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Mark Zuckerberg, CEO da Meta, durante anúncio de medidas como o fim da moderação de conteúdo em suas redes - Foto: reprodução

Por que a guinada de Zuckerberg sobre conteúdo é uma tragédia social

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A grande notícia no mundo digital na semana passada foi o cavalo de pau que Mark Zuckerberg deu na política de moderação de conteúdo da Meta, afetando Facebook, Instagram e Threads. Com um intenso alinhamento às ideias do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, as medidas levantam preocupações legítimas sobre como isso impactará a qualidade das entregas das redes sociais e a própria democracia.

Especialistas diversos afirmam que o nível das publicações e dos debates nessas redes deve cair dramaticamente, empobrecendo seu papel social e corroendo a credibilidade da empresa. Pela sua descomunal penetração, isso deve agravar a polarização na sociedade. E a disposição manifestada pelo seu CEO de ativamente afrontar governos que contrariarem seus interesses pode desestabilizar nações.

Esse é o ponto mais grave desse movimento. Executivos das big techs cada vez mais se dão o direito de se colocar acima da lei e de valores, não apenas dos EUA, mas de países muito diferentes. Com uma grotesca distorção do conceito de liberdade de expressão, ameaçam a estabilidade social, uma influência nefasta e indevida nunca vista na história, que impõe seus interesses pessoais sobre populações inteiras.

Essa é uma perigosíssima nova ordem mundial que precisa ser combatida, sob o risco de desaguarmos em uma barbárie onde ninguém mais se respeite, colocando o próprio conceito de sociedade em risco.


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As políticas de moderação da Meta surgiram com o escândalo da Cambridge Analytica, que estourou em março de 2018. Os jornais “The Guardian” e “The New York Times” demonstraram que essa empresa coletou dados de 87 milhões de usuários do Facebook sem seu consentimento, para influenciar a primeira eleição de Trump e o referendo do Brexit, ambos em 2016. Isso escancarou a manipulação das redes, e o Facebook foi acusado pelo Congresso americano de não proteger seus usuários desse controle.

Trump, que teve suas contas no Facebook e no Instagram suspensas em 2021 por incitar a violência que levou à invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro daquele ano, comemorou o novo posicionamento da Meta. Em entrevista após o anúncio, disse, sem nenhum constrangimento, que provavelmente sua ameaça de prisão perpétua a Zuckerberg no ano passado pode ter pesado nessa decisão.

Mas não sejamos inocentes: o alinhamento dessas empresas a Trump lhes trará muitos benefícios. E com seu virtual controle dos três Poderes no país, as ameaças sobre as big techs que se unirem a ele tendem a desaparecer. “Na verdade, elas nunca quiseram combater desinformação”, explica Pollyana Ferrari, pesquisadora em mídias e professora da PUC-SP. “Eram mais ações isoladas para dizer que faziam algo, porém agora os bilionários não precisam mais disfarçar seus objetivos.”

“Em 2017, Chris Cox, então diretor de produtos do Facebook, descobriu que havia uma correlação entre maximizar o envolvimento do usuário e inflamar as tensões, e que reduzir a polarização significaria prejudicar o engajamento”, relembra Magaly Prado, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP. Então, mesmo sabendo que algumas eram “anticrescimento”, propôs várias soluções, mas elas não foram implantadas. “As big techs que abrigam as redes sociais não estão nem aí com as pessoas que eles costumam chamar de usuários”, acrescenta.

O anúncio de Zuckerberg provocou protestos de especialistas do mundo todo, que pedem que as mudanças sejam revertidas. Em resposta, a Meta tomou mais medidas na mesma linha, como acabar com seu programa de Diversidade e Inclusão.

“O mais preocupante não é apenas o fim do programa de checagem, mas o fato de que Zuckerberg encerrou essa iniciativa com um ataque perigoso e infundado a um trabalho que vinha sendo feito de forma criteriosa”, diz Clara Becker, jornalista especializada em desinformação e diretora da ONG de educação midiática Redes Cordiais. “Em vez de fortalecer o combate à desinformação, a Meta escolheu um caminho que descredibiliza os esforços existentes e agrava ainda mais o cenário de manipulação e polarização nas plataformas”, alerta.

 

O que Zuckerberg quer?

Ao se alinhar aos interesses de Trump, o CEO da Meta espera diminuir seus custos e ganhar um aliado para combater países que ameaçarem seus negócios, além de apoio contra pressões políticas e legais domésticas.

“Atuar contra regulações locais pode ser percebido como uma forma de neocolonialismo digital, prejudicando a autonomia de países e minando a confiança em governança global”, adverte Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Para ele, “promover políticas alinhadas exclusivamente a interesses americanos pode agravar tensões globais e alimentar narrativas antidemocráticas”.

Zuckerberg quer fazer o que bem entender na sua companhia, o que, a princípio, é seu direito. Mas redes sociais não são empresas como outras, pela sua absurda influência sobre o mundo! Portanto, dizer que defende a liberdade de expressão é, no mínimo, hipócrita, pois ninguém sabe como seus algoritmos promovem e escondem o que quiserem.

“O discurso de garantir a liberdade de expressão é falacioso, na medida em que a remoção de conteúdos inverídicos, falseados, criminosos não configura censura”, explica Crespo. “No Brasil, não há liberdade plena de expressão, por isso a Constituição determina que é vedado o anonimato, justamente para responsabilizar quem cometer abusos.”

Duas situações podem surgir disso. Na primeira, governos, Justiça, empresas e outros membros da sociedade reagem para elaborar regras equilibradas para evitar a desinformação, exigindo uma responsabilidade e uma transparência que as redes sociais nunca tiveram, o que seria muito positivo. Na outra, ruim, a proposta de Zuckerberg avança e seus algoritmos privilegiam lucros ao invés de segurança, explodindo os conteúdos nocivos, como aconteceu no X de Elon Musk, criando sociedades instáveis, em que as pessoas não concordam, nem constroem coisas juntas. Por isso, segundo Prado, “é inevitável e fundamental que possamos debater a justiça dos dados, as leis que vão reger quem provoca o distúrbio informacional”.

“A moderação de conteúdo é um dos grandes desafios do século XXI, e não há sistema infalível para lidar com desinformação e discurso de ódio”, afirma Becker. “O cenário ideal seria aquele que promove um equilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilidade, garantindo que conteúdos enganosos, discursos de ódio e incitações à violência ou discriminação sejam eficazmente controlados”, conclui.

A desinformação deve ser combatida com boa informação. Quando Zuckerberg confirma a anarquia das redes sociais, isso reforça a importância do jornalismo e da checagem de fatos profissionais. Mas infelizmente eles não são suficientes, pois os algoritmos continuarão promovendo o conteúdo nocivo, que lhe é mais lucrativo.

Por tudo isso, deve-se exigir mais transparência das plataformas, ao invés de aceitar o contrário, que nos está sendo imposto. A verdade não pode ser opcional, devendo ser cuidada por todos como um bem público, ou corremos o risco de ter consolidado um animalesco Estado sob a lei do mais forte.

 

Mark Zuckerberg, cofundador e CEO do Facebook, demonstra seu metaverso com um avatar de si mesmo

Os benefícios e os riscos do metaverso de Zuckerberg

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A nova fixação de Mark Zuckerberg, criador e CEO do Facebook, é o seu metaverso. Trata-se de um ambiente digital em que as pessoas entrarão usando equipamentos de realidades virtual e aumentada, e farão diversas atividades lá, como trabalhar, estudar ou se divertir. Isso pode representar um grande salto tecnológico, com benefícios incríveis. Mas quais são os riscos que pode embutir?

Parece ficção científica. E, por enquanto, é! Ninguém sabe com certeza quando isso deixará de ser um conceito e passará a ser um produto maduro e acessível às massas. Entretanto precisamos saber se as pessoas estão prontas para viver nessa realidade alternativa. Afinal, se tanto já debatemos sobre os efeitos da exposição exagerada às redes sociais, o metaverso pode potencializar esses problemas.


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Esqueça as videochamadas que se popularizaram na pandemia! O novo mundo de Zuckerberg permitirá que usuários sintam como se estivessem lado a lado, mesmo que, na verdade, estejam em países diferentes. Poderão ter o aspecto que desejarem e o próprio ambiente será construído de acordo com suas necessidades. Todos poderão interagir com o que estiver ali, como se tudo realmente existisse.

Quando vi a proposta, eu me lembrei do Second Life, um mundo virtual lançado em 2003. Apesar de ter pretensões muito menores que as de Zuckerberg, foi revolucionário ao permitir que qualquer usuário criasse um mundo digital em que entrasse e interagisse com outros. A diferença fundamental é que o Second Life continuava sendo algo apenas como um game, enquanto a proposta atual permite que o usuário “entre” no ambiente e interaja com elementos ali, graças às realidades virtual e aumentada agora disponíveis.

Apesar de ainda funcionar, hoje o Second Life tem poucos “residentes”, como seus usuários se autodenominam. O principal motivo para a perda de interesse foi a necessidade de equipamentos poderosos e uma conexão muito rápida para que a experiência fosse boa, e isso estava fora do alcance da maioria das pessoas.

Esse também é um problema do novo mundo de Zuckerberg. Os equipamentos de realidade virtual e aumentada ainda são caros e limitados, e uma boa conexão de banda larga é luxo restrito a poucos. E, se a experiência imersiva não for realmente convincente, a grande vantagem do metaverso cai por terra.

 

Trocando o real pelo virtual

O termo “metaverso” foi cunhado em 1992 por Neal Stephenson, em seu livro “Nevasca”. E, como acontece com muitas ideias da ficção científica, inspirou a realidade. O próprio Second Life é um metaverso.

Mas o conceito nunca teve tanta chance de “virar” como agora, graças à betoneira de dólares e à atenção de Zuckerberg. Tanto que, na quinta passada, durante a conferência anual da empresa, ele anunciou a criação de uma holding que controlará todas as suas empresas. Ela foi batizada de Meta, uma clara referência ao metaverso.

Para se ter uma ideia de quanto isso representa, a empresa já tem mais de dez mil pessoas trabalhando em projetos ligados às realidades virtual e aumentada, que começaram há alguns anos. A Meta pretende dobrar essa equipe e o investimento nesses projetos está na casa de bilhões de dólares

Um metaverso traz benefícios inegáveis, como elevar os ambientes de trabalho e de estudo a distância a um patamar antes inimaginável. Pode ser também um poderoso espaço de relacionamento com o consumidor e de experimentação, barateando o lançamento e a venda de produtos. Até a telemedicina pode ganhar com isso!

Mas nada deve ser tão beneficiado quanto o entretenimento e os aspectos sociais. Imagine a sensação de estar dentro de um filme ou de um game! Ou ainda de se encontrar com amigos a distância, de uma maneira bastante convincente. Há ainda o sexo virtual, que se tornará cada vez mais realista, à medida que novos equipamentos para simular sensações se tornem disponíveis e estejam conectados ao metaverso.

A imaginação é o limite! E isso nos leva a possíveis riscos dessa experiência.

Por muito menos, pessoas descobriram, durante o distanciamento social provocado pela Covid-19, vantagens de se fazer coisas a distância, ao invés de presencialmente. Agora, mesmo com a flexibilização das regras, elas mantiveram esses hábitos online.

Uma realidade virtual poderosa pode diminuir nossa capacidade de distinguir entre o presencial o virtual. Nosso cérebro pode ser “enganado” para acreditarmos que a simulação seja algo real. E reagirmos a isso com nosso corpo.

Isso pode se tornar uma possível fuga das limitações da realidade. De certa forma, as redes sociais já oferecem isso, mas, com o metaverso isso pode ser maximizado pelo seu aspecto imersivo, criando uma distração idealizada dos problemas. E isso pode levar as pessoas a se tornarem mais suscetíveis a ideias e a produtos, pois baixam suas defesas mentais.

Há ainda riscos físicos! Durante uma simulação imersiva, as pessoas podem inadvertidamente se mover em um espaço a sua volta que não condiz com o que seu cérebro acha que está. E o menor dos problemas que podem surgir daí são tropeços.

Do ponto de vista da saúde mental, estudos sugerem que uma exposição prolongada a uma experiência virtual tão profunda pode levar indivíduos a casos de comportamentos antissociais, violência, depressão e, no extremo, suicídio. E justamente por ser algo tão novo e pouco estudado, não se sabe exatamente quais seriam esses efeitos colaterais e como preveni-los.

O que nos leva a um ponto crucial: como isso impactará crianças e adolescentes. Uma das piores acusações contra o Facebook feitas por Frances Haugen, uma ex-gerente da empresa que vem fazendo delações nas últimas semanas, é a de que a companhia sabe que o Instagram, um de seus principais produtos, acentua problemas de saúde mental em adolescentes, especialmente em meninas, e faz muito pouco para prevenir isso.

Com o metaverso, esses problemas na formação dos mais jovens podem se tornar exponencialmente maiores. Como suas capacidades cognitivas ainda estão em formação, a diferença entre realidade e simulação se torna ainda mais difusa. Tanto que empresas que produzem essas tecnologias sugerem que não sejam usadas por quem tiver menos que 13 anos. Mas como garantir isso?

Os jovens são, portanto, ainda mais suscetíveis aos estímulos que recebem em realidade virtual, o que cria preocupações não apenas em questões comerciais, mas também de bullying e até de pedofilia. Para tornar a situação mais dramática, é muito difícil monitorar um ambiente tão dinâmico. E vale destacar que Zuckerberg deseja criar estratégias para atrair e reter o público jovem, algo essencial para seus negócios, que estão ficando envelhecidos e pouco atraentes para os mais novos.

À medida que o metaverso ocupe mais espaço em nossas vidas, todos esses aspectos precisarão ser cuidados. Sem falar que, caso se torne um recurso importante para trabalho e estudo, pode provocar um novo tipo de abismo social, separando aqueles que conseguirão aproveitar a simulação daqueles que não terão como fazer isso.

Não deixa de ser curioso todas essas novidades aparecerem justo quando o Facebook passa pela sua maior crise de reputação, que pode levar à divisão da empresa e até à queda de Zuckerberg do posto de CEO. Se o metaverso der certo, isso pode ampliar ainda mais a dominância que ele tem sobre as pessoas e as empresas no mundo todo, e emergir como um visionário. Mas, se der errado, pode entrar para a história como um vilão que destrói democracias e vicia pessoas. É uma aposta alta!

Do nosso lado, temos que cuidar que o mundo online não se torne mais importante que o real. Os valores que verdadeiramente contam estão aqui, “do lado de fora”, e não devem ser simulados ou sintetizados.