“Você é a favor do diploma de jornalista?” Essa pergunta já me foi feita um sem-número de vezes, portanto a minha resposta é algo amadurecido ao longo de 15 anos de estrada. Sou jornalista formado pela Metodista, mas fiz o curso depois de já estar na profissão há muitos anos. Entrei na Folha quando estava no segundo ano do curso… de Engenharia. Ainda assim, decidi fazer também o curso de Jornalismo e cheguei a dar aula na mesma Metodista.
Por esse histórico profissional -digamos- “pouco ortodoxo”, a minha resposta não é simples. Não sou contra o diploma de jornalista, mas não posso ser a favor. Explico. Entendo que a exigência de um diploma para uma profissão se justifica quando o curso que o concede oferece conhecimento que realmente faça diferença para o desempenho da profissão. Infelizmente não é o caso das faculdades de Jornalismo brasileiras. Mesmo as mais renomadas transmitem um conhecimento raso, desperdiçando precioso tempo de sua grade horária com informações técnicas que poderiam ser rapidamente aprendidas pelo profissional quando ele chegasse ao mercado. O preço disso é falta de espaço para disciplinas que realmente fariam a diferença ao estudante, fortalecendo seu senso crítico e ética. Falta capricho em ensinar mais e melhor aos estudantes coisas como geopolítica, história, crítica de mídia, ética. Falta dar ao aluno a chance de ver o mundo com olhos mais abertos, justamente o que caracteriza um bom jornalista.
Nesse cenário, o recém-formado sai com o diploma embaixo do braço e batendo no peito que ele -e apenas ele- pode exercer a profissão. Ou pelo menos saía, pois o Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, por 8 votos a 1, que o diploma não é mais exigência para exercer da profissão. Os argumentos dos juízes são diferentes dos meus, focando em questões técnicas jurídicas, especialmente contrapondo o decreto-lei dos militares que institui a obrigatoriedade com a Constituição de 1988.
Meu objetivo aqui não é entrar no mérito desses argumentos, mesmo porque concordo com quase tudo que eles usaram. Por outro lado, não concordo com o dito pelas entidades que estavam a favor ou contra o diploma, pois acho que eram radicais ou simplórios. Minha opinião se baseia mesmo na formação do jornalista, deficiente, inútil na maior parte de suas disciplinas. Diante disso, o diploma acabava se transformando em um escudo usado por maus profissionais formados -e eles andam cada vez piores- contra outras pessoas muito mais bem preparadas para fazer jornalismo de qualidade, mas escandalosamente classificadas como “charlatãs” pelos órgãos de classe jornalísticos. Os coleguinhas que me perdoem, mas charlatões são os incompetentes que povoam as nossas redações, que levantam o nariz e batem palminhas quando o editor lhes acena com um peixe cru e que, para ganhar essa guloseima, cometem verdadeiras atrocidades profissionais.
Assim, não sou contra o diploma de jornalista, mas não posso ser a favor, pois não concordo com a maneira como os cursos são conduzidos no país. Quando eles pelo menos se aproximarem do que se vê em faculdades de Jornalismo como na Universidade de Columbia (EUA) ou de Navarra (Espanha), então serei a favor dos cursos e do diploma. Mas falta, falta muito para isso. Pena.
E um último comentário: depois da decisão do STF, uma colega veio comentar comigo o temor de que as redações agora passariam a contratar mais “não-jornalistas” que jornalistas formados. Discordei dela, pois a decisão do STF não muda muito o que já acontece na prática. Quem queria ser jornalista já exercia a profissão no Brasil de um jeito ou de outro, mas nem todos querem ou conseguem fazer isso. Não é uma profissão fácil, não é um ofício simples, são poucas as pessoas que aguentam a pressão de um fechamento. Ou, como escreveu Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura e jornalista (não formado), “ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra acaba depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não volte a começar com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”
[…] discuti aqui antes se o diploma de Jornalismo serve para algo, principalmente depois que ele deixou de ser obrigatório para o exercício da profissão. Mas […]
[…] discuti aqui antes se o diploma de Jornalismo serve para algo, principalmente depois que ele deixou de ser obrigatório para o exercício da profissão. Mas […]
[…] serve para algo? Publicado em 08/03/2010 por Macaco Elétrico Já discuti aqui antes se o diploma de Jornalismo serve para algo, principalmente depois que ele deixou de ser obrigatório para o exercício da profissão. Mas […]
Paulo,
Também não acredito num êxodo aos cursos de jornalismo. Mas, concordo que o flagelo da nossa formação profissional é a origem e o fim dessa discussão. O fato é: a lei da oferta e da procura e a qualidade do ensino devem determinar quais faculdades dpermanecerão no mercado.
Um abraço
Tomara mesmo, Denise! Se as faculdades de Jornalismo realmente melhorarem depois desse episódio, formando profissionais de qualidade, a decisão do STF representará um grande ganho educacional para o país, mais até que a mudança trabalhista que representa.
Oi, Paulo!
É um prazer estrear no seu blog que – diga-se – está muito interessante. A abordagem dos temas jornalísticos, sobretudo, tem aspectos muito inteligentes.
Ao debate!
O fim da exigência do diploma deve facilitar o ingresso de profissionais de outras áreas nas principais redações do país. Acho difícil que as chefias passem a substituir gente qualificada aos montes por estudantes que mal terminaram o ensino médio.
Com a decisão do STF, acredito, as faculdades e univesidades de jornalismo devem – ou pelo menos deveriam – melhorar a grade curricular e a qualidade da formação dos profissionais da área.
Como o diploma garantia a reserva de mercado, as faculdades não tinham motivação para aprimorar o ensino. Agora, serão obrigadas a revitalizar os cursos se quiserem continuar atraindo gente para as salas de aula. Isso será bom para jornalismo brasileiro.
Se as faculdades não acordarem para a nova realidade do mercado, aí, bom, as empresas devem intensificar os cursos de trainees para formar a sua mão-de-obra. De alguma maneira, O Estadão, a Folha, a Editora ABRIL e a Rede Globo já fazem isso. Há anos, essas empresas realizam seleções – concorridíssimas – para destacar os melhores estudantes das faculdades. E, não raro, muitos deles têm feito carreira nestas corporações.
Os defensores do diploma argumentam que as empresas devem povoar as redações de estudantes, como uma estratégia de redução de custos com folha de pagamento. Se isso acontecer, aí, sim, devemos ficar preocupados.
Bem-vinda ao blog, Denise 😉
Sobre seu comentário, a decisão do STF sacudiu o pó de uma situação insustentável há muito tempo: empresas que não cumpriam o que dizia a lei e faculdades que não formam profissionais qualificados.
Tenho ouvido e lido muito sobre a possibilidade de as faculdades melhorarem seus cursos diante do fim da exigência do diploma. Não consigo ser muito otimista quanto a isso, apesar de torcer para que aconteça. Elas não ensinam bem porque a academia está completamente dissociada do mercado e é dominada por egos tão ou mais inflados que os que se encontram nas redações (ok, talvez nisso ela esteja alinhada com o mercado). Ensina mal porque não sabe o que ensinar e não sabe como ensinar. Esse é o flagelo da nossa formação profissional, origem e fim de toda essa insólita discussão.
Por outro lado, vai que essa turma acorda e agora resolve ensinar direito… Se isso acontecer e eles forem bem-sucedidos, ótimo para as novas turmas! Isso me deixaria sinceramente feliz. Mas, se acontecer mesmo… francamente! Se são capazes, por que não fizeram isso antes?
Seria muita falta de ética fazer isso só depois da decisão dos magistrados, para dizer o mínimo! Como disse no post, não vejo muita coisa mudando em termos práticos. Não acho que acontecerá um êxodo na procura aos cursos de Jornalismo, ainda que ela possa diminuir um pouco. Por isso, temo que nem os cursos mudarão.
A conferir.