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A inteligência artificial pode ser a máquina perfeita de sedução

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O personagem Theodore, do filme “Ela”, e sua amada Samantha: o sistema do celular que carrega em seu bolso - Foto: divulgação

O personagem Theodore, do filme “Ela”, e sua amada Samantha: o sistema do celular que carrega em seu bolso

Você se apaixonaria por uma máquina? É uma pergunta séria! Portanto, antes de mandar um sonoro “não” como resposta, deixe-me fazer outras indagações: o que é necessário para se apaixonar por alguém (ou por algo), e quanto a inteligência artificial já pode influenciar nisso?

Acha tudo isso maluquice? Pois saiba que estamos bem próximos de isso se tornar realidade! E pode ter impactos incríveis em sua vida pessoal e profissional.

O tema já foi amplamente explorado pela ficção, em filmes e livros. Um dos melhores exemplos é o filme “Ela” (“Her”, 2013), em que o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) se apaixona pelo sistema operacional inteligente de seu computador e de seu celular (chamado de Samantha), personificado pela voz de Scarlett Johansson.


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O filme é construído com grande sensibilidade por Spike Jonze. Mas, apesar de Theodore estar passando por uma fase depressiva, o que o faz se apaixonar por Samantha não é sua carência. O que o conquista é o fato de que o sistema sabe tudo sobre ele, pois tem acesso a todo tipo de banco de dados sobre o sujeito. Mais que isso: os dois sempre conversan, e Samantha aprende continuamente do que ele gosta. Resultado: ela sempre oferece o que ele precisa, mesmo coisas inesperadas.

Trazendo para nossa realidade, qual foi a última vez que você foi seduzido por um sistema?

 

O vendedor perfeito

Não, não me refiro no sentido romântico ou sexual, mas, por exemplo, para comprar algo. Afinal, uma boa venda também é uma forma de sedução. E, se até então isso era privilégio dos bons vendedores, cada vez mais a tecnologia ocupa esse espaço, seja por sistemas de autoatendimento no e-commerce, seja como suporte para vendedores humanos.

Quem trabalha com CRM, sabe que os quatro pilares para conseguir uma boa venda combinam a oferta certa, para o cliente certo, no momento certo e no canal certo. Se qualquer um deles não for atendido, a venda ainda pode acontecer, mas será mais difícil. Por outro lado, se os quatro estiverem presentes, é quase certo que o consumidor fará a compra.

Os departamentos de marketing e comerciais sempre trabalharam duro para isso. Mas essa tarefa está cada vez mais complexa, porque nós, os consumidores, também estamos sendo modificados pela tecnologia, que nos dá um incrível poder de escolha e acesso ubíquo a informações e serviços. Em um fenômeno que está sendo chamado de “pós-consumidor”, queremos tudo do nosso jeito, na nossa hora, de um jeito fácil e, ainda por cima, barato.

A melhor (e possivelmente em um futuro próximo, será a única) maneira de se manter nesse jogo é usando a tecnologia para compreender esse consumidor. A exemplo do que Samantha fez com Theodore, tecnologias como machine learning, Internet das Coisas, big data, análises preditivas e linguagem natural já permitem que empresas conheçam, de maneira cada vez mais profunda, seus consumidores, para atender, com incrível precisão, os pilares do CRM acima.

Esse, aliás, foi o tema da minha apresentação no “Colóquio de Inteligência Artificial e Redes Sociais”, realizado no dia 13 de dezembro pelo grupo de pesquisa Sociotramas, do qual faço parte na PUC-SP. Se quiser assistir à minha fala de 15 minutos, ela está no ponto no vídeo abaixo (aproveite para ver também toda a íntegra do evento: discussões de alto nível).


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Discutimos, inclusive, alguns exemplos, como as “vitrines inteligentes” da SAP. Com esse sistema, câmeras captam a imagem de uma pessoa que estiver diante da vitrine de uma loja, tentando identificar algumas informações suas essenciais para a venda, como sexo, faixa etária, como se veste e até mesmo o humor do indivíduo. Toda essa informação é cruzada com diversas bases de informações, sejam estatísticas, vindas de big data, ou do próprio indivíduo, para sugerir a melhor oferta para ele.

Falei também da tecnologia de “remessa antecipada” da Amazon, em que a gigante do varejo tenta “adivinhar” o que um consumidor quer. O objetivo é ter o item no centro de distribuição mais próximo dele antes mesmo de o pedido ser feito, para que possa ganhar da concorrência no prazo de entrega.

Se a coisa for bem-feita, é um cenário em que todos ganham. Afinal, o consumidor receberá uma boa oferta de algo que quer, na hora que busca aquilo. Portanto, suas necessidades estarão sendo bem atendidas. Do lado do varejo, ao prestar esse ótimo atendimento, suas vendas tendem a crescer. Mais que isso: há uma boa chance de aquele consumidor ser ainda fidelizado.

Mas fica sempre a dúvida: as empresas não podem passar dos limites e invadir a nossa privacidade além do razoável –e permitido? Na verdade, no colóquio acima, foi perguntado para mim quem nos protege disso.

Quais são os riscos a que estamos expostos nessa história?

A privacidade morreu?

É claro que existem limites éticos e morais nisso tudo. Aliás, nesse ano foi sancionada a Lei Geral de Proteção de Dados , que trata do assunto.

Mas precisamos ter clara uma coisa: a privacidade como conhecíamos até havia bem pouco tempo, já não existe mais. Como disse no colóquio a minha orientadora Lúcia Santaella, a partir do momento em que tornamos públicas (e, na maioria das vezes, de maneira irrestrita) nossas informações pessoais, fica difícil querer exigir garantias de privacidade.

O que existem são boas práticas, tanto para empresas quanto para nós, consumidores. Para elas, a primeira recomendação é usar os dados das pessoas apenas para os fins concedidos. Ou seja, se o usuário lhe entregou dados para ganhar descontos nas farmácias, isso não deve ser usado para definir o preço de planos de saúde (ou ainda vender um carro!). Da mesma forma, esses dados não devem ser compartilhados com terceiros. Por fim, as empresas não devem enganar o usuário para coletar dados, como acontece muito nesses infames joguinhos no Facebook, que roubam um monte de nossas informações para, por exemplo, dizer apenas com qual celebridade nos parecemos.

Quanto a nós, o que precisamos fazer é aceitar que esse é o jogo atual. Somos continuamente rastreados, das mais diferentes formas, e não há como escapar disso. Mas precisamos ter, pelo menos, consciência de que isso está acontecendo, para não entregarmos alegremente tudo o que somos a qualquer um. Da mesma forma, considerando que estamos nessa “para valer”, aprendamos a aproveitar todos esses recursos para conseguirmos o que buscamos, com as melhores vantagens disponíveis.

Não vamos nos apaixonar pelo e-commerce, mas, se todos fizerem bem a sua parte, realmente é um cenário em que todos podem ganhar. No final, nossa vida fica melhor.

Só não estamos ainda na pele de Theodore.

Ainda.


E aí? Vamos participar do debate? Role até o fim da página e deixe seu comentário. Essa troca é fundamental para a sociedade.


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Por que (e COMO) temos que aparecer bem nas redes sociais

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Obama brinca com seu cachorro Bo, quando ainda era presidente dos EUA: trabalho nas redes para se aproximar do cidadão comum - Foto: divulgação

Obama brinca com seu cachorro Bo, quando ainda era presidente dos EUA: trabalho nas redes para se aproximar do cidadão comum

Você já ouviu o ditado que afirma que “quem não é visto não é lembrado”? Em tempos em que nunca nos desconectamos totalmente das redes sociais, essa afirmação ganhou uma nova dimensão de verdade. Qualquer que seja a sua profissão, qualquer que seja o seu negócio, aparecermos bem no LinkedIn, no Facebook, no Instagram e afins pode ser determinante para o nosso sucesso. É uma enorme obviedade dizer isso a essa altura do campeonato, mas o fato é que pouca gente verdadeiramente ganha com essa exposição. Por que uns têm sucesso e outros não? Existem limites para isso?

Claro que sim! E nada é por acaso: colher frutos da presença nas redes sociais exige técnica e autoconhecimento.

Nessa semana, estava com uma mentoranda minha e ela me contou que suas clientes estão lhe parabenizando pela grande quantidade de trabalhos que está realizando. Que ótimo! Mas ela me confidenciou que continua fazendo exatamente o mesmo trabalho, da mesma forma e na mesma quantidade que já faz há bastante tempo.

A diferença é que agora ela está contando isso nas redes sociais.

É importante dizer que ela não está exagerando na sua promoção, não está “carregando nas tintas” e definitivamente não está mentindo. Ela está apenas contando eficientemente a seu público o bom trabalho que já vinha realizando. Mas isso foi suficiente para alterar a percepção que suas clientes têm do que ela faz. E isso lhe rende dividendos.

O interessante é que isso vale tanto para um pequeno negócio, como o dela, quanto para megacorporações e profissionais de grande destaque. Um bom exemplo é o atual morador da avenida Pennsylvania, 1.600, em Washington DC: Donald Trump, o homem mais poderoso do mundo, usa fortemente o Twitter para se posicionar publicamente. É verdade que, graças a seu caráter intempestivo, muitos de seus tweets deixam seus assessores de cabelo em pé. Mesmo assim, gostemos dele ou não, é inegável que ele sabe se apropriar do meio digital para deixar claro o que pensa.

Seu antecessor no cargo não usava essas plataformas tão intensamente, mas trabalhava muito bem sua imagem nas redes sociais. Barack Obama usava habilmente esses recursos para se aproximar do cidadão comum, quase como se fosse um deles. Eram recorrentes fotos em que aparecia fazendo atividades de uma “pessoa normal”, como brincar com o cachorro (como a que esse vê acima) ou fazer um churrasco. Sua esposa, Michelle, também se envolvia bastante na empreitada.

Obama é um cidadão comum? Claro que não! Nem mesmo agora, que já deixou o cargo. Mas até ele precisa cuidar de sua imagem para seus objetivos profissionais, e essa presença na rede é fundamental para isso. Vale lembrar que uma grande quantidade de fundos para suas duas campanhas presidenciais vitoriosas veio justamente do uso hábil das redes sociais.

Cabe aí uma pergunta: a exposição nas redes sociais pode distorcer a realidade?

 

As duas taças de vinho do solitário

 

Na aula da professora Pollyana Ferrari, no mestrado do programa de Tecnologia da Inteligência e Design Digital, na PUC-SP, aparece recorrentemente uma imagem que todo mundo aqui já deve ter visto em alguma das suas incontáveis versões: uma foto de duas taças de vinho diante de um lindo cenário.

Love is in the air!” A ironia é que, apesar da cena romântica divulgada, em muitas vezes quem publicou a foto é uma pessoa sozinha. Mas o fato de a foto estar ali debaixo do seu nome pode fazer muita gente acreditar que está no auge de um belo relacionamento.

Sem entrar no mérito de por que alguém faz uma coisa dessas, o fato é que, sim, a realidade pode ser literalmente distorcida nos meios digitais, para todo tipo de ganho. E tem muita gente fazendo isso agora mesmo, inclusive pessoas com quem você pode se relacionar aqui.

Não faça isso!

Valendo-me de outro ditado, “a mentira tem pernas curtas”. Mesmo enganadores habilidosos acabam escorregando em algum momento. E aí, toda aquela reputação que vinha sendo criada e garantindo contratos vai por água abaixo. Pior: em alguns casos, as vítimas podem até mesmo exigir seus direitos na Justiça.

Há ainda um agravante: as redes sociais são um incrível amplificador, para o bem ou para o mal. Um uso consciente e ético pode alavancar qualquer carreira ou negócio, mas uma fraude pode transformar uma estrela em poeira. No meio online, tudo acontece em escala superlativa e em tempos minúsculos.

Portanto, só publique sua foto com duas taças de vinho se alguém estiver com você.

 

“Tá se achando?”

Em palestras, aulas e mentorias, vira e mexe uma pergunta me é feita: “mas, se eu ficar falando de mim mesmo, as pessoas não vão dizer que eu ‘estou me achando’?”

Claro que não! Desde que você faça isso direito.

Nada mais chato que um sujeito que fica o tempo todo dizendo apenas como ele é incrível, como transforma em ouro tudo que toca, como faz brilhar a vida de todos que conhece: o sujeito é praticamente um santo!

Vai por mim: isso não existe!

Publicações demasiadamente egocêntricas podem até convencer em um primeiro momento, mas logo acabam caindo em descrédito. Ou -pior- viram motivo de chacota, junto com seu autor.

A dica de ouro é: fale somente a verdade! Não fique inventando coisas que não é ou não faz, nem “doure a pílula”. A melhor maneira de se construir uma reputação duradoura é usar, como suas fundações, fatos e méritos verdadeiros. Eles são inabaláveis.

Mas, por outro lado, não seja demasiadamente humilde. Muita gente -talvez a maioria das pessoas- tem vergonha ou receio de contar aos outros o que tem de bom. É exatamente o contrário do exemplo logo acima! O problema, nesse caso, é que, se você não contar o que você tem a oferecer, ninguém saberá disso. E daí, como esperar que alguém o contrate por essa habilidade?

Também “não force a amizade”. Por mais que se esteja dizendo apenas a verdade, não precisa ficar falando isso o tempo todo aos quatro ventos: dose a sua exposição a um volume razoável! Tampouco faça isso sempre do mesmo jeito: sempre dá para encontrar um jeito novo e diferente de apresentar o que faz, para não ficar repetitivo e, consequentemente, cansativo.

Uma boa presença nas redes sociais também trabalha com os valores que cada um de nós carrega dentro de si, e que nos define. Qual desses valores podem ser oferecidos ao seu público? Entre os meus, por exemplo, está compartilhar conhecimento, o que faço em artigos como esse, em palestras, em cursos, em mentorias. É algo em que acredito, que me deixa feliz e que efetivamente ajuda pessoas e empresas.  Por isso, é um tema recorrente na minha presença digital.

Quais são os seus valores que podem indicar algo que possa oferecer a seu público? Pense nisso, mas seja consistente: não adianta pregar algo, mas suas ações não condizerem com aquilo.

Por fim, ofereça algo às pessoas. Todos nós podemos contribuir com o próximo, nem que seja com as pessoas ao nosso redor. E as redes sociais são uma ótima ferramenta para ampliar ainda mais o alcance disso. Longe de ser uma ferramenta de marketing vazia, isso traz grandes ganhos a todos, inclusive para quem está oferecendo, com inestimáveis ganhos até para a alma.

Portanto, pare e pense: a sua presença nas redes sociais está adequada?

Seja sincero sempre e cuidado com o ego. Diga o que faz e ofereça de coração algo às pessoas. Seja acessível e também disponível. São atitudes simples, mas que demonstrarão o seu caráter. E, se fizer isso direitinho, você colherá bons frutos, e ninguém dirá que “esse aí se acha!”


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A ignorância é o único caminho para sermos felizes nas redes sociais?

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Faça como Neo, do filme Matrix: escolha a pílula vermelha e abrace a realidade ao invés de prazeres ilusórios - Foto: divulgação

Faça como Neo, do filme Matrix: escolha a pílula vermelha e abrace a realidade ao invés de prazeres ilusórios

“Fake news” em todo lugar. Usuários parando de usar plataformas. Grandes anunciantes ameaçando abandonar o barco. Empresas descontentes com os resultados de suas páginas. As redes sociais, aquelas em que passamos horas e horas todos os dias e que mudaram as nossas vidas, estão sob fogo cruzado. Até ontem, usávamos esses produtos alegremente. Agora parece que tudo ficou sombrio. Mas será que a coisa é mesmo tão ruim ou que essa aparente ruptura foi assim de repente? Faço uma provocação: nas redes sociais, só podemos ser felizes se não levarmos as coisas muito a sério?

Esse questionamento surgiu nessa semana no meu mestrado na PUC, enquanto discutíamos o filme Matrix (1999). Quem assistiu a esse clássico da ficção científica deve se lembrar que o protagonista Neo (Keanu Reeves), em determinado momento, precisa decidir se toma uma pílula azul e continua a sua vidinha, ou uma vermelha e descobre como a realidade de fato era: humanos escravizados por uma gigantesca máquina, sendo que a vida que pensavam viver não passada de uma ilusão implantada diretamente em seus cérebros. Essa monstruosidade tecnológica, a Matrix, mantinha os humanos felizes nessa mentira, enquanto, na realidade, sugava a energia produzida pelos seus corpos inertes, cultivados como se fossem plantas.

Neo escolhe a pílula vermelha, e troca os prazeres da vida ilusória por uma realidade dura, porém libertadora.


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Guardadas as devidas proporções e certamente com um tom muito menos apocalíptico, poderíamos dizer que nossa relação com as redes sociais, mais notoriamente com o Facebook, segue a mesma lógica. Os algoritmos de relevância nos dizem o que devemos ver, seguindo a ideia de sempre nos apresentar coisas de que supostamente gostamos, de modo que usemos cada vez mais seus produtos e lhe entreguemos nossos dados. Eles são a “energia” que alimenta o poderoso sistema publicitário, fonte de renda da empresa. São conteúdos que nos fazem “felizes”, mas que não são necessariamente bons ou aqueles que precisaríamos ver para nosso bom desenvolvimento.

Mas não foi sempre assim? O que mudou agora?

 

A mentira tem perna curta

Esse debate ganhou força ao longo do ano passado, quando as infames “fake news”, as notícias falsas, caíram na boca do povo. De repente, as pessoas começaram a se sentir enganadas pelas redes sociais (apesar de muitas continuarem compartilhando todo tipo de porcaria sem se preocupar se aquilo era verdade). O Facebook chegou a ser acusado de ter ajudado Donald Trump a se eleger à Casa Branca! Isso forçou a empresa a abandonar sua tradicional postura contemplativa diante do problema, para se engajar publicamente na sua solução.

Para engrossar o caldo da polêmica, ex-funcionários dessas empresas lançaram recentemente campanhas contra as redes sociais, e até mesmo afirmaram categoricamente que elas estão destruindo a sociedade. Segundo eles, os algoritmos prejudicariam nossa capacidade de escolha, senso crítico e até mesmo provocariam depressão em crianças.

No dia 25 de janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), o megainvestidor George Soros taxou o Facebook e o Google de “ameaças à democracia” pelo seu “comportamento monopolístico”. Segundo o bilionário húngaro, a abrangência e os algoritmos dessas empresas provocariam dependência nos usuários e comprometeriam sua capacidade de escolha, representando até mesmo obstáculos à inovação.

Tudo isso pode ter componentes de verdade. Mas ficaram de fora dessas análises um item crucial: o usuário.

 

A decisão é sua

Assim como na Matrix, esses sistemas são feitos para serem sedutores. Afinal, se não nos entregarem algo que achemos divertido, agradável ou útil, usaremos menos o produto, o que seria péssimo para os negócios. Ou seja, em última instância, o poder de decisão continua sendo de cada um de nós.

É aí que a porca torce o rabo.

Na história criada pelas irmãs Wachowski, o personagem Cypher (Joe Pantoliano), um dos “humanos libertados” da Matrix, decide trair seus companheiros de luta enquanto saboreia um bife que ele sabe ser uma ilusão. Ou seja, o personagem decidiu que o engano da Matrix era muito melhor que a realidade e conscientemente abriu mão dessa última.

Não estou dizendo que usar redes sociais nos tiram da realidade. Mas a essência das “fake news” recai sobre a ação do usuário de compartilhar algo que ele acredite ser verdadeiro (ou pior, que deseje ser verdade). Os criadores desses conteúdos sabem disso. Por isso, eles são produzidos para falar diretamente ao coração das pessoas, que passam a espalhar as mentiras a seus contatos. A partir daí, os algoritmos de relevância fazem o trabalho sujo.

É como diz o ditado: me engana que eu gosto!

O grande dilema em que todos nós fomos enfiados é que o algoritmo dessas plataformas ficou tão eficiente em identificar o que nos dá prazer, que se tornaram a ferramenta perfeita para quem quiser espalhar a sua versão de qualquer fato, para atingir seus objetivos, muitas vezes criminosos ou nefastos. O cidadão, por sua vez, vivendo uma vida cada vez mais acelerada e com uma crescente busca pelo prazer (em grande parte, influenciada pelas próprias redes), “baixa as suas defesas” e cai como um pato nesse jogo de poder.

E não pense que isso aí só se aplica a questões políticas, apesar de esse ser o terreno que em que essa combinação de “fake news” e algoritmos azeitados tem feito mais barulho.

 

Não seja ignorante!

Quer ver outro lugar onde isso acontece de montão? Esses malfadados testes do tipo “com qual celebridade eu me pareço”, que tem encharcado o Facebook recentemente. O pessoal adora aquilo! Se eu jogasse, certamente diriam que eu me pareço com o Tom Cruise.

Claro… Claro… Como poderia ser diferente? Nunca notaram a semelhança gritante?

Mas eu não jogo! Primeiro porque sei que não me pareço com ele. Depois porque esses infames testes não passam de sistemas para sequestrar nossos dados, que graciosamente entregamos de bandeja quando autorizamos o Facebook a compartilhá-los com o fabricante da picaretagem. Em alguns casos mais graves, autorizamos que eles façam publicações em nosso nome. Em outras palavras, entregamos a eles o poder de usar nossa conta do Facebook para espalhar a nossos amigos desde notícias falsas a vírus.

Sempre digo às pessoas que resistam a esse prazer instantâneo e fugaz oferecido por esses sisteminhas. Já me chamaram de chato de galochas por isso. Tudo bem, cada um é dono da sua vida. Mas não podemos ser tão inocentes assim em achar que vivemos em um mundo de pessoas boas, que só querem nosso bem, acima de tudo.

Não vivemos!

E não podemos achar que o Facebook fará uma mudança mágica em seus algoritmos ou políticas que nos livrará do mal, amém. Pois isso também não vai acontecer! Seu algoritmo continuará tentando nos seduzir, como o Don Juan perfeito, pois isso é a essência do seu negócio. Ele não cria os “fake news” ou os sequestradores de dados, mas a combinação de seus algoritmos com a nossa busca inconsequente pelo prazer é o vetor perfeito para sua disseminação.

Não proponho, de forma alguma, que deixemos de usar redes sociais, buscadores e toda a gama de recursos digitais que transformaram nossa vida em algo muito melhor, mais poderoso e mais divertido. Isso é impensável! Apenas precisamos ser mais conscientes do que estamos fazendo, para não sermos feitos de trouxas. Em outras palavras, seremos muito mais felizes se não ficarmos na ignorância, se não nos enganarmos pelos prazeres baratos e ilusórios.

Sejamos mais Neo e menos Cypher. Escolha a pílula vermelha! Sempre.


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Como a conquista das crianças pelo YouTube pode impactar empresas e a educação

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Foto: Tobyotter/Creative Commons

Pergunte a uma criança onde ela vê seus programas preferidos. Há uma grande chance de o YouTube ser a resposta. Ele caiu de vez no gosto dos pequenos. Ótimo para o Google, dono da plataforma! Mas isso abre algumas interessantes questões educacionais e de negócios.

Um recente levantamento da ESPM Media Lab, conduzido pela pesquisadora Luciana Corrêa, jogou luz sobre isso. Suas observações combinam com o relatório “Children and Internet use: a comparative analysis of Brazil and seven European countries”, produzido a partir de estudos comparáveis dos países participantes. No Brasil, os dados foram levantados pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).


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Para crianças e adolescentes, o YouTube já é muito mais que uma simples plataforma de vídeos: é a sua principal ferramenta de busca para qualquer assunto, ocupando o espaço que o próprio Google tem para os adultos. Tanto que a empresa lançou o YouTube Kids, um versão do serviço com recursos especiais para crianças (ainda não disponível no Brasil).

Naturalmente os vídeos de entretenimento são o principal atrativo da plataforma. Corrêa identificou que, dos 100 canais com mais audiência do YouTube, 36 abordam conteúdo direcionado a crianças de 0 a 12 anos. E, de 110 canais brasileiros analisados (que já renderam 20 bilhões de visualizações), a categoria mais comum é a de “games”, seguida pela de “programação infantil também disponível na TV”. Apenas um canal era “educativo”.

A segunda categoria me chamou muito a atenção. Para as crianças, não existe diferença entre o conteúdo no YouTube, em serviços pagos de vídeo sob demanda (como Netflix) ou nas TVs por assinatura ou aberta: tudo é vídeo! E isso acende uma grande luz vermelha para o negócio das emissoras de TV.

As crianças estão vendo TV fora da TV!

 

Tela do passado

Acontece que os pequenos cada vez menos usam o aparelho de TV. Para elas, a programação “nativa” na telona é uma coisa anacrônica com três características muito indesejáveis: existência de uma grade de programação (que as obriga a assistir aos programas em horários específicos), programação continuamente interrompida por comerciais e impossibilidade de ver o conteúdo com privacidade. Não é de se estranhar, portanto, que o dispositivo preferido para assistir a vídeos seja o celular, e a plataforma seja o YouTube: a combinação elimina, de uma só vez, esses três incômodos.

Esse comportamento também pôde ser observado em uma outra pesquisa, realizada no ano passado pela comScore e pela IMS, com latino-americanos que veem vídeos online, uma realidade cotidiana para 81% do público pesquisado, contra apenas 70% da TV aberta (no Brasil, os números foram 82% contra 73% respectivamente). E os mais jovens eram os que mais preferiam vídeos online à TV.

Chegamos a debater neste espaço como o lançamento do Globo Play não deve cativar os mais jovens. O produto tem um formato técnico e um modelo de negócios semelhantes aos da Netflix, mas falha ao se manter atrelado à grade de programação da emissora. Não é, portanto, suficiente para estancar a sangria desatada do público.

Os fabricantes de TV, que já perceberam os ventos da mudança há alguns anos, estão transformando os aparelhos em poderosos computadores, capazes de rodar todo tipo de aplicativo, inclusive o YouTube e a Netflix (não por acaso os mais populares em suas plataformas). Resta saber o que as emissoras de TV farão para evitar que seu negócio mingue por falta de público.

Até o momento, não vejo grande coisa.

 

YouTube babá?

Mas há outro aspecto importante a se analisar nesse fenômeno: as crianças estão ficando tempo demais no YouTube?

Curiosamente, há uns 20 anos, essa pergunta recaía sobre a própria TV, chamada pejorativamente então de “babá eletrônica”. As crianças passavam horas a fio assistindo à sua programação, e depois seus pais acusavam-na de “deformar” seus filhos. A bola da vez para esse “cargo” é a tecnologia digital, com o YouTube em destaque.

Quando uma criança deve ter acesso à tecnologia é um debate que parece não ter fim. Existem bons argumentos a favor e contra. Particularmente acho um grande erro querer privá-las disso por princípio, pois vejo falhas conceituais no que diz a “turma do não”. Além disso, vivemos em um mundo em que a tecnologia digital é cada vez mais ubíqua, e, por isso, as crianças devem aprender, desde cedo, a se apropriar dessas ferramentas em seu favor.

O que não quer dizer abandonar as crianças à sua própria sorte com seus gadgets. Pais que acusavam a TV e, depois dela, a Internet, os videogames, os smartphones, o YouTube por problemas com seus filhos estão tentando jogar em outro a culpa que é, na verdade, sua!

Como explica muito bem a psicóloga Katty Zúñiga, do NPPI (Núcleo de Pesquisas da Psicologia e Informática) da PUC-SP, os pais não devem vetar o acesso à tecnologia para seus filhos, pois eles acabarão encontrando maneiras de burlar a proibição, eliminando a chance de os pais construírem algo juntos com os filhos nesse ambiente. Por outro lado, os responsáveis devem oferecer e incentivar outras atividades aos pequenos, como livros, brincadeiras, atividades manuais, passeios, para que as ferramentas digitais sejam apenas “mais uma” das atividades disponíveis para a criança. Pois, se ela não tiver alternativa, usará o que estiver à mão, no caso, literalmente, o smartphone. Além disso, os pais devem se envolver e demonstrar interesse genuíno pelo que seus filhos fazem nos meios digitais. Tudo isso é o que pode ser considerado um uso consciente e construtivo da tecnologia pelas crianças.

Sim, o cotidiano é difícil, todos têm que trabalhar, estão sempre na correria, sobra pouco tempo para lazer. Mas –sinto muito– nada disso serve de desculpa para não dispensar às crianças o tempo e a atenção que elas necessitam e merecem. Isso é ser pai e mãe.

Portanto, antes de o uso intensivo do YouTube pelos pequenos ser a causa de algum problema, ele é um sintoma. A plataforma pode ser muito interessante por si só. Não há nada de errado nas crianças gostarem dele, desde que não seja por falta de alternativas ou orientação. Muito mais que as emissoras de TV, são os pais que devem estar atentos a isso.


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