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Como conseguir mais tempo?

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Uma das coisas que mais ouço das pessoas é que elas estão sem tempo, que elas gostariam de ter mais para fazer o que quisessem e o que precisassem. Eu mesmo adoraria que o dia tivesse 72 horas para fazer as mesmas coisas!

Naturalmente isso não é possível. Mas será que conseguiríamos ter, pelo menos, mais tempo livre para nós?

O tempo é, sem dúvida, o recurso mais valioso da humanidade, por um motivo muito simples: não temos como conseguir mais, não dá para comprar tempo! Você pode ter todo o dinheiro do mundo, mas terá rigorosamente o mesmo tempo que qualquer outra pessoa.

Nos últimos meses, a pandemia parece ter ampliado a percepção de que estamos ficando com ainda menos tempo. Sim, porque isso é uma percepção: o tempo é absoluto!


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Não é de se espantar, portanto, que o desejo de controlar o tempo é uma das fantasias mais incríveis da humanidade, aliás explorada bastante pela ficção.

A primeira obra assim que se tem notícia é o livro “A Máquina do Tempo”, publicado pelo escritor britânico H. G. Wells em 1895. A obra, que rendeu, dois filmes para o cinema, um em 1960 e outro em 2002, conta a história de um cientista que cria uma máquina para viajar no tempo, e acaba no ano de 802.701 d.C.

O tema está novamente na moda graças à série alemã “Dark”, cuja terceira temporada foi lançada em junho. Ela aborda outra maneira de se viajar no tempo, por um fenômeno teórico físico conhecido como “buraco de minhoca”, uma espécie de atalho entre dois pontos do contínuo espaço-tempo.

Mas nada captou esse conceito tão bem e criou uma história tão envolvente quanto a trilogia “De Volta para o Futuro”, de Robert Zemeckis, estrelada por Michael J. Fox e Christopher Lloyd, cujo primeiro filme é de 1985. Quem não gostaria de voltar no tempo para fazer o que não fez, corrigir coisas erradas ou deliberadamente mudar o seu futuro, não é mesmo?

Pena que não dá!

Isso é algo teórico, especulativo, que provavelmente nunca acontecerá. Então temos que aprender a viver com a nossa realidade e tirar o máximo dela.

“A vida passava mais devagar”

De onde vem essa percepção de que estamos com menos tempo?

De um motivo bem simples: enfiamos coisas demais dentro das 24 horas do dia, cada vez mais!

A tecnologia nos permite fazer muito, muito mais que nossos pais faziam no mesmo período, e isso é ótimo! O problema é que não sabemos quando parar: queremos fazer sempre mais!

Há alguns anos, vi um estudo que dizia que a quantidade de informação publicada em apenas uma semana pelo jornal americano “The New York Times” era maior que toda a informação a que alguém no século XVIII era exposta em sua vida inteira.

Como dizem os antigos, “a vida passava mais devagar antigamente”.

As redes sociais agravaram isso, como aliás escancarou o documentário “O Dilema das Redes”, lançado na Netflix no dia 9 e que está causando grande alvoroço. Vivemos hoje na chamada “economia da atenção”. A nossa atenção é vendida pelas plataformas digitais a seus anunciantes. Portanto, elas precisam criar mecanismos convincentes para que fiquemos cada vez mais pendurados nelas, ou, como se diz nas próprias redes, cada vez mais “engajados”.

Estamos perdendo o controle do nosso tempo!

Queremos fazer tanta coisa com ele, e o estamos entregando de bandeja para quem ganha dinheiro a nossas custas. Estamos até mesmo ficando doentes com isso. Uma das doenças da modernidade responde pela sigla FoMO: “fear of missing out”, ou o “medo de perder algo”. Por causa dela, não saímos das redes sociais, pois estamos condicionados a tentar ver tudo que nossos amigos publicam, mesmo as inutilidades.

Para termos mais tempo, precisamos forçosamente romper esse comportamento que nos aprisiona! Ninguém vai morrer se perder o último meme ou ficar de fora da teoria da conspiração mais recente. Mesmo notícias realmente importantes para sua vida podem esperar algumas horas.

Portanto, defina horários do dia para entrar nas redes sociais e use comunicadores instantâneos, como o WhatsApp, com inteligência e parcimônia. Não deve ser muito tempo no dia, e respeite o que definir!

Aliás, desabilite as incontáveis notificações no seu computador e no seu celular. Elas são ladras de atenção e de tempo. Consuma seja lá o que for quando você quiser, e não quando algum algoritmo ordenar!

Dicas para ter mais tempo

Há incontáveis outras técnicas para otimizar seu tempo, como priorizar tarefas, dividir e delegar algumas delas, terminar o que começa. Isso é algo que você pode encontrar facilmente no Google, portanto não vou entrar nesses detalhes aqui.

Quero me concentrar em um pedido para sairmos das “bolhas” que a tecnologia insiste em nos colocar. Exerça seu senso crítico, pense por si só! Valorize o que realmente importa. Busque aprender coisas que lhe tornarão uma pessoa melhor, e não a infinidade de ofertas rasas que aparecem a toda hora em webinar e até em cursos caça-níqueis.

A tecnologia deve ser uma ferramenta para fazermos melhor o que temos que fazer, não para ficar nos enfiando mais tarefas e ideias goela abaixo. Ela tem que trabalhar para nós, e não o contrário!

Um comercial de fim de ano do Itaú, de 2016, pode nos ajudar a encontrar o caminho. Narrado pela “vovlogger” Lilia, que estrelou com a amiga Neuza uma campanha do banco naquele ano, ele explica como “conectar o tempo e a vida”. Segundo ela, “a vida é muito mais importante que o tempo”, e conclui que “o tempo vale o que a gente faz com ele”.

Essa é a grande resposta para quem está sempre buscando mais tempo!

Não tente espremer mais coisas no seu dia do que ele e principalmente você são capazes de comportar. Resista à sedução barata dos algoritmos de relevância das redes sociais. Priorize e valorize o que realmente importa para você e para quem estiver a sua volta!

O dia não pode ter 72 horas. Então aproveite melhor cada umas das 24 horas que você já tem.

Já é hora de sair das redes sociais?

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Chegamos a um ponto em que deveríamos sair das redes sociais? Na verdade, dá para fugir de sua influência e da sua manipulação?

Cada vez mais, eu ouço pessoas se dizendo preocupadas com a quantidade de informações que todas as redes sociais coletam de nós e a crescente capacidade que elas têm de nos manipular. Sim, todas elas coletam uma quantidade obscena de informações de todos seus usuários.

Com isso, têm o poder de nos manipular ou pelo menos induzir sobre o que devemos ler, comprar, quem devemos seguir e até quem pode ser nosso novo melhor amigo. E isso é um poder sem precedentes na história da humanidade.

Há alguns dias, assisti ao documentário “O Dilema das Redes”, que estreou na Netflix no dia 9. Ele escancara como as redes sociais coletam continuamente as nossas informações, nos manipulam e até, de certa forma, como nos viciam.


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Como diz no documentário o professor da Universidade de Yale Edward Tufte, “existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”.

Para quem estuda o tema há anos, como eu, o filme não chega a trazer nenhuma grande novidade. Mas é interessante ver ex-executivos de gigantes do mundo digital contando claramente as ações mais sórdidas e condenáveis de seus antigos empregadores.

As redes fazem isso para ganhar dinheiro vendendo um dos commodities mais valiosos do mundo: a atenção das pessoas. Ou seja, empresas pagam para as plataformas digitais para que elas mostrem para nós produtos que tenhamos grande chance de comprar.

Portanto, nós não somos clientes das redes sociais; somos seu produto! Nós somos vendidos para os verdadeiros clientes, que são os anunciantes.

Isso é possível graças ao chamado “capitalismo de vigilância”, em que as empresas continuamente nos monitoram, coletando nossos dados, observando nossas ações, nossas conversas. Esse oceano de dados e a inteligência artificial de seus algoritmos lhes permitem antecipar tendências, prever comportamentos, descobrir nossos desejos e medos. Daí, para nos vender qualquer coisa, é só escolher no portfólio quase infinito de ofertas de anunciantes aquela que mais nos satisfaz.

Para isso, as redes devem nos manter continuamente “engajados”, para usar um termo popularizado por essas plataformas. Além disso, é interessante que sejamos afastados de pessoas que pensem de maneira diferente de nós, para reforçar nossas crenças, o que facilita as vendas.

Isso parece muito maquiavélico para você? E é mesmo!

Então por que aceitamos isso?

Porque nos causa prazer!

Viciados nas redes?

Temos necessidades biológicas ligadas a socialização. Precisamos conhecer e conversar com pessoas, e obter aprovação delas.

As redes nos oferecem isso em grande quantidade, ainda que superficialmente, o que libera dopamina em nosso cérebro. Ou seja, não somos viciados nas redes sociais, mas na dopamina que ela nos dá.

O filme mostra que isso acontece até com aquelas pessoas que dizem usar as redes sociais todos os dias, mas “apenas de maneira recreativa” e, por isso, dizem não ser viciadas.

Evidentemente elas estão erradas em algum grau!

Pesquisa da consultoria britânica GlobalWebIndex aponta que os brasileiros são o segundo povo que mais usa redes sociais no mundo, atrás apenas dos filipinos. Ficamos, em média, 225 minutos em redes sociais todos os dias, e esse tempo cresce continuamente.

Esse é o problema: nós queremos isso!

As redes sociais são uma perigosa zona de conforto para todos, acomodados por suas doses de dopamina e pelos serviços e facilidades, mesmo que isso nos mantenha em um “curral digital” à disposição dos sistemas.

Isso me lembra do filme “Matrix”, de 1999, na cena em que o personagem Cypher trai seus amigos humanos para que seja reconectado à Matrix. Mesmo sabendo que, na realidade, ele seria transformado em uma bateria viva para alimentar uma máquina, na sua mente ele teria a ilusão de uma vida de prazeres. E ele considerava uma ilusão doce melhor que uma realidade dura.

Quantos não pensam assim no mundo atual?

Sherry Turkle, professora do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e autora do livro “Alone Together” ( “Sozinhos Juntos” em uma tradução livre), afirma que, à medida que a conexão digital com as pessoas aumenta, nossas vidas emocionais diminuem. Seu argumento é que, apesar de estarmos constantemente nos comunicando com outras pessoas pelas redes sociais, essas trocas acabam não sendo autênticas, o que nos leva à solidão.

Daí, no documentário, Tristan Harris, ex-especialista em ética de design do Google, compara as redes a chupetas que usamos quando estamos tristes ou sozinhos. Só que, como estamos cada vez mais tristes e sozinhos, recorremos o tempo todo a elas.

O psicólogo social Jonathan Haidt explica que isso está relacionado ao enorme aumento de depressão, ansiedade, suicídio e autoflagelo entre adolescentes nos Estados Unidos. Segundo ele, essa geração, que começou a usar as redes sociais durante a pré-adolescência, está mais frágil e se arrisca menos na vida.

Nosso cérebro não é capaz de acompanhar tanta informação, tantas notificações, tantas interações com tanta gente ao mesmo tempo. A ironia é que, quando tudo isso foi criado, aparentemente essas empresas entendiam que estavam fazendo algo positivo aos usuários. Mas depois perceberam o incrível poder que tinham em suas mãos. E decidiram usar isso!

E tem mais: outras empresas e pessoas perceberam que poderiam usar esses recursos para vender seus produtos e impor suas ideias. O mais incrível é que elas não “hackeiam” o Facebook: apenas fazem uso das ferramentas da plataforma.

Em um exemplo extremo, temos a eleição de Donald Trump com presidente dos Estados Unidos em 2016, que contou com o apoio decisivo da empresa Cambridge Analytica. Ela roubou os dados de 87 milhões de usuários do Facebook para que depois os manipulasse em favor da campanha. Esse escândalo, aliás, é retratado em outro ótimo documentário da Netflix, chamado “Privacidade Hackeada”.

Desse mesmo saco podre, vêm, por exemplo, a polarização ideológica extrema, o negacionismo e outros comportamentos cancerosos de nossa sociedade retroalimentados nas redes sociais.

Sem escapatória

Não há como fugir disso totalmente. Mas podemos fazer algo!

Não temos como escapar do rastreamento. Mesmo que eliminemos nossas contas nas redes sociais, continuaremos sendo monitorados pelo smartphone e uma quantidade crescente de equipamentos em casa, no ambiente externo e até no que vestimos!

O que temos que fazer é “furar nossas próprias bolhas”, não acreditar em tudo que as redes sociais nos apresentam. E não basta seguir pessoas que pensam diferentemente de nós: o algoritmo sempre vai descobrir a nossa zona de conforto para tentar nos colocar de volta na “nossa bolha”.

Precisamos exercitar a toda hora o nosso senso crítico, por mais que isso exija energia. Temos que nos balizar por valores que não podem ser relativizados ou esquecidos, como o direito à vida, a democracia, a liberdade de expressão, uma sociedade mais justa e uma convivência construtiva com todos. E isso deve ser feito com nossos valores, e não com o que as redes nos jogam na cara.

Temos que ser donos de nosso próprio destino, por mais difícil que possa parecer!

“O Dilema das Redes” começa com uma frase do dramaturgo grego Sófocles: “nada grandioso entra nas vidas dos mortais sem uma maldição”.

Temos que ter essa visão crítica de tudo na vida! Caso contrário, se terceirizarmos nossa capacidade de decisão aos algoritmos, aí sim seremos apenas massa de manobra.

Brilhe no TikTok mesmo sem “dancinhas”

By | Jornalismo | No Comments

Com o enorme sucesso do TikTok, muita gente tem me perguntado se precisa estar nele, se tem que ficar “fazendo dancinhas” lá. Afinal foram 315 milhões de novos usuários só no primeiro semestre, um público enorme e voraz por conteúdo, excelente oportunidade para conseguir novos clientes.

Mas sinto uma certa angústia em quem me faz essas perguntas, porque são pessoas que sabem da importância das redes sociais para seus negócios, mas não se identificam em nada com o estilo ultradespojado desses minivídeos.

Claro que não precisam estar lá!

Você não será chutado para fora dos negócios por não entrar no TikTok. Por outro lado, seu conteúdo não é só de “dancinhas”. Talvez exista um caminho interessante e confortável que você possa trilhar ali.


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O fato é que o aplicativo tem atraído muita atenção também de executivos e empreendedores de todos os segmentos e de negócios de todos os tamanhos. Afinal, com tanta gente instalando o aplicativo e o usando diariamente, estar nele pode trazer uma excelente visibilidade para o negócio.

O problema é que o TikTok popularizou um estilo de conteúdo feito de vídeos bastante informais, com música, pessoas dançando, dublando, “bichinhos fofos” e afins. Tem até muitas celebridades lá desse jeito.

Só que muita gente não consegue se ver fazendo nada disso, especialmente quando se trata de negócios. Muitos acham que seus clientes nunca mais os levariam a sério se os vissem fazendo dançando no TikTok.

Antes de ficar sofrendo por antecipação, temos que analisar com mais calma tudo isso.

A primeira coisa que temos que pensar é se precisamos mesmo estar no TikTok. Na verdade, a pergunta serve para qualquer rede social: afinal, temos que estar em todas as redes?

E a resposta é um categórico “não”!

Primeiramente porque isso exigiria uma enorme energia e muito tempo. Também seria um desperdício, por um motivo muito simples: nossos clientes não estão em todas as redes! Isso vale para qualquer negócio e para qualquer rede.

No TikTok, encontramos gente de todo tipo. Mas é inegável que a rede tem um forte apelo entre o público mais jovem. Logo, se seu negócio atende pessoas fora dessa faixa etária, não precisa perder o sono por não estar lá. Poucos negócios viriam para você por participar dela.

Mas digamos que você queira fazer parte desse movimento assim mesmo.

Nesse caso, se as “dancinhas” não são o seu estilo, não precisa ficar angustiado.

É verdade que o TikTok popularizou um estilo de comunicação no mínimo mais despojado, bem descontraído. As pessoas entram lá esperando encontrar algo nessa linha. Então um vídeo muito sério provavelmente não fará sucesso. Ou pior: pode até queimar a imagem do autor junto a esse público.

Então não faça isso!

Escolha o caminho do meio

A saída pode ser encontrar um meio termo entre as dancinhas e o que você costuma publicar em outras redes.

Antes de mais nada -e isso é muito importante- você precisa se sentir à vontade com qualquer publicação que você fizer em qualquer lugar. Se estiver se sentindo incomodado, é melhor repensar.

Há profissionais de vários segmentos dando suas mensagens, digamos “sérias”, no TikTok, mesmo com uma linguagem mais informal, mas não tão informal a ponto de fazerem “dancinhas”. O que importa é que seja divertido, que é a característica dessa plataforma. É o que seu público espera encontrar.

Já vi muitos profissionais de saúde, por exemplo, dando seu recado lá divertidamente, de um jeito que não comprometem sua credibilidade.

Na indústria de mídia, também começo a ver também algumas iniciativas interessantes, inclusive de jornalistas e de grandes veículos de comunicação, como o Estadão, o Washington Post e o New York Times. Isso foi tema de uma interessante palestra no Simpósio Internacional de Jornalismo Online, do Centro Knight, em julho.

Pode-se perguntar se o público desses veículos está no TikTok. Ou o contrário: se o público do TikTok consome o jornalismo desses veículos.

Possivelmente não.

Mas essas iniciativas podem ajudar a reforçar essas marcas justamente nesse público que não costuma frequentar seus aplicativos e suas páginas em outras plataformas normalmente. Tanto que o que esses veículos publicam no TikTok não são noticiário, ou pelo menos não como costumam fazer. Seus vídeos costumam trazer pílulas feitas com takes de acontecimentos do momento, brincadeiras ou releituras do noticiário em um formato bem descontraído.

Um “jornalão” bem tradicional, o Washington Post, com 142 anos de idade, contratou um editor dedicado ao TikTok, Dave Jorgenson. Até agora, ele já fez mais de 500 desses pequenos vídeos.

Pode-se dizer que eles têm pouco ou nada a ver com o estilo do próprio Post. São clipes humorísticos, a maior parte deles sem relação com o noticiário, apesar de ter boas sacadas, como fazer uma paródia com o “Garganta Profunda”, personagem-chave do escândalo de Watergate, revelado pelo Post, que acabou derrubando o presidente americano Richard Nixon. Com o trabalho de Jorgenson, o Post já conta com mais de 640 mil seguidores e 25 milhões de curtidas em seu TikTok.

Há alguns dias, eu conversava sobre isso como meu filho Matheus, que estuda jornalismo. Debatíamos se isso poderia, a longo prazo, transformar a própria linguagem jornalística, especialmente se o público mais jovem se acostumasse a consumir notícias nessas pílulas curtas, rasas e necessariamente divertidas.

Será que isso pioraria o jornalismo como um todo? Será que a notícia teria que ficar cada vez mais parecida com aquilo?

Penso que não!

Sem dúvida, é uma nova linguagem que se apresenta ao jornalismo e a qualquer outro negócio. Mas não quer dizer que, mesmo com sua popularidade, tenha que ser a única linguagem no futuro. Na verdade, acho que desempenha um papel interessante para atender uma parte da população que não consumiria jornalismo nos formatos mais tradicionais. A partir disso, essas pessoas podem migrar para um jornalismo “mais completo”.

Isso me lembra dos jornais sensacionalistas, os chamados “espreme que sai sangue”, como o finado “Notícias Populares”, em São Paulo. A despeito da elite da sociedade normalmente desprezá-los, eles tinham um papel social importante, especialmente em tempos pré-Internet. Eles eram a única maneira que uma parte da população tinha para se informar, pois eles não conseguiam ler ou simplesmente não gostavam dos veículos mais sérios. E, apesar dos títulos fantasiosas, da linguagem no mínimo exagerada e até de mentiras explícitas, eles cumpriam um papel de informar o cidadão no essencial.

Eles foram substituídos hoje pela desinformação que chega pelas redes sociais e pelo WhatsApp. Só que os jornais sensacionalistas eram, por incrível que pareça, melhores, pois eles não mentiam tanto e nem destruíam a sociedade, como as “fake news” fazem.

O TikTok pode, portanto, funcionar muito bem como uma porta de entrada não apenas para o jornalismo, como para qualquer negócio, inclusive o seu. E nem é preciso ficar “fazendo dancinhas” no vídeo.

Não devemos torcer o nariz nem abraçar de maneira deslumbrada a novidade. Basta você encontrar uma linguagem que lhe deixe confortável e que lhe permita passar a sua mensagem de um jeito divertido.

Se não der, sem problemas: a vida continua.

Precisamos muito de uma boa imprensa

By | Jornalismo | No Comments

Bater na imprensa virou esporte nacional, especialmente das alas mais conservadoras da sociedade. Graças aos recursos das redes sociais, governos aqui e lá fora conseguiram colar, nos veículos que lhes fazem oposição, etiquetas de que a mídia é mentirosa e contrária aos interesses do país e do povo.

Para piorar a sua situação, muitas empresas de mídia andam “derrapando” em sua cobertura jornalística, o que mina a confiança de seu público, já corroída pelos ataques, e oferece mais munição a seus detratores. Mas atacar a imprensa sem refletir sobre o esse ato é a pior coisa que uma pessoa pode fazer: na prática, enfraquece a instituição que lhe protege dos poderosos -ou deveria fazer isso.


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Como chegamos a esse cenário em que as pessoas não confiam mais na imprensa? Isso é um enorme risco para a democracia, em que toda a sociedade perde!

O que deve ser feito para se restabelecer essa relação de confiança que sempre existiu e ajudou o país a se desenvolver e modernizar?

No dia 22 de agosto, a “Folha de S.Paulo” fez um editorial sob o título “Jair Rousseff”. O texto se referia ao desequilíbrio das contas públicas no governo de Dilma e à inclinação de Bolsonaro de ir pelo mesmo caminho.

A despeito dos argumentos do editorial, a fusão dos nomes de Dilma e de Bolsonaro provocou enorme indignação. Afinal, misturou-se uma pessoa que foi vítima de tortura -um dos piores crimes da humanidade- com uma pessoa que não tem o menor pudor de promover publicamente torturadores.

Isso causou a reação de autoridades e de jornalistas, inclusive dentro da própria “Folha”. A crítica mais contundente veio em um artigo de Janio de Freitas, um dos maiores nomes do jornalismo nacional, que não poupou o veículo.

Freitas lembrou ainda outro infame editorial da “Folha”, intitulado “Ditabranda”, de 17 de fevereiro de 2009. Naquele caso, o jornal sugeriu que a ditadura mais recente do Brasil, a dos militares (1964 a 1985(, teria sido menos mortífera que a dos outros regimes militares latino-americanos do mesmo período, e a comparou com a situação na Venezuela na época.

Oras, não existe ditadura boa, nem sequer “menos pior”. Todas são horríveis por definição, pelo simples fato que eliminam direitos fundamentais da sociedade. Da mesma forma, não dá para misturar em um mesmo saco Jair Bolsonaro e Dilma Rousseff, por possíveis semelhanças nos desequilíbrios das contas de seus governos.

E não estou aqui defendendo ou atacando nenhum dos dois.

Não se pode relativizar a importância da vida e da liberdade. Assim como não se pode tentar agradar todo mundo.

Quem tenta agradar todo mundo não agrada ninguém!

Esses são apenas alguns exemplos de mancadas que veículos de comunicação podem cometer -e cometem. Ao fazer isso, eles afugentam seu público, perdem seu apoio e oferecem argumentos para aqueles que querem o fim de uma imprensa livre e forte, pois acham que ela só os atrapalha.

A impossibilidade de uma boa imprensa dócil

Todo governo gostaria de ter uma imprensa dócil e que sempre o enaltecesse. Mas, se um veículo de comunicação fizer isso, não é jornalismo: é relações públicas.

Um dos argumentos da turma -seja conservadora ou progressista- que ataca a imprensa é dizer que os veículos de comunicação mostram tudo que os governos fazem de errado e não mostram o que eles fazem de bom. Só que isso é uma falsa polêmica.

Entre as funções de uma imprensa séria, estão informar e formar o cidadão. Deve protegê-lo dos interesses de grupos de poder -seja ele político, econômico ou ideológico. Deve fiscalizar o poder.

Sempre!

A imprensa pode falar de coisas positivas que governos fazem. E ela fala, claro que fala! Mas essa turma gostaria que falasse muito mais. Ou só falasse da parte boa.

Para isso, o governo tem a máquina pública de propaganda, que é gigantesca, “A Hora do Brasil”, milhões e milhões de reais para publicidade, em que infla o que faz de bom e mente sobre o que faz de mal. Todo governo é assim!

À imprensa cabe, portanto, mostrar o que incomoda os poderosos, todos eles! Portanto, se não estiver incomodando, não está fazendo um bom trabalho.

Como disse certa vez o grande cartunista e jornalista Millôr Fernandes, “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados.”

A imprensa brasileira tem batido mais nos governos nos últimos 18 anos. Mas acho que têm batido pouco! Tem que ser mais incisiva!

Todos os governos erram, fazem coisas ruins. É natural isso! Cabe ao jornalista mostrar tudo isso, até mesmo para que o governo possa se corrigir.

E não podem tem medo de se posicionar! Pelo contrário: o veículo e o jornalista devem deixar claro no que ou em quem acreditam.

O que não quer dizer ignorar ou calar o outro lado. Muito pelo contrário: deve dar voz ao outro lado, sim, mas defender o seu ponto de vista, com fatos e argumentos sólidos.

Na ânsia de serem democráticos, muitos veículos abrem espaço para opiniões divergentes, o que é ótimo! Mas perdem sua capacidade de se posicionar sobre qualquer tema. Tornam-se uma coisa sem opinião e sem graça.

Isso não pode acontecer, pois o seu posicionamento influencia a sua capacidade de informar e de formar o cidadão. Além disso, ao não se posicionar, isso permite que governos se façam ainda mais de vítimas, dizendo que são perseguidos, quando é exatamente o contrário que acontece.

O jornalismo tem que se posicionar!

Por exemplo, na última quinta, no Jornal da Live, que faço no LinkedIn, defendi a necessidade de as pessoas se imunizarem contra o Covid-19 quando uma vacina estiver disponível. Usei argumentos da ciência, justificando porque isso é essencial. Também expliquei por que algumas pessoas não querem se vacinar. Demonstrei como o governo pode legalmente obrigar a vacinação. Contei até o episódio da Revolta da Vacina, que aconteceu no Rio de Janeiro em 1904: naquele ano, a população se recusou a tomar a vacina contra a varíola e teve até quebra-quebra nas ruas da então Capital Federal. O governo da época acabou recuando da obrigatoriedade, mas isso matou 6.400 pessoas apenas na cidade, quatro anos depois.

Ou seja, abri o espaço para quem não quer se vacinar. Mas deixei claro que sou a favor da vacinação de todos, e defendi meu ponto de vista com fatos.

A imprensa pergunta; o governo responde

A imprensa brasileira bate muito menos no governo que a americana, considerada uma das melhores do mundo. Somos até cordiais com os governantes!

Nos Estados Unidos, os jornalistas não têm o menor problema de colocar o presidente da República contra as cordas e cobrar dele respostas a suas perguntas, mesmo as mais incômodas. E o presidente tem que responder: é o seu papel! Se não responde, é execrado publicamente, com razão.

E que sorte os americanos têm de sua imprensa agir assim! Sem isso, o moralismo latente ganharia força no populismo dos governos. E aí, os Estados Unidos deixariam de ser a maior potência do mundo para ser uma nação retrógrada e fadada ao obscurantismo político, econômico e cultural.

Já viajei por muitos países e sempre gosto de observar como é sua imprensa. É absolutamente claro como sociedades mais desenvolvidas têm imprensas mais livres, mais fortes e mais responsáveis. E a recíproca também vale!

Hoje é 7 de setembro, dia da independência do Brasil. Por isso, resolvi promover esse debate. Não é uma conversinha que só interessa a jornalistas, e sim um posicionamento cívico. Todos nós temos um papel nisso, para o futuro da democracia e até da manutenção de uma sociedade decente.

À imprensa, cabe buscar um jornalismo muito melhor que o que já faz, mesmo aqueles que já estão trabalhando bem. Tem que apurar melhor, apresentar melhor. O foco deve ser sempre seu público, e não qualquer outro interesse. Seu papel é fazer bom jornalismo, sem se render a fórmulas fáceis. Ao fazer isso, resgatarão o respeito público, e seus negócios melhorarão.

Ao governo, tem que parar de se fazer de vítima e de jogar a população contra a imprensa, só para poder continuar realizando o que bem entender. Se fizer bem o seu trabalho, se cometer menos desmandos, as críticas naturalmente diminuirão.

Quanto a nós, o leitor, o espectador, o internauta, cabe fugir das “fake news” e valorizar quem está pelo menos buscando fazer um bom jornalismo. Cabe a nós acreditar menos em quem bate na imprensa. Cabe a nós não nos deixar enganar e entender que precisamos de uma imprensa forte e livre para o desenvolvimento de toda a sociedade.

Todos nós e cada de um de nós tem o seu papel.