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A difícil arte de ser verdadeiro e não agradar

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Há uma piada que circula pelas redes sociais que diz que ninguém é tão popular quanto parece ser no Facebook, nem tão bonito quanto no Instagram, tão bem-sucedido quanto no LinkedIn ou tão sucinto quanto no Twitter. Brincadeiras à parte, você tem a sensação que as postagens nas redes sociais estão ficando muito parecidas umas com as outras?

Não é só pela ação do algoritmo de relevância, que joga na nossa cara apenas aquilo que se parece conosco. Isso é resultado de um fenômeno em que as pessoas querem agradar o outro a qualquer custo. Fazem isso para conseguir um emprego novo ou mais clientes, para brilhar no seu grupo de amigos ou pela necessidade da gratificação fugaz e às vezes patológica de receber “curtidas”.

Fica difícil ser feliz com essa compulsão em agradar, mesmo que, para isso, tenhamos que mentir sobre nós mesmos. E isso se manifesta com ainda mais força nas redes sociais, que premiam quem é raso, porém alinhado com a massa. Viramos marionetes de uma sociedade de pensamentos únicos, em que, para ser aceito, é preciso “mugir no mesmo tom da manada”.

Até onde vai essa loucura?


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Por exemplo, em outubro, a organização internacional Artigo 19 divulgou relatório que demonstra que o Brasil teve a maior queda no mundo na liberdade de expressão. Em 2009, o país somava 89 pontos em uma escala de 0 a 100 em liberdade de expressão. Em 2020, somamos apenas 46 pontos!

Com isso, ocupamos a modesta 94ª posição, entre 161 países avaliados, e deixamos de fazer parte do grupo de países classificados como “abertos”. Estamos praticamente empatados com as Filipinas, e abaixo da Hungria e do Haiti. Também estamos atrás de todos os países da América do Sul, exceto a Venezuela.

Algumas pessoas podem contestar esse número, dizendo que, no Brasil, nunca ouve tanta liberdade de expressão, graças às manifestações nas redes sociais. É preciso então explicar o que esse termo significa.

De fato, nunca tanta gente colocou seus pensamentos nas redes sociais. Mas isso não é suficiente para configurar liberdade de expressão. Na verdade, acaba sendo o contrário!

Primeiramente porque grande parte do que propagam são ataques baratos que visam destruir a imagem de outras pessoas, empresas e instituições. Isso pode ser enquadrado em vários crimes, o que, por si só, já contraria o conceito de liberdade de expressão. Além disso, o que essas pessoas falam não são suas ideias: servem apenas de caixa de ressonância para palavras de ordem de grupos específicos, prestando-se a viabilizar seus objetivos. Fazem isso por se alinharem com as ideias desse grupo ou para se sentir parte dele.

Como canta Caetano Veloso, “Narciso acha feio o que não é espelho” As pessoas não querem ser confrontadas com o que lhes incomoda. Por isso, se tornam presas fáceis de quem lhes agrada, mesmo que seja com a mais rotunda mentira!

Precisamos romper esse ciclo destrutivo!

 

Todos podem fazer sua parte

Todos os seres humanos são importantes para a sociedade e têm algo a contribuir. Infelizmente, às vezes essa contribuição pode desagradar alguns, pelo simples fato de os tirar de sua zona de conforto. Porém, se ela for construtiva e não ferir leis, deve ser dita.

É por isso que gênios não se preocupam em agradar ninguém: apenas fazem o que deve ser feito, desde que seja certo. Por outro lado, os inseguros, os que estão encharcados de ódio e aqueles que simplesmente não conseguem sustentar suas ideias sentem que lhes resta recorrer a essas fórmulas fáceis.

Não caiam nessa armadilha!

Fazer parte de uma comunidade é crítico para todos os seres humanos. Mas isso não significa apenas usufruir do que ela tem de bom a nos oferecer. Tampouco significa viver uma existência baseada em atender as expectativas dos outros e muito menos manipular a narrativa para ser servido por eles. É também genuinamente trabalhar para construir e oferecer algo de bom ao outro, mesmo a um desconhecido.

Essa realidade em que vivemos me lembra o roteiro do episódio “Queda Livre”, o primeiro da terceira temporada da série “Black Mirror”. Ele mostra uma sociedade em que as ações de todos podem ser avaliadas pelas pessoas à sua volta ou nas redes sociais. Tais avaliações alimentam uma espécie de placar individual acessível a todo mundo, que influencia decisivamente a vida em sociedade. Por isso, nesse episódio, as pessoas vivem vidas cheias de mentiras e aparências, apenas para ganhar mais estrelas de seus pares.

Aquilo é uma enorme distorção do que deveria ser uma vida saudável em sociedade. Mas eu pergunto: quanta falta para que cheguemos àquilo em nosso cotidiano?

 

Não dá para agradar todo mundo

Precisamos reaprender a ser verdadeiros e solidários, mesmo que isso possa desagradar alguns. Se tentamos agradar a todos, não conseguiremos ser verdadeiros. Corremos o risco de desagradar mais que agradar. Por sempre se ajustar aos desejos alheios, há o risco de se criar uma legião de eternos insatisfeitos, que sempre vai querer mais.

Portanto, ao invés de buscar competição por “estrelinhas” em nosso cotidiano, devemos procurar a evolução de nós mesmos. Ao mudarmos para melhor, o mundo muda junto.

Temos que dar um basta nesse comportamento de “mentiras agradáveis”! Esse é um dos grandes males da atualidade.

Para isso, não se deixar abater pelo que o outro pensa. Não espere e nem tente fazer com que todos gostem de você. Nenhuma das duas coisas é possível!

Quem entende que não é o centro do mundo vê sua percepção se tornando mais positiva. Assim suas atitudes tendem a melhorar. A beleza do mundo floresce quando cada um busca viver sua vida de maneira construtiva dentro da sociedade.

Seja verdadeiro e pratique continuamente o bem, para termos uma sociedade melhor para todos. Talvez até deixe de “ganhar estrelinhas” de algumas pessoas, mas sua vida será mais plena e feliz.

 

Vale a pena ter um carro elétrico no Brasil?

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Na segunda passada, a Ford surpreendeu todo mundo, anunciando que deixará de produzir automóveis no Brasil, interrompendo uma história de mais de cem anos no país. Políticos reclamaram e analistas tentaram justificar a decisão. Mas a resposta é simples: o Brasil deixou de ser interessante para a Ford.

Aliás, não só para ela! A manchete do Estadão desse domingo mostra que o Brasil perdeu 36,6 mil fábricas entre 2015 e 2020, o que dá uma média de 17 fábricas por dia.

A forte desindustrialização, que recentemente também vitimou a produção nacional de eletrônicos da Sony e de carros da Mercedes, é resultado de fatores como o infame “custo Brasil”, a falta de incentivo à inovação, o ambiente empresarial hostil, a baixa produtividade e o próprio mercado retraído. Além disso, o produto brasileiro ficou menos competitivo internacionalmente.

A Ford, por sua vez, tem seus motivos particulares. Um deles é se concentrar em SUVs, veículos que oferecem uma melhor margem de lucro, mas que infelizmente vendem proporcionalmente pouco no Brasil. A outra coisa é seu direcionamento para veículos elétricos. Só que o Brasil ainda patina vergonhosamente nessa tecnologia, enquanto outros países já têm metas aprovadas para eliminação de motores a combustão em veículos novos daqui a alguns anos.


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Por que o mercado de carros elétricos não acelera no Brasil? Vale a pena ter um carro elétrico aqui?

John Rockefeller, magnata americano da indústria petrolífera, dizia que “o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada; o segundo melhor é uma empresa de petróleo mal administrada”. Um século depois, essa frase começa a deixar de ser verdade.

Em novembro, o Reino Unido antecipou de 2035 para 2030 a proibição de carros novos movidos a gasolina ou a diesel, portanto daqui a apenas nove anos. Dois meses antes, o Estado americano da Califórnia já tinha publicado a mesma restrição valendo a partir de 2035. O Japão deve firmar sua data limite para 2030. E a China, o país mais poluente do mundo, deve ter uma regra assim para 2035.

Isso vem se refletindo nas empresas automotivas, claro. Na sexta-feira, o valor de mercado da americana Tesla, maior expoente em carros elétricos, era de incríveis US$ 783 bilhões. Isso é mais do que o valor somado da Toyota, da Volkswagen, da GM, da Ford e da Fiat Chrysler, empresas centenárias, que vendem muitíssimo mais veículos, mas quase tudo ainda movido a combustíveis fósseis.

Isso fez com que Elon Musk, fundador e CEO da Tesla se tornasse o homem mais rico do mundo há 11 dias, tirando a coroa que Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon, detinha desde outubro de 2017.

Segundo a consultoria Boston Consulting Group, as vendas globais de modelos elétricos e híbridos passarão dos atuais 10% para 51% em uma década. Isso se as restrições aos combustíveis fósseis e os incentivos à eletrificação se mantiverem, e prevendo o crescimento nas vendas e a queda nos preços dos modelos.

 

Gasolina e diesel resistem

Claro que os postos de gasolina continuarão ocupando as esquinas das cidades por muito tempo. Especialistas estimam que será assim, no mínimo, até 2050, especialmente em países em desenvolvimento, que não incentivam a eletrificação e permanecerão com o legado de uma frota envelhecida e movida a gasolina. É o caso do Brasil.

Tampouco podemos ignorar o lobby da ainda poderosíssima indústria petrolífera, que obviamente não tem nenhuma pressa em ver a frota de veículos se eletrificando.

Por aqui, quem puxa esse cordão é a Petrobrás. A empresa ainda olha de longe a produção de energias renováveis, ao contrário de muitos de seus concorrentes. Ela tem seus motivos, como reservas gigantescas de petróleo e a tranquilidade de que os carros brasileiros continuarão queimando gasolina ainda por décadas. Além disso, a empresa está endividada, o que atrapalha investimentos na diversificação de suas operações. Pelo contrário, a Petrobrás vem se desfazendo de tudo que não seja petróleo e gás.

Faz sentido! Gasolina e diesel representam uma fatia essencial nos ganhos das petroleiras. Metade da produção atual da Petrobrás, por exemplo, é de gasolina e diesel para transporte rodoviário.

Outra coisa que ajuda a manter essa indústria é a melhora na eficiência dos carros atuais, com motores a combustão menores e mais econômicos, sem sacrificar a performance. A indústria petrolífera, por sua vez, melhora a qualidade de seus combustíveis, tornando-os menos poluentes.

Apesar de tudo isso, os carros elétricos vão conquistando seu espaço no Brasil, lentamente.

Temos que pensar também que as matrizes das montadoras aqui instaladas estão migrando para o carro elétrico. Como trabalham com modelos mundiais, fará cada vez menos sentido manter modelos e tecnologias defasadas que não combinem com as dos seus principais mercados.

O brasileiro já tem a sua disposição modelos elétricos das montadoras Audi, BMW, BYD, Chery, Chevrolet, JAC, Jaguar, Mercedes, Nissan, Porsche, Renault e Tesla. O mais barato é o pequeno hatch JAC iEV20, que custa R$ 140 mil. Os modelos mais caros passam de meio milhão de reais.

Ou seja, dá para se ver que o preço é uma fortíssima barreira de popularização dos carros elétricos.

Ainda no governo Temer, a alíquota do IPI (o Imposto sobre Produtos Industrializados) para os veículos elétricos foi reduzida de 25% para uma faixa entre 7% e 20%. Mesmo assim, impostos sobre qualquer carro são muito altos por aqui.

No mercado internacional, o equilíbrio entre os preços de carros elétricos e equivalentes a combustão deve ser atingido em até dez anos. Por isso, incentivos para o comprador também seriam bem-vindos e justificados pelos ganhos ambientais dos veículos elétricos. Na China, por exemplo, quem compra um carro elétrico recebe um incentivo do governo que pode chegar a US$ 10 mil para abater no valor do veículo.

Um outro ponto que precisa ser melhorado é a ampliação de pontos de carregamento rápido em locais públicos e prédios residenciais e comerciais. O carregamento em tomadas comuns é muito lento e caro, o que desestimula a aquisição de um carro elétrico.

Um bom exemplo veio da cidade de São Paulo. Em março passado, foi sancionada uma lei municipal que exige que os novos edifícios residenciais e comerciais prevejam soluções para recarga de veículos. Isso precisa se espalhar para outras cidades, e aos poucos incorporar também imóveis já existentes.

 

Elétrico ou a combustão?

Mas, afinal, vale a pena ter um carro elétrico?

Se você tiver “bala na agulha” para fazer o investimento inicial, a resposta tende a ser positiva, mesmo no Brasil, especialmente se você roda bastante.

O principal ponto favorável certamente é ambiental. Isso se reflete até na saúda da população. Especialistas estimam que a expectativa de vida média do americano deve aumentar em 14 meses pela simples eletrificação da frota automobilística, graças à diminuição dos poluentes no ar que respiramos.

A redução na emissão de gases de efeito-estufa também colabora com a queda da temperatura média global. Vale lembrar que 2020 foi o ano mais quente da história, empatando com 2016!

Outra vantagem é que, apesar de os carros serem mais caros que os equivalentes a combustão, há uma economia a médio prazo. E ela não acontece apenas por deixar de visitar os postos de gasolina: a manutenção dos carros elétricos tende a ser mais barata, pois seus motores são mais simples e não têm componentes de alto desgaste dos motores à combustão.

O silêncio também impressiona. Os ruídos a bordo e externos são muito menores que os de um carro convencional. Isso se deve pela ausência do próprio motor a combustão e sua exaustão, além de outras peças barulhentas.

Essa é, portanto, uma escolha ainda bem pessoal. Tem que rodar muito para que as economias dessa tecnologia paguem a diferença no custo do veículo. Mas temos também que levar em consideração os outros ganhos, não-financeiros, na decisão.

Quanto ao governo, precisa fazer da sua parte para diminuir mais esse abismo tecnológico que temos com os países desenvolvidos. Caso contrário, isso e todos os outros problemas mencionados no começo desse artigo podem mandar embora outras Fords nos próximos anos.

A responsabilidade das redes sociais nos ataques à democracia

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O mundo assistiu horrorizado, na quarta passada, ao Congresso americano sendo invadido e depredado por apoiadores do (ainda) presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O ato, sem precedentes na história do país, se torna ainda mais emblemático porque foi incentivado pelo próprio mandatário, que incendiou a turba, gritando palavras de ordem em frente à Casa Branca, protegido por um vidro blindado.

Mas isso não aconteceu de uma hora para a outra. Foi o dramático clímax de um movimento que se constrói há uma década, com uma hábil combinação de neurolinguagem, observação política, oportunismo e domínio de plataformas digitais.

No centro disso tudo, como principal ferramenta, estão as redes sociais. Tanto que, depois do ataque, Mark Zuckerberg suspendeu as contas de Trump no Facebook e no Instagram até pelo menos a posse de seu sucessor, Joe Biden, no dia 20. Já o Twitter baniu Trump de sua plataforma para sempre. As empresas justificaram as medidas como necessárias para evitar uma escalada ainda maior da violência provocada por Trump.

Mas tais ações pontuais são suficientes? Por que não foram tomadas antes? E ainda outra pergunta que não pode ficar para trás: as redes sociais sairão limpas dessa história?


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Trump sabia exatamente o que estava fazendo, mas para sorte da democracia, seu objetivo fracassou. Infelizmente não sem antes deixar um rastro de destruição e cinco mortos, incluindo um policial.

A pergunta que surge imediatamente nas mentes que separam o certo do errado é: como isso pôde acontecer na autoproclamada maior democracia do mundo e na incontestável maior potência militar da Terra?

Empresas, políticos e grupos de toda natureza descobriram nas redes sociais uma caixa de ressonância para fazer valer suas ideias, mesmo as mais grotescas. Potencializaram o risco de aglutinar um grande grupo de pessoas descontentes ou com necessidades não atendidas, e muito ódio para fazer valer suas pautas.

Trump soube identificar esses elementos no povo americano. Aproveitou-se do fato de os algoritmos de relevância das redes falarem diretamente com as camadas mais primitivas de nosso cérebro, responsáveis pela nossa autopreservação sem recorrer à racionalidade. Com isso, milhões de pessoas passaram a se recusar a ver as verdades que não lhe convinham e a combater qualquer um que dissesse o contrário, a todo custo.

O congressista republicano Mike Gallagher, que apoia Trump, descreveu bem o resultado. Segundo ele, o incidente no Capitólio (como é chamado o Congresso americano) transformou os Estados Unidos em uma “república de bananas”.

Trump digitalizou uma fórmula de dominação de massas há muito conhecida. Trata-se da cartilha escrita por Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolph Hitler, usada para legitimar as atrocidades do Fürher. Foi dessa maneira que o povo alemão da época apoiou a política de conquista de outros países, a expropriação de bens dos “inimigos do povo” e o confinamento e posterior extermínio de judeus e outros grupos. Isso parece monstruoso a nossos olhos, mas o que se vê hoje é a mesma coisa, apenas em uma etapa anterior; Por outro lado, atinge escala planetária, graças às redes sociais.

 

Enfrentado o homem mais poderoso do mundo

Bater de frente com o presidente dos Estados Unidos não é tarefa fácil. Agora que Trump dá suas últimas baforadas na Casa Branca, parece que os gigantes do Vale do Silício finalmente resolveram agir.

Ele se faz de vítima, dizendo que está sendo perseguido, que o querem calar. É exatamente isso, mas pelas barbáries que promoveu. E não foi sem lhe emitir diversos avisos prévios.

Trump disse na sexta que criará a sua própria rede social. Ninguém pode impedir uma pessoa de fazer isso, ainda mais um milionário. Mas dificilmente ele repetirá o sucesso que teve nas plataformas globais, com centenas de milhões de usuários.

Além disso, o Vale do Silício resolveu agir também contra os seguidores e contra o próprio discurso de ódio. Por exemplo, no sábado, a Apple e o Google tiraram de suas lojas o aplicativo da rede social Parler. A Amazon, por sua vez, suspendeu a hospedagem do serviço em seus servidores na AWS (Amazon Web Services).

O Parler é uma plataforma que diz se basear na “liberdade de expressão”. Ele se tornou o destino de apoiadores de Trump banidos do Twitter e do Facebook, onde destilam o pior de seu veneno. Além disso, aparentemente a “liberdade de expressão” só existe nele para usuários conservadores. Os progressistas são banidos da plataforma.

Isso não é liberdade de expressão!

É verdade que, para falar, basta te boca. Mas existem leis, e grande parte do discurso desses usuários pode ser facilmente enquadrado em crimes de intolerância, calúnia, difamação, injúria entre outros. Portanto, a liberdade de expressão não dá direito a alguém falar o que bem entender impunemente.

Trump abusou disso, mesmo antes de se tornar presidente. Criou essa máquina de desinformação, que provocou um “travamento cerebral” em grande parte da população. Isso acabou o levando à Casa Branca, onde seus danos foram multiplicados pelo poder natural do cargo.

É verdade que o contexto importa e faz toda a diferença. A invasão do Capitólio fez com que as plataformas se posicionassem diante de algo que elas sempre deixaram passar, apesar de saber que estavam alimentando um enorme monstro, que feria repetidamente seus termos de uso.

Resta agora saber se elas serão coerentes e terão o mesmo comportamento com outras autoridades do mundo que seguem a cartilha trompista, ou se continuarão alimentando esses “monstros regionais”.

O bode está na sala, com seu cheiro insuportável e mastigando o sofá.

 

A responsabilidade pelo que se diz

Todos nós, inclusive presidentes, somos responsáveis pelo que dizemos, pelo que propagamos. Essa é uma responsabilidade que sempre tivemos, mas da qual muitos andaram se esquecendo por influência do falso véu do anonimato das redes sociais e do “efeito manada”.

Se a verdade absoluta é difícil de ser encontrada, temos que, pelo menos, identificar o que é legítimo. E isso se define pela defesa de valores inegociáveis, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade e a democracia.

Trump sempre atuou no extremo oposto. Ele chegou a desenvolver uma linguagem própria, que foi mapeada pela linguista francesa Bérengère Viennot. Ela analisou centena de discursos, entrevistas e tuítes de Trump, para escrever o livro “A Língua de Trump”.

A pesquisadora identificou que, para facilitar a compreensão por qualquer um, as falas de Trump têm sintaxe truncada, vocabulário muito raso e repetições incansáveis das mesmas palavras. São carregadas de agressividade, ameaças, ataques à reputação, sexismo e cinismo. E ele nunca se arrepende ou pede desculpas por nada. Do ponto de vista de forma, abusa de aspas, pontuações descontextualizadas e palavras e frases inteiras grafadas em maiúsculas.

Por fim, Trump é seu próprio referente. Ou seja, a única realidade é a dele e quem disser o contrário está automaticamente mentindo, especialmente se for a mídia.

Segundo o Washington Post, depois do ataque ao Capitólio, centenas de funcionários do Twitter exigiram que seus executivos suspendessem Trump permanentemente, classificando as ações da empresa até então como “insuficientes“. Os funcionários também solicitaram uma investigação sobre os últimos anos de ações do Twitter, que culminaram no ataque.

As redes sociais devem mesmo ser responsabilizadas pelo que está acontecendo. Trump as utiliza há uma década para promover o ódio, a segregação, o ataque a instituições democráticas e à ciência.

Seu legado é o de muita gente achar que pode fazer qualquer coisa, porque seriam “ungidas” por um suposto direito que as colocaria acima de tudo e de todos, e que suas ideias e suas vontades seriam mais importantes que as do próximo. Mais que isso: qualquer coisa que fizerem estaria automaticamente perdoado pelo usurpado conceito de “liberdade de expressão”.

A sociedade e a democracia se enfraqueceram. O Capitólio depredado não é causa, e sem sintoma desse processo, para não deixar nenhuma dúvida do caminho que infelizmente a humanidade está tomando.

Somos seres viáveis apenas enquanto nos organizarmos em uma sociedade construtiva, colaborativa e tolerante.

Trump deve ser apeado do poder por mecanismos legítimos, mesmo que isso lhe abrevie em apenas um dia seu mandato. Será um importantíssimo símbolo de que ninguém está acima da lei e nem pode fazer tudo, nem os presidentes.

Quanto às redes sociais, devem indubitavelmente arcar com o seu quinhão nesse ataque à democracia.

A volta dos “Loucos Anos 20”

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Estamos começando não apenas um novo ano, mas uma nova década

Muita gente acha que pode ser uma reedição dos “Loucos Anos 20”, como ficaram conhecidos aqueles que aconteceram há cem anos. Depois de uma pandemia e uma guerra que devastaram o mundo, aquela década foi marcada por grandes avanços culturais, artísticos e científicos. Foi um período de alegria, com muitas festas, muita liberação e muito sexo, quase uma jornada hedonista!

Agora estamos passando por uma pandemia, que já matou quase 2 milhões de pessoas no mundo, 200 mil só no Brasil, e continua implacável. A Covid-19 colocou o mundo de joelhos, provocando muita dor, de diferentes maneiras, mudando nossas vidas.

Será que, quando ela passar, viveremos novamente um período de euforia desmedida? O que podemos aprender com os “Loucos Anos 20” da época do charleston e do jazz?


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Os “Loucos Anos 20” –ou os “Roaring Twenties”, como eram chamados nos Estados Unidos– foram uma reação, quase uma libertação das tristezas e das restrições causadas pela Gripe Espanhola e pela Primeira Guerra Mundial.

Na Europa, especialmente Paris (que virou o centro do mundo), em Berlim e em Londres, a alta sociedade e os intelectuais se misturavam ao som do can-can nos cabarés e outros ambientes efervescentes em ideias modernistas. Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, o charleston animava festas imensas, regadas a bebida, drogas e sexo. Isso mesmo em um país onde vigorava a Lei Seca, que proibia a fabricação, venda e transporte de bebidas alcoólicas.

Foi nessa época também que surgiu o jazz. Com seus improvisos e suas influências africanas, nasceu em Nova Orleans e ganhou a América, influenciando a música ocidental.

Tudo parecia possível graças à tecnologia, especialmente os automóveis, as imagens em movimento e o rádio. Houve grande popularização do cinema, cuja grande estrela da época foi Charlie Chaplin. Os filmes deixaram de ser um interesse para aficionados para ganhar as massas e levar milhões às salas de exibição. Eles ainda eram em preto e branco e mudos, por isso as salas tinham espaço para uma pequena orquestra ou pelo menos um piano. Os desenhos animados também se popularizaram, com O Gato Felix sendo lançado em 1919, e Mickey Mouse, no curta “Steamboat Willie”, em 1928.

Os “Loucos Anos 20” também foram um grande momento de avanço para as mulheres. Elas deixaram seus espartilhos para trás e passaram a usar vestidos decotados e na altura dos joelhos. Com cabelos curtos, lábios vermelhos, pálpebras escuras, lançaram um novo estilo, que ficou conhecido como “melindrosas” –ou “flappers” em inglês.

A sua libertação foi muito além! Passaram a fumar em público, a dirigir e a ir à praia de maiô inteiriço, além de conversar livremente sobre sexo, atitudes que escandalizaram os conservadores da época. Em alguns países, como os Estados Unidos, foi quando as mulheres também começaram a votar.

 

Os novos “Loucos Anos 20”

Será mesmo que caminharemos para uma nova versão dos “Loucos Anos 20”, quando a epidemia estiver controlada e a economia do mundo recuperada?

Alguns especialistas acreditam que sim. Nicholas Christakis, professor na Universidade de Yale (EUA) é um deles. Ele lançou recentemente o livro “A Flecha de Apolo”, em que debate justamente a vida durante a pandemia e o que pode vir depois dela.

Segundo o pesquisador, essa não é a primeira grande pandemia que a humanidade tem que enfrentar, apenas a primeira que nós estamos vivendo. Ele explica que, durante as epidemias, verifica-se o aumento na religiosidade, as pessoas economizam dinheiro e ficam avessas ao risco. Quando a ameaça acaba, há uma reação natural de resgate do que foi perdido, com todo mundo buscando experiências sociais.

Christakis afirma que isso vai acontecer de novo agora com a Covid-19. Com os países iniciando a vacinação em massa em 2021, a doença deve estar controlada no ano que vem, e a economia recuperada, segundo ele, em 2024, quando teríamos os “Loucos Anos 20” do século XXI.

Naturalmente o mundo de hoje é muito diferente do que era há um século. E, dentro do que estamos discutindo aqui, as redes sociais têm um papel determinante, agindo como um catalizador.

Há cem anos, os meios de comunicação tiveram papel fundamental para disseminar aquele estilo de vida frenético, principalmente o rádio, os jornais e o cinema. Agora, com o meio digital, tudo acontece de maneira mais rápida e mais intensa.

Muita gente, aliás, parece já estar no espírito dos “Loucos Anos 20”.

A atual pandemia é muito menos devastadora que a Gripe Espanhola, que durou de janeiro de 1918 a dezembro de 1920. Estima-se que o vírus H1N1 tenha infectado, naqueles três anos, 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época.

Não se sabe exatamente quantas pessoas morreram vítimas dele. Os números mais conservadores são de 17 milhões, mas a cifra poder ter chegado a incríveis 100 milhões de mortos. Até o presidente brasileiro da época, Rodrigues Alves, pegou a doença e morreu.

Agora, apesar de a Covid-19 ter travado o mundo, a situação é menos grave, graças aos avanços da ciência e do papel dos meios de comunicação em conscientizar as pessoas. Vale dizer ainda que a tecnologia digital diminuiu –e muito– os estragos na economia, pois muitos negócios continuaram funcionando, mesmo com o distanciamento social.

Também não tivemos recentemente uma guerra absurdamente devastadora, com a Primeira Guerra Mundial, que durou de julho de 1914 a novembro de 1918., matando quase 18 milhões de pessoas, entre civis e militares. Por outro lado, temos a violência disseminada em nossas cidades, deixando os cidadãos em constante estado de alerta.

Não é de se estanhar, portanto, a grande euforia que sucedeu à peste e à guerra, com grandes avanços na cultura, na ciência e nos costumes do século passado.

Apenas para acrescentar alguns feitos além do que já foi dito, na medicina, o médico escocês Alexander Fleming descobriu, em 1928, a penicilina, inaugurando a era dos antibióticos, que salvam incontáveis vidas desde então. O psiquiatra austríaco Sigmund Freud lançou as bases da psicanálise.

Surgiram também os movimentos artísticos, como o dadaísmo, de Marcel Duchamp e, o surrealismo, de Salvador Dalí. Também floresceram, nesses anos, grandes nomes como Joan Miró e Pablo Picasso. No Brasil, em 1922, aconteceu a Semana de Arte Moderna, que levou ao Theatro Municipal de São Paulo artistas plásticos, arquitetos, escritores, compositores e intérpretes, os quais foram recebidos, ao mesmo tempo, com aplausos e vaias.

 

Aprendendo com os erros

Mas nem tudo foram flores. Precisamos aprender com o que deu errado, para não repetir um dos períodos mais negros da humanidade, que sucedeu essa época dourada.

A euforia desmedida terminou na chamada “Grande Depressão”. No final de 1929, os Estados Unidos entraram e profunda crise econômica, com a “quebra” da sua Bolsa de Valores, o que provocou inúmeras falências, desemprego gigantesco e muita miséria.

A reboque disso, houve um aumento da intolerância e da xenofobia, além de uma “caça às bruxas” de movimentos conservadores. Isso culminou com o surgimento da Ku Klux Klan, organização racista que pregava a supremacia de brancos e protestantes.

Na Europa, a crise abriu o caminho para o surgimento de aventureiros políticos nacionalistas, que criaram Estados totalitários e ultraconservadores. Seus maiores expoentes foram o nazismo alemão, liderado por Adolf Hitler, e o fascismo italiano, de Benito Mussolini. E, como se sabe, isso tudo deu na Segunda Guerra Mundial, o conflito mais sangrento da história.

Portanto, sim, é possível que estejamos prestar a entrar em novos “Loucos Anos 20”. Talvez mereçamos mesmo essa alegria, depois de tanto sofrimento.

Mas ainda não chegamos lá: temos um caminho a seguir. A pandemia está longe de acabar, especialmente aqui no Brasil, onde sequer começamos a vacinação.

Há uma poesia do genial Carlos Drummond de Andrade, que é muito apropriada a isso tudo. Ela se chama “Receita de Ano Novo”, e termina com a seguinte estrofe:

“Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.”

 

Portanto, vamos gozar dos nossos “Loucos Anos 20”. Mas temos que, antes, fazer por merecer isso.