Gabriel García Márquez

Em terra de cego, quem é tolo é rei

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Precisamos de mais tolos. De idealistas. De jornalistas. Arrisco a dizer que uma pessoa desprovida de idealismo jamais será um jornalista. E a sociedade depende dessas pessoas.

Nesta semana, a série da HBO The Newsroom (sem título em português) chegou ao final de sua primeira temporada com o episódio “The Greater Fool”. Não pretendendo fazer uma sinopse do capítulo, o tolo em questão seria o protagonista Will McAvoy, âncora do telejornal News Night, que, na ficção, foi capa da New York Magazine com essa alcunha.

“Greater fool” é o nome de uma teoria econômica que diz que alguém pode lucrar com algo por que pagou caro, desde que ache um tolo maior (daí o nome) para vender por ainda mais dinheiro. Ou seja, não haveria problema em pagar mais que o devido por algo, desde que se lucrasse em cima de um otário depois. Por conta disso, McAvoy, que lutou uma guerra pessoal ao longo da temporada para fazer jornalismo de qualidade, fica deprimido com a reportagem, pois entende que sua cruzada não foi convincente.

Mas há outra interpretação dessa teoria: o maior tolo seria alguém que equilibre idealismo e confiança para ter sucesso onde outros falharam. Ele percebe então que, de fato é o “greater fool”, mas não como pensava.

Felizmente. Em sua quixotesca jornada, ele não foi perfeito. Mas persistiu com o que acreditava, por mais que aparecessem obstáculos, muitos deles plantados pela própria empresa para a qual trabalha. Ganhou o jornalismo, seu público e seu país. Afinal, como lhe diz sua repórter de economia, “esse país foi criado por ‘maiores tolos’.”

É para se pensar. Há exatos dois meses, também falei da série, na sua estreia, propondo um debate sobre como se pode fazer jornalismo sério e de qualidade mesmo em um momento em que tudo parece jogar contra. Mas não dá para fazer isso ser sem idealista, sem ser tolo, sem insistir em algo em que ninguém mais aposta.

Imagino que esse sentimento impulsione pelo menos parte dos jovens que ainda buscam a faculdade de Jornalismo, mesmo com a queda da exigência do diploma para exercer a profissão. É a tal “síndrome de Clark Kent”. Pena que boa parte deles perde essa chama primordial ainda antes de se formar. Deveriam fazer um favor a si mesmos e à sociedade e procurar outra carreira.

Não quero menos jornalistas: quero mais! Essa é uma profissão apaixonante e que nos consome com nosso consentimento.

Não sou o único a pensar assim: Gabriel García Márquez fez um famoso discurso na 52ª assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, em 1996, onde descreve aquele que chama de “melhor ofício do mundo” com sua maestria peculiar. Assim conclui:

“O jornalismo é uma paixão insaciável que só pode se digerir e se humanizar pelo seu confronto gritante com a realidade. Ninguém que não o tenha experimentado pode imaginar essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida. Ninguém que o não tenha vivido pode sequer conceber o que é a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo da primeira página, a demolição moral do fracasso. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não dá um momento de paz até que comece novamente com mais ardor que nunca no minuto seguinte”.

García Márquez estava certo. E McAvoy também.

Somos todos jornalistas?

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Dilbert e o negócio de notícias na Internet - Imagem: reprodução

No Dia do Jornalista, vale discutir o papel do jornalista na sociedade

Hoje, 7 de abril, é Dia do Jornalista. Resgatei a tirinha acima porque ela me parece muito representativa do momento em que “nossa categoria” está passando. Entendo que os jornalistas –e o jornalismo, pois deles é feito– vêm passando por um “ponto de inflexão estratégico”, como diria Andrew Grove, um dos fundadores da Intel, atualmente seu conselheiro-sênior. Estamos em um momento em que somos forçados a abandonar velhos conceitos e modelos: se formos bem sucedidos, passaremos a um novo e promissor patamar de qualidade e produtividade; se fracassarmos, o futuro será sombrio.

Encaro três principais “forças” que empurram os jornalistas a essa situação. Primeiramente, a Internet esmagando os modelos de negócios das empresas de comunicação, exemplificado na tirinha. Há também os governos populistas que, nunca antes na história desse continente, se organizaram de maneira tão sistemática para se opor à imprensa. E, por fim, a discussão nacional em torno da malfadada obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de jornalista.

Afinal, somos todos jornalistas? Qualquer um pode ser jornalista? Do meu ponto de vista, a reposta é: claro que não! Mas, com igual certeza, não é o diploma que separa os “bons” dos “maus”. Foram colegas diplomados que perpetraram as barbaridades na cobertura do caso da menina Isabella Nardoni, do assassinato ao julgamento.

Tive a oportunidade de levantar a questão do diploma em conversa com Alberto Dines, José Maria Mayrink e Pedro Ortiz, no último dia 25. Eles defendem a formação de jornalistas nas faculdades. Concordo com eles: a boa formação é essencial para se ter um bom profissional de qualquer área. Mas isso é muito diferente de defender o diploma, justamente porque as faculdades infelizmente não vêm cumprindo o papel de formar jornalistas de qualidade. Por conta disso, vemos coisas grotescas como a cobertura do caso Nardoni e tantos outros, produzidas por coleguinhas despreparados, dirigidos por editores sem escrúpulos ou ética.

Se esse antijornalismo já não fosse muito ruim por si só, colocando em cheque o bem mais precioso do ofício –a credibilidade–, com isso, os jornalistas deixam a bola quicando na área para a segunda “força contrária”: a campanha de desmoralização da mídia pelo governo, que se fortalece com essas mancadas. Esse movimento tem no fanfarrão bolivariano, Hugo Chávez, seu principal expoente. Na republiqueta em que ele está transformando a Venezuela, nasceu o conceito do “terrorismo midiático”, que prega que a imprensa é nociva ao povo por lhe fazer oposição (leia-se: oposição ao governo estabelecido). O conceito do “terrorismo midiático” é bem estruturado, para que se possa apoiar racionalmente as suas besteiras. Tanto é assim que, em maior ou menor grau, vem sendo amplamente adotado por patéticos governantes dos vizinhos da Venezuela, e isso inclui o presidente Lula, que não mede esforços para sistematicamente jogar a opinião pública contra a imprensa.

E tem ainda a Internet, que está longe de ser uma “inimiga” do jornalismo ou dos jornalistas, mas que oferece as ferramentas para a maior mudança nas formas de trabalho e dos produtos jornalísticos desde o surgimento da transmissão via satélite ou talvez até mesmo do telex. Minha carreira começou poucos anos antes da liberação da Internet comercial, então posso afirmar categoricamente que ela é uma benção ao nosso trabalho: permite produzir mais e melhor, com menos esforço e mais rapidamente. Por outro lado, do pronto de vista das empresas de comunicação, seus modelos de negócios foram para o ralo com a explosão da Web. Às que quiserem sobreviver, não lhes basta simplesmente transpor para a nova mídia aquilo que já conhecem, pois isso não funciona mais. Já era! É preciso criar algo realmente novo. Mas não vou entrar nesse mérito aqui, pois isso é amplamente discutido neste blog (como aqui, aqui e aqui).

Por tudo isso, a melhor maneira de se comemorar este Dia do Jornalista é fazendo bom jornalismo. Isso não é para qualquer um: é para jornalistas (com ou sem diploma). E isso, ao contrário do que andam dizendo por aí, é absolutamente crucial para o fortalecimento da sociedade. Nas minhas andanças pela América Latina, vi claramente que, quanto mais enfraquecida a sociedade local, pior a sua imprensa (ou será que a relação é inversa?).

Como escreveu Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura e jornalista (não formado), “ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra acaba depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não volte a começar com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”

Feliz Dia do Jornalista aos coleguinhas e a toda a sociedade.

O diploma de jornalismo serve para algo?

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Para Gilmar Mendes, "o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada"

Para Gilmar Mendes, "o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada"

“Você é a favor do diploma de jornalista?” Essa pergunta já me foi feita um sem-número de vezes, portanto a minha resposta é algo amadurecido ao longo de 15 anos de estrada. Sou jornalista formado pela Metodista, mas fiz o curso depois de já estar na profissão há muitos anos. Entrei na Folha quando estava no segundo ano do curso… de Engenharia. Ainda assim, decidi fazer também o curso de Jornalismo e cheguei a dar aula na mesma Metodista.

Por esse histórico profissional -digamos- “pouco ortodoxo”, a minha resposta não é simples. Não sou contra o diploma de jornalista, mas não posso ser a favor. Explico. Entendo que a exigência de um diploma para uma profissão se justifica quando o curso que o concede oferece conhecimento que realmente faça diferença para o desempenho da profissão. Infelizmente não é o caso das faculdades de Jornalismo brasileiras. Mesmo as mais renomadas transmitem um conhecimento raso, desperdiçando precioso tempo de sua grade horária com informações técnicas que poderiam ser rapidamente aprendidas pelo profissional quando ele chegasse ao mercado. O preço disso é falta de espaço para disciplinas que realmente fariam a diferença ao estudante, fortalecendo seu senso crítico e ética. Falta capricho em ensinar mais e melhor aos estudantes coisas como geopolítica, história, crítica de mídia, ética. Falta dar ao aluno a chance de ver o mundo com olhos mais abertos, justamente o que caracteriza um bom jornalista.

Nesse cenário, o recém-formado sai com o diploma embaixo do braço e batendo no peito que ele -e apenas ele- pode exercer a profissão. Ou pelo menos saía, pois o Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, por 8 votos a 1, que o diploma não é mais exigência para exercer da profissão. Os argumentos dos juízes são diferentes dos meus, focando em questões técnicas jurídicas, especialmente contrapondo o decreto-lei dos militares que institui a obrigatoriedade com a Constituição de 1988.

Meu objetivo aqui não é entrar no mérito desses argumentos, mesmo porque concordo com quase tudo que eles usaram. Por outro lado, não concordo com o dito pelas entidades que estavam a favor ou contra o diploma, pois acho que eram radicais ou simplórios. Minha opinião se baseia mesmo na formação do jornalista, deficiente, inútil na maior parte de suas disciplinas. Diante disso, o diploma acabava se transformando em um escudo usado por maus profissionais formados -e eles andam cada vez piores- contra outras pessoas muito mais bem preparadas para fazer jornalismo de qualidade, mas escandalosamente classificadas como “charlatãs” pelos órgãos de classe jornalísticos. Os coleguinhas que me perdoem, mas charlatões são os incompetentes que povoam as nossas redações, que levantam o nariz e batem palminhas quando o editor lhes acena com um peixe cru e que, para ganhar essa guloseima, cometem verdadeiras atrocidades profissionais.

Assim, não sou contra o diploma de jornalista, mas não posso ser a favor, pois não concordo com a maneira como os cursos são conduzidos no país. Quando eles pelo menos se aproximarem do que se vê em faculdades de Jornalismo como na Universidade de Columbia (EUA) ou de Navarra (Espanha), então serei a favor dos cursos e do diploma. Mas falta, falta muito para isso. Pena.

E um último comentário: depois da decisão do STF, uma colega veio comentar comigo o temor de que as redações agora passariam a contratar mais “não-jornalistas” que jornalistas formados. Discordei dela, pois a decisão do STF não muda muito o que já acontece na prática. Quem queria ser jornalista já exercia a profissão no Brasil de um jeito ou de outro, mas nem todos querem ou conseguem fazer isso. Não é uma profissão fácil, não é um ofício simples, são poucas as pessoas que aguentam a pressão de um fechamento. Ou, como escreveu Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura e jornalista (não formado), “ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra acaba depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não volte a começar com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”