Precisamos de mais tolos. De idealistas. De jornalistas. Arrisco a dizer que uma pessoa desprovida de idealismo jamais será um jornalista. E a sociedade depende dessas pessoas.
Nesta semana, a série da HBO The Newsroom (sem título em português) chegou ao final de sua primeira temporada com o episódio “The Greater Fool”. Não pretendendo fazer uma sinopse do capítulo, o tolo em questão seria o protagonista Will McAvoy, âncora do telejornal News Night, que, na ficção, foi capa da New York Magazine com essa alcunha.
“Greater fool” é o nome de uma teoria econômica que diz que alguém pode lucrar com algo por que pagou caro, desde que ache um tolo maior (daí o nome) para vender por ainda mais dinheiro. Ou seja, não haveria problema em pagar mais que o devido por algo, desde que se lucrasse em cima de um otário depois. Por conta disso, McAvoy, que lutou uma guerra pessoal ao longo da temporada para fazer jornalismo de qualidade, fica deprimido com a reportagem, pois entende que sua cruzada não foi convincente.
Mas há outra interpretação dessa teoria: o maior tolo seria alguém que equilibre idealismo e confiança para ter sucesso onde outros falharam. Ele percebe então que, de fato é o “greater fool”, mas não como pensava.
Felizmente. Em sua quixotesca jornada, ele não foi perfeito. Mas persistiu com o que acreditava, por mais que aparecessem obstáculos, muitos deles plantados pela própria empresa para a qual trabalha. Ganhou o jornalismo, seu público e seu país. Afinal, como lhe diz sua repórter de economia, “esse país foi criado por ‘maiores tolos’.”
É para se pensar. Há exatos dois meses, também falei da série, na sua estreia, propondo um debate sobre como se pode fazer jornalismo sério e de qualidade mesmo em um momento em que tudo parece jogar contra. Mas não dá para fazer isso ser sem idealista, sem ser tolo, sem insistir em algo em que ninguém mais aposta.
Imagino que esse sentimento impulsione pelo menos parte dos jovens que ainda buscam a faculdade de Jornalismo, mesmo com a queda da exigência do diploma para exercer a profissão. É a tal “síndrome de Clark Kent”. Pena que boa parte deles perde essa chama primordial ainda antes de se formar. Deveriam fazer um favor a si mesmos e à sociedade e procurar outra carreira.
Não quero menos jornalistas: quero mais! Essa é uma profissão apaixonante e que nos consome com nosso consentimento.
Não sou o único a pensar assim: Gabriel García Márquez fez um famoso discurso na 52ª assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, em 1996, onde descreve aquele que chama de “melhor ofício do mundo” com sua maestria peculiar. Assim conclui:
“O jornalismo é uma paixão insaciável que só pode se digerir e se humanizar pelo seu confronto gritante com a realidade. Ninguém que não o tenha experimentado pode imaginar essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida. Ninguém que o não tenha vivido pode sequer conceber o que é a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo da primeira página, a demolição moral do fracasso. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não dá um momento de paz até que comece novamente com mais ardor que nunca no minuto seguinte”.
García Márquez estava certo. E McAvoy também.