Fernando Haddad

Uber mostra que políticos são reféns de máfias e ignoram economia compartilhada

By | Tecnologia | 2 Comments
Taxistas do Rio protestam contra o Uber - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Creative Commons

Taxistas do Rio protestam contra o Uber

Na última quinta (8), Fernando Haddad, explicou como espera resolver a crise entre os taxistas da cidade e o Uber. Com um discurso pretensamente moderno, o prefeito de São Paulo não apenas piorou o imbróglio, como também, a exemplo de seu colega do Rio, Eduardo Paes, demonstrou que não entende absolutamente nada de economia compartilhada.

Esse novo conceito subverte modelos de negócios consolidados em favor da população, com usos criativos da tecnologia. Com ele, alguém que possua um recurso ocioso -no caso, um carro- pode oferecê-lo parcialmente a quem estiver disposto a pagar por isso. Dessa forma, minimiza-se a necessidade de se comprar novos carros, otimizando o uso dos já existentes. De quebra, os proprietários passam a ter uma renda extra, enquanto os consumidores ganham novas e interessantes ofertas de produtos e serviços.

A suposta “solução” da prefeitura foi a criação de uma nova categoria de táxis, batizado de “táxi preto”, uma referência à cor que os carros deverão ter, a mesma dos veículos do Uber. Também igual ao praticado pela empresa, os motoristas só poderão ser chamados a partir de um aplicativo, a ser fornecido pela prefeitura. Para participar da nova categoria, o motorista deverá ser agraciado com uma das 5.000 licenças que serão sorteadas pela administração municipal e ainda pagar uma taxa que pode chegar a R$ 60.000. Ou seja, contrário a tudo o que a economia compartilhada prevê.

Desde que o Uber chegou a São Paulo, tenho debatido o assunto com motoristas da empresa e com taxistas. Do segundo grupo, tirando os radicais que acham que “Uber bom é Uber morto”, ficou claro que o problema não é o novo serviço roubar passageiros deles. A própria prefeitura admite que há um enorme déficit de táxis na cidade: são 3 para cada 1.000 habitantes (no Rio, essa proporção é de 9 para cada 1.000). Ou seja, em uma cidade com cerca de 35 mil táxis rodando e uma demanda reprimida de pelo menos outros 20 mil, os atuais 1.500 carros do Uber (segundo dados dos motoristas) estariam longe de causar uma ruptura no negócio dos taxistas.

Onde o calo aperta é na desvalorização do alvará, concessão da prefeitura que permite a prestação de serviço de táxi na cidade. Apesar de concedido gratuitamente, São Paulo não emite novas licenças desde 1996. Com isso, criou-se um verdadeiro mercado negro de alvarás, que são comercializados para quem quiser ingressar na profissão, o que é contra a lei. Frotas de táxis em São Paulo detém uma enorme quantidade dessas concessões. E, pelo que ouvi de muitos taxistas, vereadores são donos de algumas das maiores frotas da cidade.

 

Máfia incomodada

Comprar um alvará é algo simples: basta perguntar a qualquer taxista, e ele provavelmente conhecerá o caminho até alguém que queira vender um. Antes da chegada do Uber, a transação facilmente superava R$ 100 mil. Para operar no ponto de Congonhas, o mais valioso da cidade, o alvará passava de R$ 150 mil! Com a chegada do novo serviço, o valor desse mercado negro despencou, sendo possível adquirir um alvará hoje por menos de R$ 50 mil.

Não é necessário ser gênio para se perceber que muita gente tomou um prejuízo milionário com a chegada do Uber à cidade. Afinal, para que pagar uma fortuna por um alvará, se ele não é mais necessário para se prestar o serviço? Mesmo com os motoristas do Uber não tendo acesso aos benefícios dos taxistas, como desconto para comprar veículos e outras isenções de impostos, fazer parte da economia compartilhada pareceu ser muito mais vantajoso, rentável, simples e justo.

Ironicamente, o prefeito disse que um dos benefícios da nova lei é combater a “máfia dos alvarás”. Como? Criando um novo, que já nasce pago e com um valor obsceno, tanto quanto o cobrado pelo mercado negro. Confesso que fiquei confuso sobre como esse combate se dará.

Haddad perdeu a chance de demonstrar uma visão moderna sobre o transporte individual em que o passageiro não é o próprio condutor. O Uber é amplamente aprovado pelos seus usuários, que teriam enviado cerca de 900 mil e-mails ao gabinete do prefeito pedindo que vetasse a lei aprovada na Câmara dos Vereadores, proibindo o serviço. Mas ele preferiu ficar refém de uma categoria que, apesar de, sim, possuir bons profissionais, prefere se acomodar em uma situação em que os próprios motoristas são explorados por uma máfia inescrupulosa, com a benção do poder público.

Resta a esperança de que a Justiça casse essa lei estapafúrdia e traga um pouco de modernidade aos setores mais rançosos de nossa economia. A Justiça do Rio já concedeu liminar tornando inócua a lei sancionada por Paes. Já é um primeiro passo.

Tablet vazio não para de pé

By | Educação, Tecnologia | One Comment

No dia 1º de setembro, o ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou que despejará “centenas de milhares” de tablets nas escolas públicas já no ano que vem. A propaganda ficou ainda mais bonita por ter sido feita em plena Bienal do Livro e arrematado com a exigência de que os equipamentos tenham altas “taxas de nacionalização”. Só não respondeu à pergunta essencial: para que?

Sou um grande defensor do uso da tecnologia na educação. Mas não concordo com entregar equipamentos sem o menor planejamento pedagógico ou treinamento de todos os envolvidos, como parece ser o caso. O discurso político de Haddad rendeu boas manchetes, mas é tão vazio quanto os tablets que ele propõe colocar nas escolas.

Claro que todo mundo quer ter um tablet hoje em dia. Desde que Steve Jobs popularizou o conceito com o primeiro iPad, esses equipamentos se tornaram objeto de desejo. Mas será que eles são o melhor equipamento para a educação? A mobilidade e a interface são realmente muito bem-vindas, mas a mesma interface pode ser um problema. Há pouco software que seja realmente desenvolvido para ela, e a simples execução ali do que existe para computadores “convencionais” nem sempre traz bons resultados em tablets. Por isso, os R$ 70 milhões que o MEC afirma ter investido no ano passado na produção de conteúdos digitais podem não servir muito.

Colégios A+ de São Paulo já estão tateando os tablets em sala de aula, sem trocadilhos. É o caso do Dante Alighieri e do Pueri Domus. Mas, nos dois casos, as escolas corretamente começaram o trabalho na coordenação pedagógica, com foco no uso do equipamento e no treinamento dos professores.

Que dizer de escolas públicas, que têm laboratórios de informática montados há anos, e até hoje não os utilizam? Por que isso acontece? Além de motivos bizarros, como diretores que os mantém fechados com medo que os alunos quebrem os equipamentos (!!!), o principal são professores que não conseguem colocar aquela “coisa” dentro de sua aula. Não se trata de não dominar o equipamento (o que de fato é outra enorme barreira para boa parte dos professores), mas sim como transformar aqueles programas, a Internet e recursos multimídia em parte de seu planejamento de aula.

Portanto, esse discurso de Haddad chega a ser um deboche do uso de tecnologias no ensino público. Como acreditar nisso? E não é a primeira vez que ouvimos promessas desse tipo. O governo anterior, de Lula, havia prometido a compra de 50 milhões de notebooks educacionais, para o projeto UCA (Um Computador por Aluno), mas isso nunca se concretizou. Nem mesmo o primeiro “mísero” lote de 150 mil equipamentos conseguiu sair da fase de licitação.

Então a informatização de ponta nunca chegará às escolas públicas? Claro que sim! É só falar (muito) menos e agir (um pouco) mais.

Enem X vestibular

By | Educação | 4 Comments
O ministro da Educação quer modificar o Enem para que ele substitua o vestibular

O ministro da Educação quer modificar o Enem para que ele substitua o vestibular

O governo federal lançou a proposta de modificações no Enem para que ele passe a servir como uma alternativa aos vestibulares das universidades federais do país. A ideia é que o aluno faça a prova e possa escolher, de acordo com a sua pontuação, entre cinco cursos de uma mesma universidade ou de até cinco instituições diferentes. O discurso demagógico se completa com “uma ferramenta para democratizar o acesso dos estudantes à universidade” e ainda a chance de os alunos escolherem faculdades de qualquer parte do país facilmente.

Na teoria, a proposta é boa, pois o vestibular é um modelo perverso. Mas acho que eu perdi alguma coisa… É razoavelmente simples de se concluir que deve acontecer o contrário disso. Essa história só seria verdadeira se a qualidade do ensino fosse homogênea em todo o país, e isso não é verdade nem entre as escolas particulares. Que dizer então das escolas públicas?

No final das contas, o processo vai acabar elitizando ainda mais o ensino superior federal. Os melhores cursos, quase sempre localizados nas instituições paulistas e cariocas, acabarão ocupados por alunos da rede particular de ensino do Sudeste, onde está a grande maioria das melhores escolas. E hoje a ajuda que o atual Enem representa na pontuação dos vestibulares tradicionais, que beneficia alunos da rede pública, deixaria de existir, pois o Enem seria o próprio vestibular.

Há ainda um outro ponto a ser considerado: o Enem, desde que foi criado, se propõe a traçar um perfil amplo da formação do aluno, indo muito além do conteúdo e concentrando-se principalmente na aquisição de competências esperadas do Ensino Médio. Pelo novo modelo, as atuais 63 questões passariam a 200, para acomodar a verificação de conteúdo, o que contraria essa proposta original.

As universidades devem ainda dizer se aceitam o novo formato: elas têm autonomia para rejeitar a proposta. O governo federal tem pressa -inclusive porque o ministro da Educação, Fernando Haddad, tem pretensões eleitorais. Diante disso, afirmou que as universidades que adotarem o novo sistema receberam mais verbas para assistência estudantil. E por falar em política, Paulo Renato Souza, que acabou de assumir a secretaria de Educação paulista e criou em 1998 o Enem (quando foi ministro da Educação de FHC), já declarou publicamente que desaprova o novo formato.

O governo Lula não tem exatamente se destacado no campo da educação. Em algumas semanas, devemos começar a ver a adesão das universidades. Se tudo correr como pretende o governo, pode ser o início do fim do vestibular. A conferir.