Category Archives: Tecnologia

Mark Zuckerberg, CEO da Meta: redes sociais entraram na briga contra o “PL das Fake News” - Foto: Anthony Quintano / Creative Commons

O poder das redes antissociais

By | Tecnologia | No Comments

No começo, as redes sociais eram espaços divertidos, para encontrarmos antigos amigos e conhecer gente nova. Eram os bons tempos do Orkut, do MySpace e do Friendster. O próprio Facebook surgiu em 2004 como um simples diretório de alunos da Universidade de Harvard. Mas isso mudou na última década, e essas redes têm ficado cada vez menos sociais.

No lugar dos conteúdos inocentes de amigos e de familiares, as páginas dessas plataformas foram tomadas de publicidade, publicações de influenciadores e conteúdo de interesse das próprias empresas. Os feeds, que prendem nossa atenção, se transformaram em ferramentas de convencimento fabulosas, que nos induzem desde comprar todo tipo de quinquilharia até em quem votar. O espaço social deu lugar à máquina publicitária mais eficiente já criada.

A redução no aspecto social teve um custo para usuários e para as próprias redes.

Há semanas, o Brasil vem debatendo o Projeto de Lei 2.630/20, apelidado de “PL das Fake News”, que busca regulamentar essas plataformas. E agora elas entraram de sola na briga, combatendo explicitamente a proposta em suas páginas.

Não é de se espantar: são elas as mais impactadas pelo projeto, e não os usuários, os negócios, as igrejas ou mesmo os políticos. As redes, cada vez mais poderosas e menos sociais, não podem mais se eximir de suas responsabilidades, e precisarão fazer muito mais que atualmente para a manutenção saudável da sociedade.


Veja esse artigo em vídeo:


Nada disso chega a ser novo, mas a magnitude do espaço que ocupa em nossas vidas tornou-se alarmante. Como disse o professor da Universidade de Yale Edward Tufte, no documentário “O Dilema das Redes” (Netflix, 2020), “existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”.

Algumas pessoas questionam o aumento desse poder em detrimento dos aspectos sociais. Isso vem provocando sangrias de usuários desencantados. Por isso, essas empresas também são prejudicadas, pois os usuários acabam migrando para plataformas menores e nichadas, onde o aspecto social ainda é relevante. Com isso, o sonho megalomaníaco de moguls como Mark Zuckerberg e Elon Musk de ter uma plataforma onde todos fariam de tudo, fica cada vez mais distante.

“Não é do interesse das redes sociais mudarem o formato de como operam e muito menos abrirem as caixas pretas com algoritmos”, explica Magaly Prado, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. “É notório verificar o espalhamento desenfreado de assuntos polêmicos e, principalmente, quando sacodem emoções.”

Isso explica atitudes como as vistas nos últimos dias, como quando o Google colocou um link para defender sua posição contrária à regulamentação na sua página de entrada, ou quando o Telegram enviou uma mensagem para todos seus usuários no Brasil, com o mesmo fim. Para fazer valer seu ponto de vista, não economizaram em afirmações falsas ou distorcidas. No caso do último, ainda carregou em frases de efeito e falsas, como dizer que “a democracia está sob ataque no Brasil”, que “a lei matará a Internet moderna” ou que “concede poderes de censura ao governo”.

Essas iniciativas provocaram reações no mundo político, jurídico e empresarial. A própria Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, correu para dizer que não concordava com as afirmações do Telegram.

 

Abuso de poder?

Muitos argumentaram que essas atitudes das plataformas digitais poderiam ser consideradas “abuso de poder econômico”, pela enorme penetração que essas empresas têm na sociedade e pelo poder de convencimento de seus algoritmos. Apesar disso, juridicamente não se pode sustentar isso.

“O abuso de poder econômico pode ser resumido como a situação em que uma entidade dominante em um setor empresarial viola as regras da concorrência livre, impedindo que seus concorrentes, sejam eles diretos ou indiretos, conduzam seus negócios”, explica Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Para ele, as iniciativas do Google e do Telegram não se enquadram nisso. “Diferente seria se houvesse uma manipulação algorítmica que privilegiasse conteúdo alinhado com seu posicionamento, em detrimento de posições contrárias”, contrapõe.

De toda forma, esses episódios podem ser educativos. Eles ilustram muito bem o poder que as plataformas digitais desenvolveram, a ponto de se contrapor a governos eleitos e de jogar parte da população contra eles.

Ninguém ganha nada com isso!

“As redes perdem ao entulhar o feed dos internautas com mensagens falsas de interesses escusos, fugindo da ideia da Internet em unir as pessoas em uma esfera de sociabilidade e troca de saberes”, afirma Prado. De certa forma, leis como o “PL das Fake News” ao redor do mundo, como da União Europeia, China e Austrália, são reações aos descuidos com os aspectos sociais pelas plataformas, com a explosão das fake news, do discurso de ódio e de outros crimes nesses ambientes. Se essas empresas tivessem levado mais a sério esses cuidados, assim como os aspectos nocivos de seus algoritmos na saúde mental dos usuários, a sociedade não chegaria a essa cisão e talvez nada disso fosse necessário.

Talvez todos possamos aprender algo com a forma como as redes sociais cresceram. A liberdade nos permite criar coisas incríveis, mas ela não nos permite tudo! A liberdade de um termina quando começa a do outro, e o meio digital não se sobrepõe às leis de um país.

Não é um exagero dizer que as redes sociais são um invento que modificou nossas vidas profundamente, abrindo grandes oportunidades de comunicação e exposição. Mas se perderam pelo caminho. Ficaram demasiadamente poderosas, e isso subiu à cabeça de alguns de seus criadores.

Tristemente as grandes plataformas estão se tornando redes antissociais, onde o dinheiro supera os interesses daqueles que viabilizam o negócio: seus usuários. Por mais que não paguem por seus serviços (quem faz isso são os anunciantes), esse e qualquer negócio só prosperam se forem verdadeiramente benéficos a todos os envolvidos. Se a balança se desequilibra, como se vê agora, os clientes sempre encontrarão quem se preocupe de verdade com eles.

 

Ian Wilmut, biólogo do Instituto Roslin (Escócia), e a ovelha Dolly, primeiro clone bem-sucedido de um mamífero - Foto: divulgação

Corrida pela inteligência artificial não pode driblar leis ou ética

By | Tecnologia | No Comments

Diante do acalorado debate em torno do “PL das Fake News”, muita gente nem percebeu que outro projeto de lei, possivelmente tão importante quanto, foi apresentado no dia 3 pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG): o PL 2338/23, que propõe a regulação da inteligência artificial. Resta saber se uma lei conseguirá conter abusos dessa corrida tecnológica ou sucumbirá à pressão das empresas, como tem acontecido no combate às fake news.

Talvez um caminho melhor seria submeter o desenvolvimento da IA aos limites da ética, mas, para isso, os envolvidos precisariam guiar-se por ela. Nesse sentido, outro acontecimento da semana passada foi emblemático: a saída do Google de Geoffrey Hinton, conhecido como o “padrinho da IA”. Ele disse que fez isso para poder falar criticamente sobre os caminhos que essa tecnologia está tomando e a disputa sem limites que Google, Microsoft e outras companhias estão travando, o que poderia, segundo ele, criar algo realmente perigoso.

Em entrevista ao The New York Times, o pioneiro da IA chegou a dizer que se arrepende de ter contribuído para esse avanço. “Quando você vê algo que é tecnicamente atraente, você vai em frente e faz”, justificando seu papel nessas pesquisas. Hoje ele percebe que essa visão pode ser um tanto inconsequente.

Mas quantos cientistas e principalmente homens de negócios da “big techs” também têm essa consciência?


Veja esse artigo em vídeo:


Isso me lembrou do início da minha carreira, como repórter de ciência, quando o mundo foi sacudido, em fevereiro de 1997, pelo anúncio da ovelha Dolly, o primeiro mamífero clonado com sucesso. Apesar de sua origem incomum, ela viveu uma vida normal por seis anos, tendo até dado à luz seis filhotes. Depois dela, outros mamíferos foram clonados, como porcos, veados, cavalos, touros e até macacos.

Não demorou para que fosse levantada a questão se seria possível clonar seres humanos. Ela rendeu até a novela global “O Clone”, de Glória Perez, em 2001. Em 2007, Ian Wilmut, biólogo do Instituto Roslin (Escócia) que liderou a equipe que criou Dolly, chegou a dizer que a técnica usada com ela talvez nunca fosse eficiente para uso em humanos.

Muitas teorias da conspiração sugerem que clones humanos chegaram a ser criados, mas nunca revelados. Isso estaria em linha com a ideia de Hinton da execução pelo prazer do desafio técnico.

Ainda que tenha se materializado, a pesquisa de clones humanos não foi para frente. E o que impediu não foi qualquer legislação: foi a ética! A sociedade simplesmente não aceitava aquilo.

“A ética da inteligência artificial tem que funcionar mais ou menos como a da biologia, tem que ter uma trava”, afirma Lucia Santaella, professora-titular da PUC-SP. “Se não os filmes de ficção científica vão acabar se realizando.”

 

A verdade irrelevante

Outro ponto destacado por Hinton que me chamou a atenção é sua preocupação com que a inteligência artificial passe a produzir conteúdos tão críveis, que as pessoas não sejam mais capazes de distinguir entre o que é real e o que é falso.

Ela é legítima! Já em 2016, o Dicionário Oxford escolheu “pós-verdade” como sua “palavra do ano”. Muito antes da IA generativa e quando as fake news ainda engatinhavam, esse verbete da renomada publicação alertava para “circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais”. De lá para cá, isso se intensificou exponencialmente: as pessoas acreditam naquilo que lhes for mais conveniente e confortável. As redes sociais levaram isso às raias da loucura e a IA generativa pode complicar ainda mais esse quadro.

“Não é que a verdade não exista: é que a verdade não mais importa”, acrescenta Santaella. “Esse é o grande problema!”

Ter ferramentas como essas abre incríveis possibilidades, mas também exige um uso responsável e consciente, que muitos não têm. Seu uso descuidado e malicioso pode ofuscar os benefícios da inteligência artificial, transformando-a em um mecanismo nefasto de controle e de desinformação, a exemplo do que foi feito com as redes sociais. E vejam como isso está destruindo a sociedade!

Se nenhum limite for imposto, as empresas desenvolvedoras da IA farão o mesmo que fizeram com as redes sociais. É uma corrida em que ninguém quer ficar para trás, pois o vencedor dominará o mundo! Para tornar a situação mais dramática, não se trata apenas de uma disputa entre companhias, mas entre nações. Ou alguém acha que a China está parada diante disso tudo?

Eu jamais serei contra o desenvolvimento de novas tecnologias. Vejo a inteligência artificial como uma ferramenta fabulosa, que pode trazer benefícios imensos. Da mesma forma, sou um entusiasta do meio digital, incluindo nele as redes sociais.

Ainda assim, não podemos viver um vale-tudo em nenhuma delas, seja clonagem, IA ou plataformas digitais. Apesar das críticas ao “PL das Fake News” criadas e popularizadas pela desinformação política e resistência feroz das “big techs” (as verdadeiras prejudicadas pela proposta), ele oferece uma visão equilibrada de como usar bem as redes sociais. Mas para isso, essas empresas precisam se empenhar muito mais, inclusive agindo de forma ética com o negócio que elas mesmas criaram.

Não percamos o foco no que nos torna humanos, nem a capacidade de distinguir verdade de mentira. Só assim continuaremos evoluindo como sociedade e desenvolveremos novas e incríveis tecnologias.

Nesse sentido, o antigo lema do Google era ótimo: “don’t be evil” (“não seja mal”). Mas em 2015, a Alphabet, conglomerado que incorporou o Google, trocou o mote por “faça a coisa certa”, bem mais genérico.

Bem, a coisa certa é justamente não ser mal.

 

Imagem artística de Tiradentes, criada por Oscar Pereira da Silva - Foto: Acervo do Museu Paulista da USP / Creative Commons

Se fosse hoje, Tiradentes teria ficado famoso no TikTok

By | Tecnologia | No Comments

Quanto tempo é necessário para se criar um herói?

Na sexta, comemoramos o Dia de Tiradentes. Aproveitamos o feriado em nome do maior herói da história do país, mas são pouquíssimos os brasileiros que sabem qualquer coisa sobre ele, além de uma história rasa e totalmente fantasiosa que aprendem na escola.

A sua imagem amplamente difundida foi criada por positivistas no momento da fundação da República. Em um país carente de heróis, precisavam de uma figura para personificar os ideais republicanos. Isso foi conseguido com um discurso único e ufanista sobre um homem esquecido durante todo o Império. A imprensa e o sistema educacional foram os veículos desse processo, que levou décadas para se consolidar.

Hoje, talvez isso acontecesse em poucos meses, algumas semanas até. Os ideólogos modernos fazem isso com o apoio das redes sociais, capazes de criar mitos e de destruir reputações consolidadas com incrível eficiência. A ideia simples dá lugar à disseminação ampla e orquestrada de uma enxurrada de informações que permitem a construção de ideias que se enraízam na mente de grande parte da população.

O Brasil está em pleno debate sobre a responsabilidade das redes sociais no processo de desinformação, que vem carcomendo a sociedade. Nessa semana, deve ser votado na Câmara dos Deputados o chamado “Projeto de Lei das Fake News”, que visa disciplinar o tema. Mas um grupo de mais de cem deputados, com o apoio das big techs, tenta impedir essa votação.


Veja esse artigo em vídeo:


É de se perguntar por que a resistência a esse projeto de lei, e como tanta gente compra essa ideia. De certa forma, a resposta é justamente o motivo que faz a legislação tão necessária: a capacidade de alguns grupos de disseminar facilmente informações falsas ou distorcidas para atingirem seus objetivos. Esse mecanismo sempre existiu, mas ganhou uma força descomunal com as redes sociais.

Isso nos remete de novo a Tiradentes. A imagem que nos vem à mente é a de um homem de barbas e cabelos longos, junto ao cadafalso. Mas Joaquim José da Silva Xavier, nome do herói, era um alferes e, como militar, o máximo que se permitia era um discreto bigode. Na prisão em que passou seus últimos três anos, era obrigado a raspar o cabelo e a barba, para se evitar piolhos.

Todas as representações conhecidas de Tiradentes são criações livres de artistas que nunca o viram. A mais famosa delas, com longa barba e cabeleira, surgiu sob medida para remeter à imagem de Jesus Cristo, reforçando o aspecto messiânico do personagem que se desejava criar. Ironicamente a própria imagem dominante de Cristo, com um aspecto e vestes europeias da Idade Média, não deve representar em nada um homem que nasceu e viveu no Oriente Médio há 2.000 anos, sendo ela própria fruto de manipulação.

A apresentação de Tiradentes como líder da Inconfidência Mineira tampouco faz jus aos fatos. Ele foi o único enforcado do grupo não por ser uma liderança, mas por ser o “menos rico” de todos e o único que confessou a participação, servindo de exemplo à população. Seus companheiros endinheirados foram condenados ao exílio. De qualquer forma, seu martírio caiu como uma luva para a construção de sua imagem heroica.

Nos dias atuais, ninguém precisa morrer para se tornar um símbolo nacional. Basta saber como usar as redes sociais para captar as insatisfações da população e construir narrativas eficientes que o apresentem como a solução para essas mazelas.

 

“Libertas quæ sera tamen”

Podemos argumentar que o texto “Libertas quæ sera tamen”, tradicionalmente traduzido como “Liberdade ainda que tardia”, nunca esteve tão atual, graças ao debate em torno da responsabilidade das redes sociais pela fake news. A frase em latim foi proposta pelos inconfidentes para a bandeira da república que idealizaram no Brasil do final do século XVIII. Hoje ela faz parte da bandeira do Estado de Minas Gerais.

Aqueles que se opõem à regulamentação das redes sociais argumentem justamente que ela cercearia a liberdade de expressão, abrindo caminho para todo tipo de censura. Como muitos processos eficientes de desinformação, a ideia se constrói sobre argumentos verdadeiros e até desejáveis (no caso, a liberdade), mas colocados de maneira maliciosamente distorcida, para convencer grande parte da população a apoiar os interesses de um grupo.

De fato, o grande problema do projeto de lei é não definir, de maneira inequívoca, o que são fake news, o que pode abrir brechas para quem se beneficia delas. Por outro lado, reconheço a dificuldade de criar uma regra definitiva para tal, recaindo sobre a Justiça arbitrar casos duvidosos.

Outro ponto questionável do projeto é garantir a imunidade parlamentar no meio digital. Não é segredo algum que, entre os maiores produtores, disseminadores e beneficiários da desinformação, estão muitos políticos. Isso pode blindar essa categoria para que continuem abusando desse expediente.

Apesar disso tudo, o projeto avança em um ponto essencial, que é a responsabilização das redes sociais pelo que se publica em suas páginas. Se isso já era grave, ficou explícito com a explosão de ataques a escolas, incentivados por publicações no meio digital.

As plataformas devem bloquear conteúdos indubitavelmente criminosos. Para caso de falsos positivos, devem oferecer mecanismos de contestação. Em conteúdos dúbios, a Justiça continuará sendo acionada para decisões. O que se exige dessas empresas é celeridade e transparência no processo, algo que elas não oferecem hoje.

Não se trata, portanto, de ameaça à liberdade ou criação de um mecanismo de censura. Todos podem continuar dizendo o que quiserem nas redes sociais, sendo penalizados apenas quando infringirem alguma lei, como, por exemplo, em casos de calúnia ou difamação. E esses crimes já eram definidos muito antes desse debate.

As empresas das redes sociais não podem continuar isentas de um problema que nasceu e continua existindo graças a recursos que elas criaram, por mais que não fosse esse seu objetivo. Não se deseja cercear liberdades ou banir plataformas, e sim trazê-las para o centro dos esforços de solução dessa crise.

Nosso papel, como cidadãos, é parar de acreditar na barba falsa de Tiradentes e buscar fatos confiáveis para nossa tomada de decisões. Ninguém está isento dessa responsabilidade, nem das consequências de usos abusivos das plataformas digitais.

 

Sam Altman, CEO da OpenAI, disse estar “um pouco assustado” com a inteligência artificial – Foto: Steve Jennings / Creative Commons

Como lidar com os algoritmos que se sobrepõem à verdade

By | Tecnologia | No Comments

Três acontecimentos da semana passada, que provavelmente passaram despercebidos da maioria da população, envolvem tecnologias de enorme impacto em nossas vidas. O primeiro foi uma audiência no STF (Supremo Tribunal Federal) que debateu, na terça, o Marco Civil da Internet. Na quarta, mais de mil pesquisadores, executivos e especialistas publicaram um manifesto solicitando que pesquisas de inteligência artificial diminuam o ritmo, por representarem “grandes riscos para a humanidade”. Por fim, na sexta, a Itália determinou que o ChatGPT, plataforma de produção de textos por inteligência artificial da OpenAI, fosse bloqueado no país.

Em comum, os três tratam de tecnologias existentes há anos, mas com as quais paradoxalmente ainda temos dificuldade de lidar: as redes sociais e a inteligência artificial. E ambas vêm se desenvolvendo exponencialmente em seu poder para distorcer a realidade a nossa volta, muitas vezes contra nossos interesses e a favor dos das empresas que criam essas plataformas.

Não é um exagero! As redes sociais, usadas por quase 5 bilhões de pessoas, definem como nos relacionamos, nos divertimos, conversamos e nos informamos, manipulando-nos para consumirmos o que os algoritmos consideram melhor (mesmo não sendo). A “inteligência artificial generativa”, que ganhou os holofotes no ano passado e tem no ChatGPT sua estrela, produz conteúdos incríveis, mas que podem embutir grandes imprecisões que as pessoas aceitam alegremente como fatos.

As preocupações que se impõem são como podemos aproveitar o lado bom desses serviços, enquanto nos protegemos de potenciais efeitos nocivos, além de como responsabilizar seus produtores, algo que não acontece hoje!


Veja esse artigo em vídeo:


As redes sociais já são nossas velhas conhecidas. Segundo o relatório “Digital 2023 Global Overview Report”, da consultoria americana We Are Social, os brasileiros passam uma média de 9 horas e 32 minutos na Internet por dia, das quais 3 horas e 46 minutos são em redes sociais. Nos dois casos, somos os vice-campeões mundiais.

Não é surpresa para ninguém que sejamos manipulados por elas, em maior ou menor escala. Segundo a mesma pesquisa, 65,2% dos brasileiros se dizem preocupados se o que veem na Internet é real ou falso. Nesse quesito, somos o quinto país no mundo.

Agora a inteligência artificial ganha um destaque sem precedentes nas discussões tecnológicas, pelo poder criativo das plataformas que elaboram conteúdo. Algumas pessoas acham isso a aurora de uma nova colaboração entre nós e as máquinas; outros veem como um risco considerável para a própria humanidade.

Mas ela já faz parte do nosso cotidiano profundamente. Basta ver que os principais recursos de nossos smartphones dependem da inteligência artificial. As próprias redes sociais fazem uso intensivo dela para nos convencer. E se considerarmos que isso provocou uma polarização social inédita, colocando em risco a própria sociedade, os temores dos pessimistas fazem algum sentido.

Essa amálgama de euforia e paranoia provoca decisões às vezes precipitadas, mesmo de pessoas qualificadas. Países do mundo todo, inclusive o Brasil, se debruçam sobre o tema, tentando encontrar mecanismos legais para organizá-lo.

 

Regular ou não regular?

No Brasil, o uso das redes é disciplinado pelo Marco Civil da Internet, de 2014. “Ele entrou em vigor quando discurso de ódio e fake news estavam em outro patamar”, afirma Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). “Acredito que a revisão seja necessária, mas não com a simples declaração de inconstitucionalidade do artigo 19, e sim a partir de sistemas mais efetivos e transparentes de como as big techs fazem a gestão dos próprios termos de uso quando violados.”

“Hoje temos interações mais rápidas e intensas, que mudam a forma como vivemos em sociedade”, explica Carolina Giovanini, advogada especialista em direito digital do Prado Vidigal Advogados. “Porém isso não significa que o Marco Civil da Internet esteja ‘ultrapassado’, pelo contrário: é uma legislação que foi pensada levando em consideração o futuro da rede.”

O referido artigo 19 está no centro dessa discussão porque protege as plataformas digitais de serem responsabilizadas pelo conteúdo que os usuários publicam em suas páginas. Segundo o texto, elas só poderiam ser penalizadas se deixassem de retirar algo do ar após uma ordem judicial.

Como a Justiça não consegue analisar tudo que se publica nas redes, especialistas defendem que as plataformas sejam obrigadas a fazer isso por sua conta. A inteligência artificial seria fundamental para decidir o que seria apagado, mas a subjetividade de muitos conteúdos dificulta a definição inequívoca do que é desinformação, o que poderia levar a censura por falsos positivos.

“A própria ideia das redes sociais é ser um portal descentralizado, sem ‘pauta editorial’ ou viés socioeconômico, para que a sociedade pulverizada ganhe voz”, sugere Matheus Puppe, sócio da área de TMT, privacidade e proteção de dados do Maneira Advogados. “Responsabilizando as plataformas, todo o modelo de negócios e o propósito da informação descentralizada vai por água abaixo.”

Na prática, isso vem permitindo que as empresas que produzem essas tecnologias gozem de uma prerrogativa rara, que é responder pouco ou nada por danos que provoquem. Não se pode imaginar um mundo sem elas, mas o crescimento explosivo da desinformação e a consequente polarização social não podem ser vistos como meros “efeitos colaterais”. É como “perdoar” um remédio que mate 5.000 pessoas para curar outras 10.000: a cura é bem-vinda, mas não se pode tolerar tantas mortes.

“O ponto é que um novo regime de responsabilidade não é desejado pelas big techs”, afirma Crespo. “Elas têm até bons argumentos para manter como está, na medida em que elas mesmas removem alguns conteúdos ilícitos por vontade própria.”

Estamos em um impasse! Como canta Ney Matogrosso, “se correr o bicho pega; se ficar, o bicho come!” As redes sociais estão no centro da nossa vida. A inteligência artificial abre possibilidade incríveis e necessárias. Eliminá-las é impossível, desacelerá-las é improvável. Mas esses problemas aparecem cada vez com mais força.

Qualquer que seja o futuro, ele precisa ser criado com a participação ativa de todos os agentes da sociedade. Essas empresas não podem continuar dando as cartas baseadas apenas na sua busca pelo lucro, pois seus produtos estão muito além de qualquer outra coisa já feita, do ponto de vista de transformação social.

Os benefícios devem ser distribuídos para todos, assim como as responsabilidades e os riscos. O futuro não pode ser distópico!

 

Profissional captura imagens de obras para a plataforma da Construct IN, usando capacete com câmera 360º - Foto: divulgação

“Tour virtual” reduz custos e melhora documentação de obras

By | Tecnologia | No Comments

Um dos grandes desafios de uma obra é garantir que o projeto esteja sendo cumprido adequadamente, identificando qualquer erro o quanto antes. Isso evita retrabalho e aditivos, que podem elevar consideravelmente o tempo e os custos totais do empreendimento. Agora a tecnologia digital pode facilitar e baratear essa verificação.

Tradicionalmente ela é feita com um engenheiro no próprio local. As despesas com essa ação crescem exponencialmente com a distância da obra, que pode estar até em outro Estado. Pensando nisso, a startup gaúcha Construct IN criou um sistema que oferece fazer isso remotamente, a partir de um “tour virtual” no canteiro, potencializado com ferramentas de gestão, documentação e inteligência artificial.

Ele lembra muito o serviço Google Street View, que permite que se “navegue” por ruas e o interior de estabelecimentos a partir de fotos capturadas em todas as direções previamente. No caso da Construct IN, as imagens da obra são coletadas por uma pessoa que caminha por todo o canteiro usando um capacete com uma câmera 360º na parte superior. As fotos tiradas automaticamente são enviadas ao seu celular, que as carrega para o servidor da empresa, onde são “unidas” para criar a sensação de se estar andando pela obra, com a possibilidade de se olhar para qualquer lado.

Essa junção é feita por inteligência artificial, que também se encarrega de borrar os rostos de quem for eventualmente fotografado, para preservar sua privacidade. O sistema também identifica falhas de segurança, como alguém não estar usando o capacete, emitindo um alerta automaticamente.

Uma diferença em relação ao Street View é que a Construct IN permite comparar diferenças nas imagens captadas em diferentes momentos, algo desnecessário no primeiro, mas muito relevante no segundo caso. “Com a tecnologia, é possível acessar o histórico de todos os ambientes da obra, e observar o andamento do dia a dia, comparando o avanço diariamente ou semanalmente”, explica Tales Silva, CEO da start up. “Isso traz maior segurança, agilidade e transparência em todo o processo de gestão das obras”. Não há limites de capturas, podendo ser feitas até mais de uma vez por dia.

 

Plataforma permite comparar imagens das obras com projetos na BIM (Modelagem de Informação da Construção) – Imagem: reprodução

Plataforma permite comparar imagens das obras com projetos na BIM (Modelagem de Informação da Construção) – Imagem: reprodução

 

A navegação acontece por qualquer navegador na Web, dispensando a instalação de programas. Além de permitir “caminhar pela obra”, que pode estar em qualquer lugar do mundo, a plataforma oferece diversos serviços adicionais, como, por exemplo, fazer medidas com precisão, como se estivesse no local. Também é possível adicionar notas para outros usuários sobre as imagens. O sistema ainda “conversa” com plataformas de BIM (Modelagem de Informação da Construção), permitindo comparar, lado a lado, imagens imersivas da obra com a navegação tridimensional dessas ferramentas de projeto.

Para o fim do ano, a empresa promete uma nova camada de inteligência artificial. A partir de reconhecimento de imagens, ela indicará automaticamente quais os avanços foram feitos em diversos aspectos da obra, como alvenaria, forro, piso e contrapiso, entregando indicadores gerais do andamento de cada pavimento. Isso tornará o gerenciamento da obra ainda mais eficiente e rápido.

A maioria dos clientes da Construct IN é formada por redes de varejistas, que costumam ter equipes reduzidas de engenharia. Por isso, a habilidade de acompanhar as obras remotamente fica muito importante para essas empresas.

É o caso da cadeia de pet shops Petz, cuja sede fica em São Paulo, mas que possui obras de lojas em diversos Estados brasileiros. Elas são realizadas por construtoras e empreiteiros locais e acompanhadas remotamente. Com isso, as visitas presenciais da equipe aos canteiros podem ser feitas a cada 20 dias apenas.

Por se tratar de obras rápidas, com até 90 dias de duração, uma demora de uma semana para identificar alguma falha pode ter impacto considerável no resultado. “Os registros remotos permitem comparar, quase em tempo real, a execução com o projeto, verificar se a obra está no cronograma e fazer checklists à distância”, explica André Ortega, gerente de obras da Petz.

A Construct IN possui hoje 130 clientes, com mais de 700 obras em andamento na plataforma. No ano passado, isso representou 1,5 milhão de imagens capturadas. A estimativa da empresa é que, em 2023, esse número chegue a 3 milhões.

 

Cena de “Tempos Modernos” (1936), em que Charles Chaplin já criticava a automação do trabalho – Foto: reprodução

Que empregos a inteligência artificial deixará para nós?

By | Tecnologia | No Comments

As grandes empresas de tecnologia continuam “passando o facão” em suas equipes no mundo todo. Em 2022, foram cerca de 150 mil demitidos; nesse ano, já são quase 100 mil. A maior parte dos cortes está associada a uma adequação dos times depois de grandes contratações na pandemia e pela crise nos EUA, mas especialistas indicam que podemos estar observando mudanças profissionais patrocinadas pela inteligência artificial em ascensão.

Não se trata de ficção científica distópica. Desde que o ChatGPT, o sistema produtor de textos da OpenAI, foi lançado no dia 30 de novembro, a quantidade de aplicações para a chamada “inteligência artificial generativa” não para de crescer.

Se antes o risco de substituição de trabalhadores humanos por máquinas era restrito a funções menos especializadas e criativas, essa tecnologia agora impacta trabalhadores que se sentiam “protegidos dos robôs” pela sua formação. E como o avanço das capacidades digitais acontece exponencialmente, alguns começam a se perguntar que empregos restarão em breve para humanos diante de máquinas cada vez mais eficientes.


Veja esse artigo em vídeo:


Na semana passada, a Amazon anunciou o corte de 9.000 funcionários no mundo, totalizando 27.000 vagas a menos desde novembro. Uma semana antes, a Meta (dona do Facebook) disse que demitirá outros 10.000 profissionais e congelará 5.000 contratações, somados aos 11 mil funcionários demitidos globalmente há três meses.

Um estudo divulgado no final de janeiro e feito sobre os cortes de 2022 indicou que supreendentemente a maior parte dos demitidos foi de funções ligadas a recursos humanos –27,8%– e não a tecnologia –que vieram na sequência, com 22,1%. Segundo a consultoria 365 Data Science, responsável pela pesquisa, isso se explica em parte por essas empresas estarem necessitando menos de analistas de RH, mas também porque grande parte do processo de recrutamento (e até de demissões) passou a ser automatizado pela inteligência artificial.

Coincidência ou não, algumas das que mais demitiram estão realizando investimentos massivos no tema. A Microsoft, que cortou 10 mil funcionários no fim de 2022, anunciou ao mesmo tempo um investimento estimado em US$ 10 bilhões na OpenAI. A Alphabet (controladora do Google), que mandou para casa 12 mil pessoas, lançou na semana passada o Bard, seu sistema concorrente do ChatGPT.

Outro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia (EUA) e da OpenAI, concluiu que 80% dos trabalhadores americanos podem ter pelo menos 10% de suas tarefas afetadas por essa tecnologia, com 19% deles tendo que encarar metade do que fazem sendo tomado pela máquina. A influência abrange todos os níveis salariais, com empregos de renda mais alta sendo mais afetados.

“O importante é não entrar em estado de negação quanto ao avanço da tecnologia e estar aberto ao aprendizado contínuo através da empresa ou autodesenvolvimento”, explica a consultora de carreira Ticyana Arnaud. Isso está em linha com os pesquisadores da 365 Data Science, que afirmam ser essencial possuir a capacidade de se adaptar e se manter atualizado com as mais recentes inovações tecnológicas.

 

Aprender a aprender

“O indivíduo deve ser verdadeiramente protagonista de sua própria aprendizagem”, explica Karen Kanaan, sócia da École 42 no Brasil, uma escola francesa de tecnologia que forma profissionais a partir de projetos em que necessariamente precisam colaborar uns com os outros. “Deve ser uma formação que estimule que ele busque aprender a aprender, a colaborar, a ter empatia, a pensar de forma crítica, a ter criatividade e raciocínio lógico”, completa.

Como acontece com toda nova tecnologia, ela acaba extinguindo profissões inteiras, enquanto cria oportunidades. Isso acontece desde o início da Revolução Industrial, no século XVIII. A diferença é que, em mundos digitais, o tempo para que as pessoas se adaptem é muito menor, o que se agrava porque os novos ofícios exigem habilidades básicas que a maioria da população não tem.

Como disse no sábado ao Estadão o economista José Pastore, “a destruição (de empregos) é rápida e visível; a criação é lenta e é invisível”. Para o professor da FEA-USP, “isso traz impactos sociais imediatos, e apavora todo mundo.”

O mesmo Estadão trouxe uma reportagem sobre novas profissões ligadas a inteligência artificial, cujos salários chegam a R$ 20 mil. Apesar de a maioria estar, de alguma maneira, associada à área de TI, é importante observar que a adoção de inteligência artificial necessita de equipes multidisciplinares, para “treinar” as plataformas em tarefas dos mais diversos setores da economia. Além disso, algum domínio da tecnologia vem se tornando essencial em todas as carreiras.

Isso aparece na origem dos estudantes da École 42, cujo curso equivale a uma formação em engenharia de software. A maioria não vem da área de tecnologia e trazem, na sua bagagem, carreiras tão distintas quanto publicitários, cozinheiros, médicos e cabelereiros. E todos podem adquirir as novas habilidades de TI.

“É preciso conhecer seus limites, valores, o que gosta, o que sabe, o que quer fazer para levar uma vida que seja relevante, antes de tudo, pra si”, explica Kanaan. E isso é algo que a inteligência artificial não consegue fazer. Para ela, “um indivíduo criativo, capaz de imaginar, raciocinar consegue se adaptar a qualquer movimento.”

Em outras palavras, ninguém está “seguro”, mas também não precisa se desesperar. “A inteligência artificial fomenta a importância de uma vida voltada ao aprendizado”, afirma Arnaud. Temos que estar sempre atentos às tendências com implicações em nosso trabalho, aprendendo o que há de novo.

Muitas pessoas podem dizer que “falar é fácil”, e não as julgaria por isso. Talvez fosse mesmo mais confortável o mundo de 30 anos atrás, quando o que se aprendia na faculdade era suficiente para chegar até a aposentadoria.

Isso ficou literalmente no passado. Agora somos obrigados a estar em constante movimento. Mas isso pode ser uma incrível oportunidade, não apenas para continuarmos profissionalmente relevantes, mas para nos tornarmos pessoas melhores. Esse é o melhor caminho para os robôs não nos alcançarem.

 

EUA e outros países ocidentais acusam Pequim de espionar seus cidadãos pelo aplicativo - Foto: divulgação e reproduções

TikTok vira arma na escalada da tensão entre Ocidente e China

By | Tecnologia | No Comments

O TikTok cozinha em fogo alto no caldeirão das crescentes tensões políticas entre países ocidentais e a China. Após ser proibido em celulares corporativos de órgãos públicos de EUA, Canadá, vários países europeus e Nova Zelândia, o aplicativo corre o risco de ser banido dos smartphones pessoais de todos os americanos. Mas por que uma plataforma de vídeos curtos de amenidades está enfrentando isso?

Tudo passa pelo temor de que a chinesa ByteDance, criadora do TikTok, compartilhe os dados dos usuários coletados pelo aplicativo com o governo de Pequim. Apesar de a empresa rejeitar categoricamente fazer isso, ninguém consegue afirmar ou negar que exista essa colaboração. Portanto, não se sabe quanto dessas preocupações são fatos, paranoias ou mero teatro político.

O debate fica mais quente quando se observa que os dados coletados pelo TikTok são basicamente os mesmos que os de qualquer rede social, a maioria delas americanas, como Facebook ou Instagram. O mesmo pode ser dito dos sistemas operacionais Android e iOS, que gerenciam nossos smartphones e que, por si só, nos rastreiam de diferentes formas. E essas empresas colaboram com governos.

Grupos de usuários que não querem perder acesso ao TikTok afirmam que tudo isso não passa de hipocrisia, e que o banimento do aplicativo violaria seus direitos.


Veja esse artigo em vídeo:


A ByteDance naturalmente não quer perder esses mercados, por isso vem acenando com várias mudanças para mitigar tais temores, como hospedar os dados dos usuários americanos em servidores no país, e ter seu código revisado por autoridades locais. Em um caso extremo, o TikTok poderia ser vendido e se tornar uma empresa independente.

“Como tudo o que envolve um governo autoritário, é difícil dizer o quanto é verdade e o quanto é ficção ou retórica nos medos ocidentais em relação ao TikTok”, explica Marcelo Cárgano, especialista em direito digital no escritório Abe Advogados. “Mas é fato que há pouca transparência em relação a um eventual compartilhamento de dados entre a empresa e o governo chinês”.

Não é a primeira vez que suspeitas de espionagem recaem sobre empresas chinesas. O ex-presidente americano Donald Trump gostava de acusar a Huawei disso e fez pressão internacional para que países não adotassem seus equipamentos para suas redes de celulares 5G. Mas não teve muito sucesso em sua campanha.

Apesar de o Brasil estar passando por um amplo debate sobre a regulação das plataformas digitais, especialmente para tentar coibir a desinformação, não há nenhum movimento especificamente contra o TikTok. Vale lembrar que, ao contrário desses países, o Brasi não tem restrições políticas ou comerciais contra a China, que, aliás, é nosso principal parceiro de negócios no mundo.

Todos esses países têm mecanismos legais que exigem cooperação de empresas em seus territórios em temas ligados a segurança nacional. Mas, na opinião pessoal de Rubens Kuhl, instrutor de governança de Internet do NIC.br, há diferenças na disposição das empresas de cooperar, mesmo nos EUA. “Já na China, a cultura é tipicamente de cooperação, então um pouco dessa preocupação se justifica, apesar das bases legais serem bem similares”, acrescenta.

 

Riscos reais aos usuários

Além da premissa central do compartilhamento de dados dos usuários com o governo chinês não ter sido comprovada, há dúvidas sobre o risco que a coleta de informações poderia representar às pessoas.

Kuhl explica que, como há a identificação de onde a pessoa está, haveria riscos físicos. Além disso, informações derivadas de interesses e de informações de contatos poderiam causar riscos reputacionais.

A situação fica mais grave em celulares corporativos de empresas e de órgãos governamentais. Em tese, informações sensíveis dessas instituições poderiam ser passadas à administração de um país hostil. É por isso que, até o momento, o TikTok foi banido apenas desses equipamentos.

Outro temor é que o TikTok seja usado para promover a desinformação entre seus usuários, especificamente algo associado a interesses chineses. Em uma situação extrema, serviria como ferramenta de um governo autocrático para inocular mensagens antidemocráticas em usuários contra seus próprios países.

Novamente nesse ponto é importante lembrar que algumas das principais plataformas para disseminar fake news –o Facebook, o WhatsApp e o YouTube– são de empresas americanas. E os agentes da desinformação nessas plataformas podem ser cidadãos e governos de qualquer país, inclusive dos próprios EUA, como tem acontecido nos últimos anos, até no Brasil.

Precisamos pensar também que muita gente está alheia a todo esse debate e nem sonha em deixar de usar o TikTok ou qualquer outra plataforma de sua preferência. Bilhões de pessoas no mundo usam esses sistemas para se divertir, se informar e até trabalhar.

Banir um aplicativo como esse representaria, portanto, um grande prejuízo a essas pessoas. Por isso, grupos de defesa de liberdades individuais nos EUA estão se posicionando contra as proibições. “Nos EUA, qualquer banimento total do aplicativo certamente desencadeará uma discussão a respeito da constitucionalidade de tal medida face à Primeira Emenda da Constituição americana, que protege, entre outras questões, a liberdade de expressão”, explica Cárgano.

No meio do fogo cruzado da política internacional, estamos nós, os usuários. E temos que fazer o que estiver a nosso alcance para proteger nossos interesses. Não encaro o TikTok como um braço de um “império maligno”, nem pior ou melhor que outras redes sociais. Então, como em toda plataforma digital, minha sugestão é compartilhar apenas informações necessárias para que você obtenha os benefícios que ela oferece. Isso exclui, no caso do TikTok, sua localização e seus contatos.

Precisamos entender que nossas ações em qualquer rede social são construções em um terreno instável e que não é nosso. As regras mudam a toda hora e nem conhecemos seus detalhes. Por isso, muita gente vai do sucesso ao ostracismo digital e nem sabe por quê.

No final das contas, devemos usar esses recursos com consciência, pois as redes sociais são as máquinas de convencimento e de coleta de informações mais perfeitas já criadas. Não dá para escapar totalmente de sua influência, mas podemos pelo menos tentar não ser feito de bobos. E a influência do país de onde a empresa vem acaba ficando pequena diante de tantos interesses envolvidos.

 

A IA pode oferecer a atendentes dados para melhorarem o relacionamento com o público – Foto: Kampus Poduction - Creative Commons

“Humanidade aumentada” une inteligência artificial e pessoas para criar um atendimento superior

By | Tecnologia | No Comments

Em tempos em que o ChatGPT e outras plataformas de inteligência artificial parecem invadir e automatizar todo tipo de tarefa, essa tecnologia pode elevar o relacionamento entre empresas e seus clientes a um patamar inédito. Isso não se dará pela substituição de atendentes humanos, mas sim por potencializar suas habilidades de relacionamento interpessoal com informações que só a máquina pode lhes oferecer.

Essa colaboração entre computadores e indivíduos é uma vertente da “humanidade aumentada”. O termo, usado pela primeira vem em 2010 pelo então CEO do Google, Eric Schmidt, prevê o uso de tecnologias para ampliar capacidades humanas. Pode ser por equipamentos robóticos, assistentes virtuais, acesso a dados para tomada de decisões e muito mais. E a tecnologia evoluiu dramaticamente nesses 13 anos.

A inteligência artificial tornou-se muito eficiente em compreender pedidos das pessoas e gerar respostas adequadas para cada caso específico, e não mais tentar enquadrar as demandas em situações pré-definidas. Isso não é feito apenas a partir de dados históricos, mas da sua capacidade de tirar conclusões de padrões, por exemplo de consumo ou de comportamento. Para quem lida com o público, como atendentes ou vendedores, esse recurso é praticamente um superpoder.


Veja esse artigo em vídeo:


“Os sistemas automatizados alcançaram uma qualidade comparável à de um ser humano em muitos casos”, explica David Paulding, vice-presidente sênior da Talkdesk, multinacional portuguesa que desenvolve sistemas de atendimento. “A IA generativa está sendo aproveitada em um número cada vez maior de casos para melhorar a experiência do cliente e simplificar as interações”, acrescenta.

Ele explica que sistemas de atendimento com inteligência artificial podem reduzir a frustração de clientes por não terem suas necessidades resolvidas rapidamente, economizando o tempo deles e dos atendentes. Segundo o executivo, 69% das empresas já investiram em plataformas com essa tecnologia, que aumentam a chance de o cliente encontrar o que quer por conta própria e ajudam os atendentes a encontrar a solução certa em menos tempo.

Ironicamente, muitas empresas estão se interessando por soluções de inteligência artificial graças à grande visibilidade que a mídia vem dando ao tema nos últimos tempos. Mas é um erro pensar que ela é uma bala de prata que resolverá todas as dificuldades. Muitos negócios ainda têm problemas graves e básicos na experiência que oferecem a seus clientes, em nível conceitual.

“Você pode ter toda a tecnologia do mundo, mas, se você não mudar a maneira como você pensa, a tecnologia não resolve nada”, afirma Bart De Muynck, Chief Industry Officer da project44, empresa americana de sistemas de logística, que também adota a inteligência artificial em suas soluções. Ele explica que “a máquina pode ver, entender e calcular as coisas mais complexas, mas pode se perder diante de algo simples”.

Nessas horas, o ser humano é necessário, seja para melhorar um processo ruim, seja para corrigir uma conclusão errada da máquina.

 

Tempo é dinheiro

Dizem que o bem mais valioso da humanidade é o tempo, pois é a única coisa que não pode ser comprada. Portanto, se o dia continua tendo 24 horas para todos, o jeito é não desperdiçar nenhum minuto.

No caso de clientes, poucas coisas os aborrecem tanto quando ficar dando voltas por sistemas de autoatendimento ou tendo conversas infrutíferas com um atendente. Já em uma venda, o consumidor fica mais satisfeito quando lhe é oferecido o produto que realmente satisfaz suas necessidades. Aliás, no varejo, um dos maiores dramas é um estoque cheio, normalmente causado por decisões de compras no volume ou no tempo errados, que acabam forçando depois vendas com descontos.

A inteligência artificial brilha nisso. “Com ela, as empresas podem não apenas responder às necessidades e desejos do cliente de maneira integrada em todos os canais, com serviço personalizado, mas também prever e se preparar para suas necessidades e desejos futuros”, explica Paulding.

Há desafios para a implantação da inteligência artificial nesses processos. Além de entender como ela pode ajudar cada empresa, o executivo explica que há um grande trabalho para evitar que a tecnologia desenvolva vieses nas suas respostas e que elas sejam “explicáveis”, ou seja, que o usuário entenda por que aquilo lhe foi sugerido.

Os vieses merecem uma atenção especial, pois as plataformas podem efetivamente aprender respostas ruins dos próprios usuários. É por isso que elas precisam ser alimentadas com conjuntos de dados cuidadosamente selecionados, para que sejam representativas para seu uso e seu público. Além disso, especialistas na área da aplicação devem ser envolvidos ao longo do ciclo de vida da plataforma, para que seja continuamente avaliada e “limpa”.

Um outro ponto sempre destacado por aqueles que trabalham com o público é o risco de esses sistemas roubarem seus empregos. E, quando a tarefa for muito repetitiva, ele existe mesmo. “Quando combinados com a tecnologia avançada de conversão de texto em fala, esses modelos de linguagem poderão em breve assumir todo o processo de engajamento do cliente”, indica Paulding. A saída, segundo ele, é deixar a IA assumir as tarefas repetitivas enquanto dá mais poder aos atendentes humanos naquilo que eles são melhores, como desenvolver a empatia com seus consumidores.

“Nós ainda temos a pessoa como figura central, mas devemos usar a inteligência artificial para ajudá-la a fazer mais, melhor, além de fazer seu trabalho mais divertido”, explica De Muynck. Para ele, “não devem cuidar de coisas estúpidas que o computador pode fazer, concentrando-se no que realmente agrega valor”.

“Não faz sentido pensar na IA como forma de cortar equipes”, acrescenta Paulding . “As organizações devem entender que ela pode aumentar as capacidades dos atendentes com dados e insights, melhorando a satisfação do cliente”, acrescenta.

Essa é a versão atual da eterna luta entre homens e máquinas, começada na Revolução Industrial. Como sempre, o verdadeiro problema recai em capacitar as pessoas para usar bem as novas tecnologias e melhorar seu trabalho. Mas agora, pela primeira vez, podemos ver a própria tecnologia fazendo isso.

 

Funcionário opera máquina na fábrica da Packseven: tecnologia reduz perdas e aumenta sustentabilidade do plástico – Foto: divulgação

Setor de plásticos investe em tecnologia e conscientização para tornar o produto mais sustentável

By | Tecnologia | No Comments

Nas últimas décadas, o plástico tornou-se um vilão ambiental, por demorar centenas de anos para se decompor na natureza. O que pouca gente sabe é que, com um uso e uma reciclagem adequados, ele pode se tornar um produto sustentável, até com vantagens ecológicas sobre materiais substitutos. Mas, para que isso aconteça, toda a cadeia precisa conscientemente agir assim.

Esse processo deve começar já com os fabricantes. “Desde a concepção dos produtos, é fundamental que sejam consideradas também a ampliação e a eficiência da reciclagem”, explica Kléber Ávila, diretor da Packseven, empresa brasileira de embalagens flexíveis. “Trabalhamos com nosso cliente para estimular o consumo consciente do plástico e o retorno dos resíduos à cadeia produtiva.”

Como seus clientes são outras empresas, eles coletam os resíduos do próprio processo industrial e os incentivam a fazer o mesmo. Parte é reutilizada na produção e o restante é destinado para a reciclagem.

Kléber Ávila, diretor da Packseven - Foto: divulgação

Kléber Ávila, diretor da Packseven – Foto: divulgação

O plástico tornou-se um material quase onipresente na economia, graças a seu baixo custo e suas propriedades funcionais, como leveza e durabilidade. Segundo o estudo “The New Plastics Economy”, da consultoria americana McKinsey, seu uso aumentou 20 vezes no último meio século e deve ainda dobrar nos próximos 20 anos. Por isso, é fundamental que seja bem manuseado.

A pesquisa mostra que, sem inovação no design das embalagens, cerca de 30% do plástico jamais será reutilizado ou reciclado. Disso, surgiu o conceito de “design for recycling” (design para reciclagem), que considera as dinâmicas de consumo, as etapas da cadeia produtiva e o descarte, facilitando o retorno das embalagens para a origem do ciclo. A ideia é que nada seja jogado fora.

Segundo a Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), em 2021, 23,4% dos resíduos plásticos pós-consumo foram reciclados no Brasil. No mesmo período, houve um crescimento de 14,3% na produção de plástico reciclado pós-consumo, passando de 1 milhão de toneladas.

Apesar dos números impressionantes, observa-se que mais de três quartos ainda não é reciclado. “É preciso a união de inciativas privadas, públicas e a mobilização de todos os envolvidos na cadeia de consumo para que não tenhamos desperdício e, com o descarte adequado, o plástico possa ser reutilizado”, explica Ávila. O executivo reforça que a educação no descarte é fundamental para um futuro mais sustentável.

Vale frisar que, apesar das iniciativas para substituir o plástico por outros materiais, nem todos são sustentáveis ou tão recicláveis quanto o plástico, o que chega a ser irônico. Um exemplo é o papelão para embalar latas de bebidas, que não pode ser reutilizado. Em outras palavras, o grande desafio de uma sociedade muito dependente do plástico é aumentar –e muito– sua reutilização e sua reciclagem. Nesse ponto, empresas conscientes de seu papel ajudam substancialmente no processo, beneficiando seus clientes diretos e indiretos, e toda a sociedade.

O poder público também precisa fazer sua parte. A coleta seletiva ainda é limitada ou inexistente em muitas cidades. Outro fator que precisa ser revisto é a carga tributária, que é maior para produtos reciclados que para os “normais”.

 

Sustentabilidade é negócio

A tendência é que vejamos um crescimento ainda maior no uso do plástico pós-consumo nesse ano. Essa é uma exigência do mundo todo, e o Brasil não pode ficar para trás, correndo o risco de perder competitividade internacional. Por isso, as grandes empresas têm metas agressivas de sustentabilidade.

Apesar de a diminuição do impacto do plástico no meio ambiente já ser motivo mais que suficiente para ampliar sua reciclagem, ela consome proporcionalmente menos recursos para ser feita se comparada às de alguns materiais alternativos. Entre esses recursos, estão o consumo de água e de energia, e as emissões de gases.

A tecnologia de reciclagem também vem evoluindo nos materiais que é capaz de produzir. Os novos reciclados de alta performance possibilitam grandes marcas atingirem metas mais ousadas de sustentabilidade, uma vez que apresentam as mesmas características dos recursos naturais “virgens” (não-reciclados), permitindo a fabricação com segurança, escala e velocidade.

Para Ávila, esse é um caminho sem volta. “Cada vez mais utilizamos as embalagens com maior eficiência e com novas formas de serem biodegradáveis, além da multiplicidade de formatos”, acrescenta.

O plástico não vai desaparecer de nossas vidas de uma hora para a outra. Por isso, precisamos, cada um de nós, indivíduos e empresas, fazer o melhor que pudermos para o utilizarmos bem.

 

Crise no mercado de publicidade afetou também os influenciadores digitais, que estão em menos campanhas e recebendo menos produtos

“Desinfluenciadores” explodem em audiência, mas podem matar a própria reputação

By | Tecnologia | No Comments

Diz o ditado que “um cliente satisfeito conta sua experiência para uma pessoa; um insatisfeito conta para dez”. O padrão se repete nas redes sociais, com a diferença de que uma crítica negativa pode alcançar milhares de pessoas no meio digital. Agora essa prática, tão antiga quanto a própria relação entre empresas e consumidores, ganha uma nova roupagem, com o fenômeno dos “desinfluenciadores”.

O termo vem ganhando enorme alcance entre usuários americanos do TikTok nas últimas semanas. A hashtag #deinfluencing já agrega vídeos que se aproximam de 200 milhões de visualizações. Alguns deles individualmente ultrapassam 1 milhão.

O formato é bem conhecido: uma pessoa diante da câmera apresentando produtos. Mas diferentemente dos influenciadores, que enaltecem marcas, os “desinfluenciadores” falam mal explicitamente daquilo que, na sua visão, são produtos ruins, e oferecem alternativas melhores ou mais baratas.

A prática é controversa. Enquanto alguns gostam dela e a veem como um serviço ao público, outros entendem que não passa de uma maneira de se ganhar audiência nas plataformas digitais. O problema é que, em qualquer cenário, a prática pode, a médio prazo, matar a reputação do próprio “desinfluenciador”.


Veja esse artigo em vídeo:


“É fácil entender por que isso está crescendo: falar mal chama mais a atenção que falar bem”, explica Edney Souza, professor de inovação e marketing digital na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). “As pessoas têm muitas opiniões negativas reprimidas e, quando encontram um ambiente em que se sentem seguras para se manifestar, isso aparece.”

Apesar do termo “desinfluenciador” ser recente, falar mal de produtos no meio digital está longe de ser novidade. Os primeiros relatos surgiram ainda em blogs, no início dos anos 2000, antes das redes sociais. Mas ganhou muita força há uns 15 anos com o Twitter, quando consumidores começaram a citar empresas em postagens com a hashtag #fail (falha, em inglês).

No Brasil, o fenômeno também pode ser encontrado no TikTok, mas ainda de maneira muito tímida. Acredita-se que o surgimento dos novos “desinfluenciadores” esteja associado à retração econômica vivida nos EUA pós-pandemia. Com menos dinheiro no bolso, as pessoas começam a questionar o valor do que compram.

Há ainda um fator ligado à retração do mercado publicitário. Muitos influenciadores passaram a ficar de fora de campanhas, além de deixar de receber produtos para promoção. Com isso, sentiram-se “livres” para expressar suas opiniões negativas, alguns talvez motivados por uma certa “vingança” contra as marcas.

Naturalmente existem aquelas pessoas que querem compartilhar suas experiências ruins com produtos para que outras não passem pelo mesmo. Ainda assim, qualquer que seja a motivação, “desinfluenciar” se tornou um ótimo negócio, graças à política do TikTok de remunerar seus maiores criadores de conteúdo. Alguns deles relatam ganhar até US$ 10 mil da plataforma em um mês.

 

Unidos pelo desgosto

Temos uma necessidade natural de expressar nossas opiniões. Graças a isso, as redes sociais passaram de plataformas simplórias de encontrar amigos para o maior fenômeno de comunicação da história, para o bem e para o mal.

Apesar de se encontrar de tudo nelas, muita gente não se sente segura para fazer críticas online a empresas ou produtos. Por isso, quando um influenciador fala mal de algo em linha com o descontentamento das pessoas, elas se sentem livres para se expressar. “Quando elas encontram um ‘desinfluenciador’ que ecoa o que gostariam de ter dito, aproveitam para endossar aquilo, para comentar, curtir, às vezes compartilhar com um amigo”, explica Souza.

Para as empresas, naturalmente o fenômeno desagrada. Qualquer comentário negativo é ruim. Quando atinge tais magnitudes, pode impactar nas vendas. Em casos extremos, pode desaguar em uma crise de imagem, que precisa ser rapidamente contida, na enorme velocidade das redes sociais. Por isso, as empresas possuem equipes dedicadas a monitorar como suas marcas estão sendo citadas nas redes.

Os “desinfluenciadores” precisam tomar cuidado com a prática. Apesar dos eventuais ganhos financeiros e de exposição pontuais, isso pode trazer prejuízos duradouros e lhes fechar portas.

Acabamos nos tornando conhecidos pelas ideias que expomos nas redes sociais. E seus algoritmos têm uma incrível capacidade de juntar pessoas com ideias e comportamentos semelhantes. Isso quer dizer que alguém que se notabilize por falar mal de produtos pode ficar conhecida como uma “destruidora de marcas”. Além disso, cada vez mais terá pessoas assim a sua volta.

“Não estou dizendo que todo mundo tem que ser positivo o tempo todo, que ninguém possa criticar”, acrescenta Souza. Mas, para o professor, a pessoa fazer disso a sua assinatura a impedirá que transforme sua presença nas redes em uma oportunidade de negócios.

Isso acontece porque uma pessoa pode se tornar realmente muito conhecida por sempre falar mal de produtos. Por mais que faça isso com a intenção de ajudar outros usuários, empresas não gostam de contratar profissionais assim para iniciativas de marketing, como palestras e muito menos campanhas. Até mesmo para vagas de trabalho, um comportamento assim pode atrapalhar.

Como tudo na vida, são escolhas que fazemos, e elas podem nos trazer benefícios ou prejuízos. Tornar-se um “desinfluenciador” pode, portanto, gerar ganhos e visibilidade rapidamente. Mas, se isso pode arranhar a imagem de marcas, pode trazer um prejuízo muito maior à reputação da própria pessoa. Cada um deve escolher se vale a pena seguir por esse caminho.

 

Cena do filme “Eu, Robô” (2004), baseado na obra de Isaac Asimov, em que as máquinas seguem as “Leis da Robótica”

ChatGPT põe fogo no debate sobre regulamentação da inteligência artificial

By | Tecnologia | No Comments

O sucesso explosivo do ChatGPT deu novos contornos à discussão se a inteligência artificial deve ser, de alguma forma, regulada. Com 100 milhões de usuários em apenas dois meses, a plataforma da OpenAI tornou-se o produto com adesão mais rápida da história. Sua capacidade de gerar textos convincentes sobre qualquer assunto a partir de comandos simples colocou, em polos opostos, especialistas com fortes argumentos favoráveis e contrários ao controle dessa tecnologia.

De um lado, a turma que defende a regulação aponta que tanto poder computacional poderia causar severos danos ao tomar decisões potencialmente erradas em áreas sensíveis e diversas, como a saúde, a segurança pública ou até na condução de carros autônomos. Do outro, há os que argumentam que leis assim, além de que seriam difíceis de definir e aplicar, inibiriam o desenvolvimento de uma tecnologia que pode levar os humanos a um novo patamar de produtividade. Afirmam ainda que se penalizaria os sistemas, ao invés de criminosos que fizessem maus usos deles.

O fato é que criar um regulamento para uma tecnologia tão inovadora, abrangente e poderosa quanto a inteligência artificial é mesmo um desafio. Ela se desenvolve em uma velocidade estonteante e fica difícil imaginar como qualquer legislação pode acompanhar esse ritmo e o que representaria em um futuro breve.


Veja esse artigo em vídeo:


O Senado já se debruçou sobre o tema. Entre março e dezembro de 2022, uma comissão de 18 juristas debateu o assunto com membros da academia, da sociedade civil e de empresas. Ao final, elaborou uma proposta com 45 artigos e um relatório com mais de 900 páginas, que sugere restrições ao uso de reconhecimento facial indiscriminado por câmeras e a proibição de um “ranqueamento social” com base nas ações de cada pessoa, como acontece na China. Indica ainda que fornecedores ou operadores de sistemas de “alto risco” respondam por eventuais danos que causem.

Foram analisadas legislações aprovadas entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A União Europeia pretende chegar a um consenso de projeto regulador até março. Nos Estados Unidos, um comitê consultivo, criado em abril de 2022, espera apresentar uma lei nesse ano.

Mas vale dizer que tudo isso aconteceu antes do lançamento do ChatGPT, no dia 30 de novembro. E ele jogou por terra o que se sabia sobre IA para as massas. “Quando a gente fala em inteligência artificial, um dos grandes pontos sempre é como conseguir dar transparência, sem você violar a propriedade industrial ou intelectual”, explica Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

Esse é um dos problemas das “inteligências artificias generativas”, como o ChatGPT. Elas produzem coisas incríveis, mas não contam de onde vieram as informações de que “aprenderam” cada tema. Também não fica claro o que acontece “debaixo do capô”, os mecanismos que lhes permitiram chegar a suas conclusões. Para Crespo, “ao invés de simplesmente dizer ‘regular’, deve ser ‘regular pensando no quê’”

Já Paulo de Oliveira Júnior, consultor de inovação e desenvolvimento do Machado Meyer Advogados, afirma que a regulamentação é essencial. “É importante para que a gente possa garantir que a tecnologia não venha a causar nenhum dano para a sociedade, seja ela no campo social, econômico ou político”, explica, concluindo que “é importante que se tenha mais previsibilidade, à medida que a tecnologia vai fazendo parte do nosso dia a dia.”

 

Prós e contras

Além dos motivos já citados, os defensores de uma regulamentação argumentam que ela é necessária para se ter uma garantia mínima de proteção aos dados pessoais usados pelas diferentes aplicações da inteligência artificial. Afinal, se as redes sociais já abusam de nossas informações para fazer dinheiro, com a inteligência artificial, isso ficaria ainda mais difícil de se compreender e controlar.

A legislação também seria necessária para minimizar um problema que vem incomodando em diferentes usos da IA há muitos anos: sistemas que desenvolvem vieses. Isso pode acontecer pelas informações que consome, ao incorporar preconceitos dos desenvolvedores e até aprendendo dos próprios usuários.

Curiosamente um dos argumentos daqueles que são contrários a uma regulação é que as plataformas não poderiam ser responsabilizadas por esse mau uso, e que as pessoas é que deveriam ser controladas e até punidas. Eles também afirmam que esse controle seria falho, pois suas definições seriam imprecisas, criando confusão ao invés de ajudar o mercado.

Esse é um ponto a se considerar. Diversos países do mundo, inclusive o Brasil, estão há uma década tentando regular as redes sociais, sem sucesso. Nós mesmos estamos passando por uma bem-vinda discussão sobre como minimizar os efeitos nocivos das fake news, mas ela falha no ponto essencial de definir o que é desinformação de maneira inequívoca. E isso pode, não apenas impedir os efeitos desejados, como ainda criar um mecanismo de censura.

De forma alguma, isso significa que uma regulamentação não deva ser avaliada. É exatamente o contrário: precisamos de muito debate, incluindo todos os diferentes atores da sociedade envolvidos, para que uma lei não seja criada de maneira enviesada ou incompleta. Isso, sim, seria péssimo!

Especialmente em um país como o Brasil, em que o tecido social foi esgarçado nos últimos anos pelo mau uso de plataformas digitais e onde a violência lidera as preocupações dos cidadãos, é fácil defender um discurso de “vigilantismo”. Não é disso que precisamos!

“A gente vai ter que caminhar para uma regulamentação mais abrangente, que garanta os preceitos éticos e seguros, e cada setor da economia vai ter que fazer sua regulamentação específica”, sugere Oliveira. Já Crespo traz a ideia de que cada produto de IA a ser lançado passe por uma espécie de “relatório de impacto”. “Ele incluiria o que é, quais os principais benefícios e quais os possíveis riscos embarcados, trazendo uma previsibilidade”, explica.

Talvez o melhor caminho seja algo assim mesmo. E a “lei geral da inteligência artificial” poderia ser as Leis da Robótica, propostas pelo escritor Isaac Asimov, em 1942. São elas: “um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal”, “um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei” e “um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.” Mais tarde, ele acrescentou a “Lei Zero”: “um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal.”

Se conseguíssemos garantir que todas as plataformas de inteligência artificial cumprissem essas quatro diretrizes, já seria um bom começo!

 

“Medo do ChatGPT” não pode impedir o avanço tecnológico

By | Tecnologia | No Comments

Tecnologias muito inovadoras costumam gerar igualmente expectativa e temor, diante de suas possibilidades. Por ainda não dominarmos totalmente seus recursos, não temos real dimensão do que podem provocar em nossas vidas. Diante disso, há sempre o grupo dos “deslumbrados” –que abraçam o novo como se não houvesse amanhã– e o dos “resistentes” –que evitam seu uso tanto quanto possível.

Não dá para segurar o futuro, mas ele precisa ser bem compreendido!

A “bola da vez” nesse cenário é o ChatGPT. Desde que foi lançado, no dia 30 de novembro, a plataforma de inteligência artificial ocupa o centro do debate tecnológico. Sua incrível capacidade de produzir textos complexos a partir de comandos simples impressiona e vem provocando questionamentos até sobre o futuro de profissões que antes se sentiam “seguras” contra uma eventual substituição por máquinas.

O que o torna tão único é que sua automação avança sobre o campo cognitivo, capaz de criar conceitos e de responder de maneira convincente praticamente qualquer pergunta. Com isso, muitos temem que ele abra portas para um “emburrecimento” da humanidade, com pessoas preguiçosas demais para pensar, ficando ainda mais dependentes das máquinas.

Para muita gente, isso jamais acontecerá! Mas esse medo propõe um debate válido.


Veja esse artigo em vídeo:


Nessa hora, não dá para não lembrar da animação “Wall-E” (2008). Na história, a Terra se tornou inabitável no futuro pela quantidade de lixo que a humanidade produziu. As pessoas então abandonam o planeta, passando a viver em gigantescas espaçonaves, onde até suas mínimas necessidades eram atendidas por robôs. Nem andar precisavam, pois passavam o tempo todo sobre cadeiras móveis.

Tanta comodidade teve efeitos nefastos, porque várias gerações viveram nesses gigantescos “cruzeiros espaciais”. Sem perceberem, passaram aos poucos a serem dominadas pela inteligência artificial. Até andar ficava difícil, pois nunca abandonavam suas cadeiras, ganhando muito peso e ficando com músculos atrofiados.

Não é o que está acontecendo agora, naturalmente. Mas se passarmos a ter máquinas que façam tudo por nós (até “pensar”), isso pode, sim, levar a consequências indesejadas. Afinal, máquinas são ferramentas que devem nos ajudar a realizar nossas tarefas, e não que façam tudo por nós.

Por outro lado, essa hipótese indesejável não pode servir de motivo para “impedirmos o futuro”. Como cantava Elis Regina, “o novo sempre vem”. O que temos que fazer é entendermos tudo que chega com ele, para aproveitarmos o que traz de bom e contornarmos o que for indesejável.

“O ChatGPT ainda é um assunto muito novo, mas o medo das mudanças tecnológicas já é bem tratado”, explica Rodrigo Guerra, doutorando do Departamento de Políticas Científicas e Tecnológicas da Unicamp. “Ele deixou mais concreta a visão de que a inteligência artificial pode substituir o homem agora no trabalho cognitivo”, acrescenta.

Existe um fator ético associado a esse medo. Em muitas ocasiões, empresas como a OpenAI, criadora do ChatGPT, lançam produtos sem um debate com a sociedade e sem avaliar adequadamente possíveis consequências disso. Fazendo outro paralelo com “Wall-E”, o que tornou a Terra inabitável foi um consumismo desenfreado das pessoas, promovido pela megacorporação Buy-n-Large. Ironicamente, as naves que “salvaram” a humanidade (mas provocaram todos aqueles “efeitos colaterais”) também eram da empresa, indicando que o problema se perpetuava.

“Aí entra a importância do pensamento crítico e da capacidade do ser humano de gerar narrativas próprias para pensar eticamente essas tecnologias”, sugere Marina Martinelli, doutoranda em 5G pela Unicamp. Para ela, “temos que pensar nessas ferramentas disruptivas para que funcionem de forma que a sociedade evolua e caminhe para frente”.

 

A dor da mudança

Costumamos olhar para o lado bom de tecnologias estabelecidas, mas raramente pensamos nos problemas que muitas delas provocaram quando surgiram. O exemplo mais emblemático disso foi a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII.

Ninguém sequer cogita um mundo sem indústrias. Mas quando as primeiras fábricas surgiram, elas levaram a dolorosas mudanças sociais, com artesãos ficando sem trabalho, enquanto multidões operavam as máquinas nas fábricas, com jornadas de trabalho extenuantes e sem qualquer cuidado.

Eventualmente a sociedade encontrou um equilíbrio para que aqueles problemas fossem controlados, restando benefícios cada vez mais para todos. “Depois que a transição acaba e entra na fase mais estável, todo mundo aproveita”, explica Guerra.

É natural que busquemos máquinas que tornem nossas vidas mais fáceis. Um carro permite que percorramos grandes distâncias rapidamente e com conforto, muito mais que a cavalo ou andando a pé. Mas não por isso deixamos totalmente de andar! Pelo contrário, hoje a sociedade combate conscientemente os riscos do sedentarismo.

Nesse sentido, o medo de tecnologias como o ChatGPT levarem pessoas a pensar menos não é de todo infundado. E, sendo claro, muitas pessoas farão isso tanto quanto puderem, assim como deixam de fazer contas quando têm acesso a uma calculadora.

Nosso papel é evitar que isso aconteça de maneira descontrolada, levando a esse temido “embrutecimento mental”. Essa e outras tecnologias continuarão chegando, cada vez mais fantásticas e cada vez mais acessíveis. Mas elas não podem deixar de ser vistas como ferramentas!

Ironicamente, a melhor maneira para isso é ampliar o uso dessas plataformas, ao invés de proibi-las, como algumas pessoas propõem. E isso deve ser feito com o apoio e, se possível, a supervisão de professores, que expliquem como usar tanto poder para expandir nossas possibilidades mentais, ao invés de comprometê-las.

Como seria a vida de alguém hoje, que não soubesse usar, ainda que minimamente, um computador ou um smartphone? Essa pessoa provavelmente teria até dificuldade para conseguir um emprego, mesmo básico!

Em muito pouco tempo, a inteligência artificial será tão popular em nosso cotidiano quanto esses equipamentos. Estamos naquele momento doloroso de mais uma transição tecnológica, mas para Martinelli, todo esse barulho em torno do ChatGPT “é muita fumaça e pouco fogo”.

Essa é a hora em que temos justamente que abraçar a novidade sem medo, mas também sem deslumbramento. Como na maioria das coisas da vida, o melhor caminho é aquele que se afasta de qualquer extremo. Não abrace nem os “deslumbrados” e nem os “resistentes”.

 

A futurista casa dos Jetsons, animação que foi ao ar em 1962 e 1963, foi ultrapassada pela tecnologia das atuais “casas inteligentes”

“Casa inteligente” ganha novos “poderes”, mas ainda é um luxo para pouquíssimos

By | Tecnologia | No Comments

Esqueça os simples comandos de voz para tocar músicas ou acender luzes. A CES (Consumer Electronics Show), maior evento global de eletroeletrônicos, mostrou no começo do mês inovações para as “casas inteligentes” que vão de consumo otimizado de energia a cuidados com pets. Apesar de muitos parecerem ter saído da ficção científica, já estão disponíveis para compra. Ainda assim, continuam restritos a bem pouca gente.

É uma pena, pois as “smart homes” vão muito além de simples “brinquedos” digitais. Quando plenamente implantadas, terão o poder de revolucionar o conceito de moradia em uma escala que rivalizará com a do surgimento dos primeiros eletrodomésticos, há mais de cem anos. Esses estão tão integrados a nossas vidas, que mal percebemos sua existência. Mas experimente ficar uma semana sem sua geladeira!

A grande inovação da “casa inteligente” (ou “conectada”) não se resume ao aspecto divertido da coisa, e sim ao fato de que ela nos permitirá fazer tarefas que hoje não podemos ou que são muito demoradas. Exatamente o que fizeram os eletrodomésticos do começo do século XX.

Mas, para tal, precisamos ter acesso a tudo isso.


Veja esse artigo em vídeo:


A maioria das pessoas associa as “casas inteligentes” a assistentes virtuais, como a Alexa (da Amazon), o Google Assistente ou a Siri (da Apple). Eles funcionam em alto-falantes inteligentes, celulares, smart TVs e computadores. Conseguem realizar algumas tarefas por comandos de voz e controlam uma variedade limitada de aparelhos, como lâmpadas e alguns eletrodomésticos. Um pouco menos conhecidas, existem automações para sistemas de segurança (como fechaduras, câmeras e detectores de fumaça), de plataformas de entretenimento e de rotinas domésticas.

Mas o que foi visto na CES, que aconteceu em Las Vegas (EUA) de 5 a 8 de janeiro, foram dispositivos tomando decisões sozinhos, com inteligência artificial. Esses equipamentos também começam a compartilhar informações entre si, de maneira colaborativa, deixando de ser domínios isolados de cada fabricante. E são essas inovações que realmente podem transformar a maneira como vivemos.

“Não temos apenas a missão de aprimorar a conectividade dos produtos, mas também de viabilizar novas experiências, proporcionando uma vida mais saudável, melhores opções de entretenimento e fomentando estilos de vida mais sustentáveis”, explica Ricardo Tavares, gerente-sênior de Home Appliances da Samsung Brasil. A gigante coreana foi uma das marcas que mais investiram em “smart home” na CES.

Esse mercado é puxado pelos EUA e pela Europa. A empresa Statista estima que ele terminou 2022 com uma receita global de US$ 117,6 bilhões, podendo chegar a US$ 222,9 bilhões em cinco anos. Hoje cerca de 14,2% das residências seriam inteligentes, devendo chegar a 28,8% até 2027. A maior parte dessa receita vem dos EUA, respondendo sozinhos por US$ 31,5 bilhões, em 54 milhões de lares. O Brasil está bem atrás, com apenas US$ 1,3 bilhão em cerca de 5 milhões de domicílios.

Os números indicam que, além de termos menos “casas inteligentes”, elas são menos conectadas. Isso acontece pela população desconhecer suas possibilidades, pelo alto custo e porque muitos desses equipamentos simplesmente não chegam ao Brasil.

 

Tudo precisa “conversar”

Em novembro, tive a oportunidade de visitar um local com esses e outros recursos funcionando. Criada temporariamente em uma casa em São Paulo pela empresa de software alemã SAP, ela demonstrava a clientes como a tecnologia já pode facilitar muito a vida doméstica.

Entre outros recursos, a casa verificava se algum produto estava faltando na geladeira sempre que era aberta, fazendo uma cotação e comprando o que tivesse acabado do varejo da região. Além disso, todos os dispositivos elétricos eram conectados para garantir seu funcionamento e otimizar o consumo de energia, considerando variáveis como a presença de pessoas nos cômodos e condições climáticas. O home office era integrado com as empresas dos moradores, para melhorar seu trabalho. E até o espelho no closet simulava maquiagens e acessórios nas pessoas, permitindo a compra online, se desejado.

Para uma casa assim existir, é preciso que todos os equipamentos troquem dados entre si, algo que nem sempre acontece. Cada fabricante adota um padrão, criando uma espécie de “reserva de mercado”. Felizmente isso está mudando com a criação de protocolos abertos, como o Matter. A própria Samsung o adota em sua plataforma SmartThings. “Ele foi projetado para a interoperabilidade, mas, para que isso continue sendo uma realidade, as maiores empresas de tecnologia precisam estar comprometidas”, afirma Tavares.

Um risco que muitos especialistas apontam nas “casas inteligentes” é a coleta incessante e gigantesca de dados sobre a própria casa e seus moradores. Muitas dessas informações trafegam de maneira aberta pela Internet, podendo até ser processada remotamente. Isso abre sérios riscos de segurança, não apenas dos dados, mas da residência em si: e se bandidos conseguissem abrir trancas e desativar alarmes pela Internet? Há também o temor que esses dados sejam usados pelos próprios fabricantes para finalidades desconhecidas dos moradores.

Tudo isso precisa ser endereçado por essas empresas, do ponto de vista comercial, tecnológico e ético. E nesse pacote entra também a inteligência artificial, cada vez mais presente em equipamentos de diversas categorias. Ela permite que eles aprendam o comportamento dos moradores, ajustando suas configurações para que sejam cada vez mais eficientes para cada pessoa, de maneira autônoma.

Mesmo com essas ressalvas, minha visão para as “casas inteligentes” é otimista. Como toda nova tecnologia, precisa ainda aparar muitas arestas, para que pareça menos um protótipo e mais algo que possa estar realmente integrado ao nosso cotidiano, como nossas geladeiras.

Por fim, os fabricantes devem encontrar maneiras para baratear os custos envolvidos. Somos um país com um enorme abismo digital. Se alguém tinha alguma dúvida de como isso prejudica profundamente o desenvolvimento das pessoas, basta ver o que aconteceu no auge da pandemia, quando pessoas de baixa renda tiveram grande dificuldade de trabalhar e de estudar em casa, pelo acesso restrito a equipamentos e a conexões de qualidade.

Se esse aspecto não for resolvido, as diferenças digitais em breve ampliarão outro abismo de nosso país: o da moradia.

 

Enquanto big techs e e-commerce demitem aos milhares, livrarias vivem renascimento

By | Tecnologia | No Comments

De um lado, “unicórnios”, big techs e gigantes do varejo digital demitem sem parar. Do outro, livrarias físicas, para muitos condenadas, mostram sinais de um inusitado ressurgimento. Naturalmente não são todas, mas o fato de algumas estarem com esse vigor merece uma análise. Afinal a raiz desse sucesso pode ser replicado em outros negócios: oferecer uma boa experiência ao cliente e uma administração responsável.

O cenário do primeiro grupo é desolador. Os demitidos nas empresas de tecnologia nos últimos 12 meses giram em torno de 100 mil em todo mundo, inclusive no Brasil. Entre as causas, acabou o “dinheiro fácil” de investidores, usado para crescer rapidamente: a crise global moveu esses recursos para negócios mais estáveis. Há também um realinhamento após volumosas contratações durante o distanciamento social, para dar conta da repentina digitalização de nossas vidas. Por fim, essas empresas estão efetivamente fazendo menos dinheiro no pós-pandemia.

Algumas livrarias, por outro lado, colhem os frutos de mudanças em seus modelos de negócios e na própria visão do que fazem, atualizando empresas com muita história. Com isso, não apenas estão fazendo dinheiro, como estão crescendo.


Veja esse artigo em vídeo:


Talvez o caso mais emblemático seja o da cadeia de livrarias americana Barnes & Noble. Fundada em 1886, em 2008 chegou a ter 726 lojas em todos os estados do país. O setor já vinha sofrendo forte concorrência do e-commerce e dos leitores de livros digitais, e isso só aumentou de lá para cá. Ainda assim, em meio a concorrentes tradicionais fechando as portas, a empresa conseguiu se segurar e terminou o ano passado com 600 lojas. Mas o sinal mais interessante é que pretende abrir 30 novos endereços em 2023.

O “bicho-papão” do setor, a quem se atribui grande parte dessa quebradeira, é a também americana Amazon, com sua máquina de vender de tudo –inclusive livros, aliás sua origem– e seu leitor eletrônico Kindle. Ela provocou grandes mudanças no comportamento do consumidor. As pessoas estão lendo mais, com o digital ganhando mais espaço, tanto no formato, quanto na forma de comercialização. Livrarias e editoras que não conseguiram se adaptar a isso foram colocadas para fora do mercado.

As 600 lojas das Barnes & Noble podem passar a falsa impressão de que os problemas da rede não são tão grandes. Eles são e cresceram à medida que a empresa tentou bater a Amazon em seu terreno. Chegou até a lançar seu próprio leitor de livros eletrônicos, o Nook, em 2009. Mas em 2018 a empresa perdeu US$ 18 milhões e demitiu 1.800 funcionários, inclusive seu CEO, Demos Parneros, sob acusações de assédio sexual.

A virada aconteceu com James Daunt, um britânico conhecido por fazer “mágica” no setor de livros, que assumiu o posto de CEO em agosto de 2019. Ao chegar lá, disse que as lojas eram “crucificantemente chatas”. E então começou seu trabalho, que, de mágico não tem nada, apesar de contrariar o que executivos do setor defendem.

Ele eliminou descontos, com a crença de que diminuem o valor percebido dos livros. Além disso, não aceita dinheiro das editoras para promover títulos, pois não quer ser forçado a empurrar obras ruins goela abaixo dos leitores. Pelo contrário, faz questão que seus vendedores sejam amantes da literatura, e ofereçam livros realmente bons para cada cliente, mesmo que não sejam best-sellers.

Na pandemia, com lojas fechadas, Daunt determinou que vendedores reorganizassem as lojas segundo critérios que achassem que favoreceriam livros e leitores, eliminando espaço de produtos “concorrentes”, como brinquedos e bugigangas. Agora, ironia das ironias, algumas das novas Barnes & Noble podem ocupar lojas onde recentemente a Amazon tentou sem sucesso vender livros nos EUA.

Para muitos, Daunt pode apenas ter sorte. Mas não é nada disso e não está sozinho!

 

Respeite o cliente

Essa mudança bem-sucedida sugere o fim das megalivrarias, que reuniam incontáveis serviços para atrair o público, desde café até eventos musicais. Era como se os livros não fossem mais suficientes para atrair clientes.

Quando isso se alastrou pelo mundo há 30 anos, muitas boas livrarias sucumbiram àquele novo poder impulsionado pelo dinheiro. Isso aparece no filme “Mensagem para Você” (1998), em que Tom Hanks interpreta o dono de um conglomerado (que poderia ser a Barnes & Noble da época) que quebra uma livraria de bairro, sem saber que a dona, vivida por Meg Ryan, era a mulher por quem havia se apaixonado online.

Se são necessários café e brinquedos para vender livros, talvez o negócio não seja… livros. Como em qualquer caso, a boa venda acontece quando se conhece o produto e o cliente, e quando se é capaz de se oferecer o produto certo para cada necessidade, sem forçar a “bola da vez”. Por mais que exista “dinheiro de incentivo”, a longo prazo as pessoas comprarão mais daqueles que os atenderem genuinamente bem.

Esse é o segredo da Amazon. Sim, é de amplo conhecimento que a empresa tem práticas consideradas abusivas contra fornecedores e funcionários, problemas que precisam ser resolvidos. Mas seus algoritmos e seus atendimento focam no cliente.

Na época em que a Amazon se preparava para operar no Brasil, eu trabalhava para uma grande editora nacional. E ficava chocado quando, nas reuniões semanais da diretoria, a preocupação era buscar mecanismos para atrapalhar ao máximo a chegada da gigantesca concorrente. Em nenhum momento eram propostas soluções para a experiência dos clientes passar ser melhor que a oferecida pela Amazon.

Resultado: hoje a Amazon está bem estabelecida no Brasil, enquanto aquela marca nacional é uma pálida sombra do que era há uma década.

Muitas livrarias brasileiras, outrora fantásticas, também tiveram destino semelhante, como a Cultura e a Saraiva. Por outro lado, é uma alegria ver que muitas outras, como a Livraria da Vila, a Travessa e a Curitiba, escolheram caminhos mais alinhados com o de Daunt. Elas estão crescendo, mesmo com a crise, mesmo com a pandemia, mesmo em um país conhecido por ter cidadãos que leem pouco. E elas conseguem isso porque atendem bem o público no seu negócio, que é vender livros.

Isso é respeito e até uma forma de amor pelas pessoas e pelo que se faz. A ideia pode ser aplicada a qualquer negócio. Não há nada de errado em querer diversificar, desde que isso não o tire do seu foco e o afaste de seu público. Eu tenho muitas atividades, mas amo jornalismo, e por isso estou aqui “conversando” com vocês, e espero fazer isso sempre bem.

Talvez seja o caso de gestores perguntarem o que amam.

 

O CEO da Meta, Mark Zuckerberg, durante apresentação que simulou sua proposta do que deve ser o metaverso, em outubro de 2021

Esse será o ano da “virtualização”

By | Tecnologia | No Comments

Uma das características essenciais do mundo digital é seu dinamismo, mas ele nem sempre segue o que usuários e empresas desejam. Algumas tecnologias que despontam como grandes promessas nunca deixam de ser apenas isso. Foi o caso do deep fake, que ganhou notoriedade em 2019 com a criação de convincentes vídeos falsos com rostos alheios. E como não mencionar a visão de metaverso de Mark Zuckerberg, apresentado como a grande promessa de 2022? Por enquanto, não virou nada muito útil e ainda corroeu cerca de 70% do valor de mercado da Meta, empresa dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp.

Agora que começamos 2023, outras tecnologias prometem grandes mudanças em nossas vidas. Agrupei-as debaixo de um guarda-chuva que chamei de “virtualização”, indo muito além de usos óbvios nas redes sociais. Essa nova proposta envolve recursos que de fato ampliam digitalmente nossas habilidades.

Com ela, esse pode ser o ano em que experimentaremos a ampliação da inteligência artificial que vemos (como as plataformas criadoras de textos e imagens) e a que não vemos (que, por exemplo, aumenta o poder de nossos smartphones). A realidade mista –que mistura realidade virtual e realidade aumentada– deve também ficar mais próxima de nós. E até o metaverso pode finalmente acontecer no nosso cotidiano.

Agora é ver o que disso tudo realmente se concretizará nos próximos 12 meses.


Veja esse artigo em vídeo:


Quero começar com o afamado metaverso. Para mim, não é uma questão de “se” acontecerá, e sim de “quando”. Antes de prosseguir, vale definir o termo. O metaverso, como uma plataforma em que pessoas se encontram para realizar atividades em um ambiente digital tridimensional, já existe há 20 anos. Mas aqui me refiro à proposta de Zuckerberg, como um espaço altamente imersivo, formado pela combinação de diferentes tecnologias, em que poderemos “entrar” com equipamentos de realidade virtual e onde poderemos até manipular à distância objetos virtuais ou reais.

A principal barreira para sua adoção são os equipamentos necessários para viabilizar plenamente essa experiência, cujos preços são proibitivos para a imensa maioria das pessoas. Enquanto não ficarem mais baratos, o metaverso continuará sendo uma aplicação de nicho e comercialmente pouco atraente. Para 2023, a Meta promete novos dispositivos, e ela terá concorrência de empresas como Apple e Sony.

Isso pode baixar o preço dos equipamentos a médio prazo, o que é bem-vindo. Mas há também o software envolvido. Para o metaverso ocupar o espaço que hoje está com as redes sociais, ele precisa ser “aberto”. Ou seja, será difícil prosperar se cada empresa oferecer uma plataforma que não converse com as demais. Nesse sentido, é interessante notar que quase todas as big techs aderiram ao MSF (sigla em inglês para Fórum de Padrões do Metaverso), que prevê essa interoperabilidade.

Uma ausência importante desse grupo é a Apple, que, como de costume, tentará manter seus usuários dentro de sua própria solução. Se ela prosperar nisso, poderemos ver outras grandes seguindo por esse caminho. Mas imagine como teria evoluído a Web se cada site só funcionasse em um navegador: provavelmente nunca teria se tornado onipresente em nossas vidas.

A consultoria Gartner divulgou um e-book com tendências globais de tecnologia para 2023. O metaverso aparece na categoria “pioneirismo”, devendo se concretizar, segundo o estudo, em um horizonte de dois a três anos.

 

Ganhando “superpoderes”

Outra tendência que deve se fortalecer na esteira do metaverso, graças aos novos equipamentos, é a realidade mista. Se a realidade virtual nos coloca em um ambiente digital totalmente imersivo e a realidade aumentada projeta elementos virtuais no “mundo real”, a realidade mista combina o melhor de ambos. Por exemplo, poderemos experimentar o funcionamento de equipamentos reais com a adição de peças virtuais. Ou ainda participar de um “game em primeira pessoa” com elementos digitais e outros jogadores projetados em um cenário real.

Com tudo isso, a “virtualização” praticamente nos confere “superpoderes”. Poderemos “ver” o que não víamos, estar onde não estávamos e realizar tarefas antes impossíveis no seu escopo ou no tempo. É onde entra com força a inteligência artificial, aliás também destacada no estudo do Gartner de duas formas: no gerenciamento de confiança, risco e segurança, e na chamada “IA adaptável”.

O crescimento da inteligência artificial é galopante em diferentes áreas. Longe de ser novidade, até poucos anos atrás ela ainda era limitada, caríssima e pouco eficiente. Hoje ela faz parte de nossas vidas, até mesmo sem que saibamos.

Possivelmente você já usou algum sistema impulsionado por ela hoje mesmo, no seu celular. Alguns dos recursos mais incríveis de nossos smartphones nem acontecem nele, que funciona apenas como uma janela para sistemas de inteligência artificial que rodam em um servidor do outro lado do mundo, que usamos de maneira transparente.

A grande novidade de 2022 e que deve se expandir muito em 2023 é a chamada inteligência artificial generativa, aquela capaz de produzir conteúdos inéditos em texto, som, imagem e vídeo a partir de comandos simples do usuário. Elas também já estão por aí há alguns anos (por exemplo, em sistemas de produção de contratos), mas atingiram uma eficiência e uma popularidade inéditas há alguns meses, com o gerador de textos ChatGPT e o criador de imagens DALL-E 2 e Lensa.

As redes sociais foram inundadas com suas produções, criadas a partir de comandos simples de texto. Todas elas são verdadeiramente inéditas e tão bem-produzidas, que fica difícil distingui-las das feitas por profissionais humanos.

Em 2023, devemos ver essas ferramentas sendo cada vez mais usadas até mesmo em ambiente profissional. É inevitável! Como costumo dizer, o que puder ser automatizado será.

Mas isso abre um complexo debate ético e trabalhista. Até onde será legítimo usar um sistema que pode tirar empregos de pessoas, sendo que ele entrega suas produções a partir do que aprende do trabalho de outros profissionais (e, vale dizer, sem remunerá-los)? Deslumbrado com essas possibilidades tecnológicas, o mercado não vem dando ao tema a atenção necessária.

Temos diante de nós 12 meses para ver como e quanto de cada uma dessas tecnologias se materializará ou quanto ainda continuará como promessa. Qualquer que seja o caso, precisamos compreender e nos apropriar de cada uma delas, para que nos tragam benefícios a muitos, sem causar riscos ou prejuízos a ninguém.