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Recurso de visualização acelerada de conteúdos nos dá mais tempo, mas pode nos deixar ansiosos - Foto: Akshay Gupta/Creative Commons

A tecnologia tenta nos acelerar, mas nossa natureza tem limite de velocidade

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Atire a primeira pedra quem nunca clicou no botão “2X” para ouvir mais rapidamente uma mensagem de áudio do WhatsApp. Quando foi lançado, em maio de 2021, esse recurso foi festejado por aqueles que não aguentam ouvir falas que duram vários minutos. Mas longe de ser um fenômeno isolado, essa possibilidade de “acelerarmos nosso cotidiano” está cada vez mais presente em diversas plataformas digitais.

Reflexo do sucesso da possibilidade de “encurtarmos” todo tipo de conteúdo para termos mais tempo livre, isso dispara alguns questionamentos. O primeiro é descobrir se há algum efeito colateral nesse processo. Outro se trata de um dilema do tipo “ovo e galinha”: as plataformas digitais nos oferecem isso cada vez mais porque é algo que desejamos, ou nós queremos e usamos a funcionalidade porque está mais disponível?

Pesquisadores se debruçam sobre o tema para entender até seu impacto fisiológico em nossos cérebros. Mas não é necessário ser um neurocientista para perceber que essa ânsia pela aceleração transforma nosso cotidiano há muitos anos. Hoje fazemos muitas coisas de maneira diferente e mais rápida, como estudar, trabalhar, nos divertir e até nos relacionar com outras pessoas. E o que começou nas diferentes telas agora também transforma essas mesmas atividades quando feitas presencialmente.

Como era de se esperar, algumas coisas ficaram pelo caminho. Ganhamos na velocidade, mas podemos perder em entendimentos deficientes e no aumento de ansiedade. E disso surge a pergunta: será que vale a pena?


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O conceito foi brilhantemente explicado no filme “Click” (2006), estrelado por Adam Sandler. Na história, seu personagem ganha um controle remoto mágico capaz de manipular o mundo a sua volta. Dessa forma, ele podia, por exemplo, acelerar as partes de sua vida pelas quais tinha que passar, mas de que não gostava. O problema é que o aparelho aprendia essas preferências, começando a “pular” automaticamente todos esses momentos. Como resultado, o personagem de Sandler acabou perdendo informações importantes de sua vida.

Ainda não chegamos a esse ponto de acelerar os acontecimentos reais, mas o que já temos no mundo digital vem alterando nossa percepção. É comum dizermos que os dias parecem estar ficando mais curtos, mas não pensamos na quantidade de coisas diferentes que fazemos a cada 24 horas, muito mais que nossos pais. Há uma sensação de aumento de produtividade, mas até onde isso é real e saudável?

A tecnologia digital combina perfeitamente com o conceito de sucesso da vida contemporânea, fortemente ligada à produtividade. Não basta fazer mais: é preciso brilhar mais e isso precisa ser visto por todos. Trocamos os benefícios de contemplar a vida pela sensação de uma suposta vitória pela hiperpodutividade.

Quem se dispõe a deixar a correria do cotidiano de lado para se dedicar, por alguns minutos que seja, a calmamente apenas ouvir músicas de que se gosta? Esse exemplo é muito emblemático, porque o que se observa é exatamente o contrário: pessoas que aceleram as músicas, para que acabem mais rapidamente, não se importando com a óbvia mutilação da obra.

Isso vem provocando alterações em com as próprias músicas são compostas atualmente. Introduções melodiosas e solos instrumentais desaparecem para que o ouvinte chegue ao clímax rapidamente. A própria duração da faixa fica limitada a três minutos, para evitar que a pessoa passe para outra música antes de se chegar ao final. Se isso acontece, os algoritmos das plataformas de streaming podem entender que a música não é tão interessante, passando a tocá-la menos daí em diante.

 

Crescimento da ansiedade

A comunidade científica ainda não chegou a uma conclusão sobre todos os impactos da aceleração de nosso cotidiano. Muitos estudos se concentram em descobrir quanto isso afeta a nossa compreensão de conteúdos que consumimos.

Em 2021, uma equipe da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos EUA), liderados por Dillon Murphy, publicou um estudo na revista “Applied Cognitive Psychology”. Eles observaram que as pessoas conseguiam compreender vídeos acelerados em até 2X. Acelerações maiores já prejudicavam o processo. Concluíram também que pessoas que usam esse recurso frequentemente têm mais chance de entender e reter as mensagens aceleradas, como se estivessem treinadas.

Mas uma eventual compreensão prejudicada não é a única coisa que deve nos preocupar. Especialistas apontam uma correlação entre uma vida acelerada e o crescimento explosivo de casos de ansiedade. E nós, brasileiros, não estamos nada bem nisso: segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil possui a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo, com 9,3% dos brasileiros sofrendo de ansiedade patológica.

Tanta ansiedade transforma tudo que fazemos. Qualquer coisa que exija mais tempo, atenção ou reflexão pode disparar esses processos, assim as pessoas procuram evitar isso tudo. Mas gostemos ou não, eles continuam fazendo parte de nosso trabalho, nosso estudo e até de nossos relacionamentos. Nos escritórios, isso se sente em queda de produtividade e menos compromisso profissional.

Essa falta de envolvimento pode tornar tudo superficial. No caso de relacionamentos, o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman já havia identificado isso em seu livro “Amor Líquido” (editora Zahar, 2004). Para ele, a redução nas suas qualidades é compensada por uma quantidade enorme de parceiros. Aceleram-se os inícios e os términos com o clique em um aplicativo. Troca-se, sem remorsos, aqueles que deixam de ser “interessantes” por outros “melhores”.

Como professor, sinto isso na alteração do formato de cursos de extensão universitária. As pessoas desejam, cada vez mais, cursos rápidos e focados em um tema específico, para aplicação imediata no cotidiano. Cursos que oferecem uma visão analítica e estratégica, responsáveis pela formação de profissionais capazes de solucionar grandes problemas, perdem espaço.

Dou aulas presenciais e a distância. Essas últimas, apesar de dadas sempre ao vivo, ficam gravadas e muitos alunos talvez as vejam aceleradamente. Mas seria uma pena: mesmo as pausas nas aulas são importantes para a construção de um raciocínio e para a fixação do conteúdo. Se forem eliminadas, o aprendizado fica comprometido.

Ninguém questiona como as plataformas digitais se tornaram inestimáveis ferramentas de produtividade. É praticamente impossível viver hoje sem o que elas nos oferecem. Mas como qualquer ferramenta, elas precisam ser usadas com inteligência. Longe de representar “esperteza”, o abuso da “aceleração da vida” demonstra um letramento digital pobre da população.

Como diz o ditado, “quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza”. A natureza continua seguindo seu ritmo natural, desacelerado. Não somos máquinas! Ao tentar subverter isso, trocamos bem-estar por ansiedade, produtividade por acúmulo insustentável. Esse não é o caminho a ser seguido.

 

Prepare-se para ficar sem Internet

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Foto: Leo Hidalgo (@yompyz)/Creative Commons

Empresas de telefonia anunciaram um duro golpe contra seus próprios clientes, impondo restrições ao consumo de dados em seus planos de Internet. Na prática, isso significa que, de repente, todos nós poderemos ficar sem acesso apenas por usar o produto pelo qual pagamos.

Para quem não sabe do se trata, a Vivo (que agora controla a GVT) anunciou que, assim como fazem a NET/Claro e a Oi, agora limita seus planos de banda larga fixa, aquela usada em residências e empresas. Cada plano passa a ter uma franquia, ou seja, uma quantidade de dados para usar todo mês. Quando esse limite for atingido, a velocidade da conexão é reduzida a patamares inutilizáveis ou a conexão é simplesmente cortada. O serviço só é restabelecido na virada do mês, ou caso o usuário compre um “pacote de dados adicional”. Naturalmente pagando bem caro por ele.


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Juntas, essas empresas respondem por 86% do acesso à Internet fixa no país. Por isso, o anúncio praticamente simultâneo cheira a cartel. Diante da gritaria do público, a TIM aproveitou para dizer que a empresa não imporá esses limites a seus clientes. Esperta! Mas ponto para ela.

O argumento das operadoras parece válido em um primeiro momento: que pague mais quem usa mais. Elas fazem um paralelo com o serviço de fornecimento de energia elétrica. Dessa forma, quem usasse a Internet apenas para tarefas muito básicas, como ler e-mails, pagaria pouco, enquanto heavy users de vídeo sob demanda pagariam muito.

Pura cortina de fumaça para dar um ar de justiça social a uma decisão arbitrária e abusiva!

 

Pega na mentira!

Temos que considerar que esse cidadão da “Internet básica” está em extinção, se é que ainda existe. Quem nunca entra, pelo menos de vez em quando, no YouTube para ver um vídeo de humor, um trailer de cinema ou ouvir uma música? Portanto esse argumento de “cobrar pouco da Internet a carvão” é inválido.

A comparação com o fornecimento de energia elétrica também é um insulto à inteligência do público. Enquanto novos eletrodomésticos são projetados e a população é instruída a gastar menos energia, mas sem que isso configure perda na qualidade no serviço, no caso da Internet vivemos em um mundo em que o tráfego de dados cresce exponencialmente. Não poderia ser diferente: as pessoas têm a sua disposição mais e mais serviços online, sem falar no fato de que cada vez mais equipamentos nas empresas e nas residências estão permanentemente conectados. Você já parou para pensar quantos na sua casa estão online agora? Além dos computadores (que pode ser mais que um), existem os smartphones de todos os membros da família, tablets, televisões, videogames, relógios inteligentes, TV por IP (como Apple TV), sistemas de som… E em breve teremos o carro, o refrigerador e todo tipo de automação doméstica (na Coreia do Sul, por exemplo, já temos lâmpadas ligadas à Internet). Portanto, essa comparação com o fornecimento de energia elétrica é completamente inadequada.

Por fim, há ainda a quantidade de dados que as teles oferecem para cada franquia, outro grande engodo. Elas são criadas para ser insuficientes. No caso da Vivo, as franquias variam de 10 gigabytes, para o plano mais barato (“Banda Larga Popular 2 Mb/s”), a 300 gigabytes, para o mais caro (“Fibra 300 Mb/s”).

Colocando isso em perspectiva, 10 gigabytes são consumidos, por exemplo, assistindo a umas oito horas de Netflix (oito episódios de séries ou quatro filmes), ou a cinco horas de YouTube, ou participando de umas cinco horas de cursos à distância em vídeo ou se divertindo por 15 minutos (sim, minutos!) com jogos online por streaming. Vale lembrar que você ainda tem que incluir todas as outras coisas que você fizer online (sim, WhatsApp e Facebook também contam) e que a franquia é dividida entre os usos de todos os membros da residência em um mês inteiro!

Olhando para esses exemplos fica impossível não notar um provável alvo das operadoras.

 

Guerra ao vídeo online

Acontece que essas empresas também têm outros negócios, como telefonia (que vai mal das pernas) e TVs por assinatura (que está ladeira abaixo).

A única perna do seu tripé que não para de crescer é justamente o acesso à Internet, com usuários cada vez mais ávidos por velocidade e volume de dados. E o grande impulsionador disso é o vídeo, que se estabeleceu como a nova linguagem no meio digital.

Basta olhar para crianças e adolescentes. A ferramenta de busca deles para qualquer assunto não é o Google: é o YouTube. Além disso, eles simplesmente não querem saber de TV aberta ou fechada, não apenas porque todo o conteúdo que eles querem está online, mas também porque eles não se submetem à grade de programação, a base do negócio de qualquer emissora.

Some-se a isso os altos preços dos planos de TV por assinatura, excesso de comerciais, canais irrelevantes empurrados goela abaixo e baixa qualidade da programação, e temos, como resultado os seus 725 mil cancelamentos em 12 meses (até fevereiro, dados mais recentes da Anatel).

Grande parte desse público trocou as altas mensalidades das TVs por assinatura pela Netflix, mais barata, sem comerciais, sem grade de programação e com conteúdo de alta qualidade. Ou seja, paga-se muito menos por um produto muito melhor.

O negócio só não é perfeito porque a Netflix roda sobre a Internet. E quem oferece esse serviço são as teles. Então, no melhor estilo de “a bola é minha, brinco como eu quero”, elas se veem no direito de penalizar toda a população para tentar tornar o vídeo digital o vilão da história, para salvar o seu negócio moribundo de TV por assinatura.

 

O que fazer?

Portanto, apesar de os comerciais das operadoras para vender seus acessos à Internet sugerirem uma vida totalmente conectada às pessoas, inclusive destacando o vídeo sob demanda, sua visão tacanha de negócios castra seus clientes. A prática nega o discurso.

Seria de se supor que a Anatel fizesse alguma coisa a respeito. Mas a Agência Nacional de Telecomunicações decidiu lavar as mãos sobre o tema. Segundo ela, para serviços de banda larga fixa, as empresas podem fazer o que bem entenderem. Sua única obrigação é oferecer um sistema para que o cliente verifique quanto da franquia já consumiu e avisar quando estiver próximo a estourar sua cota mensal.

Felizmente os órgãos de defesa do consumidor não estão dispostos a fazer também o joguinho das teles. Tanto o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) quanto a Associação de Consumidores Proteste já entraram na Justiça contra a prática abusiva. Juristas afirmam que o consumidor está protegido pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Marco Civil da Internet. Este último, uma espécie de “constituição da Internet” no país, prevê explicitamente que o sinal de Internet só pode ser interrompido por falta de pagamento.

Ou seja, a nova prática das teles, além de imoral, é ilegal.

Entretanto, não devemos esperar apenas pelos resultados das ações do Idec e da Proteste. Cada um de nós pode realizar diferentes ações. A página no Facebook Movimento Internet Sem Limites, que debate o assunto, já contava com mais de 400 mil inscritos no momento em que esse artigo foi escrito. Abaixo-assinados online também são boas maneiras de fazer pressão. O hospedado na Avaaz.org já caminhava para 1,5 milhão de adesões. Também é possível abrir uma reclamação no Procon de seu Estado.

Você pode ainda tentar pressionar os deputados federais por e-mail ou telefone. Só não sei se algum deles nos ouvirá nesses tempos em que Brasília só se preocupa com temas ligados ao impeachment da presidente…

A única coisa que não podemos fazer é não fazer nada. É necessário divulgar, debater e agir! Já não bastassem as altas mensalidades, os serviços ruins, o suporte deplorável, temos que engolir mais esse abuso agora?


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