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IA pode ser usada na eleição, mas seguindo regras para evitar fake news - Ilustração: Paulo Silvestre com Freepik/Creative Commons

Regras para IA nas eleições são positivas, mas criminosos não costumam seguir a lei

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A tecnologia volta a ser protagonista na política, e não dá para ignorar isso em um mundo tão digital. Na terça, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou instruções para o pleito municipal desse ano. Os usos de redes sociais e inteligência artificial nas campanhas chamaram atenção. Mas apesar de positivas e bem-produzidas, elas não dizem como identificar e punir a totalidade de crimes eleitorais no ciberespaço, que só aumentam. Enquanto isso, a tecnologia continua favorecendo os criminosos.

Claro que a medida gerou uma polêmica instantânea! Desde 2018, as eleições brasileiras vêm crescentemente sendo decididas com forte influência do que se vê nas redes sociais, especialmente as fake news, que racharam a sociedade brasileira ao meio. Agora a inteligência artificial pode ampliar a insana polarização que elege candidatos com poucas propostas e muito ódio no discurso.

É importante que fique claro que as novas regras não impedem o uso de redes sociais ou de inteligência artificial. Seria insensato bloquear tecnologias que permeiam nossa vida e podem ajudar a melhorar a qualidade e a baratear as campanhas, o que é bem-vindo, especialmente para candidatos mais pobres. Mas não podemos ser inocentes e achar que os políticos farão apenas usos positivos de tanto poder em suas mãos.

Infelizmente a solução para essas más práticas do mundo digital não acontecerá apenas com regulamentos. Esse é também um dilema tecnológico e as plataformas digitais precisam se envolver com seriedade nesse esforço.


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A iniciativa do TSE não é isolada. A preocupação com o impacto político do meio digital atingiu um pico no mundo em 2024, ano com 83 eleições ao redor do globo, a maior concentração pelos próximos 24 anos. Isso inclui algumas das maiores democracias do mundo, como Índia, Estados Unidos e Brasil, o que fará com que cerca de metade dos eleitores do planeta depositem seus votos até dezembro.

As regras do TSE procuram ajudar o eleitor a se decidir com informações verdadeiras. Por isso, determinam que qualquer texto, áudio, imagem ou vídeo que tenha sido produzido ou manipulado por IA seja claramente identificado como tal. Além disso, proíbem que sejam criados sistemas que simulem conversas entre o eleitor e qualquer pessoa, inclusive o candidato. Vedam ainda as deep fakes, técnica que cria áudios e vídeos falsos que simulam uma pessoa dizendo ou fazendo algo que jamais aconteceu.

Além de não praticar nada disso, candidatos e partidos deverão denunciar fraudes à Justiça Eleitoral. As plataformas digitais, por sua vez, deverão agir por conta própria, sem receberem ordens judiciais, identificando e removendo conteúdos que claramente sejam falsos, antidemocráticos ou incitem ódio, racismo ou outros crimes. Se não fizerem isso, as empresas podem ser punidas. Candidatos que infringirem as regras podem ter a candidatura e o mandato cassados (no caso de já terem sido eleitos).

Outra inovação é equiparar as redes sociais aos meios de comunicação tradicionais, como jornal, rádio e TV, aplicando a elas as mesmas regras. Alguns especialistas temem que esse conjunto de medidas faça com que as plataformas digitais exagerem nas restrições, eliminando conteúdos a princípio legítimos, por temor a punições. E há ainda o interminável debate se elas seriam capazes de identificar todos os conteúdos problemáticos de maneira automática.

Os desenvolvedores estão se mexendo, especialmente por pressões semelhantes que sofrem nos Estados Unidos e na União Europeia. Em janeiro, 20 empresas de tecnologia assinaram um compromisso voluntário para ajudar a evitar que a IA atrapalhe nos pleitos. A OpenAI, criadora do ChatGPT, e o Google, dono do concorrente Gemini, anunciaram que estão ajustando suas plataformas para que não atendam a pedidos ligados a eleições. A Meta, dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, disse que está refinando técnicas para identificar e rotular conteúdos criados ou modificados por inteligência artificial.

Tudo isso é necessário e espero que não se resuma apenas a “cortinas de fumaça” ou “leis para inglês ver”. Mas resta descobrir como fiscalizar as ações da parte ao mesmo tempo mais frágil e mais difícil de ser verificada: o usuário.

 

Ajudando o adversário a se enforcar

Por mais que os políticos e as big techs façam tudo que puderem para um bom uso desses recursos, o maior desafio recai sobre os cidadãos, seja um engajado correligionário (instruído ou não pelas campanhas), seja um inocente “tio do Zap”. Esses indivíduos podem produzir e distribuir grande quantidade de conteúdo incendiário e escapar da visão do TSE. Pior ainda: podem criar publicações ilegais como se fossem o adversário deliberadamente para que ele seja punido.

O tribunal não quer que se repita aqui o que foi visto na eleição presidencial argentina, em novembro. Lá as equipes dos candidatos que foram ao segundo turno, o peronista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei, fizeram amplo uso da IA para denegrir a imagens dos adversários.

Em outro caso internacional, os moradores de New Hampshire (EUA) receberam ligações de um robô com a voz do presidente Joe Biden dizendo para que não votassem nas primárias do Estado, no mês passado. Por aqui, um áudio com a voz do prefeito de Manaus, David Almeida, circulou em dezembro com ofensas contra professores. Os dois casos eram falsos.

Esse é um “jogo de gato e rato”, pois a tecnologia evolui muito mais rapidamente que a legislação, e os criminosos se valem disso. Mas o gato tem que se mexer!

Aqueles que se beneficiam desses crimes são os que buscam confundir a população. Seu discurso tenta rotular essas regras como cerceamento da liberdade de expressão. Isso não é verdade, pois todos podem continuar dizendo o que quiserem. Apenas pagarão no caso de cometerem crimes que sempre foram claramente tipificados.

Há ainda o temor dessas medidas atrapalharem a inovação, o que também é questionável. Alguns setores fortemente regulados, como o farmacêutico e o automobilístico, estão entre os mais inovadores. Por outro lado, produtos reconhecidamente nocivos devem ser coibidos, como os da indústria do cigarro.

A inteligência artificial vem eliminando a fronteira entre conteúdos verdadeiros e falsos. Não se pode achar que os cidadãos (até especialistas) consigam identificar mentiras tão bem-criadas, mesmo impactando decisivamente seu futuro. E as big techs reconhecidamente fazem menos do que poderiam e deveriam para se evitar isso.

Ausência de regras não torna uma sociedade livre, mas anárquica. A verdadeira liberdade vem de termos acesso a informações confiáveis que nos ajudem a fazer as melhores escolhas para uma sociedade melhor e mais justa para todos.

Ao invés de atrapalhar, a tecnologia deve nos ajudar nessa tarefa. E ela pode fazer isso!

 

Um dos problemas derivados da queda na confiança na imprensa é a crescente agressão a jornalistas – Foto: reprodução

As razões para mordermos a mão que nos alimenta

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Um dos sinais da falência de uma sociedade é quando as pessoas deixam de acreditar nas instituições democráticas. Quando não se confia em nada ou em ninguém, perde-se a capacidade essencial de se buscar o bem comum com o outro. Por isso, pesquisas recentes do prestigioso instituto Pew Research Center, que demonstram a baixa confiança da população na imprensa, me impactam, mas não me surpreendem. E isso é um sintoma que deveria preocupar todo mundo.

Segundo os levantamentos, apenas 38% dos americanos adultos se informam “o tempo todo ou quase o tempo todo”. Além disso, só 15% acreditam “muito” e 46% “um pouco” nos veículos jornalísticos nacionais. Em compensação, 14% buscam notícias no TikTok (32% entre os que têm de 18 a 29 anos), que ainda fica atrás do Instagram (16%), do YouTube (26%) e do Facebook (30%).

O mesmo instituto já havia indicado que o aumento de informações nas redes sociais é inversamente proporcional a sua qualidade, e que o público que as utiliza como principal fonte de informação é menos engajado, informado e capaz de demonstrar bom discernimento, se comparado a quem se informa pela imprensa.

Pelas minhas observações, arriscaria dizer que temos números semelhantes no Brasil.

Todos perdem muito com esse divórcio entre a imprensa e seu público, e cada um tem seu papel e razões. Mas isso precisa ser revertido! As bolhas de pensamento único, que nos maltratam diariamente, impedem que vivamos em uma sociedade com cidadãos mais conscientes e capazes de se desenvolver.


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Há mau jornalismo hoje, como sempre houve, porém, há mais bom jornalismo que mau na mídia profissional. Entretanto parte da população aprendeu a ver só o que a desagrada, generalizando como se toda a imprensa fosse pouco confiável.

Vale notar que, até o início do século, não se questionava a importância do jornalismo para o desenvolvimento pessoal. Uma boa informação era um diferencial que resultava em melhores empregos e outras oportunidades na vida. Ler jornais era sinônimo de pertencer à elite intelectual, mesmo que não fosse da elite econômica. E ser jornalista era uma das profissões mais desejadas pelos jovens.

A grande diferença é que, com a ascensão das redes sociais, os veículos de comunicação deixaram de ser os únicos capazes de trazer notícias. Todos nós nos tornamos mídia e somos capazes de produzir enormes quantidades de informação (o que é muito diferente de notícia). Diante disso, muitos grupos de poder descobriram uma nova maneira de dominar as massas, mas, para isso, precisavam usar o meio digital para desacreditar a imprensa, que teima em lhes fiscalizar.

O combate à mídia pelos poderosos não é algo novo: apenas ganhou escala com o meio digital. Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler, foi essencial para seu poder, ao criar uma máquina de silenciar a imprensa e vozes dissonantes. Décadas depois, o venezuelano Hugo Chávez contribuiu com o processo, criando a ideia de que, se a mídia fosse contra ele, seria “contra o povo”. E demonstrando que o combate à imprensa não segue ideologia, Donald Trump se notabilizou por ignorar solenemente a verdade e usar o meio digital para impor seus interesses como fatos.

O Brasil também deu suas contribuições. Lula, desde seu primeiro mandato, desqualifica a imprensa e tenta lhe impor seu “controle social”. Jair Bolsonaro, por sua vez, instituiu ataques explícitos a jornais e jornalistas, especialmente mulheres, incendiando a população contra a mídia.

Como resultado, as pessoas só querem ver conteúdos que afaguem seu ego e concordem com seus pensamentos. E essa é uma perigosa zona de conforto.

 

Desagradando seu público

Mas o jornalismo não é feito para agradar. Na verdade, se estiver desagradando alguém, deve estar fazendo um bom trabalho.

Todo governo gostaria de ter uma imprensa dócil. Mas, se fizer isso, não é jornalismo: é relações públicas. Ela deve informar e formar o cidadão e protegê-lo dos interesses de grupos políticos, econômicos ou ideológicos, fiscalizando o poder.

Como disse certa vez o grande cartunista e jornalista Millôr Fernandes, “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados.”

Às vezes, o jornalismo deve desagradar até seu próprio público, para forçá-lo a sair daquela zona de conforto perversa. Mas quando tudo vira “pão e circo”, isso coloca os veículos em uma situação delicada: como fazer isso se as pessoas –cada vez mais intransigentes– já estão “com um pé para fora” do jornalismo?

Os veículos têm sua culpa, ao se desconectar dos anseios e da linguagem do público. A distribuição e até seu modelo de negócios também estão ultrapassados. Diante disso, não é de se estranhar que tão pouca gente confie no jornalismo e menos ainda esteja disposto a pagar por ele. Os veículos de comunicação e seu público não conseguem mais ler os sinais uns dos outros.

Permitam-me aqui uma analogia abusada: um animal de estimação amoroso pode morder quem o alimenta como forma extrema de comunicar seu descontentamento. Um dos principais motivos é o animal não entender os sinais do tutor. Nesse caso, fica difícil saber quem é o cachorro e quem é o tutor, pois público e imprensa dependem um do outro, e nenhum está conseguindo entender os sinais alheios.

Mas em tempos tão sombrios e confusos, ambos precisam reaprender isso. Como qualquer atividade humana, o jornalismo é imperfeito, e essa atual situação faz com que sua margem de erro esteja reduzidíssima. Ele precisa ouvir novamente as demandas e falar a linguagem do público.

As pessoas, por sua vez, precisam colaborar, reconhecendo que, sem jornalismo profissional, perderiam elementos essenciais no seu cotidiano. Não saberiam, por exemplo, dos escândalos do governo atual, do anterior e de qualquer outro, ou as diferentes perspectivas sobre a guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel e o Hamas. Não teriam se vacinado contra a Covid-19 (e muitíssimo mais gente teria morrido), e não conheceriam as potencialidades da inteligência artificial ou os riscos das redes sociais. Não saberiam dos bastidores dos filmes importantes, e nem compreenderiam a crise da Seleção Brasileira. Tudo isso se fala nas redes sociais, mas é o jornalismo que descobre, noticia e explica.

Não há atalho: a imprensa precisa se reconectar com o seu público e vice-versa. É preciso reconquistar a confiança perdida! Isso não se faz com “caça-cliques”, mas com seriedade e transparência.

O jornalismo não pode se render à lógica perversa das redes sociais, que disseminam ódio, intransigência e o pensamento único. A confiança é uma via de mão dupla e benéfica para toda sociedade. Mas ela só existe quando todos estiverem dispostos a falar e ouvir civilizadamente, sem morder a mão um do outro.

 

EUA e outros países ocidentais acusam Pequim de espionar seus cidadãos pelo aplicativo - Foto: divulgação e reproduções

TikTok vira arma na escalada da tensão entre Ocidente e China

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O TikTok cozinha em fogo alto no caldeirão das crescentes tensões políticas entre países ocidentais e a China. Após ser proibido em celulares corporativos de órgãos públicos de EUA, Canadá, vários países europeus e Nova Zelândia, o aplicativo corre o risco de ser banido dos smartphones pessoais de todos os americanos. Mas por que uma plataforma de vídeos curtos de amenidades está enfrentando isso?

Tudo passa pelo temor de que a chinesa ByteDance, criadora do TikTok, compartilhe os dados dos usuários coletados pelo aplicativo com o governo de Pequim. Apesar de a empresa rejeitar categoricamente fazer isso, ninguém consegue afirmar ou negar que exista essa colaboração. Portanto, não se sabe quanto dessas preocupações são fatos, paranoias ou mero teatro político.

O debate fica mais quente quando se observa que os dados coletados pelo TikTok são basicamente os mesmos que os de qualquer rede social, a maioria delas americanas, como Facebook ou Instagram. O mesmo pode ser dito dos sistemas operacionais Android e iOS, que gerenciam nossos smartphones e que, por si só, nos rastreiam de diferentes formas. E essas empresas colaboram com governos.

Grupos de usuários que não querem perder acesso ao TikTok afirmam que tudo isso não passa de hipocrisia, e que o banimento do aplicativo violaria seus direitos.


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A ByteDance naturalmente não quer perder esses mercados, por isso vem acenando com várias mudanças para mitigar tais temores, como hospedar os dados dos usuários americanos em servidores no país, e ter seu código revisado por autoridades locais. Em um caso extremo, o TikTok poderia ser vendido e se tornar uma empresa independente.

“Como tudo o que envolve um governo autoritário, é difícil dizer o quanto é verdade e o quanto é ficção ou retórica nos medos ocidentais em relação ao TikTok”, explica Marcelo Cárgano, especialista em direito digital no escritório Abe Advogados. “Mas é fato que há pouca transparência em relação a um eventual compartilhamento de dados entre a empresa e o governo chinês”.

Não é a primeira vez que suspeitas de espionagem recaem sobre empresas chinesas. O ex-presidente americano Donald Trump gostava de acusar a Huawei disso e fez pressão internacional para que países não adotassem seus equipamentos para suas redes de celulares 5G. Mas não teve muito sucesso em sua campanha.

Apesar de o Brasil estar passando por um amplo debate sobre a regulação das plataformas digitais, especialmente para tentar coibir a desinformação, não há nenhum movimento especificamente contra o TikTok. Vale lembrar que, ao contrário desses países, o Brasi não tem restrições políticas ou comerciais contra a China, que, aliás, é nosso principal parceiro de negócios no mundo.

Todos esses países têm mecanismos legais que exigem cooperação de empresas em seus territórios em temas ligados a segurança nacional. Mas, na opinião pessoal de Rubens Kuhl, instrutor de governança de Internet do NIC.br, há diferenças na disposição das empresas de cooperar, mesmo nos EUA. “Já na China, a cultura é tipicamente de cooperação, então um pouco dessa preocupação se justifica, apesar das bases legais serem bem similares”, acrescenta.

 

Riscos reais aos usuários

Além da premissa central do compartilhamento de dados dos usuários com o governo chinês não ter sido comprovada, há dúvidas sobre o risco que a coleta de informações poderia representar às pessoas.

Kuhl explica que, como há a identificação de onde a pessoa está, haveria riscos físicos. Além disso, informações derivadas de interesses e de informações de contatos poderiam causar riscos reputacionais.

A situação fica mais grave em celulares corporativos de empresas e de órgãos governamentais. Em tese, informações sensíveis dessas instituições poderiam ser passadas à administração de um país hostil. É por isso que, até o momento, o TikTok foi banido apenas desses equipamentos.

Outro temor é que o TikTok seja usado para promover a desinformação entre seus usuários, especificamente algo associado a interesses chineses. Em uma situação extrema, serviria como ferramenta de um governo autocrático para inocular mensagens antidemocráticas em usuários contra seus próprios países.

Novamente nesse ponto é importante lembrar que algumas das principais plataformas para disseminar fake news –o Facebook, o WhatsApp e o YouTube– são de empresas americanas. E os agentes da desinformação nessas plataformas podem ser cidadãos e governos de qualquer país, inclusive dos próprios EUA, como tem acontecido nos últimos anos, até no Brasil.

Precisamos pensar também que muita gente está alheia a todo esse debate e nem sonha em deixar de usar o TikTok ou qualquer outra plataforma de sua preferência. Bilhões de pessoas no mundo usam esses sistemas para se divertir, se informar e até trabalhar.

Banir um aplicativo como esse representaria, portanto, um grande prejuízo a essas pessoas. Por isso, grupos de defesa de liberdades individuais nos EUA estão se posicionando contra as proibições. “Nos EUA, qualquer banimento total do aplicativo certamente desencadeará uma discussão a respeito da constitucionalidade de tal medida face à Primeira Emenda da Constituição americana, que protege, entre outras questões, a liberdade de expressão”, explica Cárgano.

No meio do fogo cruzado da política internacional, estamos nós, os usuários. E temos que fazer o que estiver a nosso alcance para proteger nossos interesses. Não encaro o TikTok como um braço de um “império maligno”, nem pior ou melhor que outras redes sociais. Então, como em toda plataforma digital, minha sugestão é compartilhar apenas informações necessárias para que você obtenha os benefícios que ela oferece. Isso exclui, no caso do TikTok, sua localização e seus contatos.

Precisamos entender que nossas ações em qualquer rede social são construções em um terreno instável e que não é nosso. As regras mudam a toda hora e nem conhecemos seus detalhes. Por isso, muita gente vai do sucesso ao ostracismo digital e nem sabe por quê.

No final das contas, devemos usar esses recursos com consciência, pois as redes sociais são as máquinas de convencimento e de coleta de informações mais perfeitas já criadas. Não dá para escapar totalmente de sua influência, mas podemos pelo menos tentar não ser feito de bobos. E a influência do país de onde a empresa vem acaba ficando pequena diante de tantos interesses envolvidos.

 

Esse foi o ano do “ciberpopulismo”

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Nos meses de novembro, os principais dicionários do mundo elegem suas “palavras do ano”, verbetes que, mesmo não sendo necessariamente novos, refletem fatos de grande impacto no período. Com a globalização, muitas dessas palavras valem para o mundo todo, mas as escolhas desse ano se demonstraram muito regionalizadas. Por isso, decidi, de maneira pessoal, escolher uma palavra que representasse bem algo que moveu decisivamente o Brasil em 2022: “ciberpopulismo”.

Esse neologismo une a palavra em inglês “cyber” (em referência ao que se dá no mundo digital) a “populismo”. Ele procura definir como as redes sociais passaram a atuar decisivamente na política nos últimos anos. No populismo, cria-se a figura de um líder capaz de “salvar” o povo dos interesses de uma “elite” ou das ações de um “inimigo comum a todos”. Por depender de um conjunto de narrativas bem arquitetadas, o meio digital surgiu como a ferramenta perfeita de convencimento das massas, amplificando as ideias do populista.

O “ciberpopulismo” vem sendo amplamente usado no Brasil há pelo menos seis anos, mas atingiu a sua maturidade em 2020, com a pandemia de Covid-19. As suas fórmulas usadas durante a crise sanitária pavimentaram o caminho para as eleições de 2022, criando um cenário de polarização política inédito em nossa história, que rachou o país e que continua incendiando corações, mesmo dois meses após o fim do pleito. Daí essa minha escolha.


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O populismo não é um conceito novo. O termo surgiu no século XIX, na Rússia czarista, e propunha dar mais poder político a camponeses com uma grande reforma agrária. De lá para cá, tem sido usado por diferentes grupos, ganhando definições bem variadas, de acordo com o pensamento do autor. Por isso, não há um consenso definitivo sobre ele, e há até uma discussão se o populismo seria, afinal, bom ou ruim: um meio para melhorar a vida do povo ou uma ferramenta para sua manipulação pelos poderosos.

Nas últimas décadas, consolidou-se no Ocidente uma definição do populismo como um conjunto de práticas políticas para obtenção e manutenção do poder, sendo igualmente usado por governantes conservadores ou progressistas em todo mundo, indo do nazismo de Hitler ao chavismo venezuelano. Via de regra, todos eles têm alguns pontos em comum: um povo que se sente oprimido por algum tipo de elite ou agente externo, um inimigo em comum (verdadeiro ou na maioria das vezes imaginário) e um líder apresentado como o único capaz de conduzir a sociedade a sua “salvação”.

Como o populismo depende necessariamente da criação de uma narrativa que legitime a figura e as ideias do seu “líder ungido”, os meios de comunicação acabam sendo peça-chave no processo. Para a cristalização de um pensamento único, os veículos simpáticos à “causa” devem ser promovidos, enquanto os demais devem ser silenciados. E, nos últimos anos, as redes sociais ocuparam esse espaço. Elas diminuíram o poder de mediação da imprensa (que filtra extremismos) e deram voz a todos, especialmente ao “cidadão comum” que antes não se sentia representado pela mídia.

Grupos de poder com valores semelhantes a esses indivíduos perceberam isso e aprenderam a usar, antes dos outros, os recursos digitais, apostando nos extremos e dando origem a esse movimento. Essa dinâmica é bem explicada no livro “Ciberpopulismo” (editora Contexto), lançado no ano passado pelo filósofo e comunicador Andrés Bruzzone. Para ele, nesse cenário, “quem tenta pensar fora dos polos dificilmente será ouvido e certamente não terá espaço nos grandes debates.”

“A combinação eficiente de técnicas de propaganda do século XX com as possibilidades abertas pela tecnologia no século XXI já mostrou sua capacidade de causar alterações estruturais nos países e na geopolítica”, escreveu. E, de fato, observa-se esse fenômeno em países muito diferentes pelo mundo.

 

Aldeia global em chamas

O “ciberpopulismo” vem legitimando barbaridades em muitos países há anos, e não foi diferente em 2022.

A mais grave delas é a guerra na Ucrânia. Com o pretexto de salvar russos que lá viviam de “perseguições nazistas”, o presidente russo, Vladimir Putin, invadiu o vizinho. O mandatário diz abertamente que pretende anexar a Ucrânia como seu território, não reconhecendo sua soberania. Os “inimigos do povo” seriam a União Europeia, a OTAN e –diante do inesperado e decisivo apoio militar dos EUA– todo o “Ocidente”. E com uma fortíssima censura local da imprensa e das redes sociais, a maioria da população acredita nisso tudo e que a Rússia estaria vencendo o conflito.

Os EUA também têm suas assombrações. Ao longo desse ano e do anterior, tiveram que lidar com as consequências do bizarro ataque ao Congresso no dia 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump, inconformados com sua derrota na tentativa de reeleição, tentaram impedir a confirmação da vitória de seu opositor, Joe Biden. Foi o maior ataque da história à democracia do país. Vale dizer que Trump é o maior expoente global do “ciberpopulismo”.

Em outro exemplo, no dia 7, o governo alemão deflagrou a maior operação de contraterrorismo em 70 anos. O alvo foi um grupo que cresceu nas redes sociais e pretendia derrubar a república e reinstalar a monarquia, que vigorou até 1918 no país. Eles pretendiam ainda matar 18 pessoas, incluindo o chanceler, Olaf Scholz.

Nossos vizinhos também sofrem com isso. A Argentina tem uma política e uma economia em frangalhos há décadas. No Peru, o presidente Pedro Castillo foi destituído do cargo e preso no mesmo dia 7, depois de tentar um autogolpe. A vice-presidente, Dina Boluarte, assumiu como sexto presidente do país em seis anos.

Como se pode ver, o “ciberpopulismo” atende bem a interesses da “direita” e da “esquerda”. As aspas são propositais, pois ambas são mais parecidas que diferentes quando se trata de manipulação online. De toda forma, a segunda só agora está aprendendo a jogar a versão digital desse jogo e, para isso, está sujando as mãos também.

Receio que tenhamos que ver ainda mais crescimento do populismo anabolizado pelas redes sociais antes de experimentarmos o seu recuo, com a sociedade regressando aos trilhos de uma vida harmônica e colaborativa, em que ideias divergentes levem à evolução e não a um conflito beligerante. Precisamos voltar a ter apenas adversários para contrapor, ao invés de inimigos a eliminar.

Como Bruzzone explica em seu livro, o contrário do populismo é o pluralismo: a crença de que não há duas visões únicas do mundo. “Pluralista é quem entende que a verdade não se obtém derrotando um inimigo, mas que é o resultado de um processo construído a muitas vozes”, escreveu.

Adoraria voltar a esse espaço no fim de 2023 e dizer que a minha “palavra do ano” seria então “ciberpluralismo”. Mas sinto que teremos que descer ainda mais fundo nessa fossa política antes que as massas entendam a importância dessa diversidade. Nas últimas duas décadas, o populismo, e nos últimos anos o “ciberpopulismo” criaram raízes profundas em nossa sociedade.

Por isso mesmo, está em nossas mãos –e não nas de qualquer “líder”– o poder de diminuirmos a fervura nas redes sociais e reencontrarmos esse bom caminho.

 

Congresso Nacional ao amanhecer

Como diminuir o discurso de ódio

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A eleição passou, a apuração foi concluída e todas as autoridades (cada uma a sua maneira) reconheceram os resultados. Isso seria mais que suficiente para que o processo democrático prosseguisse normalmente. Mas, em um cenário inédito desde a redemocratização do país, parcelas da população se recusam a aceitar os vencedores e ocupam espaços públicos e as redes sociais, exaltados em um ódio que não pode ser ignorado como se fosse birra infantil.

Esse descontentamento tem um considerável potencial de destruição da sociedade. Ele está instalado nesses corações, que entendem que, em nome de sua liberdade e de seus valores, podem, por exemplo, obstruir estradas ou fazer uma perseguição na rua empunhando uma arma. Submete-se, assim, a ordem pública ao que consideram “certo”.

Leis existem para manter a sociedade funcionando, por isso não podem ser ignoradas por conveniência pessoal. O discurso de ódio, disseminado pelo meio digital, é o combustível dessa anarquia. E isso se agrava porque aqueles que se indignam com essas ações inconscientemente aumentam a fervura desse caldeirão, ao usar as mesmas plataformas digitais para distribuir muita ironia e mais ódio.

As redes sociais servem assim a uma “espiral da morte” que traga o Brasil para um caos que só beneficia uns poucos, que vivem dessa desunião. Por isso, se desejamos reencontrar o crescimento, temos que desarmar todos os lados desse conflito.


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Nada disso aconteceu de uma hora para a outra. Tudo é resultado de um processo consistentemente construído ao longo de anos, um storytelling político eficiente que criou uma conexão genuína entre essa parcela da população e diferentes grupos de poder. Os valores e crenças dessas pessoas foram usados para que, sem se darem conta, fossem transformadas em soldados que defendem cegamente seus líderes.

O storytelling é um recurso amplamente usado no marketing e na construção de roteiros de filmes, séries e livros. Essa técnica cria estruturas narrativas com elementos intrínsecos da cultura de um grupo social para construir um vínculo tão forte, que as pessoas compram essas ideias como se fossem suas.

Uma campanha de marketing pontual não tem tempo para criar uma conexão muito forte. Mas, quando o público é bombardeado continuamente por uma mensagem consistente ao longo de anos, essa ligação pode se tornar inquebrantável, manifestando-se nos mais diferentes aspectos da vida do indivíduo.

Além dos casos já citados, ao longo da semana passada assistimos a muitas outras atitudes que beiram o bizarro, até mesmo na educação, onde deveria primar o debate sadio e o domínio da ciência. Por exemplo, um dia após a eleição, uma professora doutora em química da Unifap (Universidade Federal do Amapá) enviou mensagens a dois alunos dizendo que eles deveriam buscar outro orientador, pois ela “não queria esquerdistas no laboratório”, concluindo que “ou estão comigo ou contra mim”. Depois de a reitoria da instituição repudiar a postura da professora, ela pediu desculpas publicamente, dizendo que “no calor das eleições, se excedeu nas palavras”.

Isso afeta também adolescentes e até crianças. Vários casos de agressões verbais e físicas, assédio e racismo foram relatados nessa semana. Os jovens replicam o posicionamento de seus pais, muitas vezes sem compreender o que estão fazendo.

Em um caso de grande repercussão, na noite de domingo, alunos do Colégio Porto Seguro de Valinhos (SP) criaram um grupo de WhatsApp chamado “Fundação Anti Petismo”, que chegou a reunir 30 adolescentes. Nele compartilharam mensagens de ódio contra petistas, nordestinos, negros e mulheres, além de fazer apologia ao nazismo. Ainda propuseram uma “reescravização do Nordeste”, e fizeram ofensas racistas e ameaçaram um colega negro que havia declarado apoio ao candidato Lula. A escola acabou expulsando oito alunos envolvidos no caso.

Que país podemos esperar no futuro, quando suas crianças são criadas com ódio já na mamadeira?

 

A Jornada do “Herói”

Outro recurso amplamente usado por roteiristas também foi adaptado pela política: a “Jornada do Herói”. Trata-se de um conceito apresentado pelo mitólogo americano Joseph Campbell em 1949, em seu livro “O Herói de Mil Faces”. Após estudar diversas culturas em diferentes regiões e épocas, ele concluiu que existem elementos comuns a todas elas na maneira como as pessoas contam histórias. Logo, conteúdos construídos dessa forma têm muito mais chance de convencer o público, pois aquilo faz parte de um inconsciente coletivo.

Mas nem sempre o “herói” da jornada é mesmo um herói. Políticos e seus marketeiros descobriram como usar esse recurso, extremamente amplificado pelas redes sociais, para convencer grande parte da população de que eles são aqueles que os “salvarão”.

Nessa “Jornada do Herói” distorcida, em um mudo dominado pelo conflito, quando nos deparamos com alguém que pense diferentemente de nós e daqueles em quem acreditamos, ela serve para reforçar como “estamos no caminho certo”. E o resultado disso é ainda mais conflito, retroalimentando o processo.

Cria-se um “vilão” a ser destruído, em uma eterna narrativa de “luta do bem contra o mal”. Elementos masculinos, como a força, a virilidade e a violência se sobrepõem aos femininos, como a empatia, o cuidado e a visão do todo. Não há espaço para informações que contradigam o “herói”, e vozes dissonantes devem ser silenciadas.

Não adianta substituir um desses “heróis” por outro. Temos que tirar esse caldeirão do fogo, e isso implica em todos pararem de atacar, ironizar ou desprezar os demais. Entendo que seja isso complicado, pois pode ser entendido como “baixar a guarda” para novos ataques e crescimento dos oponentes. Além disso, os diferentes grupos políticos precisam criar líderes com propostas construtivas, afastando os “salvadores da pátria”. Esses são desafios que a sociedade precisa abraçar, sob o risco de nunca conseguir romper esse ciclo destrutivo.

As redes sociais, como via de disseminação do discurso de ódio, têm um papel central nesse processo. Elas precisam se engajar efetivamente nele, encontrando maneiras automáticas ou manuais de eliminar de suas páginas ataques e fake news. Por isso, preocupa a aquisição do Twitter por Elon Musk, que disse que afrouxará esses controles na plataforma, em nome de uma “liberdade de expressão” liberticida.

A escola também é peça fundamental nesse renascimento da nação. É um grande equívoco dizer que o ambiente escolar não deve falar de política. Pelo contrário: o debate construtivo e com ideias diversas deve fazer parte do currículo. Países europeus que fazem isso estão criando jovens mais conscientes de deveres e diretos, tolerantes e autônomos. Exatamente o contrário do que vemos hoje no Brasil, especialmente em escolas particulares que bloqueiam a política por medo de perder alunos.

Se quisermos resgatar um país digno para todos, precisamos reaprender a conviver com o outro em todas as esferas da sociedade. Não há espaço para essas agressões mútuas.

 

Tomamos decisões racionais o tempo todo, mas elas são fortemente influenciadas por emoções, como sugere a animação “Divertida Mente”

Somos escravos de nossos desejos e medos

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Passamos pela eleição mais tensa de nossa história, com uma polarização radical que fraturou a sociedade brasileira. Apoiadores de ambos os lados ainda se perguntam como alguns de seus familiares, amigos e colegas, que “consideravam razoáveis”, defendem ideias “do outro lado”. Mas tentar entender isso com argumentos racionais é uma tarefa inglória, pois esses alinhamentos são emocionais, por mais que os próprios indivíduos não tenham consciência disso.

Somos guiados pelos nossos sentimentos! Estudo da Faculdade de Psicologia da Universidade da California em Berkeley (EUA) sugere que temos 27 tipos deles. Entre emoções dessa lista, como alegria, ansiedade, empatia, tédio e excitação, duas são fundamentais para compreender esses tempos complexos: o desejo e o medo.

Desejar não é apenas querer algo ou alguém. É algo muito mais intenso e visceral! É um sentimento extremamente poderoso, que nos impulsiona e nos faz tomar decisões. Já o medo funciona em sentido contrário. Ele nos paralisa e impede de fazer escolhas.

Políticos sempre tentaram manipular as populações para conseguir votos. Entretanto, de uns anos para cá, descobriram que, se conseguissem se concentrar nesses dois sentimentos, trocariam eleitores por soldados dispostos a defender seus ideais contra tudo e todos. Essa é uma prática extremamente perigosa, pois pode estraçalhar o tecido social. Ainda assim, fizeram isso sem pestanejar! E o resultado é o que vivemos hoje e ainda viveremos por muitos anos.


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Em 2015, a Pixar lançou sua memorável animação “Divertida Mente”, construída sobre esse conceito. Na história, todos os seres vivos teriam, em seus cérebros, cinco “pequenos indivíduos”, cada um deles representando uma emoção: a Alegria, a Tristeza, o Medo, a Raiva e o Nojo. Lá, teriam acesso a um “painel de comando”, que determinava como cada pessoa agia.

Nosso cérebro é fabuloso! Com ele, tomamos nossas decisões. Entretanto, por mais racional que uma escolha seja, ela pode ser profundamente influenciada por emoções, como se os sentimentos fossem ingredientes dela. Esse é, aliás, o princípio dos “gatilhos mentais”, recursos dos quais equipes de marketing vêm abusando nos últimos anos, para que consumidores “escolham racionalmente” produtos a partir de emoções “plantadas” em suas cabeças pelas campanhas publicitárias.

De volta à realidade um tanto distópica em que estamos imersos, as redes sociais desempenham papéis fundamentais para que os políticos manipulem as massas. O primeiro deles é ajudá-los a descobrir o que as pessoas desejam e do que elas têm medo em dado momento. Afinal, não é possível construir qualquer narrativa visando o controle de mentes se não souberem isso.

A outra função dessas plataformas é servir de veículo para disseminar, em gigantesca quantidade, suas mensagens. Elas são cuidadosamente produzidas para que as pessoas vejam, em determinado candidato, aquele que viabilizará seus desejos e os protegerá de seus medos. E seus algoritmos de relevância se prestam cinicamente a esse serviço sujo, pois as redes sociais lucram com a polarização.

Logo, quem domina o meio digital tem mais chance de transformar suas ideias em “verdades”.

 

O campo de batalha online

Faz todo sentido, portanto, que “pós-verdade” tenha sido escolhida como a palavra do ano de 2016 pelo renomado Dicionário Oxford. Pela sua definição, o termo é “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais”. Ou seja, as pessoas hoje preferem acreditar naquilo que esteja em linha com seus desejos, por mais que seja uma invenção escandalosa.

Disso vêm as fake news. Elas deliberadamente mentem para que determinado grupo atinja seus objetivos, manipulando as emoções da população. E não se trata de simples boatos, pois são produzidas com método, impactando primeiro aqueles que gostariam que aquilo fosse verdade: isso aumenta seu engajamento inicial, o que leva os algoritmos das redes sociais a distribuir a mentira em grande quantidade.

A série “The Boys”, da Amazon Prime Video, ilustra isso muito bem. Nessa paródia das histórias de super-heróis, superseres fazem ações heroicas midiáticas nas redes sociais apenas para que a população os ame e, assim, compre todo tipo de produtos com suas marcas. Mas, em sua segunda temporada, surge uma personagem que percebe que obter o amor das massas é cada vez mais difícil e pouco produtivo. Ao invés disso, descobre que é mais eficiente manipular o ódio da sociedade. Para ela, é muito melhor ter soldados que fãs, e que cinco milhões de pessoas movidas pelo ódio são mais efetivas que cinquenta milhões com amor. Ela entendeu que não vivemos mais no mundo da cultura de massas, e sim da “viralização”.

Políticos que usam esse método trabalham com o medo da população, pois ele é capaz de travar as pessoas e deixá-las cegas. E, uma vez que elas ultrapassem determinado limiar de ódio e de medo, são facilmente controláveis, até mesmo pelo mecanismo do “apito do cachorro”: comandos que as demais pessoas não percebem, mas que são eficientes para agitar os “comandados” para executar as ordens de seus líderes. Basta observar como costumam seguir ações de maneira coordenada.

Dessa forma, chegamos ao atual cenário de uma nação devastada pelo ódio. Mas há esperança, e ela vem dos mais jovens. O estudo internacional “A nova dinâmica da influência”, divulgado em 22 de setembro pela consultoria americana Edelman, mostra que a Geração Z (pessoas hoje entre 14 e 26 anos de idade) é movida –e não paralisada– pelo medo. Isso demonstra uma percepção mais madura sobre essa poderosa emoção, que existe para nossa autopreservação. Por isso, 70% deles estão envolvidos em causas sociais ou políticas.

Os mais jovens querem resgatar a política como uma ferramenta de transformação social para um mundo mais justo e igualitário, com relações mais transparentes e honestas. Segundo o estudo, eles se preocupam com temas ligados à natureza, saúde, direitos humanos, justiça racial e igualdade de gênero. Esperam ainda que as empresas atuem como parceiras para que esses objetivos sejam atingidos.

Costumo dizer que a melhor maneira de anteciparmos o futuro é olhando para os jovens. Nesse sentido, é reconfortante observar esse comportamento da Geração Z.

Nossas emoções nos definem! Precisamos ter consciência de nossos sentimentos para aprender e crescer com eles, e não ser dominados a partir deles. Os mais jovens já estão fazendo isso. Você consegue também?

 

Cena do filme “Morango e Chocolate” (1993), em que um estudante que espionava um artista acaba se aliando a ele ao conhecê-lo melhor

Eu só quero um pouco de paz!

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As redes sociais não nos deixam em paz!

Não falo da característica essencial de seus algoritmos, que nos mantêm continuamente estimulados para que compremos todo tipo de quinquilharia. Estou me referindo ao permanente bombardeio ideológico que cria dispostas a importunar, humilhar e deliberadamente prejudicar desconhecidos, apenas porque pensam de maneira diferente.

Quem faz isso não são os sistemas: são as pessoas que os usam! Poucas delas comandam o processo; a imensa maioria serve de massa de manobra.

Todos nós potencialmente somos vítimas, em maior ou menor escala. Isso acontece desde aquele primo que vota em outro candidato e por isso fala mal de você no “grupo da família”, até manadas que atacam, com processos orquestrados de destruição de reputação, quem pensa de outro jeito.

A vítima não fez nada de errado! Em muitos casos, é agredida justamente por fazer bem o que se espera dela. Isso acontece porque, enquanto um democrata convive e aprende com as diferenças, um totalitário tenta calar e, se possível, destruir qualquer voz dissonante.

Mas, como diz o ditado, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Quem hoje pratica esse horror e pede a cabeça de quem está no coliseu amanhã pode virar comida de leão. Não dá para acalmarmos a alma desse jeito!


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Um exemplo tristemente emblemático aconteceu na terça passada, quando o deputado Douglas Garcia (Republicanos-SP) agrediu a jornalista Vera Magalhães, durante o debate da TV Cultura entre os candidatos ao governo de São Paulo. Já há bastante tempo, ela vem sendo atacada não por ter cometido algum erro, mas justamente por estar fazendo bem o seu trabalho de fiscalizar o governo.

Todo governante comete erros: alguns mais, outros menos. Uma as funções da imprensa é identificar, investigar e apresentar isso à população. Dessa maneira, o jornalismo protege a sociedade dos abusos dos poderosos. Quem se dedica a enaltecer governantes não pode ser chamado de jornalista.

Não deixa de ser curioso que aqueles que hoje atacam a imprensa há bem pouco tempo a aplaudiam por fazer o seu trabalho expondo os malfeitos dos governos anteriores. E não será surpresa se voltarem a aplaudir esses profissionais, caso aconteça uma alternância de poder nas próximas eleições presidenciais.

É muito triste que os agressores de Vera Magalhães não consigam conviver com seus erros sendo expostos. Ao invés de aprender algo com isso, tentam “matar o mensageiro”, como se, ao silenciar aqueles que expõem os fatos, seus pecados deixassem de existir.

Trazendo para a realidade cotidiana de quem não tem a visibilidade de uma das mais importantes jornalistas políticas do país, o processo de destruição de reputação também acontece. Nesse caso, ele se dá pelo nefasto “cancelamento” nas redes sociais, em que pessoas incentivam que grande quantidade de usuários ofenda e bloqueie quem lhes incomoda, mesmo que a vítima esteja certa.

Nesse cenário, pensar livremente se transformou em um campo minado difícil de ser transposto. Quaisquer que sejam nossas ideias, elas sempre desagradarão algumas pessoas. Mas, se antes isso não causava nenhum problema, em tempos de redes sociais, seus algoritmos usarão esse desalinhamento para atrair grande quantidade de indivíduos dispostos a nos agredir.

Como resultado, muita gente boa, que poderia contribuir positivamente com a sociedade, deixa de se expor, pelo medo de ser atacada em seu altruísmo.

Nessa hora, todos perdem!

 

O ódio de uma nação

Esse comportamento destrutivo de manada foi antecipado pelo episódio “Odiados Pela Nação” (“Hated in the Nation”), o sexto da terceira temporada da série de ficção científica britânica Black Mirror, lançado em outubro de 2016. Na história, pessoas começam a morrer misteriosamente após sofrerem ataques no Twitter de quem não gostava de suas ideias ou posicionamentos. Entretanto, no final, todos que tuitaram contra as vítimas também acabam sendo assassinadas.

A sociedade é naturalmente plural. Mesmo em ditaduras, em que líderes políticos ou religiosos tentam impor um pensamento único, as diferenças entre as pessoas continuam existindo. Quando muito, elas são sufocadas pelo medo da força bruta ou da truculência ideológica. Ainda assim, a diversidade não morre. Quando há espaço e oxigênio, ela germina.

A “manada” precisa ser impedia de ver o “outro lado”, pois, ainda que não goste de suas ideias, pode perceber que é possível conviver em harmonia com as diferenças e até construir com o outro. Isso aparece em outra ficção, o filme cubano “Morango e Chocolate” (1993). Nele, as autoridades de uma Cuba de 1979 determinam que um estudante universitário se aproxime de um artista descontente com a atitude do governo contra a comunidade LGBT e com a censura cultural. O objetivo é que o primeiro espione o segundo para a máquina de repressão estatal. Mas, no final, ao conhecer e entender o lado do artista, o estudante se torna seu amigo e o apoia.

Somos muito mais parecidos que diferentes dos que têm outras visões de mundo. Quando esquecemos ou somos estimulados a ignorar isso, engrossamos a coluna do “nós contra eles”, que vem crescentemente deformando a sociedade brasileira há uns 20 anos.

As redes sociais não podem se transformar em novos tribunais da Santa Inquisição, pois a fogueira pode ser acesa para qualquer um. Do lado de todos nós, devemos abandonar o hábito de “cancelar” aqueles que pensam de outra forma e passarmos a ver o que essas pessoas têm de bom.

Essas plataformas digitais, por sua vez, precisam melhorar suas regras e seus sistemas, para impedir que a “política de cancelamento” continue a fazer vítimas, cujo direito de defesa é simplesmente eliminado pela massa transloucada pelos algoritmos. Do jeito que funcionam hoje, todos parecem ter o direito de ser sumários juízes e algozes de qualquer caso, o que corrói os princípios básicos de convivência.

E ainda se dizem “redes sociais”!

Quanto aos “intolerantes de carteirinha”, precisam entender que as pessoas com pensamentos diferentes dos seus ajudam a desenvolver a sociedade, justamente porque enxergam o que eles não são capazes de ver, assim como veem a mesma coisa de maneira diversa.

A paz se materializa por uma divergência respeitosa e construtiva.

 

A “cultura do cancelamento” ataca a democracia no seu coração

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A melhor maneira de se perpetuar ideias ruins é evitar o debate, principalmente dos mais jovens, que tradicionalmente trazem ideias reformadoras. Por isso, uma pesquisa divulgada recentemente pelo instituto Ipec preocupa: ela indica que 59% dos brasileiros entre 16 e 34 anos evitam falar de política nas redes sociais por medo de serem “cancelados”.

Na verdade, esse temor de ser “linchado digitalmente” atinge todas as idades. O meio digital, que floresceu lá pela virada do século como um espaço em que todos poderiam se expressar livremente, se transformou, nos últimos anos, em uma arena de ódio e de exclusão, afastando muita gente que poderia contribuir com ótimas ideias. E isso não surgiu ao acaso: foi construído pelas velhas ratazanas políticas.


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Esse medo tem fundamento. As redes sociais foram alçadas à posição de ferramenta preferido de trocas pessoais e profissionais, especialmente para essa faixa etária. Por isso, ser “cancelado” pode implicar em grandes prejuízos para o indivíduo.

Isso demonstra uma grande ferida da democracia brasileira. A violência das tropas digitais de diferentes ideologias desestimula a participação dos jovens no debate político, justamente no seu local preferido de conversas. Para piorar a situação, essas mesmas redes sociais se tornaram, de uns cinco anos para cá, a principal ferramenta de convencimento de massas.

É por isso que precisamos nos posicionar sem medo!

Ao se eliminar aqueles que poderiam contribuir com ideias de alto nível e uma visão construtiva para a sociedade, o debate no meio digital torna-se raso, restrito a um maniqueísmo do “nós contra eles”, favorecendo àqueles que não têm boas propostas. E os algoritmos das redes sociais fortalecem isso ainda mais.

Isso é uma ampliação do que sempre foi ensinado ao brasileiro: “política, religião e futebol não se põem à mesa”. Essa é uma maneira de criar cidadãos mais “dóceis”, que não se envolvem com temas delicados, aqueles que convidam a pensar e a melhorar a sociedade. Com isso, tornam-se mais suscetíveis a comandos de líderes em quem acreditam, mesmo para coisas que jamais fariam se usassem seu senso crítico.

Basta ver a grotesca invasão do Congresso americano por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, que tentavam impedir a ratificação da vitória de Joe Biden. O ataque, que completou um ano nesta quinta, deixou cinco mortos e foi realizado por pessoas que, em outras condições, jamais fariam algo do tipo.

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679) disse, em sua obra mais famosa, “Leviatã” (1651), que “o homem é o lobo do homem”. Ele acreditava que o ser humano precisa viver em uma sociedade regida por “contratos sociais”. Sem eles, esse “lobo” nos levaria à barbárie.

Hoje vejo essas regras sendo rasgadas, especialmente nas redes sociais, por aqueles que têm poder e por seus apoiadores. O mais grave disso é que o outro e suas necessidades deixam de ser importantes a partir do momento em que um indivíduo tem a força de impor suas vontades, como temos observado.

 

Como falar de política

A pesquisa do Ipec mostra também que os jovens não são alienados e que gostam de participar do debate político. Mas, como preferem não fazer isso online, levam o tema para outros locais, como a escola, a igreja e até festas. Ao fazer isso “olho no olho”, diminuem a chance de agressões gratuitas e de um “cancelamento” em grande escala.

Por isso, nem tudo está perdido! Mas é uma pena que não façam isso nas redes sociais, onde sua voz ganharia muito mais ressonância.

Faltam aos jovens também exemplos de pessoas que falem e exerçam bem a política. Ao contrário do passado, em que lideranças debatiam ideias, hoje o cenário é de um campo de batalha permanente, em que o opositor é visto como um inimigo a ser eliminado. Sem uma boa referência, as pessoas não sabem como se posicionar.

A sociedade precisa reaprender que a política não é um bicho-papão e nem precisa ser carregada de ódio. O ser humano é um animal político, e só dominamos esse planeta graças a isso, pois nos organizamos para atingirmos o bem comum. A isso, damos o nome de “sociedade”.

Não podemos perder a nossa capacidade essencial de dialogar, e isso inclui com as pessoas que não pensam como nós. Aliás, de certa forma, quando nos confrontamos com as diferenças, é quando mais crescemos, pois nos permitimos ver o mundo por outra perspectiva.

Portanto, política é para construir com as diferenças e não para destruir os diferentes! Se os jovens desejam participar desse debate, eles são mais que bem-vindos: devem ser incentivados e protegidos!

Isso exige que as empresas que são donas dessas plataformas digitais trabalhem muito mais duro para combater o ódio em suas páginas. De três anos para cá, elas têm feito algo nesse sentido, mas, como a pesquisa do Ipec demonstra, isso tem sido muito insuficiente.

Do lado dos usuários, as pessoas precisam vencer o apelo fácil do ódio que domina o debate público. Por incrível que se pareça, odiar quem pensa de maneira diferente é uma forma pervertida de se pertencer ao grupo com valores semelhantes aos seus. Mas isso obviamente não é saudável!

Pelo contrário, temos que nos posicionar, sim, nas redes sociais, mas de maneira cordial e construtiva. Não devemos deixar de publicar algo por medo de errar ou de dizer algo que o rebanho critique. E temos que entender que nunca será possível agradar todo mundo: isso, aliás, está na essência da democracia.

Por isso tudo, política, futebol e religião se põem, sim, à mesa! E também nas redes sociais.

A mentira dita mil vezes

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O governo federal parece ter agora apenas um único objetivo: desacreditar as urnas eletrônicas e instituir o voto impresso. A pandemia, o desemprego e tantas outras mazelas do Brasil parecem ter sumido, pois o ataque ao sistema eleitoral brasileiro se tornou um assunto onipresente nas falas de Bolsonaro. É de se perguntar o porquê dessa insistência insana.

Para quem conhece um pouco da história e da política, esse movimento é facilmente explicável. Ele segue um padrão de convencimento popular formalizado há cerca de 90 anos, mas que foi reforçado pelo advento das redes sociais.

Na quinta, o mandatário não cumpriu a promessa de demonstrar as falhas da urna eletrônica, em uma transmissão recheada de vídeos antigos e argumentos falsos, todos largamente desmentidos por autoridades e especialistas. Ainda assim, insiste na tese e convoca seus apoiadores para lutar por ela.

Essa linha de ação segue o conceito de que “uma mentira dita uma vez é apenas uma mentira; já uma mentira dita mil vezes se torna verdade”.


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Essa tese foi organizada por Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolph Hitler, para legitimar suas atrocidades. Foi dessa maneira que os alemães na década de 1930 apoiaram a política do seu Fürher contra os “inimigos do povo”, com a qual se consolidou no poder, tornou-se ditador, promoveu a Segunda Guerra Mundial e realizou o Holocausto. As ações dos apoiadores do líder nazista podem ser vistas no premiado documentário “Arquitetura da Destruição” (disponível gratuitamente e legendado no YouTube).

Aquilo parece monstruoso a nossos olhos, mas, guardadas as proporções, é exatamente o mecanismo atual, com o agravante de que se espalha mais rapidamente pelas redes sociais. Agora, para se tornar “verdade”, uma mentira não se repete mais mil vezes, e sim um milhão de vezes, o que torna o processo mais eficiente.

Esse modus operandi não tem nada a ver com um governo ser progressista ou conservador, de esquerda ou de direita. Tem a ver com um governo ser autoritário e querer se perpetuar no poder a qualquer custo.

A história é pródiga em demonstrar isso, sendo que alguns de seus mais perfeitos expoentes foram legitimamente eleitos em um primeiro momento, como Donald Trump, Hugo Chávez e Adolph Hitler. Dos três, o único que fracassou em seus objetivos foi o primeiro, mas não sem deixar um grande custo, com os Estados Unidos rachado ao meio, culminando com a grotesca invasão do Capitólio, em que seus apoiadores invadiram violentamente o Congresso para tentar impedir o anúncio da vitória de seu opositor, Joe Biden.

 

“Engana que eu gosto”

Não se trata de uma loucura coletiva. Por uma característica evolutiva de autopreservação da espécie, as pessoas acreditam naquilo que lhes for mais conveniente, mesmo que a manutenção de alguns de seus privilégios prejudique muitas pessoas ou até coloque a democracia em risco.

Quando são expostas a apenas uma narrativa, baseada em fatos, na ciência ou em instituições de grande reputação, acatam mesmo o que não gostam, resignando-se. Mas, na primeira oportunidade de alguém lhes apresentar uma versão contrária e mais palatável, abraçam cegamente o mentiroso, como uma tábua de salvação.

Esse mecanismo de interesse de manada contra a verdade foi descrito em 2016 pelo renomado Dicionário Oxford. Naquele ano, seus organizadores elegeram “pós-verdade” como a “palavra do ano”. Na sua definição, ela é “relativa ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais.”

Mas isso precisa ser construído! A narrativa mentirosa, que interessa a esses grupos específicos, precisa fazer frente à realidade, sufocando os fatos e expondo incansavelmente a alternativa por todos os métodos disponíveis.

Por isso, a boa imprensa sempre é uma pedra no sapato de governantes, especialmente dos autoritários. A despeito de suas imperfeições, ela tem a função essencial de fiscalizar todo governo, impedindo-o de extrapolar suas prerrogativas. Se um veículo não fizer isso, não está fazendo bom jornalismo.

Goebbels sabia e censurou a imprensa, classificando as vozes dissonantes de “inimigos do povo”. Os nazistas não viam problema em desqualificar, censurar, prender e até matar quem se opusesse a eles. Por outro lado, como se vê em “Arquitetura da Destruição”, todos os recursos eram usados para reforçar sua visão, como eventos populares, o esporte, a cultura, as artes e até a arquitetura.

 

As redes sociais e a mentira

Em democracias consolidadas, calar a imprensa não é tarefa simples. Como os veículos de comunicação alcançam milhões de pessoas, sua voz tem enorme poder.

Mas ela ganhou um contraponto há cerca de 20 anos, com o surgimento das redes sociais. Pela primeira vez, as ideias de qualquer pessoa poderiam potencialmente atingir uma enorme quantidade de indivíduos, até mesmo em outros países.

Em um primeiro momento, foi incrível, pois a informação parecia ser mais democrática. Mas, de uma década para cá, grupos de poder aprenderam a usar esse recurso para impor a sua “pós-verdade”, travestindo-a de “voz do povo”. Obviamente trata-se de um engodo! Mas, como os algoritmos não têm ética e nem moral, é o suficiente para convencer milhões de pessoas.

Os “robôs” são essenciais nesse cenário para dar o primeiro empurrão e apresentar as mentiras nas redes sociais para quem deseja que aquilo seja verdade. A partir daí, essas pessoas espalharão essas fake news. Mas ainda não é suficiente. É preciso criar um discurso uníssono para consolidar a falcatrua. Exatamente como se faz agora contra as urnas eletrônicas.

Elas são perfeitamente auditáveis, enquanto os votos impressos (mesmo impressos automaticamente) são facilmente fraudáveis. E não é preciso adulterar uma enorme quantidade de votos impressos: apenas o suficiente para criar uma diferença entre essa contagem e o das urnas eletrônicas, para se criar uma insegurança jurídica em torno dos resultados da eleição. A partir daí, pode-se querer impugnar o resultado com o respaldo de uma parcela considerável da população, que acredita na farsa.

As circunstâncias nunca foram tão favoráveis para que uma mentira dita mil vezes se torne verdade. Para que uma democracia sobreviva, as pessoas devem ter acesso a fontes de informação diversas e confiáveis.  Precisam também ser convidadas a pensar e a contestar o que chega para elas, especialmente quando parece ser incrivelmente suculento para os seus valores e os seus desejos.

E isso é bem difícil. Mas é exatamente aí que reside a mentira que quer se tornar verdade!

Pode ter menos pão, desde que tenha muito circo

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Um ano e 250 mil mortos depois do início da pandemia de Covid-19 por aqui, os brasileiros arranham caminhos para continuar tocando a vida. Diante da ausência de um norte consistente e seguro indicado pelas autoridades, buscamos garantir nossas necessidades básicas em meios ao caos.

Tradicionalmente tais necessidades são garantidas pelo Estado, até para sua própria manutenção. Na antiga República e no Império Romano, os governantes descobriram que era preciso garantir às pessoas duas coisas: o pão e o circo. O primeiro atendia parte do sustento, enquanto o segundo garantia a diversão, para diminuir as tensões do cotidiano.

Passados 2.500 anos, o panem et circenses, como era chamada essa política, continua valendo na relação entre governantes e governados, e invadiu também outras áreas, como o mundo do trabalho e até nossas relações pessoais. Além disso, o pão e o circo são representados de maneiras cada vez mais subjetivas e muito ligadas às redes sociais.

Uma coisa, entretanto, não mudou: se o pão diminui, é preciso caprichar no circo!


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Políticos jogam muito bem esse jogo, mas eles não estão mais sozinhos nesse tabuleiro. Graças aos meios que as redes sociais oferecem para se ganhar muita visibilidade, empresas e até indivíduos criam seus circos para ganhar o próprio pão.

A princípio, não há nada de errado em usar criativamente os recursos digitais, muito pelo contrário! O problema surge quando se ultrapassa o limite da ética ao se enganar os mais diferentes públicos, em uma espécie de estelionato ideológico.

O circo romano tem um aspecto muito perverso. Ao apresentar ao cidadão alguém que sofre muito mais que ele, seus problemas parecem ficar menores. Por isso, a plateia urrava em êxtase diante de gladiadores obrigados a lutar até a morte ou ao ver inimigos do Estado sendo entregues a leões. Qualquer problema fica menor diante do sangue jorrado na arena, pelo simples fato de quem assiste continuar vivo e estar sentado ao lado do governante, que promove a carnificina.

A lógica permanece até hoje, mas ganha novos recursos e novos promotores do espetáculo.

As autoridades continuam sendo soberanas em momentos de circo sem pão, e o nosso governo atual se destaca nisso. Diante de sua incompetência de solucionar as crises da saúde, do trabalho, da economia estagnada, da educação, entre muitas outras, abusa de bravatas vazias contra inimigos reais ou imaginários, para manter sua base de apoio incendiada. Com isso, cria uma densa cortina de fumaça que tira da população o foco nos problemas verdadeiros, mantendo aqueles que o apoiam anestesiados em uma fantasia grotesca.

Mas os políticos não estão sozinhos: reality shows também são um incrível exemplo de um circo romano moderno.

 

A vilã de uma nação

Sem dúvida, o melhor exemplo para entender esse fenômeno é o “Big Brother Brasil”. E um acontecimento da semana passada foi emblemático: a cantora Karol Conká foi eliminada do programa com uma rejeição recorde do público de 97,17%. Quando isso anunciado, pessoas gritaram nas janelas da minha vizinhança, algo que normalmente só acontece em partidas decisivas de futebol e em recentes manifestações políticas.

Karol foi alçada ao posto de supervilã do BBB 21 porque, segundo o jargão do programa, “jogou mal”. Foi arrogante, preconceituosa, agressiva, o que culminou na inédita saída espontânea de outro participante, Lucas Penteado.

Quando deixou a casa, ela descobriu que tinha perdido algo como 40% de seus seguidores nas redes sociais e contratos de trabalho que chegariam a R$ 5 milhões. Mas será que ela merecia tamanha punição, mesmo diante de seus comportamentos reprováveis no programa? Afinal, aquela casa costuma ser lar de muitas intrigas e muito veneno entre os participantes.

Mas, na lógica do circo, essa pergunta é irrelevante. A partir do momento que recebeu o selo de “pessoa má da história”, a audiência decretou que ela deveria ser imolada publicamente. O fato de ela ser famosa potencializou o sentimento. E a possibilidade de seu destino ser decidido por cada um de nós, impondo uma humilhante votação praticamente unânime pela sua saída, é um dos segredos do sucesso desse tipo de programa.

Cada um de nós se torna um pequeno imperador romano que, com o polegar para baixo, determina a morte do perdedor.

 

O circo nosso de cada dia

No mundo atual, não é preciso ser uma grande emissora de TV ou um presidente da República para armar um circo. Com as redes sociais, qualquer um pode ser dono de um picadeiro, apresentador e artista.

Infelizmente, a maioria dessas apresentações é de baixíssima qualidade. Em uma sociedade cada vez mais dependente de espetáculos, de atos teatrais, de bufões e de fanfarronices, quanto pior, melhor.

Isso explica a ascensão e queda das diferentes redes sociais. Quem aqui se lembra do Orkut, que nasceu como um interessante experimento social e terminou com um nível baixíssimo das publicações? O mesmo aconteceu com o Facebook, que cresceu diante do declínio daquele concorrente, mas, há muitos anos, vem sofrendo com a piora das conversas ali. Criou-se até o neologismo que diz que o Facebook foi “orkutizado”. O mesmo aconteceu com o Twitter, o Instagram e até o LinkedIn, uma rede que até o início de 2018 resistia a esse processo.

Esse raciocínio pode parecer elitista e, de certa forma, é mesmo. Quanto mais sucesso uma plataforma digital faz, mais ela se parece à população que representa. Oras, se essa população aprecia ver o sangue de quem não gosta ou prefere conversas com a profundidade de um pires, para poder esquecer de seus próprios problemas, aos poucos as redes passarão a oferecer isso.

Isso é uma tragédia anunciada! Quando as pessoas não saem do mundo digital, sendo profundamente influenciadas pelo que veem ali, o discurso raso anestesia todo mundo, fazendo com que deixem seus problemas para lá (sem resolvê-los), dedicando-se apenas à “diversão”.

O circo se torna muito mais importante que o pão!

São nessas horas que os grupos de poder deitam e rolam! Enquanto a massa cega se diverte, eles podem fazer o que quiserem, até mesmo se preocupar menos em dar o pão.

Precisamos resgatar o nosso senso crítico, autoestima e coletividade. Sem eles, logo seremos nós mesmos a alimentar os leões, para o deleite dos que sobrarem.

As ameaças à (e da) Internet

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O aplicativo TikTok, da chinesa ByteDance, vem se destacando nas manchetes nas últimas semanas. E não é só porque ele se tornou o app mais instalado nesses meses de pandemia: de janeiro a junho, foram 315 milhões de instalações, o melhor desempenho de um app na história. O principal motivo foi ter sido alçado à posição de estrela na guerra que o presidente americano, Donald Trump, trava com a China, visando sua reeleição em novembro.

Mas o que um aplicativo de vídeos curtos pode ter de tão importante? Quanto das acusações de Trump são verdadeiras? E principalmente como isso impacta a vida de cada um de nós?


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Shakespeare escreveu: “há mais coisas no Céu e na Terra que foram sonhadas na filosofia”. Esse famoso trecho de Hamlet é muito propício ao momento.

Trump, como sempre, cria uma cortina de fumaça para esconder suas reais intenções. Mas há muito, muito mais em jogo, muito além até dos mesquinhos interesses do mandatário americano.

Algo que nos afeta a todos.

Primeiramente vamos contextualizar a história para quem não sabe do que se trata.

O TikTok vem sendo acusado de coletar muitas informações dos usuários, e de uma maneira mais sorrateira que o normalmente feito pelos aplicativos que instalamos despreocupadamente em nossos celulares. Até a famosa rede de hackers Anonymous chegou a levantar essa bandeira em julho.

Trump enxergou nisso uma oportunidade de fustigar ainda mais a China. Ele começou a afirmar, sem nenhum embasamento, que, além de coletar nossos dados, o TikTok os repassa ao governo chinês, como uma poderosa ferramenta de controle da população mundial.

A empresa e até o governo de Pequim sempre negaram isso. A plataforma até contratou, em maio, o americano Kevin Mayer como seu principal executivo, nunca tentativa de demonstrar que o TikTok é independente de seu país de origem.

Trump então ameaçou banir o TikTok do território americano. Foi quando, na semana passada, apareceu na história a Microsoft. A gigante do software disse que gostaria de comprar as operações do TikTok nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia. Ainda que relacionado a apenas esses países, isso lhe daria acesso aos códigos do programa.

Trump resolveu interferir na relação comercial entre duas empresas, o que é, no mínimo, inadequado. Em primeiro lugar, deu 45 dias para que a transação acontecesse. Depois disse que a compra deve ser total. E, por fim, o mais bizarro: disse que, qualquer que seja o valor que a Microsoft pague à ByteDance, uma “grande parte” deve ir para os cofres do governo americano: afinal, ele estaria permitindo que o negócio se concretizasse.

Parece que a conhecida liberdade empresarial americana virou fumaça, em uma narrativa digna de um ditador.

Mas, como já dito, essa história esconde um monte de elementos que vão muito além de Trump, do TikTok e da Microsoft. Coisas que nos afetam profundamente como cidadãos e como profissionais.

Quando eu comecei a desenvolver produtos digitais, bem lá no começo da Internet comercial, em 1995, ela despontava como um espaço idílico em que os dados trafegariam livremente, em que pequenos teriam o mesmo espaço dos gigantes, um mundo de oportunidades infinitas e democráticas.

Infelizmente aquela utopia se dissipou em poucos anos.

O tráfego livre dos dados se tornou um negócio de grandes conglomerados que descobriram maneiras cada vez mais eficientes para coletar nossos dados e organizá-los para serem transformados em informações comerciais valiosíssimas. Ou seja, a terra digital do “amor livre dos dados” rapidamente foi dominada por quem tinha muito dinheiro, de uma maneira que transformou profundamente nossas vidas.

O casamento dos smartphones com as redes sociais

O auge disso começou com a combinação de duas coisas. A primeira foram os smartphones, graças ao seu poder computacional imenso, que carregamos conosco o tempo todo. São a máquina perfeita de espionagem, pois nossa vida hoje acontece neles. A segunda foram as redes sociais, que criaram algoritmos e maneiras de convencimento para que compartilhemos alegremente todo tipo de informação pessoal.

Na verdade, essa combinação provocou uma incrível mudança cultural, em que sabemos que estamos sendo rastreados, mas que aceitamos que nossos dados sejam levados e usados, em troca de serviços supostamente gratuitos que essas empresas nos oferecem.

Trump sabe muito bem disso. Sua eleição como presidente dos Estados Unidos é parcialmente creditada a esse controle. Em março de 2018, explodiu o escândalo da empresa de marketing político britânica Cambridge Analytica. Ela foi contratada pela equipe da campanha de Trump para ajudá-los a convencer os americanos a votar no milionário. Para isso, a empresa roubou dados de 87 milhões de usuários do Facebook e os manipulou para, entre outras coisas, uma enxurrada de disparos em massa de fake news favoráveis a Trump.

O Facebook é a grande estrela nesse mundo de captura de informações dos usuários para fins às vezes inconfessáveis. Ninguém está mais bem posicionado que ele para isso.

Tanto que, na semana retrasada, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, foi sabatinado por deputados americanos sobre o poder imenso de sua empresa, em um processo que pode levar à divisão da companhia em empresas menores. E ele não estava sozinho: também foram questionados Sundar Pichai, CEO do Google, Tim Cook, CEO da Apple, e Jeff Bezos, CEO da Amazon.

Ou seja, o TikTok é só a bola da vez, que ganhou destaque pela sua rápida adoção, mas também por causa de Trump.

Ele coleta nossas informações? Com certeza!

Ele faz isso de maneira mais agressiva e mais furtiva que outros aplicativos, como o Facebook? Há suspeitas não confirmadas.

Ele entrega nossas informações ao governo chinês? Não há nada sério que sugira isso.

Apagar o aplicativo vai nos deixar protegidos de ladrões de dados? Claro que não! No máximo, isso nos protegeria da ByteDance, mas não dos desenvolvedores de todos os outros aplicativos em nosso celular.

Não há inocentes nessa história! Talvez os mais inocentes sejamos nós mesmos, os usuários, que entregamos graciosamente a nossa informação para aplicativos que nos dizem como ficaremos mais velhos ou com qual celebridade nos parecemos.

É a versão do século XXI dos índios que, no início da colonização, trocavam toras de pau-brasil que cortavam por espelhinhos presenteados pelos portugueses. Hoje, com nossos dados, sim, governos podem mudar o eixo de influência geopolítica do mundo.

Outra empresa chinesa que vem sendo pesadamente alvejada por Trump é a Huawei, que hoje lidera a tecnologia 5G, próxima geração de transmissão de dados por celular. O presidente americano usa seu poder para que governos do mundo todo impeçam que equipamentos da Huawei sejam adotados por empresas nesses países. Ele sabe que a nação da qual venha a tecnologia 5G dominante terá monstruosa influência política e econômica no mundo na próxima década, no mínimo. Sem falar no oceano de dinheiro que isso vai gerar, pelos royalties, licenças, compras de equipamentos e suportes.

E, no meio de tudo, estamos nós, como pessoas e como empresas.

Não sejamos otários! Não compremos brigas que não são nossas!

A verdade é que, infelizmente, continuaremos sendo colonizados. Enquanto o Brasil não investir seriamente em pesquisa, incluindo aí pesquisa de base, sempre estaremos à mercê de tecnologias de outros países, com tudo que isso traz. E nós, ao invés de avançarmos na ciência, temos dado largos passos para trás nos últimos anos!

É duro dizer isso! Mas é a verdade.

A questão é saber se continuaremos sendo colonizados pelos Estados Unidos ou se passaremos cada vez mais a ser colonizados pelos chineses. Uma vez que não conseguimos declarar até hoje a nossa independência, temos que ver, pelo menos, o que é o melhor para cada um de nós.

Quanto ao TikTok, use por sua conta e risco. Você não irá para o Inferno se continuar dançando na frente da tela com ele.

A morte da empatia e o fim da humanidade

By | Educação | No Comments

A política é uma atividade nobre e necessária, mas não podemos sucumbir à luta pelo poder e matar a nossa capacidade de sermos empáticos, arrastando a nossa humanidade para a escuridão, como vem acontecendo no mundo todo, e muito fortemente no Brasil.

Negar a política é inócuo: ela faz parte da nossa natureza. Quando debatemos aqui, estamos fazendo política, que foi criada para nos organizarmos em sociedade e construirmos algo com nossos semelhantes.


Saiba mais sobre esse assunto no vídeo abaixo:


Infelizmente, a política também pode se enviesar e criar algo contrário à sua função essencial. Na luta pelo poder, mentimos, roubamos, matamos. E acreditamos em pessoas que fazem isso em seu benefício.

Isso explica o atual cenário, em que aqueles que pensam diferentemente, mesmo quando estão buscando o bem da sociedade, devem ser calados ou até eliminados. Para desgraça geral, isso não vem sendo feito apenas de maneira figurativa.

Os fatos têm me feito pensar muito sobre isso, e já ensaiei alguns debates nas redes para ajudar na compreensão desse fenômeno perverso que estamos vivendo.

Por exemplo, na quarta passada (19), publiquei um post comentando o atual comercial do WhatsApp, uma peça belíssima, que me tocou muito. Ele mostra como o comunicador, que ficou famoso como a ferramenta mais eficiente para disseminar as “fake news”, as infames notícias falsas, também pode ser usado para fazer o bem. Claro, é só uma ferramenta: o bem e o mal vêm de como as pessoas usam esse recurso!

Dois dias depois, fiz outro post comentando um comercial, nesse caso, da companhia aérea Scandinavian Airlines. Outra peça inspiradora e emocionante, que explica que muito do que os escandinavos se orgulham de ter desenvolvido, como a licença paternidade, o movimento pelos direitos das mulheres, o clipe de papel, e muitas outras coisas, são, na verdade, invenções de outros povos. Mas isso não tira o valor da contribuição dos escandinavos, que melhoraram tudo aquilo. Apesar da bela mensagem, grupos conservadores locais não gostaram da peça, por isso atacaram a campanha e a empresa por supostamente estarem “desrespeitando a cultura escandinava”. A agência que criou a peça chegou a receber uma ameaça de bomba!

Honestamente, a opção política de qualquer um diz respeito apenas a si. Mas opção política é muito diferente de negar a verdade, só porque ela incomoda. E, pior, querer impor sua visão de mundo a todos pela força.

Por exemplo, na quinta, assisti estarrecido a um vídeo que viralizou na Internet, que mostrava alguns homens arrastando para longe da água um tubarão que havia encalhado e estava agonizando em Guaratuba, no Paraná. O animal acabou morrendo asfixiado logo depois. Além de não terem chamado especialistas para salvar o animal, ainda o arrastaram para a areia. Quanto sadismo!

Há também o caso da jornalista Patrícia Campos Mello, da “Folha de S.Paulo”, que vem sendo covardemente atacada por autoridades eleitas e hordas que as seguem. Motivo: fazer um trabalho exemplar, mas que vai contra os interesses desses indivíduos. Apesar de ter tudo documentado, de maneira mais que suficiente para desmentir todas as calúnias contra ela, essa turma continua rejeitando os fatos, para continuar a atacando de maneira sórdida!

Sei que, para muitos, a imprensa é como aquele tubarão na praia: se alguém fizer algo de errado e um jornalista descobrir, ele pode “morder”. E deve fazer isso mesmo! Por isso, esse pessoal acredita que jornalista merece “morrer de antemão”!

Mas, se não é perfeita, a imprensa é essencial para fiscalizar o poder político e econômico, impedindo que ele faça o que bem entender. Vale dizer que a imensa maioria do trabalho jornalístico é muito bem feito, essencial para a manutenção da sociedade.

Então, novamente, podemos e devemos ter suas convicções políticas, religiosas, ideológicas. Mas isso não pode fazer com que busquemos a aniquilação dos diferentes a nós.

As diferenças sempre existiram, e somos capazes de conviver em harmonia. Precisamos urgentemente resgatar a nossa capacidade de viver em sociedade de maneira civilizada, de construir com o outro, de demostrar empatia.

Se não fizermos isso logo, pode ser tarde demais e a nossa humanidade terá desaparecido para sempre.


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Cena do filme "Ele Está de Volta", em que Adolf Hitler "acorda" nos dias atuais - Foto: divulgação

Reflexão: somos facilmente manipuláveis?

By | Educação | No Comments

A vida imita a arte ou vice-versa?

O filme “Ele Está de Volta” (“Er ist wieder da”, Alemanha, 2015) sugere o que aconteceria se Adolf Hitler magicamente “acordasse” hoje. Depois dos primeiros dias de desorientação, ele passa a ser quem ele é.

Ao andar pelas ruas, conclui que o país está tomado por valores “degenerados”, sob a ótica nazista: imigrantes, liberdade de pensamento, ascensão das mulheres, homossexualismo. Ao propagar suas ideias, vira um fenômeno instantâneo de mídia, no YouTube e na televisão.

Apesar de afirmar que é o próprio Hitler, obviamente ninguém acredita nisso. Os mais próximos acham que é um ator que não consegue sair do papel. Ainda assim, suas ideias ultraconservadoras fazem enorme sucesso, com boa parte da população acreditando que aquilo seria a solução para os problemas atuais. Sua reputação só é manchada quando atira em um cachorro, o que choca a opinião pública. Mas logo todos esqueceram do episódio, e ele voltou com ainda mais força.

Classificado como comédia, o filme faz uma profunda crítica à ascensão de políticos conservadores em todo o mundo. Em determinado momento, o próprio Hitler conclui que o povo alemão é “um bom material de trabalho”.

Será que é isso que todos nós nos tornamos?

Reflexão: o “vilão” é sempre um vilão?

By | Tecnologia | No Comments

Ontem assisti a “Capitã Marvel”, a mais nova aventura da Marvel. Gostei, especialmente dos diálogos espirituosos entre ela e Nick Fury. Não é o melhor do estúdio, mas diversão está garantida (para quem gosta do estilo). Mas algo me chamou bastante a atenção.

No início, os vilões são da raça alienígena skrull, velha conhecida dos fãs de quadrinhos. Mas -surpresa- eles talvez não sejam caras maus de verdade! São apenas o outro lado de uma guerra. E, quando colocados dessa maneira, tudo ganha nova perspectiva.

Lembrei do seriado da HBO “Band of Brothers” (2001), uma obra-prima sobre a Segunda Guerra Mundial. Em uma cena, após feroz batalha, um soldado americano se aproxima de um alemão que havia matado antes. Ao ver de perto o corpo, ele questiona o que afinal fazia dele um “inimigo”. Em outra circunstância, poderiam ser amigos e estar tomando uma cerveja. Mas, pela guerra, havia acabado com ele, sem saber bem por que.

Muito se esperava do feminismo em “Capitã Marvel” (até foi lançado no Dia Internacional da Mulher). Esse tema foi abordado de uma boa maneira. Mas o aspecto político acabou sendo mais interessante.

Para se pensar, ainda mais em tempos de tanta intolerância nas redes sociais.



 

Não entre na onda da fábrica de ódio das redes sociais

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Jovem é ferido na cabeça em conflito durante manifestação - imagem: Rovena Rosa/ Agência Brasil

Jovem é ferido na cabeça em conflito durante manifestação

Você também sente que, de uns tempos para cá, há muito ódio no ar? Ele se manifesta, por exemplo, em um trânsito cada vez mais agressivo e egoísta, no debate político hiperpolarizado, nas brigas irracionais de torcidas, em religiões que pregam a intolerância e nas relações de trabalho, entre colegas, com a chefia e até com clientes. Mas o que tem me chamado muito a atenção é o papel das redes sociais nesse caldeirão de emoções à flor da pele.

Vejo o acirramento do Fla-Flu ideológico em tudo: “se você não está comigo, está contra mim!” Mas o mundo não funciona dessa forma dicotômica, preto e branco: existem incontáveis tons de cinza entre os extremos da vida. Esse comportamento egocêntrico aparece com mais força quando estamos cercados de pessoas que compartilham do que acreditamos em um tema específico. E é aí que entram as redes sociais.

Para que esses negócios prosperem, eles precisam se tornar relevantes em nossas vidas (como, aliás, qualquer outro). A fórmula para se conseguir isso é o fundamento essencial do Facebook: jogar na nossa cara os posts das pessoas mais importantes para cada um de nós, como familiares, amigos mais próximos e aqueles que têm os mesmos gostos que os nossos.

Em tese, a teoria é boa, especialmente se considerarmos que, sem isso, teríamos que passar por centenas de posts diariamente, só para ver o que nossos amigos publicaram, o que é inviável. Portanto, se vemos em nosso feed de notícias as coisas mais importantes que as pessoas de quem mais gostamos disseram, usaremos a ferramenta cada vez mais para termos a sensação de que não perdemos nada importante.

E é aí que mora o perigo!

 

“Diga-me com quem anda…”

Para você ver essas postagens selecionadas, obrigatoriamente você precisa deixar de lado um montão de outras. O Facebook analisa dezenas de variáveis do usuário, dos seus contatos, das publicações que cada um deles faz e todo tipo de interação online dos indivíduos para montar um perfil de cada um, que pode mudar a qualquer momento. Com base nessas informações, seleciona o que será exibido e o que será ignorado para cada usuário. Assim funcionam os chamados algoritmos de relevância.

Isso é ótimo para não deixar de ver as fotos que sua mãe publica. Entretanto, quanto mais se usa o sistema, menos se vê conteúdo de pessoas que pensam diferentemente de você. Em resumo: o mundo se transforma em um lugar de pensamentos únicos, ingrediente essencial para qualquer tipo de intolerância.

O ciberativista Eli Pariser cunhou o termo “bolha de filtro” (ou “filtro bolha”) para explicar esse fenômeno. Pela sua teoria, os algoritmos de relevância acabam impedindo que os usuários vejam a Internet sem discriminação, isolando-os intelectual e culturalmente, o que, em última instância, cria cidadãos piores com o tempo.

Apesar de achar suas conclusões um pouco extremistas (pois também existem usos positivos dessa tecnologia), vejo méritos na sua teoria. Uma pessoa não pode ser exposta apenas àquilo que gosta, sendo “poupada” do que a desagrada, do diferente, do inesperado, do “chato, porém necessário”. Pois justamente com essa pluralidade de ideias o indivíduo cresce intelectualmente e como cidadão.

Não é de se estranhar que qualquer regime totalitário tenta impor um pensamento único.

 

“Narciso acha feio o que não é espelho”

Os algoritmos de relevância estão aí, fazendo o seu trabalho, mostrando para cada um aquilo que se parece com a própria pessoa.

Peguemos o debate político como exemplo. De uns três anos para cá, os discursos nas redes sociais endureceram: amigos de anos se insultam publicamente, relacionamentos são desfeitos, grupos se formam em torno de suas ideologias para combater adversários. Como se dão conta que há muita gente pensando igual, o caldeirão ideológico ferve e acaba virando ódio. Esquecem que é perfeitamente possível conviver com as diferenças, sem a necessidade de eliminá-las. Na verdade, tal convívio é saudável e necessário. Essa é a essência da democracia!

Chegamos a um ponto tão delicado que as agressões deixaram as redes sociais e ganharam as ruas, as escolas, os ambientes de trabalho. Constrangimentos, insultos e até agressões físicas são cada vez mais comuns. E a maior das ironias é que as pessoas estão se matando por indivíduos que, apesar de discursos inflamados, na verdade assistem ao circo pegar fogo com maquiavélica indiferença.

As pessoas chegaram ao cúmulo de ser manipuladas por elas mesmas, por suas crenças! Por isso, é hora de parar e pensar sobre o que acontece a nossa volta, saindo do turbilhão que exige que tomemos decisões na velocidade das redes sociais, sem refletir, caminhando cegamente com o rebanho.

A vida é muito mais que isso, e o que a torna mais bonita é justamente as diferenças que estão em toda parte.  As redes sociais são ferramentas incríveis e ninguém deve deixar de usá-las. Apenas precisamos fazer isso com mais consciência. E mais amor.

 

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