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Liberdade de expressão não é para qualquer um

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Exemplo de sátira do blog Falha de São Paulo - Imagem: reprodução

Exemplo de sátira do blog Falha de São Paulo

O terrível massacre no jornal satírico francês Charlie Hebdo, ocorrido na manhã do dia 7, despertou uma reação nos países do Ocidente em defesa da liberdade de expressão. Oito dias depois, o processo que a Folha de S.Paulo move contra o blog satírico Falha de São Paulo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Qual a relação entre esses dois episódios? Para quem não conhece a história, o jornal processou, em setembro de 2010, os irmãos Mário e Lino Bocchini, programador e jornalista respectivamente, e criadores do blog. A Falha parodiava a Folha com fotomontagens e chamadas que ironizavam o jornal e seu posicionamento sobre a campanha presidencial daquele ano. A Justiça aceitou os argumentos dos advogados do jornal, que afirmavam que o blog violava a sua marca, por similaridades no nome e no logo, e um visual que se assemelhava a seu projeto gráfico. O blog saiu do ar, depois de ter sido publicado por apenas 17 dias. Os Bocchini perderam todos seus recursos até agora, mas têm conseguido apoios de peso, como da ONG Repórteres Sem Fronteiras e de Julian Assange, criador do WikiLeaks, além de emplacar matérias favoráveis nos sites da revista Wired e do respeitado Financial Times. Agora a bola está com o ministro Marco Buzzi, do STJ.

Voltando à comoção pelo atentado na França, a Folha condenou energicamente o acontecimento, com um editorial defendendo “valores universais de liberdade e tolerância” e estampando na sua primeira página uma charge com as famosas palavras “je suis Charlie” (“eu sou Charlie”).

Je suis? Je ne suis pas. Há uma evidente contradição nessa história.

Alguns podem argumentar que a Folha, com o processo, não cerceia a liberdade de expressão, e que está apenas protegendo sua propriedade industrial. Mas esse argumento é muito frágil: não entendo como os Bocchini poderiam fazer uma sátira ao jornalão, sem mimetizá-lo.

Sátiras e charges não são apenas “coisinhas divertidas”: elas carregam mensagens, que podem ser poderosíssimas. O público de um veículo entende essas mensagens, e normalmente as considera engraçadas. Mas os satirizados podem ter uma visão bem diferente. No caso das charges de Maomé do Charlie Hebdo, mesmo a maioria muçulmana que condenou a violência contra os jornalistas pode se sentir muito ofendida por elas, pois contrariam seu modo de vida e preceitos sagrados de sua religião, como o simples fato de não se poder retratar o profeta.

Por isso, parece fácil, bonito, certo e justo bradar “Je suis Charlie”! Desde que, é claro, a pimenta não esteja ardendo os próprios olhos.

Aqui no Brasil também se mata para calar a imprensa e a liberdade de expressão, principalmente quando se trata de pequenos veículos. Quando o alvo é a grande mídia, recorre-se ao Judiciário, criando uma espécie de “censura de toga”, o que provoca correta indignação na mídia. Um caso importante e relativamente recente é a censura ao Estadão, em que a Justiça o proibiu de falar mal da família Sarney na “Operação Boi Barrica”.

Irônica e infelizmente estamos vendo, cada vez mais, a mesma grande imprensa se valer do mesmo recurso para calar aqueles que a contrariam. Uma vergonha para a democracia e para a liberdade de expressão que ela diz defender!

“Nosso é o sorriso da liberdade, da esperança e da razão”, diz o editorial da Folha do dia 8. Já Suzana Singer, no papel de ombudsman da mesma Folha, disse em sua coluna no dia 9 de janeiro de 2011: “é difícil encarar essa disputa como uma luta pela liberdade de expressão. (…) Não faz bem a um veículo de comunicação progressista –e que se considera “jornal do futuro”– cercear um blog caseiro, apelativo sem dúvida, mas inofensivo. Nessa batalha de David contra Golias, o papel do gigante malvado coube à Folha, que teve sua imagem muito mais prejudicada do que se tivesse simplesmente ignorado as pedrinhas dos irmãos blogueiros.”

Sejamos Charlie! Mas verdadeiramente. E por inteiro.

O poder construtivo e destrutivo do jornalismo-cidadão

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Ontem a HBO finalmente lançou no Brasil a terceira temporada de The Newsroom. Entre outros dilemas, os personagens do fictício News Night se debatem diante da concorrência do jornalismo-cidadão praticado nas redes sociais. Qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência: o telejornal começa a perder audiência e receita por não conseguir acompanhar a velocidade e diversidade das mídias digitais.

A série de Aaron Sorkin sempre discute muito bem os temas mais candentes do jornalismo. A bola da vez, o “embate” entre o jornalismo tradicional e o jornalismo feito por qualquer um, sempre aparece em minhas aulas, e alunos e colegas questionam o futuro dos veículos de comunicação e da própria profissão de jornalismo.

Apenas para contextualizar, o primeiro episódio da temporada começa com o atentado terrorista na Maratona de Boston de 2013 e evolui com a equipe do News Night procurando obter informações de fontes oficiais antes de publicar algo, enquanto uma frenética cobertura do caso acontecia no Twitter e no Facebook. A situação fica mais dramática quando alguns de seus concorrentes seguem a onda e começar a dar notícias sem as devidas checagens. Para piorar a história, o telejornal cai de segundo para quarto na audiência, e a empresa reporta prejuízos financeiros.

O primeiro capítulo acaba demonizando o jornalismo-cidadão e as mídias sociais, pois, de fato, muitas bobagens foram publicadas no calor daquele momento, algumas delas bem graves. A turma que bate o bumbo contra o jornalismo-cidadão vive dizendo que aquilo não é jornalismo, em um movimento para proteger corporativamente o exercício da profissão apenas por jornalistas formados, ou então para salvar os veículos tradicionais de sua própria incapacidade de (até hoje) conviver com a realidade imposta pela mídia digital, em que qualquer um pode ser consumidor e produtor de todo tipo de conteúdo, inclusive jornalístico.

Mas muita calma nessa hora! Isso é uma visão distorcida da realidade, coisa que um bom jornalista não pode tolerar. Se, por um lado, as “coberturas” em mídias sociais podem trazer barbaridades, principalmente em fatos que envolvem muita emoção, por outro elas podem oferecer jornalismo de altíssima qualidade, por uma pessoa séria estar no lugar certo, na hora certa, com um celular na mão. E isso é cada vez mais verdadeiro com as empresas de comunicação investindo cada vez menos na reportagem –o coração do jornalismo– sobrevivendo pautadas pelo denuncismo, por releases e pelo jornalismo palaciano, gerando um noticiário morno, desinteressante e sem novidades.

Sempre me lembro do tsunami que arrasou a Indonésia no dia 26 de dezembro de 2004. Depois do desastre, (incrivelmente) a rede de celulares local continuou funcionando. Os sobreviventes começaram então a fazer uma importantíssima cobertura jornalística, muitos sem sequer se dar conta de que faziam isso. A grande imprensa demorou incríveis dois dias para entender a gravidade do acontecimento. Quando isso finalmente aconteceu, mobilizou um exército de jornalistas e fez o seu trabalho.

Mais que escancarar a importância e a viabilidade do jornalismo-cidadão, aquele evento demonstrou também como essa modalidade e o jornalismo tradicional podem atuar de maneira complementar. Nenhum indivíduo é capaz de realizar grandes coberturas, pois isso exige grandes investimentos. Por outro lado, os veículos não podem estar a todo momento em todo lugar.

Por tudo isso, nunca se produziu ou se consumiu tanto conteúdo jornalístico. Há muita porcaria nessa produção, mas também há muito material de altíssimo nível. E isso vale tanto paras as produções de indivíduos humildes quanto para veículos centenários.

Portanto, ao contrário do que pregam os arautos do apocalipse, o jornalismo-cidadão e as mídias sociais não são concorrentes do jornalismo tradicional, e muito menos adversários do bom jornalismo. O que eles fazem –isso sim– é pressionar os veículos a adotar novos formatos de produção e de distribuição de seu noticiário de qualidade, e criar novos modelos de negócio. Infelizmente eles não têm conseguido se adaptar a esse mundo pós-tsunami.

 

PS: Essa é a última temporada de The Newsroom, supostamente por outros compromissos de Sorkin. Terá apenas seis episódios. É uma pena: essa série deveria ser usada como material didático em faculdades de Jornalismo.

Chafurdar no lixo também rende bom jornalismo

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Collor (ao centro, ao lado de Rosane) deixa a Presidência da República, após o Congresso ter votado pelo seu impeachment - Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil/Creative Commons

Collor (ao centro, ao lado de Rosane) deixa a Presidência da República, após o Congresso ter votado pelo seu impeachment

Resultados da pesquisa “The American journalist in the digital age” (“O jornalista americano na era digital”), divulgados recentemente por professores da Universidade de Indiana (EUA), revelaram uma inquietante constatação: praticamente metade dos profissionais não usaria documentos confidenciais de empresas ou do governo em uma reportagem importante “sem autorização”. Apesar dos autores sugerirem que isso possa indicar “um jornalismo talvez mais ético”, na prática é um forte golpe no esforço de reportagem, o coração do bom jornalismo.

Infelizmente esse comportamento dos jornalistas americanos pode ser visto crescendo também em outros países, inclusive no Brasil. Não estou defendendo práticas antiéticas, mas, se um jornalista tem acesso a uma informação relevante e de interesse público, ele tem a obrigação de publicá-la. Se ela era confidencial, cabia a seus proprietários protegê-la mais eficientemente. Sem isso, a sociedade estaria nas mãos de desmandos de governantes e de abusos de empresas. E reportagens que marcaram uma época, como o escândalo de Watergate, nunca teriam existido.

A pesquisa me fez lembrar de um caso de fevereiro de 1992, quando Edna Dantas, então repórter da sucursal de Brasília da Folha de S.Paulo, literalmente analisou o lixo da Casa da Dinda, residência do presidente da República da época, Fernando Collor de Mello (que não quis morar nas residências oficiais: o Palácio da Alvorada e a Granja do Torto). O que ela descobriu em documentos sigilosos displicentemente deixados para que os lixeiros recolhessem incluía a escala da segurança do presidente, indicações de que seus textos não eram escritos por ele e até de que as lingeries compradas pela primeira-dama, Rosane, eram pagas com cheques de “fantasmas” e de “laranjas”.

É claro que não foram essas revelações que derrubaram Collor, mas elas serviram para mostrar à população um pouco mais sobre os bastidores de um governo imoral. E elas só vieram à luz pelo faro jornalístico da repórter para encontrar esses documentos confidenciais e pela sua postura de publicá-los.

“Todo governo gostaria de ter uma imprensa dócil”: ouvi isso de meu primeiro editor, lá por 1993. Isso é tão mais verdade, quanto mais o governo tem algo a esconder. Mas a imprensa jamais pode “comer na mão” do poder, pois ela é a única chance de a sociedade saber de coisas contrárias a governos e empresas. Para lhes falar a favor, eles já têm seus bem pagos profissionais de relações públicas, e um caminhão de dinheiro para publicidade, ambos sem nenhum compromisso com a verdade. Sem um jornalismo combativo, continuaríamos achando que a Petrobrás é uma empresa imaculada e um orgulho nacional acima de qualquer suspeita. Bem, ela não é.

Não é de se estranhar, portanto, os acintosos e crescentes mecanismos de controle da imprensa em países cujos governos têm vocação autoritária. Na América Latina, a moda foi lançada pelo finado Hugo Chávez, que destruiu a imprensa livre da Venezuela. Em maior ou menor grau, isso se espalhou com um câncer por toda a região, inclusive no Brasil. Além da histórica violência contra jornalistas, o trabalho da imprensa vem sendo dificultado nos últimos anos por artimanhas judiciais ou pela criação de órgãos de controle. Igualmente grave é a batalha ideológica, que tenta pintar veículos que são contrários ao governo como também contrários à sociedade, ao “povo”. E é exatamente o contrário! Mas o mais desesperador é ver jornalistas acreditando nessa lenga-lenga ideológica e comprando suas ideias nefastas.

Trabalho de jornalista não é fácil. Quem pensa que é uma vida de glamour e pouco trabalho está enganado em ambas as ideias. Profissionais que esquecem que seu objetivo é melhorar a sociedade, oferecendo-lhe informações sobre tudo que acontece nela, mesmo contrárias a interesses, mesmo sigilosas, devem mudar de profissão. E nem uma ideologia pode servir de desculpa.

Morre outra vítima da imprensa

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Fachada da antiga Escola Base, que foi depredada pela população após denúncias infundadas veiculadas pela imprensa - Foto: reprodução

Fachada da antiga Escola Base, que foi depredada pela população após denúncias infundadas veiculadas pela imprensa

Na quinta, foi divulgada a morte de Icushiro Shimada, ex-dono da Escola Base e vítima de um erro generalizado da imprensa, que destruiu as vidas de sua família e de seus sócios e funcionários. O assunto virou um case que é estudado nas faculdades de jornalismo, mas profissionais e veículos continuam escorregando na ética e publicando denúncias sem a devida checagem. E as redes sociais só fizeram piorar esse comportamento.

Para quem não se lembra, em março de 1994, sócios e funcionários da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação (São Paulo), foram acusados por mães de alunos de abusar sexualmente de crianças de um a seis anos de idade. Um laudo não-conclusivo do IML informava que as fissuras eram “compatíveis com ato libidinoso”. Isso foi suficiente para o delegado Edélcio Lemos, responsável pelo caso, convocar a imprensa e botar a boca no trombone, condenando os envolvidos sem qualquer julgamento. Iniciado no Jornal Nacional, o denuncismo se espalhou por toda a imprensa da época, exceto a TV Cultura e o finado Diário Popular, que não embarcaram por acharem que não havia provas.

Capa do extinto Notícias Populares, colocando ainda mais lenha na fogueira, de maneira totalmente irresponsável - Foto: reprodução

Capa do extinto Notícias Populares, colocando ainda mais lenha na fogueira, de maneira totalmente irresponsável

Graças ao noticiário, a escola e as casas dos acusados foram depredadas e saqueadas pela população. Eles faliram e tiveram que se mudar, pois chegaram a ser ameaçados de morte em telefonemas anônimos. Porém, quando a investigação foi concluída, “surpresa” geral: nunca houve qualquer tipo de molestamento sexual às crianças. As tais fissuras encontradas eram causadas apenas por diarreia. Mas o estrago já estava feito e os acusados para sempre foram condenados pela imprensa, por mais que tenham sido inocentados pela Justiça. Pediram indenizações do Estado e de veículos de mídia; algumas delas foram pagas depois de longos recursos, outras ainda não. Shimada morreu pobre, vítima de um infarto no último dia 16 de abril, assim como sua mulher, que morreu de câncer em 2007.

O comportamento profissional irresponsável e vergonhoso desse caso deveria ser suficiente para que casos assim não voltassem a acontecer. Não me refiro apenas a algo com essa magnitude, que não acontece tanto (mas desgraçadamente ainda acontece), mas também a falhas supostamente menores (mas não menos antiéticas) que estão no noticiário todos os dias.

A busca pelo “furo”, uma notícia exclusiva capaz de aumentar a audiência de um veículo, é como uma corrida por uma medalha de ouro. É legítima e bem-vinda. Mas não pode ser justificativa para atropelos. Mas é justamente isso que acontece: tudo parece ter virado uma “fonte confiável”. E, quando a blogosfera explodiu, lá pelo ano 2000, veículos começaram a usar até blogs obscuros como fonte. À medida que as redes sociais ficaram mais importantes, elas começaram a ocupar esse espaço.

Um caso recente que ilustra bem isso foi o do tal jornalista dinamarquês que teria vindo ao Brasil para cobrir a Copa do Mundo, mas “desistiu de seu sonho” e voltou para seu país depois de se deparar com as nossas mazelas sociais. Esse assunto resultou em longos debates no Facebook (até aí, tudo bem) e chegou a pautar vários veículos, que compraram a historinha como verdade (aí tudo mal!) e publicaram vários artigos (inclusive algumas toscas bravatas nacionalistas). Mas a história não era séria (pelo menos, não totalmente): um resumo da confusão pode ser visto neste post (que, por sinal, teve que ser atualizado após a publicação).

Pressões por dar logo uma notícia, especialmente quando ela é bombástica, sempre existiram, e muitas vezes vêm de fora da Redação. Quando seus concorrentes já estão falando no assunto, fica ainda pior, principalmente em veículos em tempo real, como a mídia online, a TV e o rádio. Mas essa pressão não pode servir de muleta para deslizes. Isso foi muito bem explorado no trecho abaixo, da série da HBO “The Newsroom”:

 

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Como dizia Gabriel García Márquez, “a pressa é ingrediente desse ofício”, assim como a pressão. Quem não consegue realizá-lo eticamente nessas condições não está apto para o jornalismo. Se a imprensa continuar realizando seu trabalho dessa forma, acabará vítima de si mesma.

A nova pressa do jornalismo

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Duas versão da primeira página do fictício The Sun - Imagens: reprodução

De “GOTCHA!” a “They Didn’t Do It”: a mesma notícia, a mesma foto, o mesmo veículo, porém com mais ética e menos pressa

Vivemos um momento de riqueza e pobreza simultâneas no jornalismo. Riqueza no volume de notícias, e pobreza na qualidade da maioria do material publicado. Esse paradoxo pode ser, pelo menos em parte, explicado pela pressa com que os colegas trabalham hoje.

Nas faculdades de jornalismo, a pressa é apresentada como um ingrediente do ofício. A notícia não pode esperar e o furo é quase uma medalha para o jornalista.  As empresas de comunicação adoram isso, pois o furo vende mais. E, desde que o jornalismo aprendeu a usar os recursos digitais cada vez mais abundantes, onipresentes e poderosos, essa pressa se aproxima da instantaneidade. Pois é justamente nesse cenário que o profissional precisa aprender a ter menos pressa.

Quando o furo se torna uma meta histérica, corre-se um enorme risco de se sacrificar a apuração, a confiabilidade da reportagem. Esquece-se que a melhor notícia não é a dada primeiro, mas a publicada com mais precisão. Em muitas vezes, a verdade depende do ponto de vista de cada um, e não raro é surpreendente. Por isso, o jornalista deve ouvir todos os lados possíveis do que está apurando, para ter subsídios para uma análise crítica e ampla dos fatos. Mas como fazer isso estando com pressa de soltar a notícia?

O fechamento da edição é um mecanismo interessante que limita o trabalho do jornalista com um deadline previamente conhecido. Deve-se fazer o melhor trabalho possível até aquele horário. De certa forma, organiza os recursos disponíveis para se conseguir uma boa reportagem.

Mas o jornalismo digital aboliu o fechamento. Apura-se e publica-se. Se for necessário, depois se edita o que já foi publicado, se amplia e –o pior– se corrige, atropelando a ética. Esquece-se que a notícia publicada incorretamente pode ter efeitos desastrosos para quem é a notícia, e que correções posteriores normalmente não reparam o dano causado. Portanto, é uma falácia que o jornalismo digital não tem “erramos”, que a última versão da reportagem é a que vale, que se deve publicar primeiro e corrigir depois. Isso é antijornalismo e a pressa nunca justificou sua prática, por mais que a usem de muleta.

E sejamos francos: esse tipo de desvio moral não é invenção do jornalismo digital, apesar de ele oferecer “ferramentas” e “motivos” para que ele se intensifique. Isso chegou até a ser brilhantemente retratado no filme O Jornal, de Ron Howard, com Micheal Keaton e Glenn Close (trailer abaixo).

 

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Lançado em 1994 (portanto antes do surgimento do jornalismo digital), o filme mostra uma maneira de se fazer jornalismo que esta desaparecendo. O roteiro demonstra como é possível ser ético mesmo em um jornal sensacionalista de Nova York, que falas como “deus nos livre de uma manchete sem ponto de exclamação” podem coexistir com “jamais publicamos uma história errada”. Pois a primeira descreve a forma, e a segunda descreve a essência do bom jornalismo.

Assisti a esse filme no cinema, quando ainda estava nos primeiros anos da minha carreira. Nunca mais esqueci o que aprendi com ele. Ele deveria ser obrigatório no conteúdo dos cursos de Jornalismo. Pois a pressa é mesmo ingrediente do nosso ofício, mas não é para ela que trabalhamos.

Em terra de cego, quem é tolo é rei

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Precisamos de mais tolos. De idealistas. De jornalistas. Arrisco a dizer que uma pessoa desprovida de idealismo jamais será um jornalista. E a sociedade depende dessas pessoas.

Nesta semana, a série da HBO The Newsroom (sem título em português) chegou ao final de sua primeira temporada com o episódio “The Greater Fool”. Não pretendendo fazer uma sinopse do capítulo, o tolo em questão seria o protagonista Will McAvoy, âncora do telejornal News Night, que, na ficção, foi capa da New York Magazine com essa alcunha.

“Greater fool” é o nome de uma teoria econômica que diz que alguém pode lucrar com algo por que pagou caro, desde que ache um tolo maior (daí o nome) para vender por ainda mais dinheiro. Ou seja, não haveria problema em pagar mais que o devido por algo, desde que se lucrasse em cima de um otário depois. Por conta disso, McAvoy, que lutou uma guerra pessoal ao longo da temporada para fazer jornalismo de qualidade, fica deprimido com a reportagem, pois entende que sua cruzada não foi convincente.

Mas há outra interpretação dessa teoria: o maior tolo seria alguém que equilibre idealismo e confiança para ter sucesso onde outros falharam. Ele percebe então que, de fato é o “greater fool”, mas não como pensava.

Felizmente. Em sua quixotesca jornada, ele não foi perfeito. Mas persistiu com o que acreditava, por mais que aparecessem obstáculos, muitos deles plantados pela própria empresa para a qual trabalha. Ganhou o jornalismo, seu público e seu país. Afinal, como lhe diz sua repórter de economia, “esse país foi criado por ‘maiores tolos’.”

É para se pensar. Há exatos dois meses, também falei da série, na sua estreia, propondo um debate sobre como se pode fazer jornalismo sério e de qualidade mesmo em um momento em que tudo parece jogar contra. Mas não dá para fazer isso ser sem idealista, sem ser tolo, sem insistir em algo em que ninguém mais aposta.

Imagino que esse sentimento impulsione pelo menos parte dos jovens que ainda buscam a faculdade de Jornalismo, mesmo com a queda da exigência do diploma para exercer a profissão. É a tal “síndrome de Clark Kent”. Pena que boa parte deles perde essa chama primordial ainda antes de se formar. Deveriam fazer um favor a si mesmos e à sociedade e procurar outra carreira.

Não quero menos jornalistas: quero mais! Essa é uma profissão apaixonante e que nos consome com nosso consentimento.

Não sou o único a pensar assim: Gabriel García Márquez fez um famoso discurso na 52ª assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, em 1996, onde descreve aquele que chama de “melhor ofício do mundo” com sua maestria peculiar. Assim conclui:

“O jornalismo é uma paixão insaciável que só pode se digerir e se humanizar pelo seu confronto gritante com a realidade. Ninguém que não o tenha experimentado pode imaginar essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida. Ninguém que o não tenha vivido pode sequer conceber o que é a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo da primeira página, a demolição moral do fracasso. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não dá um momento de paz até que comece novamente com mais ardor que nunca no minuto seguinte”.

García Márquez estava certo. E McAvoy também.

Jornalismo de verdade na ficção

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Nesta semana, a série The Newsroom (sem título em português) estreou na HBO. Fiquei bem impressionado com o que vi: uma pequena aula de jornalismo sério em meio à dramaturgia de um seriado que pretende mostrar as histórias e as pessoas por trás de um telejornal. Se você perdeu o primeiro episódio, pode assisti-lo na íntegra online.

Não pretendo fazer aqui uma sinopse, mas devo dizer que, assim como a série In Treatment tinha um óbvio apelo a um público formado por psicólogos, The Newsroom deve agradar em cheio a jornalistas e a qualquer pessoa que se interesse pela indústria da notícia. E isso porque ela desmitifica a imagem criada em torno dos jornais e das pessoas. Mostra que a coisa vai muito além daquela piadinha dos coleguinhas que sugere que o William Bonner fica de cueca por trás da bancada do Jornal Nacional.

A primeira cena da série, reproduzida acima, já é um tapa na cara dado pelo ranzinza âncora Will McAvoy, protagonista da série. Mas o episódio fica bom mesmo a partir do meio, quando Jim, um produtor recém-chegado, recebe uma notícia bombástica de duas fontes. E, apesar da resistência explícita de Don, o produtor executivo que estava deixando o programa, ele vende a pauta para McAvoy, totalmente calcado em fatos. E o âncora compra a ideia e a matéria vai ao ar.

Don representa o que se vê por aí nas redações –de todas as mídias– ultimamente: um profissional acomodado em realizar o seu trabalho com o uso da tecnologia e outros facilitadores, e acovardado de apostar em uma pauta grandiosa. Seu faro jornalístico é limitado por uma forma de atuação aplaudida pelas empresas de mídia preocupadas em cortar custos, em que repórteres ficam presos nas redações, fazendo entrevistas por telefone ou –pior ainda– por e-mail. Mais que isso: amedrontados que um eventual erro lhes custe o pescoço e, dessa forma, preferem a segurança da mesmice e do óbvio. Não é de se admirar que os furos jornalísticos estejam cada vez mais raros e sem graça.

Jornalismo não é isso! Jornalismo é a combinação de inteligência, perspicácia, trabalho duro, relacionamento e –sempre– coragem. Jim Harper e Will McAvoy demonstraram isso no episódio. Isso deveria ser ensinado nas faculdades de jornalismo.

Na verdade, o episódio me lembrou uma aula específica de Ética há uns dez anos, ministrada por Jorge Tarquini (@JorgeTarquini), um dos melhores professores que eu tive (considerando as faculdades de Engenharia e de Jornalismo). Em determinado momento da aula, um colega se posicionou dizendo que “jornalista que quer manter o emprego” escreve apenas e sempre e do jeito que a chefia manda, que a liberdade de imprensa só funciona para o dono do jornal. Essa frase, digna de Assis Chateaubriand, não me passou pela garganta. Afinal, eu já estava no mercado há dez anos, e já tinha passado pela Folha, que os colegas adoram criticar por supostamente ter um jornalismo “pasteurizado”. E nunca fiz isso.

Seguiu-se um acalorado debate na aula. Não sei se consegui convencer o colega que o que ele tinha dito era uma tremenda bobagem: essa visão derrotista infelizmente se espalha como um vírus já entre os alunos de jornalismo. Quase sempre, o vírus mata o jornalista que cada um poderia se tornar. Felizmente, a ética, a moral e a coragem de alguns liquidam o vírus.

As faculdades de jornalismo, que sofrem com o fim da obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão, deveriam criar cadeiras de “coragem jornalística”. É possível –sim– fazer excelente jornalismo mesmo em ambientes hostis e competitivos. Precisamos de mais Jim Harpers.

Dá para ser cliente quando o mundo o quer como produto?

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No Estadão de ontem, Eugênio Bucci se baseou em uma charge que tem circulado pelo Facebook para fazer uma interessante análise sobre como a atividade jornalística deveria ser financiada. Ele defende algo que já foi tratado aqui no dia 7 de novembro: para uma imprensa realmente livre, o financiamento deve vir de seu público.

Mas não é apenas com dinheiro que esse financiamento pode ser feito, como o próprio jornalista explica. E justamente aí entra a charge, reproduzida acima e publicada originalmente no site Geek and Poke (sem a pertinente crítica ao Facebook). Resumidamente, se você não está pagando em cash pela notícia, está aceitando que o veículo venda uma parcela da sua atenção aos anunciantes. E aí você deixaria de ser o cliente e passaria a ser o produto.

Isso não é nada novo: toda a TV aberta (e não apenas seus produtos jornalísticos), com seus custos de produção altíssimos, sempre foi mantida pela publicidade. Nesse caso, o público sempre foi o produto, consciente disso. A novidade é que esse modelo está extrapolando suas formas tradicionais.

Dá para ser cliente quando o mundo o quer como produto? Temos, por exemplo, o Positivo, fabricante de computadores que se firmou no mercado com uma imagem de equipamentos com preços baixos. Como forma de ampliar os seus ganhos, a empresa agora quer colocar anúncios na área de trabalho do Windows de seus consumidores e até nas caixas de seus computadores.

A gigantesca Microsoft também embarcou nessa onda, inspirada no seu rival Google, que espalha seus microanúncios pelos seus produtos. O Office Starter, versão light do seu pacote de escritórios com apenas o Word e com o Excel, vem pré-instalado em computadores e pode ser usado gratuitamente, desde que o usuário não se importe com os anúncios que exibe.

Aplicativos para smartphones, mesmo os que custam um mísero US$ 1, também costumam oferecer uma versão completamente gratuita, subsidiada pela exibição de anúncios. Pagando pelo produto, os anúncios desaparecem.

O fato: em maior ou menor grau, as pessoas parecem não se importar muito com essa invasão publicitária, principalmente em produtos que foram concebidos com a presença dos anúncios. Dessa forma, se incomodam mais com os anúncios ocupando espaço na sua tela do Word que com anúncios em produtos jornalísticos.

Será esse o caminho que o jornalismo deve seguir para se sustentar?

Separação Igreja-Estado

É uma possibilidade a ser considerada, com serenidade. Outros modelos já discutidos aqui, como o “soft paywall” do The New York Times, também podem render frutos. Mas as empresas de comunicação precisam aceitar o fato de que o público resiste em desembolsar seus cobres pelo noticiário.

Caso decidam ampliar o caminho da publicidade, os publishers precisam reforçar o conceito da “separação Igreja-Estado”. Ou seja, decisões comerciais não podem influenciar o noticiário, e vice-versa. Dessa forma, a Redação deve ter liberdade para criticar uma empresa, mesmo que ela seja seu maior anunciante.

Bucci explica o motivo em seu artigo: mesmo em um ambiente financiado por publicidade, o público deve ser considerado como o verdadeiro cliente, pois é apenas por causa dele que os anunciantes colocam dinheiro nos veículos. Dessa forma, tem o direito de receber um produto jornalístico isento e focado em seus interesses.

As empresas estão dispostas a fazer isso? No mundo ideal, sim; na prática, poucas são capazes de levar esse conceito até o fim.

Os publishers devem avaliar esses dois conceitos –maneiras criativas de financiamento por publicidade e a garantia da independência editorial– com muita atenção. O mundo quer o público como produto e as próprias pessoas parecem topar essa situação. Mas os jornalistas nunca devem deixar de encará-las como os seus verdadeiros clientes. Qualquer que seja o modelo de financiamento, a essência do jornalismo passa por garantir um noticiário isento.

A Internet está matando os críticos?

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Na sexta passada, conversava com uma grande consultora empresarial sobre o mercado e, em determinado momento, caímos na questão de como a Internet alterou todas as profissões. Talvez a mais afetada tenha sido o jornalismo, pois não apenas os seus produtos e seus modelos de negócios foram completamente modificados, como também a maneira de como ele é desempenhado é dramaticamente diferente do realizado antes da Web. Posso afirmar isso categoricamente, pois entrei na Folha de S.Paulo alguns anos antes disso, quando o máximo da globalização era o telex e a TV ligada na CNN. Estou satisfeito com tudo isso, pois sou absolutamente seguro de que foram mudanças para algo muito melhor, tanto para jornalistas quanto para os consumidores de seus produtos.

Nesse cenário, li hoje uma reportagem no Comunique-se sobre o II Congresso de Jornalismo Cultural, que está acontecendo em São Paulo. O texto tratava de um debate que aconteceu em torno de uma celeuma que sugere que a Internet ameaçaria o trabalho dos críticos (mais especificamente os culturais), pois abre espaço para que toda a sociedade se manifeste criticamente, diluindo o –digamos– “valor” desses especialistas.

Essa ideia já foi debatida aqui nesse blog, há pouco mais de um ano, por motivo do lançamento do livro “O Culto do Amador”, do cientista político britânico Andrew Keen. Para ele, a possibilidade de qualquer indivíduo ser capaz de publicar conteúdo na Internet pode destruir coisas boas que nossas sociedades construíram ao longo da História, pelo simples fato de colocar um “palpiteiro” em pé de igualdade com um “especialista”.

Bem, quais os ingredientes de um crítico? Não se trata de –mais uma vez– o acalorado e interminável debate sobre o diploma de Jornalismo, pois boa parte dos críticos profissionais não o tem. Trata-se de uma pessoa com sólida formação cultural e sobre tema específico, observação e inteligência aguçadas e amplo domínio das palavras.

Pelo menos, essa é a essência do que é necessário para exercer essa função. Mas os críticos profissionais, entrincheirados nos grandes veículos de imprensa, possuem outras características: não raramente, emitem a sua opinião como uma verdade incontestável da natureza, por meio de textos cortantes, amplificados pela penetração e credibilidade desses mesmos veículos. E isso não é ser crítico: é ser um boçal arrogante.

O filme Ratatouille termina com uma autocrítica de Anton Ego (nome sugestivo), na história, o maior crítico gastronômico da França. Esse final, uma obra-prima, traz Ego tomado por inédita humildade, depois de ser submetido a um contundente choque de realidade. O texto que escreve, que serve de fundo para as últimas cenas do filme (não deixem de ver no vídeo acima), ilustra brilhantemente esse meu pensamento.

Quero dizer que, ao longo da minha carreira, já passei pela Folha, pelo UOL, pela AOL, pela Info, pela Exame. Todos esses veículos me permitiram fazer coisas incríveis e certamente não apenas amplificaram a minha voz, como também legitimaram o que eu tinha a dizer. Hoje o meu único veículo é O Macaco Elétrico, onde escrevo apenas pelo prazer de exercer a minha habilidade crítica, humildemente esperando que isso seja útil aos internautas e aceitando, em contrapartida, suas críticas.

Por tudo isso, rejeito essa discussão que acontece no congresso hoje. É exatamente o contrário: a Internet está dando um espaço que os críticos jamais tiveram. Não aquelas poucas figurinhas carimbadas e arrogantes da grande imprensa, mas críticos anônimos, capazes de tecer comentários incríveis, com precisão, beleza e responsabilidade.

O crítico está morto! Viva o crítico!

Somos todos jornalistas?

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Dilbert e o negócio de notícias na Internet - Imagem: reprodução

No Dia do Jornalista, vale discutir o papel do jornalista na sociedade

Hoje, 7 de abril, é Dia do Jornalista. Resgatei a tirinha acima porque ela me parece muito representativa do momento em que “nossa categoria” está passando. Entendo que os jornalistas –e o jornalismo, pois deles é feito– vêm passando por um “ponto de inflexão estratégico”, como diria Andrew Grove, um dos fundadores da Intel, atualmente seu conselheiro-sênior. Estamos em um momento em que somos forçados a abandonar velhos conceitos e modelos: se formos bem sucedidos, passaremos a um novo e promissor patamar de qualidade e produtividade; se fracassarmos, o futuro será sombrio.

Encaro três principais “forças” que empurram os jornalistas a essa situação. Primeiramente, a Internet esmagando os modelos de negócios das empresas de comunicação, exemplificado na tirinha. Há também os governos populistas que, nunca antes na história desse continente, se organizaram de maneira tão sistemática para se opor à imprensa. E, por fim, a discussão nacional em torno da malfadada obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de jornalista.

Afinal, somos todos jornalistas? Qualquer um pode ser jornalista? Do meu ponto de vista, a reposta é: claro que não! Mas, com igual certeza, não é o diploma que separa os “bons” dos “maus”. Foram colegas diplomados que perpetraram as barbaridades na cobertura do caso da menina Isabella Nardoni, do assassinato ao julgamento.

Tive a oportunidade de levantar a questão do diploma em conversa com Alberto Dines, José Maria Mayrink e Pedro Ortiz, no último dia 25. Eles defendem a formação de jornalistas nas faculdades. Concordo com eles: a boa formação é essencial para se ter um bom profissional de qualquer área. Mas isso é muito diferente de defender o diploma, justamente porque as faculdades infelizmente não vêm cumprindo o papel de formar jornalistas de qualidade. Por conta disso, vemos coisas grotescas como a cobertura do caso Nardoni e tantos outros, produzidas por coleguinhas despreparados, dirigidos por editores sem escrúpulos ou ética.

Se esse antijornalismo já não fosse muito ruim por si só, colocando em cheque o bem mais precioso do ofício –a credibilidade–, com isso, os jornalistas deixam a bola quicando na área para a segunda “força contrária”: a campanha de desmoralização da mídia pelo governo, que se fortalece com essas mancadas. Esse movimento tem no fanfarrão bolivariano, Hugo Chávez, seu principal expoente. Na republiqueta em que ele está transformando a Venezuela, nasceu o conceito do “terrorismo midiático”, que prega que a imprensa é nociva ao povo por lhe fazer oposição (leia-se: oposição ao governo estabelecido). O conceito do “terrorismo midiático” é bem estruturado, para que se possa apoiar racionalmente as suas besteiras. Tanto é assim que, em maior ou menor grau, vem sendo amplamente adotado por patéticos governantes dos vizinhos da Venezuela, e isso inclui o presidente Lula, que não mede esforços para sistematicamente jogar a opinião pública contra a imprensa.

E tem ainda a Internet, que está longe de ser uma “inimiga” do jornalismo ou dos jornalistas, mas que oferece as ferramentas para a maior mudança nas formas de trabalho e dos produtos jornalísticos desde o surgimento da transmissão via satélite ou talvez até mesmo do telex. Minha carreira começou poucos anos antes da liberação da Internet comercial, então posso afirmar categoricamente que ela é uma benção ao nosso trabalho: permite produzir mais e melhor, com menos esforço e mais rapidamente. Por outro lado, do pronto de vista das empresas de comunicação, seus modelos de negócios foram para o ralo com a explosão da Web. Às que quiserem sobreviver, não lhes basta simplesmente transpor para a nova mídia aquilo que já conhecem, pois isso não funciona mais. Já era! É preciso criar algo realmente novo. Mas não vou entrar nesse mérito aqui, pois isso é amplamente discutido neste blog (como aqui, aqui e aqui).

Por tudo isso, a melhor maneira de se comemorar este Dia do Jornalista é fazendo bom jornalismo. Isso não é para qualquer um: é para jornalistas (com ou sem diploma). E isso, ao contrário do que andam dizendo por aí, é absolutamente crucial para o fortalecimento da sociedade. Nas minhas andanças pela América Latina, vi claramente que, quanto mais enfraquecida a sociedade local, pior a sua imprensa (ou será que a relação é inversa?).

Como escreveu Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura e jornalista (não formado), “ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra acaba depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não volte a começar com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”

Feliz Dia do Jornalista aos coleguinhas e a toda a sociedade.

Veja exemplo de antijornalismo

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Capas de Veja, O Globo e Folha sobre o resultado do julgamento dos Nardoni, e de Veja, condenando-os dois anos antes - Imagem: reproduções

Capas de Veja, O Globo e Folha sobre o resultado do julgamento dos Nardoni, e de Veja, condenando-os dois anos antes

“Agora, Isabella pode descansar em paz”. Alguém pode me dizer exatamente o que quer dizer a capa da Veja desta semana, reproduzida ao lado? É mais um exemplo do grotesco antijornalismo praticado por esse semanário que insiste em desonrar continuamente a sua própria história.

Mas, agora que o casal Nardoni finalmente foi condenado pela Justiça, passando de acusados a culpados perante os olhos da lei, como Veja poderia agir diferentemente, se ela própria já os havia condenado na capa de 23 de abril de 2008, também reproduzida ao lado. Porém agora ela não está sozinha: O Globo destinou obscenos 47% de sua capa do dia seguinte ao assunto, com uma manchete espalhafatosa e uma foto dos populares comemorando o resultado como a conquista da Copa do Mundo.  Chamadas semelhantes abriram publicações por todo o país. Apenas como comparação, a Folha, apesar de chamada de seis colunas no alto da capa, conseguiu ser um pouco mais “equilibrada”.

Não estou defendendo os Nardoni. Eles foram julgados e condenados pela Justiça e, para mim, isso é tudo o que preciso saber, mesmo diante da trágica morte da menina. Meu objetivo aqui não é discutir o processo, e sim como a mídia, como um todo, transformou o caso em um verdadeiro circo de horrores, iniciado com as primeiras conclusões da investigação policial (que não condena ninguém) e teve seu ápice ao longo dessa semana, com os acontecimentos ocorridos no fórum de Santana.

Veja e toda a turma de coleguinhas agiu de maneira irresponsável ao espetacularizar o caso (que, diga-se de passagem, acontece aos montes nas periferias das grandes cidades, sem que “ninguém” fique sabendo), antecipando-se ao resultado da Justiça. Provocando a massa cinzenta: alguém já pensou o que seria a vida desses dois no caso de uma improvável absolvição? Mais que isso, apesar de todo o trabalho da promotoria e da defesa, os jurados, que são “gente como a gente”, já chegaram ao tribunal com uma enorme carga de “informação” sobre os acusados, pois foram bombardeados com isso pela mesma mídia. Não seria exagero, portanto, dizer que a imprensa teve papel determinante na condenação do casal.

“Vim do Estado do Piauí para ver a justiça ser feita no Estado de São Paulo!” “Vim da minha cidade do interior, porque lá não tem essas coisa (sic) de morte, de assassinato!” “Ora, ora, ora! O júri é aqui fora!” “Pega lá, pega lá, pega lá! Pega lá para nóis linchá (sic)!” “Vamos arrancar o pescoço desse desgraçado!” Frases ditas pelos populares à porte do fórum de Santana… Os mesmos que avançaram sobre os camburões que conduziram os já condenados a presídios em Tremenbé e –pasmem!– sobre o carro de familiares dos condenados.

Quem são essas pessoas e por que elas estão se prestando a isso? Por que Veja e os demais veículos não respondem isso e explicam também o seu papel na redução da nossa sociedade à barbárie? Em nome da liberdade de imprensa e do direito à informação, valores que –sim– devem ser preservados, transformam cidadãos em animais para vender mais exemplares.

Capa do Notícias Populares em que chama a Escola Base (inocentada pela Justiça) de "escolinha do sexo" - Imagem: reprodução

Capa do Notícias Populares em que chama a Escola Base (inocentada pela Justiça) de "escolinha do sexo"

Seria menos pior se algo assim nunca tivesse acontecido antes. Mas infelizmente não é a primeira, nem a segunda (nem a décima) vez que isso acontece. Pelo jeito, os coleguinhas não aprendem com os seus erros, nem mesmo os mais bizarros, como o do caso da Escola Base, que aconteceu a exatos 16 anos. Assim como agora, todos os veículos (exceto o extinto Diário Popular, justiça seja feita) noticiaram, julgaram e condenaram seis pessoas por suposto abuso sexual de crianças que estudavam na escolinha de classe média do bairro da Aclimação (São Paulo), que chegou a ser chamada, em manchete do finado Notícias Populares, de “escolinha do sexo” (reproduzida acima). Assim como agora, a fonte da imprensa foi a polícia. Mas, diferentemente de agora, os acusados foram inocentados: as fissuras anais infantis não foram causadas por abuso sexual, e sim por diarréia. Exatamente o que meus coleguinhas repetiram de novo nesse caso: uma grande cagada!

A faculdade de jornalismo serve para algo?

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Já discuti aqui antes se o diploma de Jornalismo serve para algo, principalmente depois que ele deixou de ser obrigatório para o exercício da profissão. Mas tenho lido com apreensão, nos últimos dias, uma sequência de notícias sobre o fechamento de cursos de Jornalismo pelo país: o Senac e Facamp (Faculdade de Campinas) sumariamente os suprimiram, enquanto a UMC (Universidade Mogi das Cruzes) e Uniube (Universidade de Uberaba) suspenderam as turmas desse semestre.

A justificativa de todos é a mesma: depois que caiu a obrigatoriedade do diploma, aconteceu um êxodo de alunos desses cursos, chegando a superar os 50%, o que os inviabilizaria. No caso do Senac, restaram apenas 10 gatos pingados.

É uma lástima tanto a desistência desses alunos quanto o fechamento dos cursos. Mas pior que tudo isso é essa turma ter abandonado a graduação porque o diploma não serve mais de passaporte para as Redações. Em minha opinião, isso apenas corrobora minha tese de que boa parte dos estudantes não está nem aí para os conhecimentos que poderia adquirir no curso, estando apenas interessada em botar a mão no famigerado canudo. Isso explicaria também a gritaria toda em torno do fim da obrigatoriedade do diploma: afinal, se, para essa turma, a única coisa que presta no curso é receber o certificado após passar quatro anos pagando as mensalidades, permitir depois que qualquer cidadão possa lhe roubar (por mérito) o lugar no mercado de trabalho é mesmo de lascar!

Por outro lado, se os cursos fossem realmente bons, se estivessem acrescentando algo aos futuros jornalistas para que pudessem ser classificados verdadeiramente como “cursos superiores”, os alunos talvez “resistissem”, mesmo diante da desobrigatoriedade do diploma. Mas infelizmente esse não é o caso. Os cursos de Jornalismo no Brasil são rasos, perdendo tempo precioso para ensinar (mal) técnicas (muitas vezes desatualizadas) em detrimento de disciplinas que poderiam realmente fazer diferença na formação do profissional, como história, geopolítica, ética.

É uma pena. Todos esses acontecimentos deveriam servir de motivação para melhorar os cursos, não para fechá-los. Sabemos que a educação há muito virou um negócio, especialmente para essas faculdades desqualificadas que vêm pipocando por todo o Brasil, mas seria demais pedir algum investimento em melhorias, antes de simplesmente jogar a toalha?

Até onde vai o vale-tudo na China?

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David Drummond, principal executivo jurídico do Google - Foto: divulgação

Drummond botou a boca no trombone, mas o que realmente há por trás da reação do Google?

Pergunte a qualquer grande empresário se ele gostaria de ter uma operação na China e a resposta provavelmente será sim. Entrar no gigante vermelho é quase como uma medalha de mérito, pois representa acesso a um mercado gigantesco e ainda com muito espaço, com custos de produção muito baixos que levam também a exportações para todo mundo de maneira muito competitiva.

Mas, há seis dias, David Drummond, principal executivo jurídico do Google publicou o post “uma nova abordagem para a China” no blog oficial da empresa, informando que a empresa e dezenas de outras foram alvos de ataques de hackers chineses. Até aí, nada demais. Mas o vice-presidente afirmou categoricamente que os ataques tinham, como alvo, contas de e-mail de ativistas de direitos humanos daquele país. Ainda que não tenha dito explicitamente, ficou no ar a ideia de que o governo chinês poderia estar por trás daquelas ações.

O Google afirma que, diante disso, mudará a postura de sua operação local, não mais aceitando a interferência e as regras do governo de Pequim, que obriga a empresa, por exemplo, a censurar os resultados de seu buscador, eliminando links para páginas que o governo considera contrárias a seus interesses. Quando foi anunciada, essa censura causou grande desconforto entre os usuários, inclusive maculando o mote informal do Google, “don’t be evil” (“não seja mau”).

Algumas empresas declararam apoio ao Google –como o Yahoo!– e outras nem tanto –como a Microsoft. E, apesar de a secretária de Estado do EUA, Hillary Clinton, ter dito que as acusações do Google “motivam preocupações e questionamentos muito sérios”, é pouco provável que o incidente provoque alguma crise política entre Washington e Pequim.

Vamos aos fatos! Qualquer empresa que quiser operar no mercado chinês tem que aceitar as regras e a interferência do governo local, e isso não vai mudar. Yao Jian, porta-voz do ministério do Comércio chinês já reiterou isso, após negar que o governo tenha relação com os ataques. Todas as empresas, de qualquer indústria, aceitam essa regra e os computadores vendidos no país vêm com um software-espião, batizado de Green Dam (“barragem verde”).

MAS… será que a China é a única “malvada”? Com toda essa gritaria, alguém se lembrou que as mesmas empresas também colaboram com o governo americano, especialmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001? O próprio CEO do Google, Eric Schmidt, sugeriu publicamente, no fim do ano passado, que ninguém deve colocar na Internet algum tipo de informação da qual possa se arrepender, pois a privacidade total não existe. No final das contas, há mesmo uma diferença nas investidas dos governos dos EUA e da China contra a privacidade? E tem ainda o nosso senador Eduardo Azeredo e seu famigerado projeto de lei, que quer “regular” a Internet brasileira.

Como se pode ver, tá todo mundo com o rabo preso.

Afinal, de onde vem a imprensa livre?

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Hoje comecei o dia lendo um artigo de Emir Sader, no Comunique-se, que propõe discutir se é possível existir imprensa livre feita por empresas privadas. O sociólogo argumenta que, como qualquer empresa, as de comunicação são movidas pela busca do lucro e que, portanto, estariam vinculadas aos interesses das elites econômicas e de seus anunciantes, o que inviabilizaria a liberdade de imprensa em suas fileiras.

É um bom ponto, e bem exposto. Mas terminei de ler o artigo com uma pergunta que o autor não discutiu convincentemente: afinal, então de onde viria a assim chamada imprensa livre? O máximo que Sader disse foi, no penúltimo parágrafo, que ela “tem que ser pública, de propriedade social e não privada”.

Respeitosamente discordo. Iniciei a minha carreira há 16 anos na Folha de S.Paulo, que hoje passa, junto com outros nomões da imprensa, por uma vergonhosa crise de credibilidade (o que estaria de acordo com o proposto por Sader). Mas foi interessante trabalhar lá no momento em que ainda existia alguma inocência do “foca”, para poder ver, por baixo de toda a sujeirada, como é possível fazer jornalismo sério e –sim– livre em uma empresa privada, se assim você se propuser.

Ao contrário do que sugeriu Sader, o último lugar onde a imprensa será livre é nas mãos do poder público. Pode até ser de qualidade: a TV Cultura de São Paulo é um bom exemplo que se mantém há décadas, apesar de ter agonizado por falta de verbas há alguns anos. Mais recentemente, vemos a TV Brasil, outra boa iniciativa. Mas obviamente elas não são livres.

Uma alternativa interessante é a da britânica BBC: apesar de possuir 12 superdiretores indicados pelo governo, eles não têm função executiva, atuando como uma espécie de board. A empresa é comandada de fato por outros diretores, executivos, e é financiada por uma espécie de imposto pago por todos os domicílios do Reino Unido que possuem televisão, o que lhe garantiu polpudos 3 bilhões de libras em 2005, fora qualquer outra renda que tenha obtido.

Mas o ponto é: não há interferência governamental na programação da BBC, condição crítica para sua qualidade e independência, que se tornaram referência internacional. Quando essa ingerência acontece, a imprensa vira joguete político e peça de campanha, confundindo-se com publicidade oficial, como a que foi parodiada no vídeo acima, do governo da Bahia.

Uma imprensa apenas do governo ou submissa a ele consegue ser pior que uma imprensa em que isso seja equilibrado por uma versão privada, mesmo que, no meio dela, apareçam veículos vergonhosos, como a Veja. Pois, em repúblicas de bananas como as nossas, um governo sem limites se deteriora em ditaduras chavistas, destruindo o país aos poucos. Já andei por vários países da América Latina, e a relação entre uma imprensa frágil, governo forte (e populista) e país depauperado é gritante.

Existe ainda uma terceira via, que sequer foi cogitada por Sader, e que pode ser a resposta à pergunta que dá o título a esse post: o jornalismo-cidadão, que floresce cada vez mais na Internet. Só não o coloco ainda como A resposta, pois, como seria de se esperar, misturam-se na Grande Rede jornalismo de primeiríssima qualidade com iniciativas antijornalísticas. Afinal, qualquer um pode escrever nela o que bem entender, sem se preocupar com a seriedade da apuração ou da produção do material. E também aí existem interesses, como no caso das empresas e do governo. Mas nessa (imensa) pluralidade pode-se encontrar a verdade. E ferramentas como o Google News ou Wikinews podem servir para colocar ordem na “bagunça”. Sader passou longe disso.

Os perigos do marketing dentro da sala de aula

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Professores têm influência grande demais sobre as crianças para que sejam usados na promoção de produtos, ainda mais dentro da sala de aula

Professores têm influência grande demais sobre as crianças para que sejam usados na promoção de produtos, ainda mais dentro da sala de aula

A Folha de S.Paulo de hoje abre o caderno Cotidiano com uma reportagem sobre a transformação de professores em garotos-propaganda. A prática vem acontecendo nas escolas das redes COC e Dom Bosco, ambas do SEB (Sistema Educacional Brasileiro), que juntos têm mais de 4.800 professores. Os mestres vestem camisetas com logotipos de patrocinadores, promovendo seus produtos na porta de vestibulares e –bem pior– distribuem brindes e amostra-grátis dentro da sala de aula. Em alguns casos, a promoção vem acompanhada de “atividades pedagógicas”.

Não vou nem entrar no mérito da desmoralização da figura profissional do professor. Na matéria da Folha, o sindicato da categoria já deixou clara a sua posição contrária à iniciativa. Vou me ater ao que isso representa na formação das crianças. Professores têm uma enorme influência sobre seus alunos, especialmente os menores. Em assuntos discutidos na sala de aula, a posição do mestre chega a ter mais credibilidade que a dos próprios pais. Dá então para imaginar o “estrago” feito nas cabecinhas por promoções feitas pelos “donos do conhecimento” em pessoa.

É um escárnio com a educação! No Brasil, ela já tem um nível desprezível, mesmo nas escolas de elite. Onde isso vai parar? Se vale tudo até na sala de aula, qual o problema de o presidente do Senado fazer o que bem entender?

Em tempo, o Valor Econômico publicou hoje que o SEB pagou R$ 41 milhões por cinco das sete unidades do grupo Pueri Domus (as outras duas continuam sob administração da família Zocchio). Em comunicado distribuído aos pais, a escola garante que nada mudará, nem mesmo na filosofia de ensino ou no material didático. Não falaram nada de brindes nas salas.