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Black Friday 2020 deu o tom para o varejo de 2021

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A Black Friday desse ano confirmou a expectativa de ser a mais digital da história. Mas também foi a que mais nos ensinou, e pode ter dado importantes pistas sobre como será o varejo no ano que vem.

Vários fatores explicam isso, todos eles, de certa forma, ligados à pandemia de Covid-19. A começar porque o varejo físico continua um tanto vazio, pois parte da população ainda prefere evitar compras presenciais. Além disso, muita gente que ainda resistia ou usava pouco o e-commerce abraçou de vez essa modalidade de compras no período de distanciamento social.

Boa parte dessas pessoas descobriu suas vantagens e não voltará atrás. E não tem mesmo como voltar! Mesmo porque o retorno a algo mais parecido com uma “vida normal”, que depende das vacinas contra a Covid-19, pode demorar ainda mais que o esperado: na semana passada, o Ministério da Saúde disse que não haverá vacina para todos os brasileiros em 2021, devemos ficar bem longe disso!

Portanto, essa Black Friday nos mostrou caminhos interessantes, com muitos aprendizados, tanto do lado dos consumidores, quanto dos varejistas. Precisamos estar atentos às mudanças, pois elas podem salvar nosso negócio de agora em diante.


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Na sexta da Black Friday, as vendas no varejo recuaram 14,5%, em relação ao ano anterior. Os dados são do Índice Cielo de Varejo Ampliado, que monitora 1,5 milhão de varejistas. A causa principal foi o declínio de 25,5% nas vendas no varejo físico. Já o e-commerce cresceu 21,2%.

Os números estão em linha com o apurado pelo Ebit|Nielsen. Segundo a consultoria, somando a quinta e a sexta, o e-commerce brasileiro vendeu na Black Friday R$ 4,02 bilhões, um crescimento de 25,1% em relação a 2019. Foram mais de 6 milhões de pedidos gerados, 15,5% superior ao ano passado.

Mas, mesmo no e-commerce, as vendas decepcionaram. Outra consultoria, a Neotrust, projetava um faturamento de R$ 6,6 bilhões.

Parte disso se deve ao fato de que o brasileiro ficou mais pobre em 2020. A economia e o emprego já tinham começado o ano bem ruins, e sofreram ainda mais por causa da pandemia. Para muita gente, o auxílio emergencial era o único dinheiro que entrava. Em muitos casos, ainda é.

Observou-se também uma diluição das compras em vários dias, antes da sexta. Segundo a Neotrust, de segunda quarta, o comércio digital faturou R$ 1,8 bilhão, um aumento de 109% ante o mesmo período de 2019.

As ações de antecipação existem há muitos anos, mas não costumavam dar tão certo. Agora, com muita gente ainda trabalhando em casa, as pessoas tiveram mais tempo de acompanhar a evolução dos preços e identificar essas ofertas mais cedo. Ou seja, aquela fissura de ficar esperando dar a meia-noite no site ou a loja abrir na manhã de sexta está cada vez mais no passado.

Isso também se explica pelo amadurecimento do consumidor digital. Como eu disse antes, muita gente que resistia ao e-commerce agora compra um monte de coisa online.

Por isso, o comércio digital já vinha de uma sequência de bons resultados desde abril. Ele registrou a sua maior alta histórica em 2020, com picos de crescimento nas datas sazonais, como o Dia das Mães e o Dia dos Namorados.

No trimestre que terminou em setembro, fortemente impactado pelas lojas fechadas, o e-commerce cresceu 43,5% em relação a 2019. Já as lojas físicas, mesmo com a reabertura no começo do segundo semestre, nunca mais recuperaram o movimento de antes da pandemia, mesmo agora na Black Friday. Não houve aglomerações nem filas.

 

Poder na palma da mão

Outra coisa interessante que se viu foi que, mesmo quem estava na loja, estava comparando preços pelo smartphone. Esse comportamento também não surgiu agora, mas se acentuou nessa Black Friday em que até o varejo físico tinha algo de digital.

O consumidor tem muito mais poder de escolha e mais informação, o que exige que as vendas de agora em diante sejam muito mais consultivas e focadas nas reais necessidades do cliente. Aquela história de empurrar o produto encalhado ou que dava mais margem de lucro ficou para trás. Agora a venda só acontece se o consumidor realmente entender que está levando o melhor produto para ele e com as melhores condições.

Segundo uma pesquisa feita pela Samsung sobre tendências desta Black Friday, as ferramentas mais usadas pelos consumidores para isso são plataformas de comparação de preços (usadas por 61% dos clientes), alertas de preços (adotadas por 50%) e redes sociais (com 48% de uso). Mesmo quem tem a intenção em fazer uma compra em uma loja física, porque quer levar o produto na hora, por exemplo, faz pesquisas online. Ou seja, chega na loja sabendo tudo sobre o produto e quais são as melhores ofertas.

Eu particularmente acho isso ótimo, pois se estabelece um relacionamento mais transparente entre varejista e consumidor. Tanto é assim que o site Reclame Aqui identificou que a queixa mais comum desse ano foi a mesma de anos anteriores: a maquiagem de promoções. Ou seja, as lojas aumentam os preços alguns dias antes, para dar um desconto mentiroso na Black Friday.

É a “Black Fraude: tudo pela metade do dobro!”

Insistir nisso é um tiro no pé! As pessoas não são trouxas e têm cada vez mais acesso à informação.

Vale dizer que, apesar de os sites anunciarem descontos de até 80%, eles são raríssimos! Também segundo o Reclame Aqui, os descontos estavam parecidos com a de anos anteriores, entre 15% e 20%. Dificilmente se encontrava algo com mais de 30%.

A consultoria KPMG destaca também outra coisa que tem que aparecer no radar dos gestores: a segurança. No caso das lojas físicas, o respeito aos protocolos sanitários da Covid-19 é essencial para que os consumidores se sintam seguros para voltar aos estabelecimentos. Já no caso do e-commerce, destaca-se a segurança dos dados dos clientes e das transações financeiras. E, em todos os casos, a logística fica cada vez mais importante, para garantir entregas certas e no prazo. Atrasos podem corroer seriamente a imagem da marca!

 

Você está se mexendo?

Faço agora algumas provocações.

Em primeiro lugar, o seu negócio já cuida de todos esses pontos ou está pelo menos genuinamente trabalhando para chegar lá? Aliás, apesar de o assunto aqui se concentrar no varejo, muitos desses aprendizados valem para qualquer negócio, pois eles estão associados a mudanças no comportamento do cliente, que afetam todos os segmentos.

Por exemplo, o omnichannel, que integra de maneira total e transparente os varejos físico e online, e todos os canais de atendimento, se tornou essencial. Qualquer que seja o seu negócio, está cada vez mais difícil saber onde a jornada do cliente começará, e muito menos onde terminará, especialmente em vendas mais complexas. O consumidor pode começar o relacionamento com a marca na loja, obter mais informações no Google, conversar com os vendedores por WhatsApp, fechar a venda pelo site e ir buscar o produto de novo na loja, ou qualquer combinação disso.

Dá para ver que não estar preparado para atender todos esses canais pode dificultar muito as vendas de seus produtos ou serviços de agora em diante. Isso se você não for chutado para fora do mercado!

Outra coisa importante é que todo a tecnologia é fundamental, não apenas para ter um e-commerce, mas para que todos os vendedores ou o próprio site continue o atendimento exatamente no ponto que o vendedor anterior deixou. Toda a informação sobre o cliente e sobre a venda deve ficar registada e disponível rapidamente.

A tecnologia também pode trazer insights valiosíssimos cruzando os dados do consumidor com seu histórico com a empresa, mas também com suas incontáveis pegadas digitais espalhadas pela Internet. A capacidade da máquina de coletar e analisar uma quantidade absurda de informações pode identificar padrões e fornecer ideias que nem o melhor vendedor do mundo conseguiria fazer.

A Black Friday 2020 não foi, portanto, apenas uma data de vendas: ofereceu ensinamentos valiosos para os gestores. Se o cliente mudou (e ele mudou muito!), não dá para continuar tocando seu negócio do mesmo jeito.

Quando ser bom no que se faz vira um problema

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Você sente que não sabe mais em quem acreditar? Não se vê representado por ninguém?

Você não está sozinho! E isso não é uma esquizofrenia coletiva.

É resultado de um processo cuidadosamente planejado e executado por grupos que querem se manter no poder. Mas esses grupos não são os únicos responsáveis por esse momento de confusão em que vivemos.

Isso acontece também porque instituições em quem sempre confiamos para separar o certo do errado perderam essa relação com seu público, porque não conseguem mais se comunicar com ele. Pior que isso: as pessoas não se sentem mais representadas por elas. E a perda de representatividade é o caminho mais eficiente para uma instituição, um governo, uma empresa, das maiores às menores, ser colocada para fora do jogo.


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A técnica usada por esses grupos não é nova. Trata-se de uma estratégia militar conhecida como “dividir para conquistar”. Foi criada pelo general romano Júlio César no século I a.C. e consiste em estimular divisões entre os indivíduos de uma sociedade para que eles não se organizem contra o governante. Além disso, promove o ódio entre esses indivíduos e empodera aqueles que apoiam o mandatário.

A novidade é que agora a comunicação e as redes sociais são as principais ferramentas dessa fratura proposital da sociedade. E isso acontece em uma velocidade alucinante, com uma crise nova a cada semana, ou mais!

Por exemplo, a sociedade ainda se debruçava sobre um interminável debate sobre a segurança das urnas eletrônicas depois do primeiro turno. Um ataque aos servidores do TSE coordenado com uma enxurrada de fake news tentou desacreditar o sistema eleitoral eletrônico, para atender interesses de grupos que aparentemente querem seu fim para fraudar a eleição de 2022.

Então, na quinta, aconteceu o brutal assassinato de João Alberto Silveira Freitas por seguranças de em uma loja do Carrefour em Porto Alegre. E o debate nacional passou a ser subitamente se existe racismo no Brasil (o que é surreal!).

Não estou dizendo que esses assuntos não sejam importantes ou não devam ser debatidos. Muito pelo contrário!

A questão é como esses temas são colocados em pauta pelos grupos no poder, começando já com uma temperatura altíssima, promovendo uma profunda rachadura na sociedade, ao invés de se encontrar um consenso construtivo, que seria o objetivo de um bom governante.

Se, a essa altura, você já está irritado com o que estou dizendo, essa é uma prova de que o método funciona!

Entretanto, como eu disse antes, isso é só uma parte do problema. A outra é que as instituições que tradicionalmente ajudavam a sociedade a separar o bem do mal, o certo do errado, perderam grande parte de sua capacidade de conversar com a população.

Essas instituições –como a imprensa, a igreja, a educação, a ciência– são importantes contrapontos ao “dividir para conquistar”, pois são elas que restabelecem a verdade e criam o ambiente para a união de um povo que quer se desenvolver. Não é por acaso que elas são fortemente combatidas pelos maus governantes. Exceto –claro– seus representantes que se submetem a seus caprichos: esses serão apadrinhados em uma imoral troca de interesses.

Mas por que essas instituições estão perdendo a capacidade de se comunicar com seus públicos?

 

Ficando bom e impopular

Ironicamente, ao buscar a excelência no que fazem, elas se tornam menos populares, no sentido amplo da palavra. Ficam mais difíceis de serem entendidas, tratam de temas que não fazem parte do cotidiano das massas. Pior: muitas até rejeitam demandas dessa parte da população, que acaba sendo a base mais numerosa da pirâmide social.

É fácil explicar isso olhando para a própria imprensa.

Sou jornalista desde 1993. A primeira vez que vi muita gente apontando para os veículos de comunicação e dizendo “você não me representa” foi nas grandes manifestações de rua de 2013.

Aquilo era um caldeirão de grandes insatisfações populares contra muita coisa, a maioria delas legítima. No meio daquelas gigantescas marchas, surgiam pontos de violência e depredação. Só que, pelo menos em um primeiro momento, muitos veículos de imprensa não apenas não reconheceu as demandas legítimas naqueles movimentos, como ainda se referiam a eles indiscriminadamente como “vândalos”, como se todos ali estivessem participando do quebra-quebra, o que obviamente não era o caso.

O resultado é que comecei a ver repórteres sendo hostilizados nas ruas pela população por simplesmente estarem fazendo seu trabalho. De lá para cá, isso apenas piorou, com o patrocínio dos governantes que perceberam como esse vínculo entre a mídia e seu público estava frágil.

Sem representatividade, nenhum negócio resiste!

Ainda no caso da imprensa, a busca de fazer um trabalho de excelência também acabou afastando os grandes veículos da base da sociedade. Isso começa pelo linguajar adotado, difícil de ser compreendido por essa parcela da população. Os assuntos também contribuem para esse afastamento, com pautas distantes de sua realidade. O uso limitado dos recursos digitais piora ainda mais essa situação.

Eu me lembro, nos anos 1990, quando a Internet comercial ainda estava nascendo, que algumas empresas de comunicação tinham um jornal “sério” e outro sensacionalista ou pelo menos com apelo mais popular. Isso quando não tinham publicações que juntas atendiam todo o espectro do público.

Apesar de a intelectualidade torcer o nariz para os “empreme-que-sai-sangue”, como eram chamados os jornais sensacionalistas, eles tinham uma importância fundamental para informar parte da população! Afinal, no meio de todo aquele material “questionável”, estava a notícia necessária para o indivíduo levar uma vida melhor.

Muitos desses jornais sumiram, por diferentes motivos. Foram substituídos por sites “de agrado fácil” para esse público, mas que não têm o menor interesse em informar nada. Na verdade, muitos hoje são veículos de desinformação.

Vamos pegar um mercado completamente diferente, para ilustrar como a comunicação e a representatividade são essenciais para todos: uma lanchonete.

Digamos que um dado estabelecimento ganhou fama e cresceu pela qualidade de seu X-burguer, que é um lanche mais simples. O que tinha de mais sofisticado ali era um também popular X-salada. Diante do sucesso, o dono do estabelecimento começou a investir em lanches realmente sofisticados. Eles lhe davam mais margem de lucro e começou a ser elogiado por uma parcela da população mais elitizada, que não costumava frequentar o local antes.

O proprietário decidiu então fazer apenas os lanches mais sofisticados. Como resultado, sua clientela diminuiu drasticamente, pois a maior parte das pessoas queria apenas o X-burguer e o X-salada. Eles não gostavam dos lanches mais sofisticados e não viam por que pagar mais caro por aquilo.

A médio prazo, a lanchonete –que passou a ser chamada de hamburgueria– acabou quebrando.

Não há nada de errado em querer evoluir e atender um público mais sofisticado! É preciso apenas saber se o negócio conseguirá sobreviver se esse movimento matar a sua representatividade junto ao grande público.

Ninguém paga por algo com que não se identifica!

 

Confortável na exclusividade

Peguemos agora a indústria automobilística.

Podemos pensar na Ferrari, a mítica fabricante de carros superesportivos, criada por Enzo Ferrari em 1939. Ela nunca teve a pretensão de atender as massas. Muito pelo contrário: uma Ferrari sempre foi símbolo de excelência, sofisticação e diferenciação. Em contrapartida, nunca foi nem será um fabricante gigantesco de carros, como a Fiat, que, aliás, comprou e depois vendeu a Ferrari.

São escolhas que temos que fazer. Mas, qualquer que seja a que façamos, precisamos conhecer bem nosso público, suas necessidades e como se comunica.

Você pode achar que está abafando ao fazer algo incrível! Mas isso de nada adianta se seu público não concorda, porque você se distanciou dessas pessoas.

Não caia nessa armadilha! Continuar relevante e representar seu público é essencial! Se quiser mudar seu perfil –e você tem direito a fazer isso– terá que encontrar um novo público.

Sem isso, você abrirá espaço para oportunistas –seja na política, seja nos negócios– que vão ocupar esse vazio a dizer que estão “do lado do povo”, mas que apenas o “dividem para conquistar”.

Por que algumas pessoas estão odiando a imprensa

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Ilustração da primeira sede do Estadão, um sobrado da rua do Palácio, atual rua do Tesouro, no centro de São Paulo: depois de 140 anos, o jornal continua vivo - Imagem: reprodução

Ilustração da primeira sede do Estadão, um sobrado da rua do Palácio, atual rua do Tesouro, no centro de São Paulo: depois de 140 anos, o jornal continua vivo

Recentemente o Brasil 247 retirou parte de uma conversa de Rodrigo Mesquita do contexto e, a partir dela, publicou “Herdeiro do Estadão: os jornais estão mortos“. Não discutirei o sensacionalismo barato do post, mas me preocupou muito a longa cadeia de comentários destilando um enorme ódio contra a imprensa e seus principais veículos. Algo na linha de “o Estadão tem mais é que morrer mesmo, e levar a Globo junto!”

A primeira coisa que pensei é que aquilo tudo era um rescaldo da hiperpolarizada eleição presidencial, que dividiu o país entre “azuis” e “vermelhos”, e onde alguns veículos da imprensa, mais notadamente a Veja, jogaram pesado -e às vezes sujo- no exercício da oposição. Mas, pensando melhor, isso não deveria ser suficiente para causar tamanha aversão, pois ela já vinda aparecendo com muita força desde as grandes manifestações de rua de 2013, quando alguns jornalistas que faziam sua cobertura chegaram a ser agredidos pela população, pelo simples fato de serem jornalistas.

Há algo muito perigoso nisso. Apesar de o jornalismo existir desde o Império Romano, sua versão moderna data do século XIX. Aqueles veículos rudimentares informavam a população de onde circulavam sobre os acontecimentos do local, do país e, quem sabe, do mundo. Eventualmente defendiam causas e tinham seu alinhamento político. De qualquer forma, a população se sentia representada pelo “seu jornal”.

Essa representação é um dos pilares do jornalismo. Uma imprensa livre é fundamental para a construção e manutenção de uma democracia. Por isso, a cartilha de qualquer ditador reza que a imprensa deve ser domada e silenciada o quanto antes. O finado Hugo Chávez refinou essa técnica, incutindo na população a ideia de que uma imprensa contrária ao governo é automaticamente contrária ao povo, quando, na verdade, normalmente acontece o contrário.

Se um veículo não consegue mais representar seu público, então ele perdeu sua razão de ser. Quando se radicaliza, como nos casos de Veja e Carta Capital, abre mão de parte da população em nome do que defende, mas ainda há um outro grupo que o apoia. Do lado do público, se alguém não gosta de um veículo, sempre haverá outro com o qual se alinhe. Mas o que vejo desde junho de 2013 é uma parcela crescente da população aparentemente abominar toda imprensa.

Não há dúvida que essa abjeta característica do chavismo chegou e se consolidou no Brasil, em grande parte por uma propaganda muito bem orquestrada nas redes sociais. Mas a grande imprensa não está ajudando em nada para reverter esse quadro. Já se foi o tempo em que a massa consumia sem questionar o que os veículos publicavam. As suas radicalizações são como gritos aos ouvidos de quem consome seu noticiário de maneira crítica (a melhor maneira, por sinal). Não estou dizendo que as publicações não devam defender uma posição ou mesmo se alinhar a um candidato em uma eleição. Isso é legítimo e saudável, desde que não esqueçam que, como veículos jornalísticos que são, devem realizar suas coberturas abrindo espaço para os outros lados, sem mentir ou destruir reputações apenas para fazer valer as suas teses.

Os próprios veículos -e ninguém mais- podem resgatar a confiança de seu público. E eles precisam se esforçar, genuína e rapidamente, nessa tarefa, ou a provocação barata do Brasil 247 acabará se concretizando.

A crise das empresas de comunicação também é de representatividade

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Composição mostra a diferença entre a cobertura do discurso da presidente Dilma Rousseff na ONU feita por veículos estrangeiros e pela Veja - Imagem: reprodução

Composição mostra a diferença entre a cobertura do discurso da presidente Dilma Rousseff na ONU feita por veículos estrangeiros e pela Veja

 

Na semana passada, a imagem acima inundou as redes sociais. Invariavelmente, ela era acompanhada de comentários criticando a postura da Veja, como exemplo de uma mídia nacional manipuladora e tendenciosa. Em meio a esse debate, ficou ainda mais claro para mim que grande parte da crise que os grandes veículos vêm enfrentando se deve ao fato de que eles não conseguem mais representar o seu público. Chego a me questionar se eles ainda se preocupam com isso.

A referida imagem é uma composição, publicada originalmente no blog de Luís Nassif, demonstrando a diferença entre a cobertura do discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembleia Geral da ONU, no último dia 24, feita por veículos estrangeiros (The Guardian, Le Monde e El País), em que era destacado o embate contra a espionagem americana (com fotos de Dilma discursando), e pela revista brasileira, com um título sugerindo um discurso de olho nas eleições de 2014 (e uma foto com Dilma sentada, muito menos imponente que as demais).

É fato que isenção completa não existe, inclusive pela nossa natureza humana. Mas sou um homem forjado no aço de rotativas e sei que é perfeitamente possível fazer jornalismo com seriedade. E isso é uma obrigação do ofício e das publicações.

Por mais que o veículo tenha uma linha política com a qual se alie, e não há nenhum problema nisso (deve-se inclusive deixar explícito ao seu público), não tem o direito de fazer jornalismo tendencioso, que deliberadamente mostre apenas uma parte da verdade, para induzir as pessoas a comprarem sua tese, seja ela qual for, legítima ou não. Isso é antijornalismo!

Uma publicação pode ser de direita ou de esquerda, pode defender seus candidatos, mas deve noticiar também o que eles têm de ruim, assim como o que seus adversários têm de bom. E isso não se restringe a questões políticas: vale também para assuntos religiosos, esportivos, o que for, tudo aquilo que os antigos diziam que “não se deve por à mesa” (eles estavam errados!).

O veículo deve oferecer subsídios para que seu público construa a sua opinião: assim se forma uma sociedade. Sem isso, ele apenas reforça preconceitos de gente cada vez mais alienada em torno de realidades enviesadas.

Plataformas de articulação social

Há algumas semanas, Rodrigo Mesquita, membro da família proprietária do Estadão e responsável pela Agência Estado ter a importância que tem, deu uma entrevista em que sugere que os jornais (e podemos extrapolar para os grandes veículos da mídia) perderam o espaço que tinham como articuladores da sociedade.

“Historicamente, os jornais eram plataformas de articulação das comunidades em que estavam inseridos, e contribuíram para a articulação dessas comunidades em torno de ideias e ideais, problemas, questões de consumo, da conversação política”, afirma Mesquita. Com isso, em um mundo em que o jornalismo era principalmente impresso, essas empresas ganharam enorme importância política. “Todas as empresas que atingem uma posição monopolista ‘emburrecem’. Os administradores das empresas jornalísticas se dedicaram apenas a gerenciar fluxo de caixa, relevando as possibilidades de empreenderem como empresários do setor de comunicação social”, conclui.

Trocando em miúdos, os veículos se tornaram máquinas bem azeitadas de fazer dinheiro na velocidade que suas rotativas imprimiam seus exemplares. Funcionavam tão bem, que esqueceram a sua função social. Os interesses da empresa começaram a se contrapor aos editoriais e, pior que isso, tudo começou a virar uma amálgama disforme e sem relevância para seu público.

Enquanto não havia outra plataforma que servisse de alternativa, essa massa serviu bem ao propósito do negócio. “Numa perspectiva histórica, (as empresas de comunicação) legitimaram-se, fizeram e ainda fazem dinheiro por causa da sua capacidade de articular públicos”, explica Mesquita.

Veio então a popularização da Internet, e o público deixou de ser um passivo consumidor das notícias (e das versões) dos grandes veículos e passou a ser protagonista da construção do noticiário. Subitamente, o público dos veículos, qualquer pessoa, passou a ser um potencial concorrente. E uma enxurrada de versões alternativas começou a surgir.

Quer pagar quanto?

Diante da incapacidade de lidar com esse novo mundo, os grandes veículos deixaram de representar seu público. E contestações como as vistas em volta da imagem acima aparecem o tempo todo.

O espaço para tal representação popular está aberto, democraticamente abraçando qualquer um que se proponha a isso. Aqui e ali, surgem pessoas, grupos e empresas procurando o seu espaço, representando desde poucos indivíduos a uma fatia significativa da sociedade.

Enquanto isso, os grandes veículos agonizam com receitas publicitárias e de assinatura cada vez menores. Não há surpresa nisso: ao não se sentir representado pelo veículo, seu público desaparece, derrubando as tiragens e as receitas. Afinal, quem vai pagar por algo com o que não se identifique?

As empresas de comunicação tentam sofregamente transpor seu velho modelo de negócios para a nova mídia. Não conseguem perceber que não há mais espaço para isso. Sua miopia está destruindo sua credibilidade, seu maior ativo.

Portanto, a solução para sair da crise é abandonar esse antijornalismo e se re-encontrar com seu público. Mas quais terão inteligência e coragem para isso?

A quem (ou para que) serve a mídia?

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Veículo do SBT é vandalizado ao lado da prefeitura de São Paulo, durante as manifestações do dia 17 de junho de 2013

Veículo do SBT é vandalizado ao lado da prefeitura de São Paulo, durante as manifestações do dia 17 de junho de 2013

Nas manifestações que vêm sacudindo o país nos últimos dias, entre suas diferentes bandeiras, demandas e aspirações, uma delas me chamou a atenção particularmente: fora imprensa! Poderíamos pensar que se trata de mais uma reação a tudo que representa um poder instituído, e a mídia certamente se enquadra nisso. Porém, analisando melhor, o buraco é mais embaixo: a população não se sente mais representada pela imprensa. E isso me disparou um alerta.

Nas minhas andanças por esse mundão, pude comprovar a máxima de que uma sociedade é tão mais evoluída quanto mais forte e independente é sua imprensa. Só assim, a sociedade pode ter uma contraposição às ideias hegemônicas difundidas por qualquer governo e ver os fatos de diferentes ângulos. Não é a toa que governos com vocação autoritária tentam cercear ou controlar a imprensa, valendo-se de meios legais ou não, exatamente como temos visto na América Latina na última década.

No Brasil, os veículos que se consolidaram como “grande imprensa” não tiveram origem como representantes de suas comunidades. Os mais antigos eram ligados a oligarquias, como o Estadão, ou até mesmo defendiam o recém-deposto Império, como o Jornal do Brasil. A Folha até que surgiu com a intenção de informar a crescente massa urbana de São Paulo, mas a maioria, nas diferentes mídias, foram apenas títulos lançados com objetivos empresariais (o que não é um problema, que fique claro).

Mas isso é muito diferente do nascimento da mídia nos EUA, intimamente ligada à comunidade onde estava cada veículo. Basta pensar nos estabelecimentos típicos de qualquer pequena cidade americana no século 19: o xerife, o saloon, o ferreiro, o hotel e o jornal. A função deste último era informar sua comunidade sobre o que acontecia nela mesmo e no resto do mundo. E o mais interessante é que ele era mantido pela própria sociedade que representava.

Apesar dessa diferença, esses grandes veículos brasileiros sempre trabalharam como agentes das liberdades e defensores do país (diferentemente de governos), trabalhando bem para seu desenvolvimento. Mas, de uns 20 anos para cá, algo aconteceu e os interesses empresariais próprios começaram a falar muito alto, interferindo de uma maneira cada vez mais decisiva –e escancarada– na linha editorial, principalmente nas revistas semanais de informação. Tais interferências começaram a afugentar leitores e abriram espaço para movimentos politizados de “resistência”, como os que passaram a classificar os grandes veículos como integrantes do “PIG” (“Partido da Imprensa Golpista”).

Até então, esse descontentamento com a mídia não aparecia com tanta força: na maioria das vezes, essas discussões acabavam restritas aos próprios jornalistas, não chegando às massas. Mas aparentemente isso mudou, o que é muito preocupante, pois, se uma imprensa livre e forte é essencial para uma sociedade melhor, como grupos que estão indo às ruas com esse objetivo podem pedir o “fim” da mídia?

O pior de tudo isso é que os responsáveis por esse sentimento são os próprios veículos, pela desvirtuação descrita acima. A sociedade está deixando de se sentir representada por eles, e seus jornalistas estão perdendo a credibilidade. Basta ver o que aconteceu com Caco Barcellos, um expoente do jornalismo nacional, que foi expulso do Largo da Batata no dia 17 e levou um soco na Praça da Sé dois dias depois. Por mais que o “alvo” talvez fosse a Rede Globo, o profissional foi a vítima. E, para um jornalista, tão ruim quanto uma agressão física, é a perda de sua credibilidade, seu bem mais valioso.

Apesar de toda essa animosidade, os movimentos têm sido palco de excelentes reportagens, exemplos do melhor do jornalismo, produzidas por profissionais ou pessoas que simplesmente registravam brilhantemente o que estavam presenciando. É o tal jornalismo-cidadão, incompreendido (e combatido) pelos grandes veículos. Essa resistência, aliás, ajuda a explicar o distanciamento das redações de seu público. E isso foi muito bem descrito em artigo de Otavio Frias de Oliveira, diretor de redação e um dos donos da Folha, escrito para justificar o lançamento de uma “nova Folha”, o “jornal do futuro”, no dia 22 de maio de 2010. Segundo ele, “os blogs e o jornalismo cidadão parecem oportunidades promissoras, mas quase sempre seu alcance fica limitado, seja em termos de recursos ou abrangência, seja porque expressam visões demasiado particulares e engajadas.” E conclui: “para piorar, o jornalismo que emerge está eivado de entretenimento, culto à celebridade, inconsequência.”

Não bastasse esses veículos estarem morrendo pela sua absoluta incompetência em criar um novo produto e modelo de negócio adequados à nova maneira como as pessoas se relacionam (ou seja, não apenas consomem, mas também produzem) com conteúdos jornalísticos,  eles se afundam ainda mais na lama por entender cada vez menos as mudanças editorias que lhe são impostas. Não estou defendendo de forma alguma a “inconsequência”, falta de apuração, pluralidade de informações. Mas não há mais espaço para o jornalismo palaciano, previsível, desengajado e organizado por interesses comerciais, que a grande imprensa vem produzindo.

Precisamos de uma imprensa forte e livre (inclusive para resistir a pressões dos poderosos). Mas ela precisa lembrar a quem ela serve.