Monthly Archives: dezembro 2020

O cinema precisa da sua maior reinvenção desde o VHS

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A recente estreia de “Mulher Maravilha 1984” pode ser um marco para o cinema. Não pela qualidade do filme, mas por ser o primeiro blockbuster a abraçar um formato de distribuição nascido pelos efeitos da pandemia que pode continuar depois dela.

Nos Estados Unidos, maior mercado cinematográfico do mundo, o filme protagonizado por Gal Gadot estreou no Natal nas salas de cinema ao mesmo tempo que na plataforma de streaming HBO Max. E isso provocou muita gritaria!

Afinal, será que os próprios estúdios estão fomentando uma alternativa que poderia, a longo prazo, acabar com as salas de exibição?

Sem trocadilhos, eu já vi esse filme antes. E os cinemas sobreviveram. Mas não sem passar por uma profunda reinvenção, que deixou muitos mortos pelo caminho.


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Novamente a TV se torna uma ameaça real às salas de cinema. E uma vez mais os estúdios podem jogar gasolina nessa fogueira.

As televisões estão cada vez maiores, melhores e, paradoxalmente, mais baratas: telas de até 85 polegadas, imagem brilhante, som cristalino, finas como nosso dedo! E não precisamos mais vender um rim para ter uma em casa.

Do lado do conteúdo na equação, com as salas fechadas por meses, Netflix, Amazon Prime Video, Disney+, Globoplay e afins ocuparam um espaço ainda maior em nossas vidas. Eles oferecem acervos cada vez maiores e melhores. Além disso, se tornaram incríveis estúdios, como ótima produção de séries e também de filmes próprios. Vale lembrar que, em 2019, “Roma”, produção da Netflix, foi indicada a dez categorias no Oscar, incluindo Melhor Filme, e ganhou em três, entre elas a de Melhor Diretor, com Alfonso Cuarón.

Entretanto, faltava uma coisa a esses serviços: terem, em seu portfólio, filmes de ponta junto com o cinema. Quem quisesse ver os lançamentos, necessariamente tinha que sair de casa.

 

Disney e Warner mudam o jogo

Entra em cena a Covid-19, fechando tudo e cancelando as estreias, incluindo algumas produções milionárias.

Diante disso, a Disney fez uma aposta ousada, lançando o live action de “Mulan”, que custou US$ 200 milhões, na sua plataforma Disney+ em setembro, “pulando” as salas de cinema.

Um detalhe: para assistir ao filme, além da assinatura da Disney+, que custa US$ 7 nos Estados Unidos, foi preciso desembolsar outros US$ 30. Resultado: apesar de o Disney+ não divulgar cifras individuais, o mercado estima que a estratégia tenha rendido cerca de US$ 260 milhões no lançamento, além de alavancar o download do aplicativo em 68%.

Como comparação, na mesma época, o filme foi lançado nas salas de cinema chinesas. Apesar de ser o segundo maior mercado cinematográfico do mundo e de, por lá, a pandemia estar controlada, o filme rendeu “apenas” US$ 23 milhões na estreia, considerado pouco.

Corte para a segunda quinzena de dezembro!

Estreia nos cinemas a aguardada sequência “Mulher Maravilha 1984”, depois de vários adiamentos. No Brasil, começou no dia 17.

Mas a grande novidade foi nos Estados Unidos, em que o filme foi lançado no Natal simultaneamente nas salas e na plataforma de streaming HBO Max, sem custo adicional aos assinantes por 31 dias (no resto do mundo, como não há o serviço ainda, fica só nas salas mesmo). A Warner já disse que fará isso com todos seus filmes a serem lançados em 2021, incluindo os aguardados “Matrix 4” e o remake de “Duna”.

Isso enfureceu muita gente, incluindo os artistas e –naturalmente– os distribuidores e os exibidores. Christopher Nolan, diretor do filme “Tenet”, que custou US$ 205 milhões, lançado apenas nas salas e cujos resultados decepcionaram, classificou a ideia como desleal com toda a cadeia, e uma grande perda de dinheiro.

Vale dizer que, em muitos casos, parte dos ganhos de diretores e atores vêm de uma porcentagem das bilheterias. Mas, se não há bilheteria, como eles ficam?

O estúdio, por sua vez, antecipa que 2021 ainda será duro para as salas de exibição. Então quer minimizar os prejuízos, a exemplo do que fez a Disney com “Mulan”: já está decidido!

Para deixar a situação de distribuidores e exibidores ainda mais desesperadora, em agosto, um juiz federal dos Estados Unidos anulou uma lei antitruste que vigorava desde os anos 1940. Ela proibia que estúdios de Hollywood tivessem seus próprios cinemas, para que não controlassem completamente a produção e a distribuição dos filmes. Além disso, em julho, a Universal e a rede de cinemas AMC anunciaram que o intervalo para que um filme chegasse ao streaming após o lançamento em cinemas, a chamada “janela de exibição”, cairia de 75 para apenas 17 dias.

 

Favor rebobinar a fita

Como disse antes, não é a primeira vez que as salas de cinema passam por um desafio assim. Nos anos 1980, não havia Covid-19, nem plataformas de streaming. Naquele caso, a ameaça respondeu por três letras: VHS.

Quem tem mais de 40 anos deve se lembrar do mercado sendo inundado por filmes distribuídos em fitas para videocassetes. Isso, aliás, viabilizou o surgimento de outra indústria milionária que foi enterrada pelo streaming: a das videolocadoras, cujo maior expoente foi a Blockbuster.

O fato é que, na época, muita gente achava mais interessante alugar vários filmes no fim de semana para ver com a família, pelo preço de um ingresso nos cinemas. E as salas começaram a esvaziar!

É preciso deixar claro que a experiência do VHS não era boa: imagem e som ruins em uma tela que, quando muito, tinha apenas 20 polegadas.

Mas a experiência dos cinemas também era ruim: salas pequenas, às vezes mal cheirosas, projeção escuras, sons abafados, poltronas desconfortáveis. Nem a pipoca salvava!

Oras, para ter uma experiência ruim, melhor ter em casa, pagando menos!

Os cinemas tiveram que se reinventar. Dessa época, surgiram os “Cinemarks e os UCIs da vida”, com suas salas incríveis. Muto mais que antes, ir ao cinema voltou a ser algo além de ver um filme: era uma experiência arrebatadora!

Agora estamos vendo um remake daquele filme. A transformação digital de equipamentos e de modelos de negócios trouxe o cinema para casa.

É claro que não é a mesma experiência de ir às salas! Mas, como aconteceu na época do VHS, a experiência doméstica pode ser boa o suficiente para as pessoas não quererem sair de casa.

As salas de cinema terão que se reinventar de novo. Criar algo que definitivamente não se possa ter em casa. Do contrário, correm o risco de virarem um programa apenas para entusiastas. E ninguém dura muito tempo assim.

Resta saber o que farão para que voltem a ser um local de experiência única e sensacional.

Como vencer nosso “vício” em tecnologia

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Pouco antes das 9h da segunda passada, vários produtos do Google pararam de funcionar. Gmail, YouTube, Meet, Drive e até a “lojinha de aplicativos” Play Store haviam caído.

Imediatamente começaram a pipocar nas redes sociais mensagens de usuários preocupados com o problema, pois não conseguiam realizar as suas tarefas cotidianas, que dependem de alguns desses produtos.

Alguns demonstravam até mesmo angústia! Afinal, seu cotidiano está intimamente ligado a serviços do Google ou de algumas outras empresas. Os sintomas eram quase de uma síndrome de abstinência, de um usuário viciado em alguma substância, que, de repente, é privado dela!

Será que é para tanto? Estamos mesmo viciados em tecnologia?


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Fiquei pensando em quais são as empresas das quais mais dependo tecnologicamente. E o Google, de fato, lidera essa lista. A começar porque meu smartphone funciona com o Android, o sistema operacional da empresa, que já há alguns anos desbancou o Windows como o sistema operacional mais usado no mundo. Afinal, os celulares se tornaram mais importantes em nosso cotidiano que o PC.

Além disso, tenho conta no Gmail, uso o Meet para mentorias, consultorias, aulas e palestras, armazeno e transfiro arquivos pelo Drive, publico e assisto vídeos no YouTube, fico informado pelo Notícias e armazeno imagens no Fotos. Isso só considerando os serviços que uso todos os dias! Há outros que não uso tão frequentemente, mas que facilitam a minha vida, como o Maps, o Waze, o Tradutor e vários outros. Sem falar, obviamente, no buscador do Google, que uso tanto, que nem saberia dizer quantas vezes por dia recorro a ele.

Logo na sequência, vem a Microsoft. Além do Windows, tem o Office, do qual uso, todos os dias, o Outlook, o Word e o Powerpoint. Tenho e-mail e agenda no Outlook, e armazeno arquivos no OneDrive. Sem falar do LinkedIn, onde sou TopVoice e é a minha principal rede social.

Tem também o Facebook e, em menor escala, a Adobe.

Esses são apenas os produtos dessas empresas que eu uso todos os dias! Qualquer uma delas que fique indisponível, gerará um baita transtorno!

Para algumas, eu pago regularmente assinaturas. Nas outras, o pagamento se dá com o compartilhamento de minhas “pegadas digitais”, que são usadas pelas empresas para nos entregar a seus verdadeiros clientes: os anunciantes. A maioria das pessoas “paga” essas empresas assim, com os seus dados.

Você já pensou o quanto depende delas? Faça esse mesmo exercício e o resultado pode ser surpreendente.

Isso explica por que, quando o Google sai do ar ou quando o WhatsApp é bloqueado por determinação de algum juiz inconsequente (como já aconteceu algumas vezes aqui no Brasil(, as pessoas enlouquecem!

Imagine quem depende umbilicalmente do WhatsApp para trabalhar ou vender, e subitamente o sistema para de funcionar. É uma sensação de completo desamparo, pois não há a quem recorrer!

 

Falta de alternativas

Isso acontece porque colocamos todos os nossos ovos em uma única cesta!

Na nossa vida, temos que ter alternativas para tudo –ou quase. Especialmente para as coisas mais importantes.

No caso da tecnologia, ela se tornou algo absolutamente central. Essas empresas ficaram tão eficientes e tão poderosas, que é quase impossível não dependermos delas em algum momento.

É interessante que nem sempre foi assim. Até o início dos anos 1990, a indústria digital era muito mais pulverizada. Muitas empresas nem eram tão grandes, mas conseguiam um relativo sucesso.

Só que, à medida que algumas foram obtendo mais sucesso, começaram a engolir as menores. Por exemplo, eu me lembro, quando estava no primeiro ano de Engenharia, na Escola Politécnica da USP, que havia um debate entre meus amigos sobre qual plataforma era a melhor: o Windows 3.0 ou o Desqview.

Nunca ouviu falar do Desqview?

Era uma plataforma que permitia rodar mais de um programa ao mesmo tempo, alternando entre eles. Isso parece a coisa mais ridícula, mas, no início dos anos 1990, quando não existia celulares e os computadores ainda eram dominados pelo MS-DOS, isso era um grande feito!

Onde está o Desqview hoje? Sua produtora, a Quarterdeck, foi engolida pela Symantec em 1998.

Alguns poderiam dizer que as coisas são assim mesmo, que esse é o jeito de funcionar do Capitalismo, em que empresas mais bem sucedidas acabam comprando as menores. O problema é quando algumas se tornam realmente grandes demais, e seus tentáculos nos envolvem de uma maneira que não conseguimos escapar. Mais que isso: nós nem queremos escapar!

O segredo do sucesso dessas empresas, de uma década para cá, é seu modelo de negócios. Justamente esse em que podemos usar quase tudo aparentemente de graça, apenas entregando graciosamente as nossas informações e aceitando receber anúncios.

É difícil resistir a isso! Essas empresas nos facilitam muito a vida! E o que nos pedem em troca é visto como justo por quase todo mundo!

É por isso que, quando o cidadão não consegue se defender sozinho, precisa dos órgãos reguladores. O governo americano tem o Google, o Facebook, a Apple e a Amazon na berlinda! Nas últimas semanas, os dois primeiros foram alvos de vários processos, que pedem a venda de alguns de seus produtos-chave, para que fiquem menos poderosos.

 

Dependência química

Mas e quanto a nós? Não podemos fazer nada? Somos mesmo viciados em tecnologia?

Somos –isso sim– incrivelmente dependentes dela como ferramenta de produtividade.

No caso de redes sociais, podemos argumentar que acabamos sendo viciados na dopamina que os microprazeres proporcionados por essas plataformas nos oferecem o tempo todo. Isso eu posso até concordar. É difícil se desvencilhar disso, pois há um processo químico envolvido, mas podemos fazer algumas coisas, sim, para minimizar essa dependência.

Primeiramente, quando algo não funciona, “muita calma nessa hora”! O mundo não vai acabar! Precisamos exercitar a resiliência e a paciência, habilidades que andam meio em baixa há muitos anos.

Há que se buscar alternativas! Aliás, devemos ter essas alternativas definidas antes de termos um problema: o famoso “plano B”.

As pessoas precisam entender também que, às vezes, problemas acontecem fora do nosso controle. Por exemplo, imagine o caso de um vendedor que visita regularmente seus clientes e um dia seu carro não liga de manhã.

É preciso que exista também compreensão e colaboração das pessoas com quem nos relacionamos. Se não pudermos entregar algo porque uma ferramenta essencial está indisponível, um novo prazo deve ser negociado.

A diferença é que, ficando no exemplo de um carro que não pega, quando acontece algo como o que houve como Google na segunda passada, é como se todos os carros da Volkswagen do mundo parassem de funcionar ao mesmo tempo!

Mesmo assim, a vida não vai parar se não conseguirmos fazer log in no Google. Essa dependência está em nossa cabeça e em relações de intolerância entre as pessoas e as empresas.

Se dependemos tanto da tecnologia digital hoje –e isso não vai mudar– precisamos alinhar as nossas expectativas, sermos mais resilientes, mais tolerantes e termos sempre uma alternativa na manga.

Mesmo que seja de outra gigante digital.

Blockchain vai muito além de criptomoedas e pode até ajudar a combater “fake news”

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“Vai falar de Bitcoin?”

A provocação de José Luiz Goldfarb, diretor da EDUC (Editora da PUC-SP), reflete a visão limitada que a população tem sobre a tecnologia blockchain. Isto, quando se tem qualquer noção sobre ela!

É verdade que, de longe, o uso mais popular do blockchain recai sobre as chamadas “criptomoedas”, métodos de troca de valores descentralizados, cujo maior expoente é o Bitcoin. Mas, como ficou claro na transmissão moderada por Goldfarb no dia 15, essa tecnologia possui muitas outras aplicações, tão ou mais interessantes que essas moedas digitais.

O evento marcou o lançamento do livro “A Expansão Social do Blockchain” pela EDUC. A obra foi organizada por Lucia Santaella, coordenadora do programa de pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP.

“Embora o tema seja jovem, penetrar em seus meandros se torna imperativo, quando seus efeitos começam a se fazer sentir na vida”, justificou Santaella. “A expectativa era que essa tecnologia fosse capaz de criar um novo modelo de internet, porque esse que está aí, principalmente no que diz respeito a redes sociais, fracassou”, explicou.

A obra aborda usos do blockchain em áreas como a crise de confiança da sociedade, “fake news”, integridade de dados pessoais nas redes, aprendizagem e –claro– criptomoedas e meios de pagamento digitais. Trata-se de uma compilação de artigos dos membros do grupo Sociotramas, organizado por Santaella, que reúne pesquisadores de diferentes áreas e instituições para discutir temas ligados a redes sociais (conheça aqui os coautores e detalhes da publicação).

Quatro dos coautores participaram da transmissão, abordando o tema de seus respectivos artigos. Magaly Prado, por exemplo, falou sobre como o blockchain pode ser usado para combater as “fake news”, as infames notícias falsas. “Uma plataforma descentralizada visando usar a tecnologia blockchain em nome do jornalismo é louvável e torna as informações de uma rede independente de redações mais confiáveis, preponderante em tempos de reputação baixa por conta da desinformação desembestada”, explicou.

 

Confiança, “fake news” e integridade

Marcelo de Mattos Salgado trouxe uma análise sobre a crise de confiança que afeta, de modo geral, o mundo ocidental –e como o blockchain se encaixaria neste cenário. Segundo ele, “talvez a crise de confiança seja movida, pelo menos em parte, pela referida automatização dos processos de segurança, como o blockchain, que efetivamente substitui os elos de confiabilidade, tão humanos”.

O combate às “fake news” também foi abordado por Kalynka Cruz-Stefani. “O meu trabalho tem uma visão analítica sobre esse sistema de propagação de ‘fake news’”, explicou. “Estudos mostram que, a partir de 2023, 30% delas serão descobertas e combatidas pelo blockchain”,

Por fim, Paulo Silvestre esclareceu como essa tecnologia pode ajudar na integridade de informações pessoais nas redes, hoje totalmente pulverizadas e controladas por grandes empresas e instituições. “Nós garantimos, usando o blockchain, não só a integridade dos dados, como também que temos o controle de nossa própria informação”, explicou. Além disso, usos criativos fazem com que isso esteja de acordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que entrou em vigor no Brasil em setembro.

O livro já está disponível como e-book ou para ser lido no leitor eletrônico Kindle. A versão impressa estará disponível a partir de janeiro, pela EDUC.

“A inteligência humana tem caminhos misteriosos”, disse Santaella. Em linha com os outros autores, ela acrescentou que “o grande afetado pelas redes sociais, “fake news” e pós-verdade é o jornalismo, e nós não podemos viver sem jornalismo”. A professora concluiu dizendo que “quando nós perdemos a confiança nele, o que nos resta para conhecer o que de fato aconteceu?”

Você pode acompanhar a íntegra em vídeo do lançamento do livro “A Expansão Social do Blockchain” na TV PUC. Ainda, saiba como foi a apresentação de Maria Collier de Mendonça sobre o livro no XIII Simpósio Nacional da ABCiber.


* colaborou Marcelo de Mattos Salgado

Chegará a hora que dependeremos de robôs para nos apaixonar?

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O que faz alguém se apaixonar por outra pessoa?

Essa não é uma pergunta simples de se responder.

Certa vez, disseram para mim que a paixão é um truque da natureza para que continuemos nos reproduzindo. Achei graça na hora, mas, a cada dia que passa, vejo que há alguma verdade nessa frase.

A partir disso, será que dá para automatizar os mecanismos da paixão? O governo japonês acha que sim e está investindo pesado nisso, justamente para aumentar a população do país.

Isso é emblemático! Independentemente da eficiência dessa proposta, será que chegamos ao ponto de precisarmos de um sistema para encontrar a pessoa certa e nos apaixonar? Estamos perdendo a nossa capacidade de gostar de outra pessoa naturalmente?


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No Japão, o número de nascimentos caiu 5,8% em 2019, para cerca de 865 mil. É o menor número da história! Entre as explicações para isso, estão a diminuição de casamentos e um aumento na idade que as pessoas se casam.

Para tentar reverter esse quadro preocupante, os governos nacional e regionais preparam um investimento de 2 bilhões de ienes (cerca de R$ 97 milhões) para desenvolver sistemas de inteligência artificial para criar casais compatíveis, transcendendo as combinações mais óbvias dos sites e aplicativos de relacionamento.

De fato, os sistemas atuais não vão muito além de combinar gostos e características. Mas gostar das mesmas coisas está longe de ser suficiente par alguém se apaixonar pelo outro. Na verdade, muitos relacionamentos em que ambos gostam das mesmas coisas simplesmente não evoluem, por isso mesmo!

Há também os “aplicativos de pegação”, cujo maior expoente é o Tinder. Mas a sua proposta é outra. Não digo que pessoas não possam se apaixonar a partir de encontros patrocinados por eles, mas essa não é a ideia a princípio. A “química” entre duas pessoas surge de fatores imponderáveis, combinando elementos aparentemente desconexos.

É muito mais provável o Facebook, com seus algoritmos de relevância criados para nos sugerir conteúdo e vender todo tipo de quinquilharia, descobrir a nossa alma gêmea. Afinal, ele se vale de tecnologias como machine learning, Internet das Coisas, big data, análises preditivas e linguagem natural para “escavar nossas verdades” mais profundas a partir das incontáveis interações no mundo digital.

É curioso que sistemas para encontrar alguém existem desde o começo da Internet comercial. Eu me lembro, lá no grupo pioneiro que criou o Universo Online, em 1996, de participar das discussões para o desenvolvimento do serviço Almas Gêmeas, o avô de todos esses sites. Quatro anos depois, fui o gerente de projetos da versão brasileira do Amor@AOL, da America Online.

Eram sistemas muito, muito simples, que apenas faziam as combinações óbvias. Mas precisamos entender que, naquela época, isso tudo era uma grande novidade. Tanto que, também em 1996, um casal que se conheceu no Bate-Papo do UOL e acabou se casando virou notícia nos jornais: pessoas que se conheceram pela Internet se casam!

Na época, isso era visto até com desconfiança. Hoje estranho é não conhece ninguém online!

É absolutamente comum que se use esses sites e aplicativos para queimar etapas e encontrar rapidamente alguém para o que quiserem. Além disso, eles oferecem uma sensação de que diminuem a frustração de ser rejeitado em uma balada ou no bar.

É uma falsa sensação (vlaro), pois as pessoas continuam sendo rejeitadas, aliás, agora muito mais! Mas, como se tenta a sorte com dezenas de pessoas ao mesmo tempo, mesmo que a maioria diga “não”, alguém acabará dizendo “sim”.

 

A vida imita a arte

Se os sistemas baseados em inteligência artificial entregarem o que prometem, isso pode ser um salto para um patamar muito superior a esses “cardápios de gente”.

A ficção já explora isso há bastante tempo. O episódio “Hang the DJ”, o quarto da quarta temporada da série “Black Mirror”, por exemplo, demonstra o funcionamento surpreendente de um aplicativo de namoro.

Impossível não citar também o filme “Ela” (“Her”, 2013), em que o protagonista Theodore, vivido por Joaquin Phoenix, se apaixona pelo sistema operacional inteligente de seu computador e de seu celular, a Samantha, personificado pela voz de Scarlett Johansson. O que faz Theodore se apaixonar por Samantha não é sua carência, e sim o fato de que o sistema sabe tudo sobre ele, pois acessa todas as suas pegadas digitais. Os dois sempre conversam, e Samantha aprende continuamente do que ele gosta.

Resultado: ela sempre oferece o que ele precisa, mesmo coisas inesperadas. Dá quase para se apaixonar por Samantha só de assistir ao filme, por mais que pareça louco isso. Mas, como diz uma amiga do protagonista, “apaixonar-se é uma coisa louca: é uma forma de insanidade socialmente aceitável.”

Trazendo para a nossa realidade, e se o sistema usasse toda essa inteligência para combinar pessoas?

Pode dar certo mesmo: os sistemas já estão aí disponíveis!

Não é de se admirar que o Facebook tenha lançado, no ano passado, um recurso de Namoro em sua plataforma, ainda que timidamente.

Do jeito que a coisa anda, talvez comecemos a ver sugestões de par ideal em nosso WhatsApp e Instagram, da mesma forma que vemos os stories. Isso se a empresa não for obrigada a vender as duas plataformas, como o governo dos Estados Unidos quer, justamente para diminuir o poder que o Facebook tem sobre os usuários e permitir uma concorrência mais saudável

No final das contas, talvez esses serviços digitais queiram resolver um problema que foi criado, ainda que parcialmente, por eles mesmos. Com tanta velocidade, com tanta oferta, com tantos estímulos o tempo todo e em qualquer lugar, talvez estejamos perdendo algumas capacidades essenciais de nossa humanidade.

Como disse certa vez o filósofo polonês Zygmunt Bauman, “tudo é mais fácil na vida virtual, mas perdemos a arte das relações sociais e da amizade”. Vivemos na época do que ele chamou de “amor líquido”.

Todos esses recursos digitais onipresentes nos ajudam a encontrar o que buscamos, mas podem nos levar a nos perder em uma sociedade sem rosto, homogeneizada, controlada, viciada em dopamina ao ser exposta apenas ao que cada um gosta. Perdemos nosso senso crítico, porque acreditamos piamente no que dizem ser o certo, sem sequer entendermos do que estão falando.

Com isso, nossa empatia se esvai, assim como a capacidade de identificar o bom e o mau.

E, sem esses recursos, talvez estejamos perdendo os nossos melhores recursos para nos apaixonar, pelo menos de fazer isso sem ajuda.

Que bom que temos a inteligência artificial para nos salvar!

Por que ainda temos chefes tóxicos

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Que tipo de chefe você tem? Ou que tipo de chefe você é?

Muito se discute sobre a diferença entre um simples chefe e um verdadeiro líder: você já deve ter lido incontáveis artigos sobre o tema.

Infelizmente, nessa pandemia, vimos várias histórias de chefes tóxicos que abusaram de sua posição com seus subordinados em home office. Justamente em um período de grande angústia pela transformação digital forçada e sem planejamento.

Mas uma pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA) divulgada no mês passado traz um alento sobre as chefias brasileiras. Segundo o levantamento feito com cerca de 150 mil profissionais de mais de 300 empresas de diferentes portes e segmentos no país, os chefes brasileiros são “inspiradores”, “educadores” e “democráticos”.

Se isso já era importante antes, agora, com muitas equipes trabalhando em maneira distribuída, pode significar a diferença entre um time eficiente, entrosado e feliz, e um grupo de pessoas que não conseguem produzir juntas.


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Mas o que faz um chefe ser um verdadeiro líder? Por que não temos mais pessoas assim?

Não são só as crianças que aprendem com o exemplo: nós também! No ambiente corporativo, esse exemplo vem do chefe. Infelizmente também podemos aprender coisas ruins com um chefe tóxico.

A função do chefe é coordenar o trabalho de seus funcionários para atingir os objetivos da empresa. Portanto, quando se é subordinado, você é avaliado pela sua performance individual. Quando se é chefe, você é avaliado pela performance da equipe.

Entretanto, a maioria das pessoas assume uma posição de chefia sem ter sido preparada para isso. E daí passa a usar a máxima “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Nada poderia estar mais errado!

E eu posso confirmar isso pela minha experiência pessoal como subordinado e como líder.

Ao longo da minha carreira, trabalhei para empresas bem diferentes, de várias nacionalidades. Tive a alegria de ter ótimos líderes e o desprazer de ter chefes ruins, felizmente mais do primeiro grupo. E posso afirmar categoricamente que os meus resultados e os das empresas como um todo eram muito melhores quando existia uma boa liderança.

Sabe aquela história da diferença entre o chefe e o líder?

O chefe é o que segue a máxima acima. Ele suga o trabalho de seus subordinados, como um parasita corporativo. Nesse cenário, apenas ele cresce, pois não dá visibilidade à equipe.

Essa é uma visão míope desse chefe e do chefe dele, que não percebe o mau instalado ali. Nessa gestão, o funcionário não oferece o melhor que tem. Adquire uma postura reativa de fazer só o que lhe mandam. Ele se desenvolve pouco e, caso acabe sendo chefe um dia, possivelmente repetirá esse padrão, criando um círculo vicioso em que todos perdem.

 

Os tipos de chefes

A pesquisa “FIA Employee Experience”, realizada há 40 anos, comprova que as empresas com melhores resultados são aquelas que têm verdadeiros líderes nas chefias.

Os dados foram coletados em uma pergunta de múltipla escolha. O chefe “inspirador”, aquele que inspira os funcionários e a equipe confia nele, aparece em 26% dos casos. Já 17% dos chefes foram considerados “educadores”, que se focam principalmente em desenvolver a equipe. Os “democráticos”, que consideram a opinião de todos nas decisões, representam 15% das chefias. Todos esses são considerados estilos positivos, somando 58% das lideranças das empresas pesquisadas.

Na ponta oposta, 9% dos chefes foram classificados como “coercitivos”, aqueles que são considerados autoritários e que não ouvem seus subordinados.

No meio do caminho, há ainda dois perfis considerados neutros. O primeiro são os “maternais”, que, segundo a pesquisa, colocam as pessoas em primeiro lugar e evitam conflitos. E, por fim, os “direcionadores”, que têm alto desempenho e cobram o mesmo de sua equipe, pressionando por metas. Cada um apareceu em 10% das respostas.

Os 13% restantes dos respondentes preferiram não classificar o estilo das suas lideranças.

Pode-se argumentar que as empresas que participam desse tipo de pesquisa, que é totalmente voluntária, de alguma maneira se preocupam com o bem estar de seus funcionários e prestam atenção no desempenho de suas lideranças. E isso pode fazer com que tenhamos mais bons resultados que a média de todas as empresas do país, que infelizmente estão longe disso.

Esse é um bom ponto. Entretanto, não desmerece suas conclusões que correlacionam boas chefias com alta performance das equipes e bons resultados do negócio.

Eu já tive o prazer de trabalhar em uma empresa que foi considerada, no ano 2000, uma das melhores para se trabalhar no Brasil: a America Online. Vale dizer que ela chegou a ser considerada a melhor empresa para se trabalhar nos Estados Unidos, na época. Era praticamente uma unanimidade que aquele foi o melhor trabalho da vida de quem passou pela AOL, especialmente a primeira turma, que ajudou a trazer o negócio para o Brasil.

Não era só pela empresa, que oferecia excelentes condições de trabalho e um pacote de benefícios atraente. O principal motivo eram as chefias, que se enquadravam perfeitamente nos papeis de “educadores”, “democráticos” e principalmente “inspiradores”. Era uma corrente de energia positiva que fazia com que os funcionários fossem todos os dias para a empresa com vontade de criar um mundo melhor a partir do resultado de suas atividades.

Quem não quer trabalhar em um lugar assim?

Foi lá que eu tive a líder mais inspiradora de minha vida, que me permitiu conhecer a sua história e descobrir que ela era daquele jeito porque também tinha sido inspirada anteriormente. Foi lá também que tive o meu líder mais democrático, uma pessoa incrível que fazia com que todos oferecessem o seu melhor, ao colocar a equipe no centro das decisões, uma pessoa muito querida que a Covid-19 levou embora há três semanas. Isso nos deixou todos em choque, porque, 15 anos depois daquele trabalho, ainda o queríamos muito bem.

 

As vantagens de um “trem da alegria”

Os exemplos desses e de outros bons líderes que tive me ensinaram como conduzir uma equipe.

Quero que quem trabalhe comigo produza não porque tem medo ou porque está sendo pressionado. Não quero que trabalhem apenas por causa do salário no fim do mês. Para mim, é importante que façam algo que seja importante para si e para a sociedade, que entendam qual é seu papel no negócio e por que são fundamentais para a equipe. Quero que compartilhem comigo seus pensamentos, mesmo os que não forem agradáveis, pois tudo isso é necessário para o conjunto melhorar.

Quando eu finalmente estive do outro lado da mesa, comandando equipes pequenas ou grandes, pude fazer isso. Em todos os casos, eu colhi os resultados esperados.

Eu me lembro de uma colega me dizendo certa vez: “você é a pessoa mais democrática que eu conheço”. Não sei se era para ser um elogio, mas nunca mais esqueci daquela singela frase.

Mas nem todos gostam desse meu estilo. Principalmente nas empresas mais “quadradas” em que trabalhei, isso às vezes era mal visto. Em uma ocasião, um outro diretor veio conversar comigo, na verdade, fazer uma reclamação velada, que meu departamento era um “trem da alegria”, que as pessoas trabalhavam rindo e se divertindo. Eu perguntei por que aquilo o incomodava, se estávamos dando um excelente resultado.

E aí é que está: chefes coercitivos, autoritários não conseguem lidar com uma equipe com autonomia, que trabalha sua liberdade com inteligência, entregando o que deve, sem que alguém os esteja pressionando. Não é de se estranhar que essa empresa, que construiu uma posição de liderança em seu segmento ao longo de décadas, não resistiu aos novos tempos e acabou sendo vendida.

Por isso, salvo talvez entre militares, aquela história de “manda quem pode, obedece quem tem juízo” não tem mais espaço.

As empresas com um futuro brilhante são aquelas que preparam seus funcionários para exercer suas funções com autonomia, eficiência e prazer. Isso não é um “trem da alegria”: ninguém está brincando em serviço, muito pelo contrário!

Esse é o caminho para termos menos chefes coercitivos e mais líderes inspiradores.