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Jornalismo de verdade na ficção

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Nesta semana, a série The Newsroom (sem título em português) estreou na HBO. Fiquei bem impressionado com o que vi: uma pequena aula de jornalismo sério em meio à dramaturgia de um seriado que pretende mostrar as histórias e as pessoas por trás de um telejornal. Se você perdeu o primeiro episódio, pode assisti-lo na íntegra online.

Não pretendo fazer aqui uma sinopse, mas devo dizer que, assim como a série In Treatment tinha um óbvio apelo a um público formado por psicólogos, The Newsroom deve agradar em cheio a jornalistas e a qualquer pessoa que se interesse pela indústria da notícia. E isso porque ela desmitifica a imagem criada em torno dos jornais e das pessoas. Mostra que a coisa vai muito além daquela piadinha dos coleguinhas que sugere que o William Bonner fica de cueca por trás da bancada do Jornal Nacional.

A primeira cena da série, reproduzida acima, já é um tapa na cara dado pelo ranzinza âncora Will McAvoy, protagonista da série. Mas o episódio fica bom mesmo a partir do meio, quando Jim, um produtor recém-chegado, recebe uma notícia bombástica de duas fontes. E, apesar da resistência explícita de Don, o produtor executivo que estava deixando o programa, ele vende a pauta para McAvoy, totalmente calcado em fatos. E o âncora compra a ideia e a matéria vai ao ar.

Don representa o que se vê por aí nas redações –de todas as mídias– ultimamente: um profissional acomodado em realizar o seu trabalho com o uso da tecnologia e outros facilitadores, e acovardado de apostar em uma pauta grandiosa. Seu faro jornalístico é limitado por uma forma de atuação aplaudida pelas empresas de mídia preocupadas em cortar custos, em que repórteres ficam presos nas redações, fazendo entrevistas por telefone ou –pior ainda– por e-mail. Mais que isso: amedrontados que um eventual erro lhes custe o pescoço e, dessa forma, preferem a segurança da mesmice e do óbvio. Não é de se admirar que os furos jornalísticos estejam cada vez mais raros e sem graça.

Jornalismo não é isso! Jornalismo é a combinação de inteligência, perspicácia, trabalho duro, relacionamento e –sempre– coragem. Jim Harper e Will McAvoy demonstraram isso no episódio. Isso deveria ser ensinado nas faculdades de jornalismo.

Na verdade, o episódio me lembrou uma aula específica de Ética há uns dez anos, ministrada por Jorge Tarquini (@JorgeTarquini), um dos melhores professores que eu tive (considerando as faculdades de Engenharia e de Jornalismo). Em determinado momento da aula, um colega se posicionou dizendo que “jornalista que quer manter o emprego” escreve apenas e sempre e do jeito que a chefia manda, que a liberdade de imprensa só funciona para o dono do jornal. Essa frase, digna de Assis Chateaubriand, não me passou pela garganta. Afinal, eu já estava no mercado há dez anos, e já tinha passado pela Folha, que os colegas adoram criticar por supostamente ter um jornalismo “pasteurizado”. E nunca fiz isso.

Seguiu-se um acalorado debate na aula. Não sei se consegui convencer o colega que o que ele tinha dito era uma tremenda bobagem: essa visão derrotista infelizmente se espalha como um vírus já entre os alunos de jornalismo. Quase sempre, o vírus mata o jornalista que cada um poderia se tornar. Felizmente, a ética, a moral e a coragem de alguns liquidam o vírus.

As faculdades de jornalismo, que sofrem com o fim da obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão, deveriam criar cadeiras de “coragem jornalística”. É possível –sim– fazer excelente jornalismo mesmo em ambientes hostis e competitivos. Precisamos de mais Jim Harpers.

A Petrobras garante o furo, apesar de seu blog

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Para Gabrielli, a população tem o direito de conhecer amplamente as informações trocadas entre a empresa os veículos

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As perguntas feitas por um jornalista a uma fonte são de sua propriedade? E as respostas a elas também são? Essas perguntas capciosas ganharam as manchetes na semana passada quando a Petrobras decidiu divulgar as perguntas de jornalistas enviadas à assessoria de imprensa da companhia, com as respectivas respostas. A prática está sendo feita no blog institucional Fatos e Dados, no ar desde o dia 2 de junho e criado para divulgar informações relativas à CPI criada para apurar irregularidades da empresa.

Os veículos de comunicação botaram a boca no trombone e ganharam apoios importantes, como da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Mas, ao contrário do que se poderia pensar, a iniciativa da empresa não é uma unanimidade entre jornalistas: Luís Nassif e Paulo Henrique Amorim, além da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), apoiam o blog. A Petrobras se defende, dizendo que as informações que divulga não pertencem ao veículo. “A nossa visão é que isso significaria uma privatização da informação na relação entre a Petrobras e esse veículo”, disse o próprio presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrieli, “Estaríamos dando ao veículo o poder e a decisão de divulgar ou não divulgar”, explicou em entrevista ao Jornal da Globo.

Voltando às duas perguntas que fiz no começo do post, os dois lados têm pontos válidos a defender. Quanto às perguntas, sim, elas pertencem aos jornalistas. Especialmente no caso de reportagens investigativas, as perguntas já são resultado de muito trabalho do profissional. Muitas vezes, só puderam ser elaboradas depois de várias entrevistas exclusivas e, portanto, carregam no seu bojo muito trabalho intelectual. Divulgá-las antecipadamente seria, portanto, um desrespeito a esse trabalho do jornalista, pois transformaria sua apuração em aviso de pauta para a concorrência. As respostas, por outro lado, pertencem à empresa, como sugere a Petrobras, que pode fazer o que quiser com essa informação.

Diante da gritaria, o blog passou a publicar as perguntas e as respostas apenas depois de a matéria ser publicada no veículo. Mas isso não foi suficiente para diminuir a ira da mídia. E aí, nesse momento, os coleguinhas perdem a razão. Ao criar esse “embargo às avessas”, onde a fonte espera o veículo publicar a reportagem para então divulgar seus dados, a Petrobras garante o “direito de furo” aos jornalistas. Mas aparentemente eles querem garantir o direito de escolher o que querem publicar, varrendo para baixo do tapete as informações que não lhes interessa. Essa prática nefasta, muito comum nas revistas semanais do país, é cada vez mais comum em todos os veículos, mais e mais recheados de jornalistas novatos, inocentes e manipuláveis, tanto pelas fontes quanto por seus diretores.

Todo profissional sabe –ou deveria saber– que o jornalismo é composto de várias versões do mesmo fato. Seu trabalho é apresentar ao público o máximo delas que puder, para que o consumidor construa a verdade dos fatos. Por isso, o argumento ridículo que os jornais vêm usando de que o blog da Petrobras serviria para intimidar a imprensa no seu trabalho de informar amplamente a população não se sustenta. Na verdade, sugiro que todas as empresas mantenham instrumentos semelhantes, para que exponham a sua versão dos fatos sem edição, evitando armadilhas de editores inescrupulosos. Obviamente não estou generalizando: a maioria dos jornalistas faz um trabalho decente, mas os veículos não podem esquecer que eles não são donos da notícia.