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Para onde foram os torcedores do Brasil?

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Como os torcedores dos 32 países participantes da Copa do Mundo torceram na final - imagem: Reprodução/NYT

Como os torcedores dos 32 países participantes da Copa do Mundo torceram na final

Não precisa ser gênio para supor que, na final da Copa do Mundo, os brasileiros torceram pela Alemanha, mesmo depois do acachapante 7 x 1 que nos impuseram. Claro, na verdade, a torcida era contra a Argentina. Mas quem poderia adivinhar –e mais que isso: medir– que 27% dos internautas no Brasil apoiaram aos “hermanos” naquela partida?

Bem, o Facebook conseguiu fazer isso, analisando dados de cerca de 2 bilhões de interações (post, comentários e curtidas) feitas na rede social por cerca de 300 milhões de usuários dos 32 países participantes do campeonato, que, diga-se de passagem, foi o evento com mais atividade nas redes sociais até hoje. Porém, apesar da análise massiva de informações –algo para deixar um levantamento nacional de um instituto de pesquisa com jeito de grão de areia na praia– o relatório exibido ao usuário não é dos mais atraentes.

Mais bacana é a coletânea de infográficos preparados pelo The New York Times a partir das mesmas informações do Facebook. De uma maneira muito mais intuitiva, o usuário consegue ver como os torcedores de cada um dos 32 países “migraram” para outras seleções depois que a sua própria era desclassificada, a cada fase da competição, além de um gráfico consolidado.

Dá para ver, por exemplo, que, até as quartas de final, o Brasil era o país com mais torcedores no mundo (quando 45% dos usuários do Facebook declararam apoio à nossa seleção), mas fomos passados pela Argentina na semifinal (34% a 32%), enquanto a Alemanha teve a preferência na final (57% contra 43% de apoio aos argentinos). Além disso, fica claro como os “hermanos” torciam contra nós, observando que, nas oitavas de final, o Chile, adversário do Brasil, teve expressivos 11% de apoio entre os usuários argentinos, assim como a Colômbia emplacou 34% de apoio por lá nas quartas de final, sendo que ambos os países haviam tido apoio irrisório nas fases anteriores. Além disso, além de seus próprios torcedores, o Brasil só foi o preferido dos portugueses e dos japoneses, depois de suas seleções terem sido desclassificadas ainda na fase de grupos.

Esse exemplo deixa claro como se pode produzir um conteúdo jornalístico interessante fazendo-se uso criativo de informações que estão disponíveis, muitas vezes de maneira aparentemente desorganizada, nos meios digitais. É claro que, no exemplo, coube ao Facebook processar toda essa informação na sua rede, mas o NYT fez um uso muito melhor dela.

Outro exemplo interessante é o site Twitter + GNIP, que cruza a origem geográfica de milhões de tweets enviados por dispositivos móveis, separando-os de acordo com o sistema operacional do aparelho. Com isso, dá para identificar como iPhones tendem a ser usados mais que celulares com Android (e outros) em áreas nobres das cidades. Nesse link, se vê a distribuição em São Paulo, mas é possível obter a mesma informação ao redor do mundo.

Claro que, por estarmos aqui tratando de produção jornalística, todo cuidado deve ser tomado na escolha da fonte da informação (como, aliás, em qualquer reportagem). No exemplo acima do NYT, apesar da amostra mais que representativa, ela ainda é restrita a usuários do Facebook nos 32 países participantes da Copa. Mas como a penetração da rede de Mark Zuckerberg é bastante expressiva na população de quase todos eles, a pesquisa fica realmente impressionante. De todo jeito, é importante que o usuário seja informado dessa particularidade da fonte.

O interessante é que, até bem pouco tempo atrás, a realização de uma pesquisa assim envolvia a contratação de um instituto de pesquisa, o que exigia um forte investimento. Agora há uma profusão de dados de diferentes naturezas e fontes, prontos para ser garimpados. Vale a pena investir na formação de jornalistas-mineradores.

Morre outra vítima da imprensa

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Fachada da antiga Escola Base, que foi depredada pela população após denúncias infundadas veiculadas pela imprensa - Foto: reprodução

Fachada da antiga Escola Base, que foi depredada pela população após denúncias infundadas veiculadas pela imprensa

Na quinta, foi divulgada a morte de Icushiro Shimada, ex-dono da Escola Base e vítima de um erro generalizado da imprensa, que destruiu as vidas de sua família e de seus sócios e funcionários. O assunto virou um case que é estudado nas faculdades de jornalismo, mas profissionais e veículos continuam escorregando na ética e publicando denúncias sem a devida checagem. E as redes sociais só fizeram piorar esse comportamento.

Para quem não se lembra, em março de 1994, sócios e funcionários da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação (São Paulo), foram acusados por mães de alunos de abusar sexualmente de crianças de um a seis anos de idade. Um laudo não-conclusivo do IML informava que as fissuras eram “compatíveis com ato libidinoso”. Isso foi suficiente para o delegado Edélcio Lemos, responsável pelo caso, convocar a imprensa e botar a boca no trombone, condenando os envolvidos sem qualquer julgamento. Iniciado no Jornal Nacional, o denuncismo se espalhou por toda a imprensa da época, exceto a TV Cultura e o finado Diário Popular, que não embarcaram por acharem que não havia provas.

Capa do extinto Notícias Populares, colocando ainda mais lenha na fogueira, de maneira totalmente irresponsável - Foto: reprodução

Capa do extinto Notícias Populares, colocando ainda mais lenha na fogueira, de maneira totalmente irresponsável

Graças ao noticiário, a escola e as casas dos acusados foram depredadas e saqueadas pela população. Eles faliram e tiveram que se mudar, pois chegaram a ser ameaçados de morte em telefonemas anônimos. Porém, quando a investigação foi concluída, “surpresa” geral: nunca houve qualquer tipo de molestamento sexual às crianças. As tais fissuras encontradas eram causadas apenas por diarreia. Mas o estrago já estava feito e os acusados para sempre foram condenados pela imprensa, por mais que tenham sido inocentados pela Justiça. Pediram indenizações do Estado e de veículos de mídia; algumas delas foram pagas depois de longos recursos, outras ainda não. Shimada morreu pobre, vítima de um infarto no último dia 16 de abril, assim como sua mulher, que morreu de câncer em 2007.

O comportamento profissional irresponsável e vergonhoso desse caso deveria ser suficiente para que casos assim não voltassem a acontecer. Não me refiro apenas a algo com essa magnitude, que não acontece tanto (mas desgraçadamente ainda acontece), mas também a falhas supostamente menores (mas não menos antiéticas) que estão no noticiário todos os dias.

A busca pelo “furo”, uma notícia exclusiva capaz de aumentar a audiência de um veículo, é como uma corrida por uma medalha de ouro. É legítima e bem-vinda. Mas não pode ser justificativa para atropelos. Mas é justamente isso que acontece: tudo parece ter virado uma “fonte confiável”. E, quando a blogosfera explodiu, lá pelo ano 2000, veículos começaram a usar até blogs obscuros como fonte. À medida que as redes sociais ficaram mais importantes, elas começaram a ocupar esse espaço.

Um caso recente que ilustra bem isso foi o do tal jornalista dinamarquês que teria vindo ao Brasil para cobrir a Copa do Mundo, mas “desistiu de seu sonho” e voltou para seu país depois de se deparar com as nossas mazelas sociais. Esse assunto resultou em longos debates no Facebook (até aí, tudo bem) e chegou a pautar vários veículos, que compraram a historinha como verdade (aí tudo mal!) e publicaram vários artigos (inclusive algumas toscas bravatas nacionalistas). Mas a história não era séria (pelo menos, não totalmente): um resumo da confusão pode ser visto neste post (que, por sinal, teve que ser atualizado após a publicação).

Pressões por dar logo uma notícia, especialmente quando ela é bombástica, sempre existiram, e muitas vezes vêm de fora da Redação. Quando seus concorrentes já estão falando no assunto, fica ainda pior, principalmente em veículos em tempo real, como a mídia online, a TV e o rádio. Mas essa pressão não pode servir de muleta para deslizes. Isso foi muito bem explorado no trecho abaixo, da série da HBO “The Newsroom”:

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=m95qHOmoUXs]

 

Como dizia Gabriel García Márquez, “a pressa é ingrediente desse ofício”, assim como a pressão. Quem não consegue realizá-lo eticamente nessas condições não está apto para o jornalismo. Se a imprensa continuar realizando seu trabalho dessa forma, acabará vítima de si mesma.

A Petrobras garante o furo, apesar de seu blog

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Para Gabrielli, a população tem o direito de conhecer amplamente as informações trocadas entre a empresa os veículos

Para Gabrielli, a população tem o direito de conhecer amplamente as informações trocadas entre a empresa os veículos

As perguntas feitas por um jornalista a uma fonte são de sua propriedade? E as respostas a elas também são? Essas perguntas capciosas ganharam as manchetes na semana passada quando a Petrobras decidiu divulgar as perguntas de jornalistas enviadas à assessoria de imprensa da companhia, com as respectivas respostas. A prática está sendo feita no blog institucional Fatos e Dados, no ar desde o dia 2 de junho e criado para divulgar informações relativas à CPI criada para apurar irregularidades da empresa.

Os veículos de comunicação botaram a boca no trombone e ganharam apoios importantes, como da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Mas, ao contrário do que se poderia pensar, a iniciativa da empresa não é uma unanimidade entre jornalistas: Luís Nassif e Paulo Henrique Amorim, além da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), apoiam o blog. A Petrobras se defende, dizendo que as informações que divulga não pertencem ao veículo. “A nossa visão é que isso significaria uma privatização da informação na relação entre a Petrobras e esse veículo”, disse o próprio presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrieli, “Estaríamos dando ao veículo o poder e a decisão de divulgar ou não divulgar”, explicou em entrevista ao Jornal da Globo.

Voltando às duas perguntas que fiz no começo do post, os dois lados têm pontos válidos a defender. Quanto às perguntas, sim, elas pertencem aos jornalistas. Especialmente no caso de reportagens investigativas, as perguntas já são resultado de muito trabalho do profissional. Muitas vezes, só puderam ser elaboradas depois de várias entrevistas exclusivas e, portanto, carregam no seu bojo muito trabalho intelectual. Divulgá-las antecipadamente seria, portanto, um desrespeito a esse trabalho do jornalista, pois transformaria sua apuração em aviso de pauta para a concorrência. As respostas, por outro lado, pertencem à empresa, como sugere a Petrobras, que pode fazer o que quiser com essa informação.

Diante da gritaria, o blog passou a publicar as perguntas e as respostas apenas depois de a matéria ser publicada no veículo. Mas isso não foi suficiente para diminuir a ira da mídia. E aí, nesse momento, os coleguinhas perdem a razão. Ao criar esse “embargo às avessas”, onde a fonte espera o veículo publicar a reportagem para então divulgar seus dados, a Petrobras garante o “direito de furo” aos jornalistas. Mas aparentemente eles querem garantir o direito de escolher o que querem publicar, varrendo para baixo do tapete as informações que não lhes interessa. Essa prática nefasta, muito comum nas revistas semanais do país, é cada vez mais comum em todos os veículos, mais e mais recheados de jornalistas novatos, inocentes e manipuláveis, tanto pelas fontes quanto por seus diretores.

Todo profissional sabe –ou deveria saber– que o jornalismo é composto de várias versões do mesmo fato. Seu trabalho é apresentar ao público o máximo delas que puder, para que o consumidor construa a verdade dos fatos. Por isso, o argumento ridículo que os jornais vêm usando de que o blog da Petrobras serviria para intimidar a imprensa no seu trabalho de informar amplamente a população não se sustenta. Na verdade, sugiro que todas as empresas mantenham instrumentos semelhantes, para que exponham a sua versão dos fatos sem edição, evitando armadilhas de editores inescrupulosos. Obviamente não estou generalizando: a maioria dos jornalistas faz um trabalho decente, mas os veículos não podem esquecer que eles não são donos da notícia.