O Ministério Público Federal decidiu enfiar o dedo na ferida e investigar se os livros usados nas escolas brasileiras estariam doutrinando politicamente nossas crianças. Apesar do ineditismo da ação, ela toca em um ponto que educadores conhecem como a palma da mão: é claro que sim!
O fato é que poucas coisas são tão incrivelmente eficientes para controlar um povo quanto a educação. E isso acontece de uma maneira tão perversa quanto produtiva. Afinal, crianças e adolescentes não costumam questionar o conhecimento dos professores nas disciplinas que ministram, muito menos quando ele é corroborado pelos livros didáticos. Sem um contraponto de mesmo peso (que seria a família, mas que raramente discute questões acadêmicas com os filhos), ideias bem plantadas na sala de aula florescem viçosas nas cabeças jovens. Mesmo que sejam as mais pestilentas ervas daninhas.
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A ação do Ministério Público Federal do Mato Grosso foi motivada por artigo do professor Fernando Schüler, publicado na Época, no dia 29 de fevereiro. Nele, o autor transcreve exemplos escandalosos de como livros de História de algumas das principais editoras nacionais se prestam a endeusar o governo federal a partir da eleição de Lula e demonizar o de Fernando Henrique Cardoso.
Quero deixar claro aqui que esse artigo não tem qualquer objetivo partidário. O que quero discutir é a ética de se usar a sala de aula para destruir o senso crítico dos futuros cidadãos em nome de uma visão política. Citei os exemplos acima porque eles estão lá nas páginas, editadas com uma atroz visão maniqueísta do mundo. Nossos alunos são doutrinados a crer que tudo que um fez é lindo e perfeito, e o que o outro deixou é miséria e destruição. Naturalmente isso não é verdade nem para um, nem para o outro, pois isso simplesmente não acontece em governo algum.
Por uma coincidência, a ação do MPF foi aberta na semana passada, no mesmo dia em que fiz aqui uma discussão sobre como o Brasil vive o absurdo paradoxo de conviver com um alto desemprego enquanto as empresas por aqui não conseguem preencher os seus melhores postos de trabalho, por falta de mão de obra qualificada. A responsável por essa triste realidade? A péssima qualidade de nossa educação.
Em outra coincidência, ontem terminou a consulta pública sobre a proposta para a Base Nacional Comum Curricular, diretrizes que determinarão tudo que as quase 200 mil escolas brasileiras deverão ensinar de agora em diante. O documento apresentado pelo MEC foi amplamente criticado por especialistas, por carregar todo seu conteúdo com um pesado viés ideológico, especialmente na disciplina de História, um verdadeiro desrespeito com os fatos que formaram o mundo, como também já discutimos aqui.
O que se pode esperar disso?
Coitada da democracia
Somos seres humanos e, como tal, somos movidos por paixões. Entre elas, uma das mais poderosas é a nossa inclinação política. Quando acreditamos em uma corrente, estamos piamente convictos de que ele é o melhor para todos. E, assim sendo, qualquer esforço vale para fazer mais pessoas pensarem da mesma forma.
Mas isso nunca foi verdade e nunca será! Não há regime, filosofia, proposta que seja a melhor para todos os cidadãos, simplesmente porque as pessoas são diferentes, têm desejos e crenças próprias. Dessa forma, tentar impor um pensamento eliminando ou difamando as alternativas é algo, no mínimo, tirano e egoísta.
Nossos líderes políticos adoram encher a boca e ficam com olhares cândidos ao afirmar que defendem a democracia. Mas, na prática, o que se vê, em todos os lados, é uma luta cada vez mais selvagem para eliminar seu opositor. Mas isso é justamente o contrário da democracia, que é, por definição (pelo menos nos termos atuais), a elaboração de uma nação melhor a partir de pontos de vista diferentes e até conflitantes, porém convivendo de maneira organizada e construtiva.
Não é fácil aceitar isso, mas alguns profissionais têm o dever de superar as suas paixões e lutar pela isenção no que fazem.
Aprendi isso, em teoria, na faculdade de Jornalismo, mas coloquei esse conceito à prova no dia a dia da profissão, inclusive vendo muito colegas falhando miseravelmente nessa tarefa. É verdade: a imprensa é imperfeita, mas ela é fundamental para o crescimento de um país. Porque, como jornalista, procuro ouvir todos os lados envolvidos em um fato, duvido sempre de tudo que vejo, e publico com a maior isenção possível, mesmo quando eu não concorde com o tema.
Educadores, autores de livros didáticos e paradidáticos, gestores pedagógicos e os responsáveis pelas políticas educacionais deveriam seguir também essas mesmas três regras de ouro. Mas, com honrosas exceções, não vejo o menor emprenho nisso. Salas de aula e órgãos educacionais vêm se tornando redutos de doutrinação política, e isso é algo que vem se aperfeiçoando ao longo de décadas!
Mas isso não pode continuar assim! Estamos vivendo um vale-tudo ideológico destrutivo, alimentado justamente pelo oportunismo de alguns e pela ignorância dos demais. Se continuarmos entregando nossas crianças e jovens a essa deseducação, eliminando uma visão pluralista e destruindo seu senso crítico, o crescimento do país e a própria democracia correm sérios riscos.
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[…] Como destruir uma nação usando apenas livros […]
[…] Mas, afinal de contas, há doutrinação nas escolas? […]
[…] Fonte: Como destruir uma nação usando apenas livros […]
Eu realmente acho que vale uma investigação. De qualquer forma isso demonstra uma das várias falhas do sistema. Ele continua sendo baseado em “inocular” conteúdo e não dar condições para o aluno construir conhecimento e seus próprios instrumentos para entender a realidade.
Foi o que falei em outro post sobre ensinar historiografia, como história é escrita, em vez de simplesmente se acrescentar mais conteúdo.
Tudo bem que ideologia é como sotaque, só reparamos quando ouvimos a dos outros. Mas concordo que neutralidade total ainda que não exista deve ser uma busca.
De qualquer forma, se confirmando os casos descritos na reportagem da Época, o que vemos não é apenas doutrinação ideológica, mas uma incompetência assustadora até para fazer isso. Eu acho que essa gente deve ficar longe de livros didáticos, mesmo que eu concordasse 100% com a ideologia desses. Tanto que estou curioso para ver as diretrizes que levaram a isso. Todos os livros forma feitos por empresas diferentes. De onde veio a ordem, como foi aplicada? E especialmente quem assinou? É preciso seguir o novelo até o fim da linha.
Cada vez mais eu acho que o sistema não só deve ser redesenhado, mas descrentralizado. O MEC tenta criar uma forma única para enquadrar milhares de crianças diferentes e isso acaba não funcionando. Precisamos aceitar o ensino em casa, teorias de aprendizagem alternativas. Existe algo perverso incluso na instituição escola que não pode ser ignorado. Nesse ponto segue outro link que achei interessante. Se refere ao sistema americano, mas acho aplicável ao nosso. Do qual vou citar dois pedaços.
“I don’t want a nation of thinkers, I want a nation of workers.” – John D Rockefeller
“In our dream we have limitless resources, and the people yield themselves with perfect docility to our molding hand. The present educational conventions fade from our minds; and, unhampered by tradition, we work our own good will upon a grateful and responsive rural folk. We shall not try to make these people or any of their children into philosophers or men of learning or of science. We are not to raise up among them authors, orators, poets, or men of letters. We shall not search for embryo great artists, painters, musicians. Nor will we cherish even the humbler ambition to raise up from among them lawyers, doctors, preachers, statesmen, of whom we now have ample supply.” – Frederick T Gates
Como você mesmo disse, não podemos esquecer que a escola, como toda a instituição atende a uma agenda. E, antes que me esqueça, o link para o artigo completo. http://www.collective-evolution.com/2013/01/07/the-origin-of-education-and-mandatory-schooling/
Obrigado pela contribuição, Renato! Muito adequada!
Sobre a questão de onde veio a “ordem” para que os livros sejam assim, acredito que isso não existiu, na verdade. Naturalmente entendo que o MEC seja um órgão muito mais político que educacional, que não apenas aprova obras como essas, como gosta delas. Mas, como você mesmo disse, diferentes livros são feitos por diferentes autores. O que acontece é que esse tipo de ideologia está disseminada entre eles.
Não vejo nenhum problema em cada um seguir uma ideologia e sinceramente respeito quem pensa diferente de mim. Mas não me parece nem um pouco razoável usarem a influência decisiva dos professores sobre os alunos para disseminar uma ideologia em sala de aula. Isso sim é algo muito condenável e cruel. Grande abraço!