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O segredo do meme de R$ 2,5 milhões

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Quem pagaria R$ 2,5 milhões por um meme que pode ser baixado gratuitamente da Internet? Isso pode parecer completamente estúpido, mas aconteceu há poucos dias. E acredite: faz sentido!

Memes são imagens que se tornam muito populares nas redes sociais e são usadas fora do seu contexto original para passar mensagens ou fazer piadas. Ninguém pede autorização ao criador da imagem ou a quem aparece nela para usá-las, e nem por isso alguém é processado por violação de direitos autorais.

É natural, portanto, perguntar por que alguém faria essa aparente extravagância de pagar uma fortuna por uma foto que está disponível na rede, e continuará assim. Mais que isso: como alguém pode garantir ser o legítimo dono após comprar uma imagem reproduzida digitalmente milhões de vezes?

A explicação é o NFT, sigla em inglês para “tokens não fungíveis”, uma modalidade de comercialização de arte digital viabilizada por uma interessante combinação de tecnologia e mudança cultural. Ainda que isso garanta a propriedade da obra, é de se pensar como um meme pode chegar a valer R$ 2,5 milhões.


Veja esse artigo em vídeo:


A obra em questão foi batizada de “Disaster Girl”, e possivelmente você já a viu em alguma rede social. Ele traz a foto de uma menina com um sorriso maroto diante de uma casa um chamas ao fundo.

Disaster Girl

“Disaster Girl”, meme que foi vendido por R$ 2,5 milhões

Não se trata de uma montagem: a foto é legítima, tirada em 2005. A menina tem nome: Zoe Roth, que agora está com 21 anos. Ela descobriu o conceito de NFT e, por ser ela a criança retratada em um meme extremamente popular, conseguiu dar a ele o status de obra de arte, e comercializá-lo em um leilão no dia 16 de abril, que lhe rendeu cerca de US$ 473 mil. Na verdade, o pagamento foi feito com uma criptomoeda chamada ether: a obra foi arrematada pelo usuário 3FMusic por 180 ethers.

Tudo isso pode parecer virtualidade demais para muita gente. Mas acredite: é bem real, por mais que tudo aconteça em um espaço digital. E isso começa pela criptomoeda, que, apesar de não ser garantida pelo banco central de nenhum país, tem alta liquidez e pode ser facilmente convertida em praticamente qualquer moeda “convencional” do mundo, inclusive dólares e reais.

A tecnologia que garante quem é o dono de uma obra comercializada como NFT é o blockchain, que ganhou força na última década. Funciona como se fosse um livro-razão digital replicado em milhares de computadores no mundo. Ou seja, é uma maneira bastante confiável de armazenar qualquer informação, pois o blockchain não permite que um dado seja apagado ou alterado, e qualquer mudança em uma informação precisa ser autenticada em todos esses servidores pelo dono dos dados. Aliás, o mesmo blockchain é o que garante as transações com as criptomoedas, que têm no Bitcoin sua maior estrela.

 

“Ninguém é de ninguém?”

Mas nada disso ainda explica como alguém pode ser dono de algo que continua disponível para ser copiado e modificado livremente nas redes. Mais ainda: por que alguém pagaria essa dinheirama toda por algo que qualquer um poderá continuar usando sem pagar.

Essa é a grande mudança de paradigma do NFT. Ao comprar uma obra de arte digital, a pessoa passa a ser reconhecida como sua legítima dona, mas isso não lhe garante nenhum controle ou remuneração por qualquer reprodução do material. Além disso, os direitos autorais continuam sendo do autor da obra.

A melhor maneira de entender isso é mudando o foco da arte digital –que pode ser facilmente reproduzida pela Internet– para uma obra de arte física, como um quadro ou uma escultura. Por mais que ela exista, tenha um dono e esteja exposta em algum lugar, nada impede que ela seja reproduzida, por exemplo, em fotografias.

Pense no caso de um quadro famoso em um museu, como “O Grito”, obra-prima do movimento expressionista. Esse caso é interessante, porque o norueguês Edvard Munch pintou quatro quadros semelhantes com esse título: dois estão no Museu Munch, em Oslo (Noruega), outro na Galeria Nacional de Oslo e o quarto faz parte de uma coleção particular. Aliás, em 2012, esta última tornou-se a pintura mais cara da história, arrematada em um leilão por US$ 119,9 milhões.

Ainda assim, essa obra é reproduzida em pôsteres (que são vendidos), em publicações de todo tipo, em fotos de turistas e até na Internet, incluindo aí (ironicamente) como memes. Os proprietários dos quadros originais não recebem nada por isso, sequer têm qualquer controle sobre essas reproduções. Mas ninguém duvida que eles são os donos dos originais e, se algum dia resolverem vendê-los, serão remunerados por isso.

Com o NFT, a obra de arte digital ganha esse mesmo status. Talvez o que cause mais estranheza é que, nesse caso, as reproduções são cópias fiéis do original, mas elas continuam com o status de “cópia”.

Everydays: The First 5000 Days

“Everydays: The First 5000 Days”, NFT mais caro até agora, leiloado por US$ 69,3 milhões

O recorde de valor de um NFT aconteceu em março. O artista Beeple entrou para a história com sua obra “Everydays: The First 5000 Days” (algo como “Todos os dias: Os Primeiros 5000 Dias”), uma colagem de 5.000 imagens do seu cotidiano. Ela foi leiloada por US$ 69,3 milhões (cerca de R$ 13 milhões), tornando-se a terceira obra mais cara de qualquer artista vivo.

 

A cultura remix

Todo esse movimento, incluindo aí os memes, tangencia outro importante movimento cultural, surgido nos anos 1970, mas amplamente difundido pela tecnologia digital: a cultura remix.

Trata-se da criação de novas obras de arte pela mistura ou mudança de obras de outros autores. Muitas vezes feitas como homenagens de fãs, essas produções são criadas sem autorização prévia (e, às vezes, sem conhecimento) dos criadores dos originais.

Possivelmente o melhor exemplo da cultura remix seja Star Wars, que dá origem a incontáveis filmes, livros, quadrinhos, imagens, eventos e uma infinidade de outras coisas que os fãs da saga espacial criam.

De certa forma, o próprio Star Wars, a obra original, é cultura remix! George Lucas construiu toda a história em cima do conceito da Jornada do Herói, criada pelo grande mitólogo americano Joseph Campbell, em 1949. Ele também usou fortemente cenas de filmes de combates aéreos e tem estruturas de obras do cineasta japonês Akira Kurosawa.

Vale dizer que, quando os fãs começaram a criar tudo isso, a Lucasfilm não gostava da ideia, e chegou a processar vários deles. Mas acabaram percebendo que isso era contraditório, pois todo aquele trabalho acabava alimentando ainda mais a devoção das multidões pelo seu produto. Por isso, a empresa não apenas parou com os processos, como, de certa forma, incentiva essas expressões artísticas.

 

O valor das coisas

Ainda fica a questão: como um simples meme pode valer R$ 2,5 milhões?

Temos que entender que qualquer coisa têm o valor que as pessoas atribuem a ela. Não se pode pensar que Edvard Munch teve muito mais trabalho para pintar seus quadros que Zoe Roth ao ser fotografada no meme: essa não é a medida do valor.

A menina jamais imaginaria que sua foto se tornaria tão conhecida. Da mesma forma, existem muitíssimo mais artistas que permanecem anônimos que aqueles que fazem sucesso.

O valor de qualquer obra, física ou digital, está associada a sua popularidade. É por isso que não se pode achar que qualquer imagem feita no computador vá se tornar uma obra de arte.

Pelo mesmo raciocínio, na Idade Média, as obras sequer eram assinadas pelos seus autores. Elas não eram vistas como um produto. Hoje, muitas tem algum valor, por aspecto histórico. Mas nenhuma vale tanto quanto trabalhos dos grandes nomes do Renascimento, que veio logo depois.

Por isso, antes de procurar qual arquivo no seu computador pode ser vendido como NFT, pense no valor que outras pessoas já atribuem a ele.

As maiores inovações podem surgir de cópias do que já existe

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De onde vêm as grandes ideias?

Em muitas ocasiões, algo que muda o mundo surge inspirado por um produto já existente -isso quando não acontece uma cópia.

Isso não tem nada a ver com falta de criatividade ou roubo intelectual. De certa forma, é exatamente o contrário disso: criamos produtos a partir da modificação de outros. Nessa linha, os anos 1970 viram o nascimento da Cultura Remix na música, quando novas obras surgiam pela mescla, ainda com equipamentos analógicos, de trechos de outras.

Isso se espalhou para outras formas de arte, mais notoriamente o cinema, e até a indústria de tecnologia. Alguns exemplos notórios da Cultura Remix são Star Wars e o Macintosh, da Apple.

Os meios digitais potencializaram essa nossa natureza, para incrível facilidade de se copiar, transformar e combinar seja lá o que for. Tanto que o conceito se popularizou completamente, tendo nos “memes” um exemplo prosaico e cotidiano disso.

É inevitável pensar em direitos autorais e patentes nessa hora. A Cultura Remix bate de frente com essas proteções, e os advogados andam com bastante trabalho. Entretanto, essa mudança cultural não tem volta. Precisamos aprender a conviver construtivamente com ela, sem coibir a criatividade ou infringir direitos de terceiros.

Entenda melhor a Cultura Remix e seu impacto no nosso cotidiano assistindo ao meu vídeo abaixo. E depois compartilhe conosco como ela faz parte da sua vida.



Ficou com vontade de assistir a “George Lucas Apaixonado”? É só clicar em https://www.youtube.com/watch?v=BDHTUETSLwM

Veja o trecho do filme “Piratas do Vale do Silício”, que ilustra como Steve Jobs usou as inovações da Xerox para criar o Macintosh (e o Lisa, antes dele): https://www.youtube.com/watch?v=0Rvn71r_Oic

Quer ouvir as minhas pílulas de cultura digital no formato de podcast? Basta procurar por “O Macaco Elétrico” no Spotify, no Deezer ou no Soundcloud. Se preferir, pode usar seu aplicativo preferido: é só incluir o endereço http://feeds.soundcloud.com/users/soundcloud:users:640617936/sounds.rss

A Internet está mudando seu jeito de falar

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Foto: reprodução

Nesta semana, as linhas do tempo do Facebook de muita gente foram invadidas por um confuso Vincent Vega, personagem vivido por John Travolta em Pulp Fiction. A cada aparição, ele estava em um lugar diferente e inusitado, como em um ponto de ônibus, em um quadro do artista Escher, em um clipe da banda A-Há ou no planeta Tatooine. Trata-se de um “meme”, fenômeno cultural típico das redes sociais. Junto com “emojis”, “emoticons” e afins, eles estão moldando a maneira como as pessoas se comunicam e se expressam.

Para quem não sabe o que são, “emoticons” –junção dos termos em inglês “emotion” e “icon”– são sequências de caracteres usados para acrescentar algo de linguagem corporal a um texto escrito. Por exemplo, : – ) é um rosto feliz (experimente inclinar a cabeça para a esquerda). Eles se popularizaram com sistemas online nos anos 1980 e, com o avanço da tecnologia, surgiram versões gráficas 🙂 a partir de 1997. Chamados de “smileys”, os pequenos desenhos acabaram se combinando com os símbolos japonses “emojis” –junção dos termos em japonês “e” (imagem) e “moji” (letra)– criados originalmente para celulares da NTT DoCoMo. Com os smartphones, as “carinhas” se popularizaram de vez, sendo até mesmo incorporadas aos seus teclados. E já são mais de mil! Já os “memes de Internet” são imagens que se popularizam entre os internautas, que as usam para transmitir ideias ou fazer piadas, acrescentado textos ou alterando o visual, como no caso do Travolta confuso acima.

Usuários de smartphones e de redes sociais, especialmente os mais jovens, encaram essas novas formas de comunicação de maneira totalmente integrada ao cotidiano. Tanto que elas já extrapolaram os limites do mundo digital, sendo reproduzidas até na TV e no cinema. A publicidade também está tirando proveito disso, como nas campanhas do Itaú (exemplo abaixo):

 

 

Muita gente já encara os emojis como novas letras, ou pelo menos ideogramas, a exemplo do formato dos alfabetos orientais. E isso não é piada!

O ponto é: quem não entende –e usa– os símbolos na sua comunicação pode ser considerado um novo tipo de analfabeto?

 

Sai a “letra de mão”; entram as “carinhas”

Paralelamente à inclusão desses novos símbolos de compreensão universal nos “alfabetos” das pessoas, há um movimento pedagógico que propõe que a escrita cursiva, a chamada “letra de mão” deixe de ser ensinada às crianças nas escolas.

A justificativa: as crianças vivem em um mundo onde todo o conteúdo é escrito com letras do tipo bastão, as “letras de forma”. Além disso, todas as formas de entrada de texto digitais –smartphones, tablets, computadores e até TVs– oferecem basicamente essa opção. Dessa forma, a “letra de mão” estaria ultrapassada e seria desnecessário conhecê-la. Em grande parte das escolas brasileiras, a alfabetização já se dá com letras bastão, partindo para a letra cursiva lá pelo terceiro ano do Ensino Fundamental, quando a coordenação motora está mais refinada e o processo de alfabetização está praticamente concluído.

Quem me conhece sabe que sou um liberal e, entre outras coisas, defensor ferrenho da língua viva. Mas acho que tudo na vida deve ser encarado com equilíbrio.

Apoio, portanto, o uso de memes e emojis na comunicação. Acredito que podem até mesmo extrapolar textos informais, sendo usados, por exemplo, em material jornalístico. Claro, não em todos: não estou sugerindo que encontremos “carinhas” nas páginas de economia do Estadão, por exemplo. Mas em outros veículos, com uma proposta mais jovem, eles são não apenas aceitáveis, como bem-vindos.

Quanto à eliminação da letra cursiva nas escolas, não vejo com bons olhos. Entendo perfeitamente a justificativa da proposta, e as coisas realmente acontecem assim. Mas a “letra de mão” continua existindo, inclusive nas telas digitais, como opção de formatação. É uma competência que não deve ser perdida, nem que seja para que as crianças consigam entender materiais escritos assim depois. Porém é mais que isso!

Afinal, a tecnologia nos oferece a oportunidade de enriquecer nossa comunicação, sem precisarmos empobrecê-la em outro canto.