A terrível crise que draga o Brasil há pelo menos quatro anos continua firme e forte. A sociedade bate cabeça tentando explicar como chegamos a isso e principalmente como sair dessa situação. Nesse cenário, duas péssimas notícias ligadas à educação brasileira, que ganharam as manchetes recentemente, servem para nos ajudar a entender tudo isso.
A primeira delas se refere a dois infames anúncios publicados recentemente pelas redes Anhanguera Educacional e Unopar, ambas da Kroton Educacional. A outra se refere à agressão a uma professora de Santa Catarina por um aluno adolescente. Não proponho aqui uma simples defesa dos professores, mas sim trazer para o debate como a má educação está na raiz das mazelas do nosso país, e como uma boa educação pode nos levar a vencer tudo isso.
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Desde sempre, defendo como a educação é o melhor caminho para que o país resolva os seus problemas. A explicação é simples: qualquer país que tem uma população (e isso vale para todos seus cidadãos) bem educada, conhecedora de seus direitos e também de seus deveres, com consciência cívica e responsabilidade social, progride a passos largos. E isso acontece porque cada um sabe e cumpre seu papel, e também cobra adequadamente que todos –e não apenas os governantes– façam o mesmo.
A realidade é, entretanto, muito mais complexa, e nos afastamos cada vez mais do bom caminho. Nossa educação, do ensino infantil à pós-graduação, coleciona indicadores vergonhosos. Mas ela é apenas o reflexo de uma sociedade que se orgulha e folcloriza o ‘jeitinho brasileiro”, um nome “fofo” para a corrupção que cada um de nós pratica no dia a dia. É o país que criou a “Lei do Gerson”, onde “esperto” é aquele que tira vantagem de tudo, mesmo que isso inevitavelmente signifique prejudicar o próximo. Essa também é a sociedade cada vez mais radical em suas visões políticas, em que “você está comigo ou contra mim”, quando, na verdade, são todos farinha do mesmo saco (e, pior, sabemos disso).
E por falar em farinha, se o que manda é o conceito de que “farinha pouca, meu pirão primeiro”, como esperar que a boa educação, capaz de formar cidadãos que queiram construir uma sociedade justa para todos, seja valorizada?
Por que o professor vale tão pouco
Nos anúncios da Anhanguera e da Unopar, a mensagem é contundente: “torne-se professor e aumente sua renda”. Em outras palavras, a atividade de professor é vendida como um “bico”.
As peças publicitárias provocaram uma enxurrada de críticas, a ponto de as terem que ser retiradas de circulação, com um pedido de desculpas pela nota abaixo:
“Erramos. Nós, da Anhanguera, pedimos desculpas pela mensagem equivocada sobre a função e a importância dos professores. A campanha de marketing que causou mal-estar não representa o que nós, como instituição de ensino, acreditamos, e foi retirada do ar. Nossa intenção com o curso de Formação Pedagógica é incentivar que profissionais já formados possam ter também essa habilitação e contribuir para a resolução do déficit de professores que o Brasil enfrenta. Acreditamos que, promovendo a docência, temos o caminho para o desenvolvimento social e econômico do país. Por fim, esclarecemos que, esta campanha, em específico, não foi submetida à análise prévia do Luciano Huck e de sua equipe”.
Não vejo problema de outros profissionais investirem seu tempo livre na sala de aula. Muito pelo contrário: nada melhor que pessoas capacitadas compartilhando o que sabem! Mas que façam isso por vocação, por prazer, não apenas para “ganhar uns trocados”.
O mais triste nessa história toda não é a péssima mensagem passada pelas peças, mas o fato de alguém ter pensado nelas. Não nos enganemos: se a equipe criativa da agência bolou a campanha e alguém do grupo educacional a aprovou é porque, ainda que no seu subconsciente, essas pessoas realmente acreditam que ensinar pode ser um “bico”.
E nem podemos crucificar esses indivíduos, pois eles pensam assim porque a sociedade brasileira, de uma maneira geral, pensa exatamente dessa forma! Qual professor nunca ouviu a infame pergunta de seus alunos: “além de dar aula, você trabalha?” Eu mesmo já ouvi isso várias vezes.
Por que um médico, um engenheiro, um advogado (só para ficar em algumas das carreiras mais desejadas pelos jovens) nunca ouvem uma pergunta dessa? Porque o inconsciente coletivo brasileiro “sabe” que é necessário estudar muito para exercer tais profissões. Já o professor é visto como uma segunda carreira ou –e isso é de lascar– vai ser professor aquela pessoa que “não consegue ser mais nada”.
Essa ideia é reforçada pelas péssimas políticas educacionais, pela crescente e constante desvalorização do professor por todos os governos municipais, estaduais e federal, por condições deploráveis de trabalho e salários obscenos. Some tudo isso a esse inconsciente coletivo, e você começa a ter, na média, profissionais com nível cada vez mais baixo nas salas de aula. Claro! Haja vocação para insistir nessa carreira!
Como podemos esperar um país melhor se o profissional responsável por formar todos os demais profissionais não tem nenhum valor?
Não podemos.
Como construir um tigre asiático
Diante de tamanha desvalorização, vemos casos recorrentes de agressões contra professores, realizadas por pais e até mesmo por alunos. Foi o que aconteceu com a professora Marcia Friggi, de 51 anos, esbofeteada por um aluno de 15, cujo caso foi mencionado no início desse artigo. Mas o pior veio depois: nas redes sociais, muitas pessoas apoiaram a professora, mas também muitos outros a insultaram, dizendo que ela mereceu a agressão!
Difícil dizer o que é mais bizarro nesse caso.
A desvalorização do professor pela sociedade, culminando tanto nas agressões quanto na desmotivação dos docentes, foi brilhantemente explicado no documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (2005), que pode ser visto na íntegra abaixo (88 minutos):
Cria-se, portanto, um círculo vicioso: a sociedade não consegue melhorar e valorizar os professores, por isso eles ficam cada vez piores, e isso torna a sociedade ainda pior, desvalorizando mais e mais os docentes.
Olhando de fora, parece que não temos saída. É possível romper isso? Sim! Basta ver o exemplo da Coreia do Sul.
Trabalhei alguns anos na Samsung, onde aprendi muito sobre a cultura e a história do seu país de origem. Algumas coisas me surpreenderam, e poderiam ser aplicadas aqui.
Por exemplo, antes da guerra civil (1950 a 1953), que dividiu o país em dois, a Coreia era a nação mais pobre do mundo, muito mais pobre que o Brasil na época! Após a divisão, a Coreia do Sul, a despeito de inúmeros problemas políticos, investiu pesadamente em educação, de uma maneira consistente –ou seja, a coisa não ficava mudando a cada novo governo. Outra característica da educação sul-coreana é que apenas os melhores entre os melhores da sociedade podem ser professores. Portanto, ser professor lá é uma grande honra, uma carreira muito valorizada e admirada por todos.
Mesmo assim, foram necessários 30 anos para o país miserável se transformar em um tigre asiático. Como se pode ver, não se trata de uma tarefa simples nem rápida, mas é possível.
O Brasil de hoje está em uma situação econômica incomparavelmente melhor que a Coreia pré-divisão. E, apesar de vivermos a pior crise de nossa história, nada impede que criemos e implantemos uma política educacional séria, consistente e de longo prazo, ou seja, que transcenda o fim de cada governo.
A crise econômica, os escândalos políticos, a corrupção infinita e endêmica, o “jeitinho brasileiro”, a violência urbana, as desigualdades sociais… Tudo isso e muito mais só acontece porque somos uma nação mal educada.
Nada, nem mesmo inclusão econômica de classes menos favorecidas, resolverá qualquer um desses problemas. Se realmente quisermos um país que seja bom para vivermos e do qual nos orgulhemos, precisamos investir na educação. Isso significa cobrar dos governantes mais seriedade nessa área, participar ativamente das atividades das escolas de nossos filhos, colaborar, como empresas, com iniciativas educacionais. Todos precisam dar a sua contribuição!
Mas, acima de tudo, isso devemos valorizar o professor. Sem isso, nunca sairemos do buraco onde estamos.
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