquer atividade que envolva relacionamento social, decisões diante de imprevistos, correr riscos e valer-se de sentimentos.

Trocando em miúdos, vale a pena investir em profissões cujas tarefas não possam ser descritas e controladas por algum tipo de programa de computador. Todo o resto caminhará cada vez mais rapidamente para os robôs.

Ou seja, faça o que os robôs não podem fazer. Pelo menos não ainda.

Além disso, profissionais têm a obrigação de se manter atualizados. Foi-se o tempo em que o que se aprendia na faculdade era garantia de um bom desempenho profissional até a aposentadoria. Com avanços tecnológicos e sociais galopantes, é preciso estar sempre estudando. Essa ação é inegociável.

Da mesma forma, as empresas têm o dever de incentivar a iniciativa e a inovação em seus quadros. Prestar atenção no que seus próprios funcionários e consumidores dizem pode ser muito mais valioso que qualquer robô. O mundo está em constante mudança e novas oportunidades podem estar a uma quadra ou do outro lado do planeta.

Por tudo isso, a melhor maneira de garantir seu lugar ao sol em uma sociedade cada vez mais automatizada é exercendo sua humanidade. Não será necessário se comportar como os luditas, e sair quebrando todas as máquinas pelo caminho para passar por mais essa Revolução Industrial.


Artigos relacionados:

 

 

Por que os taxistas nunca vencerão o Uber (e o que você pode tirar disso)

By | Jornalismo, Tecnologia | 5 Comments
Taxistas protestam contra a regulamentação do Uber em São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Taxistas protestam contra a regulamentação do Uber em São Paulo

No dia 11, o prefeito Fernando Haddad regulamentou os aplicativos de transporte, como o Uber, em São Paulo. Isso desencadeou uma nova onda de protestos violentos dos taxistas, que acusam a empresa de concorrência desleal. Mas é uma luta que eles jamais vencerão, pois o Uber redefiniu o transporte de pessoas, “commoditizando” o serviço dos taxistas. E esse é um fenômeno social e econômico que pode atingir qualquer negócio ou categoria profissional.

Mas o que é essa “commoditização” de produtos e serviços? Isso acontece quando novas empresas, novas tecnologias ou novos modelos de negócios começam a oferecer a mesma coisa de maneira inovadora, acrescentando uma camada inédita de valor sobre algo que já existe. Nesse processo, o produto ou o serviço original continua lá e até pode ser essencial no novo formato, mas o público deixa de ver valor naquilo, passando a pagar apenas pela novidade.


Vídeo relacionado:


É o que o Uber fez com os táxis. Trocando em miúdos, os passageiros passaram a querer mais que o simples transporte em quaisquer condições, oferecido pelos taxistas. Para esses consumidores, o verdadeiro valor é ter esse serviço em um carro novo, limpo e confortável, com um motorista educado, treinado e bem vestido, com serviço de bordo. É por tudo isso que cada vez mais pessoas estão dispostas a pagar. E é isso que o Uber oferece, e os taxistas não conseguem –ou não querem– entender e fazer.

É claro que o que os taxistas e o Uber vendem é transporte de passageiros. Mas o Uber tirou o valor disso, que virou apenas o básico, aquilo que o público nem vê, por mais que seja a essência do serviço: foi “commoditizado”. O valor foi transferido para a camada de serviços extra.

O que os taxistas oferecem não vale mais. É por isso que não vencerão o Uber.

 

“Commoditizando” tudo

Mas isso pode afetar qualquer um, inclusive você, seja lá o que você faça. Isso porque, quando menos se espera, alguém pode chegar oferecendo a mesma coisa, só que de uma maneira que faça mais sentido para o seu público.

Qualquer jornalista já sentiu isso na pele. Com a popularização das redes sociais e a explosão de oferta de conteúdo de qualquer tipo, muitos colegas chegam a achar que a profissão encontrou o seu fim, com uma massa enorme e crescente de desempregados. Eles não estão sozinhos: veículos de comunicação tradicionais quebram um após o outro no mundo todo, incapazes de fazer frente à fuga de público e de anunciantes.

Assim como os taxistas, esses profissionais e essas empresas ficam em um “mimimi” eterno, reclamando que são eles que sabem fazer esse trabalho direito, que são eles que produzem o conteúdo de qualidade, e que isso custa muito caro! E que não é justo que novos veículos digitais cheguem e acabem com o seu monopólio da notícia, que durava mais de um século.

Oras, mas esses novos veículos, como a Vice, vão muito bem, e o que eles oferecem, na base, é conteúdo jornalístico. Mas eles tiveram sucesso em criar aquela “camada de valor extra”. Ou seja, o conteúdo jornalístico está mesmo “commoditizado”, mas ele serve para viabilizar esses novos títulos e profissionais.

Outro exemplo que gosto muito de citar é o da indústria fonográfica. Há uns 20 anos, ela era bilionária, com lucros calcados principalmente sobre a venda de CDs. Surgiram então os serviços de compartilhamento de MP3, como o Napster, que mostraram ao público que aquele modelo da indústria já havia caducado. Eventualmente isso acabou perdendo força, com as gravadoras processando os serviços e até seus clientes (o que demonstra como estavam dissociadas desse novo mundo).

Mas então a Apple lançou o iTunes, oferecendo a possibilidade de compra digital de cada faixa por uma fração do valor do álbum, e jogou a pá de cal no modelo de negócios de CDs. Só que esse modelo também já está perdendo força, sendo substituído pelo do Spotify, onde se paga um valor fixo por mês e se consome à vontade do seu gigantesco acervo de músicas online.

A música foi “commoditizada”: sorte do Spotify! Azar dos vendedores de CDs…

Agora pense com carinho: o seu produto ou serviço já está sendo “commoditizado” por alguém ou isso ainda vai acontecer?

 

Como escapar da “commoditização”

A Apple também poderia ficar rangendo os dentes, como as gravadoras, os jornais, revistas ou os taxistas. Mas, ao invés disso, ela reinventou seu serviço! O iTunes ainda existe, mas a empresa já lançou a Apple Music, exatamente nos mesmos moldes do Spotify. Porque, como diz o filósofo, “quem fica parado é poste!”

Esse deveria ser o mantra de todos os gestores, de qualquer negócio. Mais cedo ou mais tarde, isso que eles fazem tão bem e que parece essencial à sociedade perderá o valor. Se continuarem insistindo, serão substituídos por alguém com uma visão mais moderna dos negócios e do mundo.

Então voltemos ao caso dos taxistas, para entender como sobreviver à “commoditização”.

Não é o Uber que ameaça os taxistas, e por vários motivos. Primeiramente porque existe espaço para todos. Como a Prefeitura de São Paulo não emite novos alvarás para táxis comuns desde 1996, há um déficit estimado de 20 mil carros para transporte particular na cidade. O Uber pode triplicar a sua frota atual em São Paulo, que isso mal fará cócegas nessa demanda reprimida.

No final das contas, a verdadeira ameaça aos taxistas são o seu sindicato, a máfia dos alvarás e os próprios taxistas! O primeiro porque promove o ódio entre os motoristas e incentiva essa baderna que temos visto nas cidades. O resultado disso é um sentimento de rejeição ao serviço de táxi como um todo entre a população, seja pelos recorrentes transtornos causados por aquela parcela dos motoristas, seja pela repulsa à violência injustificável que alguns criminosos praticam contra motoristas e até passageiros do Uber.

Sobre a máfia dos alvarás (que chega a cobrar R$ 150 mil por algo que é uma concessão municipal), ela é uma facção do crime organizado que lesa a população e o poder público por manipular essas autorizações para obter lucros milionários. Os próprios taxistas são os principais prejudicados por esses bandidos, pois, para que consigam trabalhar, precisam comprar ou alugar essa licença, pagando valores astronômicos.

Portanto, se os taxistas realmente quiserem sobreviver à “commoditização”, não deveriam se organizar contra Uber, muito menos do jeito que estão fazendo. A solução dos seus problemas passa por ficar livres justamente desse sindicato, que os manipula, e dessa máfia, que os explora ao extremo. Os dois são dignos representantes do pior que existe na sociedade brasileira. Além disso, os taxistas precisam repensar o seu serviço: se o que eles oferecem não é mais o que as pessoas estão dispostas a pagar, é hora de se reinventar. E o Uber, ao invés de algoz, pode ser o modelo a ser seguido.

Não há como resistir à evolução do mercado. Ranger os dentes, distribuir pancada ou desqualificar novos concorrentes não resolverá o problema de nenhum negócio. A única solução é melhorar: ficar parado é o mesmo que piorar.


Vamos falar sobre a linguagem certa para público certo na Social Media Week? Esse é o segredo do sucesso nas redes sociais. É só entrar nesta página e clicar no botão verde de CURTIR abaixo da minha foto.


Artigos relacionados:

 

Como não ficar obsoleto quando alguém fizer o seu trabalho

By | Educação, Jornalismo | 6 Comments

Foto: Saad Sarfraz Sheikh/Creative Commons

Na semana passada, em uma aula sobre marketing de conteúdo, discutia com meus alunos sobre como empresas têm produzido conteúdo sério e de alta qualidade para atrair público para suas marcas. Surgiu então a questão: o que sobra para a imprensa? O fato é que essa pergunta pode ser extrapolada para qualquer negócio: o que sobra para você quando outro começa a fazer o seu trabalho?

Em tempos em que a tecnologia digital democratiza todo tipo de meio de produção e que a economia compartilhada subverte modelos de negócios consagrados, isso assombra o cotidiano de muitos profissionais e de muitas empresas. Será que estão ficando obsoletos?


Vídeo relacionado:


A má notícia: sim, você já pode estar obsoleto. A boa notícia: você ainda pode virar esse jogo!

Para quem não sabe o que é, marketing de conteúdo é uma maneira relativamente nova de as empresas trazerem potenciais consumidores para suas marcas, atraídos por ótimo conteúdo editorial. Não se trata de material sobre a empresa e seus produtos, e sim reportagens e artigos sobre temas de interesse dos clientes. Portanto, ao invés de ficar empurrando os produtos para o público, como se faz no marketing convencional, o marketing de conteúdo inverte esse sentido: as pessoas vêm até a marca e eventualmente podem passar a considerá-la uma referência no tema abordado. Idealmente, acabam se tornando clientes de seus produtos. Nestlé e Red Bull são referência em marketing de conteúdo, por exemplo.

Naturalmente as empresas não cobrem todo tipo de conteúdo. A Red Bull tem uma cobertura muito boa de esportes radicais, automobilismo, games e música. E –sim– nesses assuntos ela substitui veículos de comunicação. Some-se a isso a crise de credibilidade pela qual a imprensa tradicional está passando, e a sua situação fica realmente muito delicada.

Mas os veículos de comunicação são só um exemplo de negócio que está sofrendo com novos galos cantando em seu terreiro. Já discutimos aqui o caso do Uber, que está fazendo os táxis comerem poeira na preferência dos passageiros. Também debatemos, em diferentes momentos, sobre a Netflix, e como ela se posicionou como uma alternativa muito vantajosa à TV aberta e até à TV por assinatura.

Novos negócios sempre substituíram velhos negócios. Porém isso vem acontecendo de uma maneira inédita, seja pela velocidade exponencial, seja porque indivíduos que eram antigos clientes passam a ser concorrentes de empresas centenárias da noite para o dia. Aquilo que levou anos e consumiu fortunas para ser construído pode ser substituído por alguém com uma mente aberta para os negócios, muita vontade de trabalhar, inteligência e, quem sabe, o aplicativo certo em seu smartphone.

Como sobreviver a isso?

 

Descobrindo onde está o valor

Negócios consolidados e bem-sucedidos não perdem seu valor de repente. Entretanto, se estar em uma posição de liderança de mercado pode ser bom para os negócios, pode esconder um terrível risco de miopia empresarial: não ver as mudanças se aproximando rapidamente.

Voltemos ao exemplo do Uber: não é difícil encontrar clientes reclamando de péssimos serviços prestados por muitos taxistas. Mas as pessoas continuavam usando os táxis por falta de alternativa. No caso das TVs por assinatura, seus clientes sempre reclamaram do alto preço da mensalidade, da baixa qualidade da programação, do excesso de comerciais e de terem que engolir uma infinidade de canais irrelevantes para poder assinar qualquer pacote.

Nos dois casos, os sinais de descontentamento eram públicos e claríssimos! Bastava apenas alguém aparecer com uma solução melhor para tornar aqueles negócios candidatos à extinção.

Alguém apareceu!

Mas nem os táxis, nem a TV por assinatura, nem a imprensa, nem qualquer outro negócio ameaçado precisa morrer. Desde que redescubram onde seus antigos clientes estão vendo valor hoje. E mudar o seu negócio para atender essa nova demanda.

Os taxistas, por exemplo, são incapazes de derrotar o Uber hoje porque insistem em continuar disputando os passageiros com aquilo que eles sempre fizeram: o transporte de passageiros. Os taxistas acham que é isso que o Uber oferece. Só que ele transformou o transporte de passageiros em uma commodity! Os clientes veem valor hoje em serem levados em um carro novo e limpo, com um motorista educado e de bom papo, com serviço de bordo e a um valor justo (que incrivelmente chega a ser mais barato que o dos táxis). Obviamente, por baixo disso tudo, está o transporte, que viabiliza o negócio, mas de onde o valor foi retirado pelos clientes. Quem continuar competindo nessa camada inferior estará fora do mercado em breve.

Esse é o raciocínio que deve permear a cabeça dos gestores de qualquer negócio moderno! De nada adianta continuar fazendo o que se faz há décadas, se alguém estiver fazendo a mesma coisa tão bem quanto (ou melhor) que você, e de uma maneira mais inteligente. Pior que isso: talvez o seu negócio esteja até sendo oferecido de graça por outras empresas que o tenham como um subproduto de sua atividade principal, ou apenas como parte de um modelo de negócios mais amplo. É o caso do marketing de conteúdo.

Pare de se achar o senhor da razão ou detentor de algum direito adquirido! Preste atenção aos movimentos do mercado, seus novos concorrentes, o que e como oferecem e, principalmente, ouça detalhadamente o que o público tem a dizer.

A única coisa que não pode acontecer é querer continuar fazendo tudo do mesmo jeito e esperar que as pessoas continuem pagando por seu produto ou serviço por causa dos seus lindos olhos (ou sua tradição, sua marca consagrada). A fidelidade morreu! É preciso dar um novo significado ao seu negócio e reencontrar seu público. Caso contrário, ele rumará melancolicamente ao seu fim, à sua obsolescência.


Artigos relacionados:

Uber mostra que políticos são reféns de máfias e ignoram economia compartilhada

By | Tecnologia | 2 Comments
Taxistas do Rio protestam contra o Uber - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Creative Commons

Taxistas do Rio protestam contra o Uber

Na última quinta (8), Fernando Haddad, explicou como espera resolver a crise entre os taxistas da cidade e o Uber. Com um discurso pretensamente moderno, o prefeito de São Paulo não apenas piorou o imbróglio, como também, a exemplo de seu colega do Rio, Eduardo Paes, demonstrou que não entende absolutamente nada de economia compartilhada.

Esse novo conceito subverte modelos de negócios consolidados em favor da população, com usos criativos da tecnologia. Com ele, alguém que possua um recurso ocioso -no caso, um carro- pode oferecê-lo parcialmente a quem estiver disposto a pagar por isso. Dessa forma, minimiza-se a necessidade de se comprar novos carros, otimizando o uso dos já existentes. De quebra, os proprietários passam a ter uma renda extra, enquanto os consumidores ganham novas e interessantes ofertas de produtos e serviços.

A suposta “solução” da prefeitura foi a criação de uma nova categoria de táxis, batizado de “táxi preto”, uma referência à cor que os carros deverão ter, a mesma dos veículos do Uber. Também igual ao praticado pela empresa, os motoristas só poderão ser chamados a partir de um aplicativo, a ser fornecido pela prefeitura. Para participar da nova categoria, o motorista deverá ser agraciado com uma das 5.000 licenças que serão sorteadas pela administração municipal e ainda pagar uma taxa que pode chegar a R$ 60.000. Ou seja, contrário a tudo o que a economia compartilhada prevê.

Desde que o Uber chegou a São Paulo, tenho debatido o assunto com motoristas da empresa e com taxistas. Do segundo grupo, tirando os radicais que acham que “Uber bom é Uber morto”, ficou claro que o problema não é o novo serviço roubar passageiros deles. A própria prefeitura admite que há um enorme déficit de táxis na cidade: são 3 para cada 1.000 habitantes (no Rio, essa proporção é de 9 para cada 1.000). Ou seja, em uma cidade com cerca de 35 mil táxis rodando e uma demanda reprimida de pelo menos outros 20 mil, os atuais 1.500 carros do Uber (segundo dados dos motoristas) estariam longe de causar uma ruptura no negócio dos taxistas.

Onde o calo aperta é na desvalorização do alvará, concessão da prefeitura que permite a prestação de serviço de táxi na cidade. Apesar de concedido gratuitamente, São Paulo não emite novas licenças desde 1996. Com isso, criou-se um verdadeiro mercado negro de alvarás, que são comercializados para quem quiser ingressar na profissão, o que é contra a lei. Frotas de táxis em São Paulo detém uma enorme quantidade dessas concessões. E, pelo que ouvi de muitos taxistas, vereadores são donos de algumas das maiores frotas da cidade.

 

Máfia incomodada

Comprar um alvará é algo simples: basta perguntar a qualquer taxista, e ele provavelmente conhecerá o caminho até alguém que queira vender um. Antes da chegada do Uber, a transação facilmente superava R$ 100 mil. Para operar no ponto de Congonhas, o mais valioso da cidade, o alvará passava de R$ 150 mil! Com a chegada do novo serviço, o valor desse mercado negro despencou, sendo possível adquirir um alvará hoje por menos de R$ 50 mil.

Não é necessário ser gênio para se perceber que muita gente tomou um prejuízo milionário com a chegada do Uber à cidade. Afinal, para que pagar uma fortuna por um alvará, se ele não é mais necessário para se prestar o serviço? Mesmo com os motoristas do Uber não tendo acesso aos benefícios dos taxistas, como desconto para comprar veículos e outras isenções de impostos, fazer parte da economia compartilhada pareceu ser muito mais vantajoso, rentável, simples e justo.

Ironicamente, o prefeito disse que um dos benefícios da nova lei é combater a “máfia dos alvarás”. Como? Criando um novo, que já nasce pago e com um valor obsceno, tanto quanto o cobrado pelo mercado negro. Confesso que fiquei confuso sobre como esse combate se dará.

Haddad perdeu a chance de demonstrar uma visão moderna sobre o transporte individual em que o passageiro não é o próprio condutor. O Uber é amplamente aprovado pelos seus usuários, que teriam enviado cerca de 900 mil e-mails ao gabinete do prefeito pedindo que vetasse a lei aprovada na Câmara dos Vereadores, proibindo o serviço. Mas ele preferiu ficar refém de uma categoria que, apesar de, sim, possuir bons profissionais, prefere se acomodar em uma situação em que os próprios motoristas são explorados por uma máfia inescrupulosa, com a benção do poder público.

Resta a esperança de que a Justiça casse essa lei estapafúrdia e traga um pouco de modernidade aos setores mais rançosos de nossa economia. A Justiça do Rio já concedeu liminar tornando inócua a lei sancionada por Paes. Já é um primeiro passo.