Imposto de Renda

Imposto de Renda se aproveita do rastreamento digital que sofremos

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Hoje vence o prazo para declaração do Imposto de Renda deste ano. Apesar de a Receita Federal dizer que não haverá prorrogação, às 11h de sexta, tinha recebido apenas 27,6 milhões das 32 milhões de declarações esperadas. Ou seja, 14% dos brasileiros deixaram para acertar as contas com o Leão no último fim de semana ou até mesmo no último dia!

Se esse for o seu caso e não enviou a sua declaração, ainda pode haver esperança. A cada ano que passa, o processo fica mais simples e rápido. Normalmente, gasta-se mais tempo coletando informes de rendimento e comprovantes de pagamento que com a declaração em si. Pessoas com uma conta no site do governo federal ou donas de um certificado digital puderam receber o documento praticamente pré-preenchido, incluindo as suas fontes de receita.

Se, por um lado, isso facilita consideravelmente essa inevitável tarefa, por outro deixa claro como o governo já possui uma enorme quantidade de informação sobre todos nós. Com a digitalização da vida, nosso rastreamento cresce exponencialmente: o que fazemos, o que ganhamos, o que compramos, onde e com quem estamos e muito mais está sendo continuamente observado e registrado, e não apenas pelo governo.

Esse é um processo crescente e inevitável. As vidas daqueles que tinham a sonegação de impostos como esporte ficam cada vez mais difíceis.


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“Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”, disse Benjamin Franklin, ainda no século XVIII. E o notável político e cientista americano nem de longe poderia imaginar o cenário em que vivemos hoje, com essa quase onisciência digital do governo sobre os cidadãos.

O Imposto de Renda é, de fato, uma certeza desse mundo, especialmente para quem é assalariado no Brasil, já que o tributo vem descontado no contracheque. Por isso, ficar feliz por receber uma grande restituição não faz sentido, pois isso indica que se pagou, com antecedência, muito mais imposto que deveria. O governo está apenas devolvendo isso posteriormente: não é um dinheiro que ele está lhe presenteando.

Dado que estamos indiscutivelmente sendo mesmo rastreados pelo governo, por empresas e sabe-se lá mais por quem, precisamos tirar algum benefício disso. Ter a declaração do Imposto de Renda facilitada pode parecer algo simplório, mas só quem nunca teve que a preencher nos antigos formulários em papel pensaria assim.

Desde minha primeira declaração de Imposto de Renda, tive a oportunidade de fazer isso de maneira digital. Mas eu me lembro, quando era criança, de ver meu pai com complexos formulários da Receita, uma pilha de comprovantes em papel, lápis, caneta, calculadora, preenchendo a declaração do Imposto de Renda. Nem dava para terminar no mesmo dia: o procedimento era demorado e a chance de cometer erros era grande. Depois ainda era necessário entregar os formulários pessoalmente.

Nos anos 1990, ele começou a ser digitalizado. Em 1991, surgiu a primeira versão do programa que substituía os formulários em papel, mas a entrega ainda precisava ser feita pessoalmente, em disquete, pois os brasileiros ainda não tinham acesso à Internet. O envio online foi liberado em 1997 e a entrega em papel resistiu bravamente até 2010, último ano em que a Receita aceitou os velhos formulários.

Programas do Imposto de Renda em 1991 e em 2021

Programas do Imposto de Renda em 1991 e em 2021 – Imagem: reprodução

 

Nesses 30 anos, o sistema evoluiu muito, até se tornar um dos melhores do mundo. Do lado do governo, ele garante uma arrecadação mais eficiente. Do lado do contribuinte, ajuda a evitar erros e torna o processo, antes penoso, algo que pode ser concluído com segurança em poucos minutos.

 

“Aceita que dói menos”

A pandemia de Covid-19 digitalizou ainda mais a vida de pessoas e empresas. Os que se deram melhor nesse período de provações foram justamente aqueles que tiveram a oportunidade de realizar suas atividades com grande apoio da tecnologia. Mas isso gerou ainda mais “pegadas digitais”.

Por isso, parece quase insano observar pessoas que ainda tentam resistir ao máximo à digitalização de suas vidas, justamente para evitar que seus dados sejam coletados. Isso implica em não ter contas em redes sociais, não usar alguns apps populares em seus smartphones e até se recusar a informar o CPF na hora que compram qualquer coisa.

Triste ilusão!

Pode-se fazer tudo isso e mais, e ainda assim ser rastreado de muitas formas. A maneira mais óbvia é pelo nosso smartphone, que está continuamente conosco, coletando ou gerando dados sobre nós. Mas a arapongagem vai muito além, com insuspeitos eletrodomésticos, câmeras nas ruas, empresas e condomínios, sensores em lojas e muito mais nos monitorando o tempo todo, sem nosso conhecimento ou controle.

De fato, nossos dados têm um valor inestimável para governos e empresas. Não porque eles serão vendidos, mas porque, graças a eles, todos podem conhecer melhor seu público e, dessa forma, melhorar seus produtos, seus serviços e o relacionamento com as pessoas. Na prática, isso diminui a resistência e aumenta a fidelização do cliente.

Na edição de 6 de maio de 2017, a revista inglesa de negócios “The Economist” trouxe, como matéria de capa, uma icônica reportagem que apresentou os dados como o recurso mais valioso do mundo. Segundo a matéria, “os dados são para este século o que o petróleo era para o último: um motor de crescimento e mudança. De trens de metrô e turbinas eólicas a assentos e torradeiras, todos os tipos de dispositivos estão se tornando fontes de dados.”

Diante disso, para não ser rastreado hoje, costumo dizer que seria necessário viver como Robinson Crusoe, protagonista do livro homônimo do escritor inglês Daniel Defoe, publicada em 1719. Ele conta a história de um náufrago que vive em uma ilha deserta por vários anos.

E é aí que chegamos ao ponto-chave dessa questão.

 

O preço da modernidade

Obviamente ninguém ousaria pensar em uma vida de privações como a de Crusoé.

A vida moderna e particularmente as ferramentas digitais trazem benefícios inegáveis. O próprio smartphone, nosso araponga de estimação, que carregamos para todo lado durante as 24 horas do dia, tornou-se uma ferramenta praticamente indispensável, dada a quantidade de tarefas que fazemos com ele.

É curioso observar que ele existe em nossas vidas há pouco mais de uma década. É um tempo incrivelmente curto, se considerarmos a dependência que criou em todos nós.

É pouquíssimo provável que hoje alguém abra mão de seu smartphone porque ele coleta seus dados. Tampouco deixará de usar o Google e seus diversos produtos, de fazer compras online, de chamar carro por aplicativo. Até mesmo ficar de fora das redes sociais se torna uma tarefa complicada, uma vez que a vida de todos a nossa volta passa por ali.

O rastreamento de dados é inevitável e cada vez mais profundo e diverso. Assim, ao invés de inocentemente tentar escapar dele, devemos entender como ele funciona tanto quanto pudermos, para nos apropriarmos dessas ferramentas e tirar o máximo proveito do que elas podem nos oferecer.

A coleta de seus dados vai acontecer de todo jeito. O benefício que você pode colher disso está aí. Não faz sentido recusar o segundo quando não se pode escapar do primeiro.

Uma coisa é certa: ainda bem que não tenho que passar pelo calvário de declarar o Imposto de Renda em formulários de papel.

Nem todo mundo é tão digital quanto poderia ou gostaria

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Será que temos que atender todos que poderiam ser nossos clientes?

Por mais paradoxal que possa parecer, não necessariamente!

Veja por exemplo o que está acontecendo com a entrega do Imposto de Renda, cujo prazo termina nesta terça, e é feita apenas online há uma década.


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Mesmo com o prazo estendido em dois meses por causa da pandemia do Covid-19, a Receita Federal informou, na sexta passada, a apenas 4 dias do fim do prazo, que cerca de 8 milhões de contribuintes ainda não tinham enviado a sua, equivalente a cerca de 25% das 32 milhões de declarações que o órgão espera receber neste ano.

Manter um canal de atendimento implica em diversos custos. No caso de um negócio, precisamos identificar se as receitas geradas pelas pessoas atendidas por ele valem a pena. Às vezes, elas não cobrem nem suas despesas. Isso pode impactar também o produto em si. Você pode criar um bastante dependente no meio digital, como no caso da entrega do Imposto de Renda. Só que há uma parcela considerável de pessoas que não se sentem totalmente à vontade online. Como elas ficam?

Alguns poderiam dizer que essa demora na entrega da declaração do IR se trata do velho hábito do brasileiro de deixar tudo para última hora. Para muitos, pode ter sido isso mesmo. Mas não para todos!

Muitos ainda não declararam por dificuldade de juntar todas as informações necessárias por não poder sair de casa, pelo distanciamento social. E isso acontece porque, apesar de praticamente tudo estar online hoje em dia, nem todas as pessoas se sentem à vontade no meio digital.

A declaração de Imposto de Renda brasileira é bastante simples, rápida e segura. Hoje é possível fazer a declaração até pelo celular! Para os que têm pouca coisa a declarar e já têm as informações à mão, o processo pode levar apenas alguns minutos.

Nem sempre foi assim. Eu me lembro, quando era criança, de ver meu pai com longos formulários, uma pilha de papeis, lápis, caneta, calculadora, preenchendo a declaração do. Nem dava para terminar no mesmo dia: era demorado e a chance de cometer erros era enorme! Depois ainda tinha que entregar os formulários pessoalmente.

Nos anos 1990, o processo começou a ser digitalizado. Em 1991, surgiu o primeiro programa que substituía os formulários em papel, mas a entrega ainda precisava ser feita pessoalmente, em disquete, pois a Internet era restrita a poucas universidades. O envio pela Internet foi liberado em 1997 e a entrega em papel resistiu bravamente até 2010, último ano em que a Receita aceitou os velhos formulários.

Como se pode ver, o sistema evoluiu muito, até se tornar um dos melhores do mundo. Mesmo assim, até hoje existem pessoas que têm medo de enviar sua declaração online. Há também aqueles que não conseguem operar o programa -e não são poucos. Há ainda um grande contingente que sequer consegue obter pela Internet todos os dados necessários, como informes de rendimento ou comprovantes de pagamento.

Como se pode ver, o buraco pode ser muito mais embaixo.

On line X off line

Por diferentes motivos, nem todo mundo é tão digital quanto poderia ou até gostaria! E muitas empresas e instituições de diferentes tipos ignoram isso.

Outro exemplo interessante para a compreensão dessa dinâmica são os bancos. O Brasil também tem um dos melhores sistemas bancários do mundo. O Internet banking é extremamente desenvolvido aqui.

Alguns bancos apenas digitais fazem enorme sucesso sem ter nenhuma agência. O maior deles, o Nubank, que tem apenas sete anos da história, já atingiu 20 milhões de clientes. É um terço das contas do Banco do Brasil, que tem 169 anos!

Não há dúvidas que a digitalização é o caminho a ser seguido, cada vez mais, pelos bancos. Ainda assim, muitos clientes gostam de ir a uma agência, conversar como gerente presencialmente.

A maioria dos setores da economia ainda funciona de maneira muito mais presencial que online, pois mais que cresça na modalidade digital. É o caso, por exemplo, do varejo de rua, de bares e restaurantes e da educação.

Esses também são alguns dos setores que sofreram muito com as regras de distanciamento social. A maior parte de seus clientes não está acostumada a consumir seus produtos à distância e os negócios não estavam preparados para essa realidade que se impôs ao mundo.

Nesse sentido, a pandemia funcionou como um verdadeiro “ferio de arrumação”. Empresas e clientes precisaram se adaptar a novas regras de convivência e de relacionamentos comerciais. Alguns negócios e alguns clientes conseguiram se adaptar a isso rapidamente, e estão passando por essa crise de um jeito melhor.

Vem então a pergunta: as empresas devem criar ou manter estruturas em seus negócios para atender esse público “analógico”?

A princípio, eu diria que sim. Afinal, são clientes, e merecem ser bem atendidos dentro de suas necessidades.

Quando criamos um produto, tendemos a achar que todas as pessoas são como nós. Mas elas não são! Cada um tem sua história, seus valores, seu nível educacional, sua facilidade com a tecnologia. Se criamos um produto que funcione muito bem apenas para pessoas como nós, na prática estamos mandando embora todos os demais clientes.

No final, é uma decisão de negócios. Cada canal que criamos implica em custos. Precisamos colocar, na ponta do lápis, se a quantidade de clientes que atenderemos em um canal resultará em ganhos que superem seus custos.

Ninguém espera ver o Nubank abrindo agências. Nem o Banco do Brasil fechando todas as suas. Pelo menos não por enquanto.

E temos que compreender que, se não atendermos um grupo da população, alguém o fará, mesmo que seja um nicho. Perderemos esses clientes e quem os atender poderá fazer um bom dinheiro com isso.

De novo, são decisões de negócios.

A Receita Federal não é uma empresa. No caso da declaração do Imposto de Renda, criou um sistema que atende bem a maior parte da população. E não se preocupa com quem não se dá bem com aquilo, pois sabe que existe todo um exército de contadores que apoiará os que não se sentem à vontade com a declaração digital.

No caso do seu negócio, certifique-se apenas que não esteja tomando a decisão de atender ou não um público olhando só para o seu umbigo, para as suas preferências pessoais. Toda empresa deve ser moldada no seu público.

Caso contrário, pode acabar sendo chutada para fora do mercado por concorrentes que entendem isso e oferecem uma grande experiência ao consumidor, alinhada a seu modelo de negócios.